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RESUMO: O trabalho teve por objetivo levantar o conhecimento de plantas medicinais pela população urbana de
Caldas Novas-GO, realizado entre abril e maio de 2008. Os dados foram coletados por meio de formulários semi-
estruturados (n:251), abrangendo diferentes faixas etárias, sendo levantadas informações quanto ao conhecimento e
consumo de plantas medicinais, indicações e modo de uso. Além dessas informações, avaliou-se o conhecimento da
população sobre a espécie nativa do cerrado Dimorphandra mollis (faveira), indicações para seu uso e partes utilizadas
para fins medicinais. A maioria possui conhecimentos e faz uso de plantas medicinais, resultando em 586 citações com
92 nomes populares. Através da análise da nomenclatura popular em bibliografia especializada, foi possível identificar
73 gêneros (ou espécies, quando possível), inclusas em 43 famílias (as principais são Asteraceae e Lamiaceae). Os
jovens com escolaridade entre ensino médio e ensino superior demonstraram maior conhecimento de espécies
medicinais utilizadas. As plantas mais citadas foram o boldo, erva-cidreira, hortelã. Os chás constituem o principal
modo de preparo. A faveira mostrou ser uma planta pouco conhecida pela população. Quando empregada para fins
medicinais, as partes mais comuns são a casca, folhas e raiz, sendo relatado um alto resultado satisfatório com seu
uso.
PALAVRAS-CHAVE: etnobotânica; plantas medicinais; Dimorphandra mollis; Caldas Novas/GO.
ABSTRACT: The goal of this study, conducted between April and May of 2008, was to survey the knowledge about
medicinal plants held by the urban population of the city of Caldas Novas, state of Goias, Brazil. Data were collected
using semi-structured forms (n = 251), covering different age groups and surveying information on which medicinal
plants are known by the people and their consumption, for which illnesses they are prescribed and how they are used.
Besides this information, we assessed the population's knowledge about the species Dimorphandra mollis (faveira),
native to the cerrado biome, along with prescriptions for its use and parts used for medicinal purposes. Most people
have knowledge about and make use of medicinal plants. It was possible to find 92 vernacular names from 586 times
they were mentioned. Through analysis of relevant literature in popular nomenclature, it was possible to identify 73
genera (or species when possible) included in 43 families (the main ones are Asteraceae and Lamiaceae). Young
people with education level between high school and college degree demonstrated greater knowledge of the medicinal
species. The plants that were cited the most were boldo (Plectranthus barbatus), erva-cidreira (Melissa officinalis) and
hortelã (Mentha sp). Tea is the main mode of preparation. The faveira proved to be little known by the population. When
used for medicinal purposes, the most common parts are the bark, leaves and roots. The people reported highly
satisfactory results with its use..
KEY WORDS: ethnobotany; medicinal plants; Dimorphandra mollis; Caldas Novas/GO.
núcleos urbanos com origem rural (AMOROZO, (Centro Nacional de Recursos Genéticos e
2002; SOUZA & FELFILI, 2006). Biotecnologia) em colaboração com várias
O município de Caldas Novas, na região sul do universidades (VIEIRA, 1999).
estado, está inserido na região biogeográfica dos Segundo Martins et al. (2007), a faveira é uma
Cerrados. espécie que possui alto valor econômico, pois os
Este trabalho teve por objetivo levantar o frutos (vagens) muito utilizados na indústria
conhecimento sobre o uso de plantas medicinais farmacêutica, são ricos em diversas propriedades
pela população urbana de Caldas Novas-GO, farmacológicas, tais como ação antitumoral,
visando o resgate do saber botânico tradicional. antivirais, anti-hemorrágica, hormonais,
antiinflamatórias, antimicrobianas e antioxidante.
O uso da faveira (Dimorphandra mollis Benth- A casca apresenta alto teor de taninos1 e suas
Mimosoideae) como planta medicinal pela sementes possuem um alto teor de galactomanano,
população urbana de Caldas Novas-GO. um polissacarídeo muito usado na indústria
A matéria prima vegetal para o abastecimento alimentícia (por ex. na produção de gomas
do mercado de produtos cosméticos e utilizadas como espessantes em alimentos
farmacêuticos é constituída de plantas exóticas industrializados).
provenientes do cultivo e/ou importação e de Assim, por apresentar diversas formas de
espécies nativas em grande parte obtidas de aproveitamento com alta rentabilidade, D. mollis
populações silvestres. A demanda por esses vem sofrendo um grande processo de extrativismo.
recursos vem crescendo, enquanto que a Famílias rurais sobrevivem com a pequena renda
disponibilidade dessas espécies (principalmente as da exploração da vegetação nativa, realizada
nativas) vem diminuindo. Segundo Guarin-Neto & muitas vezes de modo prejudicial à planta, o que
Morais (2003), algumas espécies poderá ocasionar a redução gradativa da
reconhecidamente terapêuticas correm o risco de viabilidade genética da espécie (GOMES &
desaparecer ou tiveram suas populações GOMES, 2000). O plantio comercial é inexistente,
drasticamente reduzidas, como tem sido relatado sendo as favas comercializadas através de coletas
para a poaia (Psychotria ipecacuamba), a arnica nas áreas de vegetação do cerrado.
(Brickelia brasiliensis), o barbatimão No município de Caldas Novas a faveira é uma
(Stryphnodendron adstringens), dentre outras. espécie nativa freqüente na área rural com
A espécie Dimorphandra mollis conhecida como vegetação de cerrado e também em áreas
faveira, fava d´anta ou falso barbatimão tem lugar periféricas da região urbana. Nesse contexto, o
garantido no mercado mundial de produtos trabalho objetivou avaliar o conhecimento da
cosméticos e farmacêuticos. Em levantamentos população urbana de Caldas Novas-GO sobre a
das espécies vegetais do cerrado utilizadas como faveira, assim como identificar as diferentes
medicinais, D. mollis é uma espécie registrada em indicações medicinais e formas de uso para a
grande número de estudos (VILA VERDE et al.; mesma.
2003; SOUZA & FELFILI, 2006; SILVA, 2007).
Essa espécie aparece também na lista de 26 Metodologia
espécies medicinais e aromáticas brasileiras com O trabalho foi realizado no município de Caldas
alta prioridade para Coleção de Germoplasma, Novas-GO, localizado ao sul do estado, sob as
projeto desenvolvido pela Embrapa/Cenargen coordenadas 17°44´ S e 48°37´ N (Figura 1).
Segundo o censo do IBGE de 2007 (IBGE,2010) recebiam a explicação dos objetivos da pesquisa, e
a cidade possui cerca de 63.000 habitantes, então, se fossem residentes na cidade e
mostrando-se heterogênea sob o ponto de vista concordassem em participar, iniciava-se a
econômico e social, tendo como principal atividade entrevista.
econômica o turismo. Nas entrevistas foram levantadas informações
A coleta de dados foi realizada durante os quanto às espécies de plantas medicinais
meses de abril e maio de 2008 por meio de conhecidas para o tratamento de doenças,
entrevistas (n: 251), valendo-se de um formulário indicações e modos de uso. Como as plantas não
semi-estruturado (13 questões) aplicados para a foram coletadas (nos quintais ou locais citados
população que transitava nas praças em diferentes pelos entrevistados) e herborizadas (veja ALMEIDA
bairros da cidade (centro e periferia), abrangendo et al., 2009; CARVALHO et al., 2011) para a
diferentes faixas etárias. As pessoas que passavam identificação, foi realizada uma análise da
pelas praças foram abordadas aleatoriamente, nomenclatura popular através de auxílio
Figura 2: Número de citações por intervalo de idade entre os entrevistados (n: 251) do município de Caldas
Novas-GO.
Tabela 2: Plantas medicinais citadas pela população urbana do município de Caldas Novas, GO.
A: nomes populares diferentes citados para a mesma espécie, como ex: Algodãozinho-do-cerrado com 10 citações e algodãozinho
com 3, sendo assim :10 + 3=13 citações para Cochlospermum regium/ Bixaceae / Erva de bugre (1) + chá de bugre (1): 1 + 1 =2
citações para Casearia sylvestris/Salicaceae
Figura 3: Plantas medicinais (nomes populares) mais citadas pelos entrevistados (n:251) do município de
Caldas Novas-GO.
pela cultura popular no que diz respeito ao uso de taninos, utilizados no combate à diarréia,
plantas medicinais, fornecem informações sobre o hipertensão arterial, reumatismo, hemorragias,
modo de preparo, finalidades e a comercialização feridas por queimaduras, problemas renais e
de plantas medicinais. Em Caldas Novas existem processos inflamatórios em geral (MARTINS et al.,
várias pessoas ligadas a esse comércio de 2007). No entanto, os autores alertam para outro
pequena escala, expondo seus produtos em feiras constituinte químico presente na casca que é o
livres e parques. flavonóide rutina, composto largamente utilizado
O desconhecimento da população sobre a pela indústria de fitoterápicos. Esse composto é
faveira também é relatado pelo Raizeiro 1 (idade: extraído principalmente dos frutos (favas) verdes,
65 anos), pois segundo seus relatos a procura pela estágio onde se obtêm a maior concentração de
faveira é muito baixa, com raros registros de busca rutina (CUSATI et al., 2006). Nas duas formas de
pela planta, ao contrário da população do extrativismo vegetal há prejuízos para a população
Nordeste, que a consome muito. Outra informação vegetal, especialmente na coleta de frutos imaturos
expressa por ele é a crescente dificuldade de se com interferência direta no processo de dispersão
encontrar as plantas para a coleta em locais mais (SILVA, 2003).
próximos da cidade. O Raizeiro 2 (idade: 46 anos) Estudos preliminares de prospecção fitoquímica
também informou sobre a reduzida busca pela de D. mollis indicaram que nas folhas secas
faveira, mas que ocorre com variação sazonal. também ocorrem taninos e flavonóides (rutina),
A parte da faveira mais comumente empregada embora em menor concentração do que nos frutos
foi a casca (70%), seguida de folhas e raiz, ambas (CUSATI et al., 2006; MARTINS et al., 2007). Estes
com 60% e, por último, os frutos (30%). estudos apontam para o fato de que as folhas
Sabe-se que a casca apresenta alto teor de secas poderiam ser utilizadas pelas indústrias,
Figura 4: Indicações terapêuticas para o uso da faveira (D. mollis) de acordo com os entrevistados (n:251).
como alternativa à coleta predatória dos frutos As indicações para o uso da faveira (não incluso
verdes, já que as folhas estão presentes o ano todo as informações fornecidas pelos raizeiros) foram
e sua extração poderia ser realizada de maneira para doenças digestivas (31%), doenças
sustentável. circulatórias (25%), doenças infecciosas (19%),
A espécie Dimorphandra wilson Rizz (faveiro de doenças oncológicas (11%), doenças respiratórias
Wilson), endêmica de Minas Gerais, figura hoje na (8%) e doenças nervosas (6%), atestando a
categoria de “criticamente ameaçada” pela IUCN, diversidade de usos (Figura 4).
devido a fatores como o alto grau de extrativismo O uso mais indicado na literatura refere-se à
para o comércio da rutina, carência de proteção ação anti-hemorrágica e cicatrizante, além da
das áreas nativas e incêndios (SOUZA et al., citação sobre contrações uterinas quando em altas
2009). Dessa forma, para evitar o atraso na dosagens (ALMEIDA et al., 1998; LORENZI &
renovação natural, a redução das populações e MATOS, 2002).
uma possível extinção como já registrada para Segundo as informações do Raizeiro 1, uma
outra espécie do gênero (D. wilson), recomenda-se indicação para a faveira é para o aumento de
um programa integrado de ações como: sêmen de bois reprodutores, quando a mesma é
desenvolvimento de métodos de coleta menos misturada na ração do gado, na proporção de 200 g
predatórios, manutenção de parte dos frutos para para um montante de farelo. No entanto, segundo
formação do banco de sementes natural, criação e suas informações, o consumo por vacas prenhas
manutenção de um viveiro de mudas de faveira, pode ser abortivo e altamente tóxico para os
estabelecimento de cooperativas de coletores bezerros.
(SOUZA et al., 2009). Para o Raizeiro 2, a informação é sobre a alta
toxicidade, sendo utilizada por mulheres como a necessidade de estudos mais aprofundados para
abortivo, devido a capacidade de provocar resgatar a origem desse conhecimento dentro de
contrações uterinas, informação atestada por um contexto sócio-cultural; a coleta e identificação
estudos fitoquímicos (ALMEIDA et al., 1998). das plantas citadas, locais de obtenção para cada
Um bom critério para justificar o uso de uma espécie citada, assim como a utilização de
planta medicinal é verificar a concordância de uso ferramentas para quantificar os dados
na comunidade (FRIEDMAN et al., 1986). Quanto etnobotânicos.
maior for essa concordância, é possível que a O boldo, erva-cidreira e hortelã foram as
planta citada contenha algum composto químico espécies mais citadas como plantas medicinais,
que valide seu uso. As maiores citações para o uso evidenciando a predominância de plantas exóticas
da faveira referiam-se a doenças digestivas e cultivadas nos quintais.
circulatórias, o que vai de acordo com Para as espécies nativas do cerrado, há
levantamentos etnobotânicos (VILA VERDE et al., urgência na busca de informações sobre as
2003; PILLA et al., 2006; SOUZA & FELFILI, 2006) técnicas de coleta adotadas pela população,
associado com testes farmacológicos realizados visando diminuir o extrativismo em áreas naturais
com taninos da casca, indicando ação antidiarréica, do cerrado e a super exploração para muitas
contra hipertensão arterial, reumatismo, espécies, possibilitando o uso sustentado da
hemorragias, dentre outras. biodiversidade.
Dentre os entrevistados que utilizaram a faveira,
observou-se um altíssimo resultado satisfatório Nota
(97%), indicando que a espécie possui um grande 1 Taninos são compostos secundários (polifenóis)
potencial de cura para um determinado uso. Essa de origem vegetal; devido às suas características
aceitação pela população implica em maior têm várias aplicações farmacológicas como:
segurança quanto à relativa eficácia do uso adstringentes, anti-sépticos, antioxidantes.
proposto.
Apesar disso, muitos estudos ainda necessitam Referências Bibliográficas
ALMEIDA, N. F. L. et al. Levantamento
serem realizados na área farmacológica visando
etnobotânico de plantas medicinais na cidade de
fornecer subsídios para a utilização da espécie de Viçosa-MG. Rev. Bras. de Farm. Rio de
forma mais segura pela população, pois o conceito Janeiro, v.90, n.4, p.316-320, 2009.
de que as plantas medicinais são remédios naturais ALMEIDA, S. P.; PROENÇA, C.E.B.; SANO, S.M.;
RIBEIRO, J.F. Cerrado: espécies vegetais
e, portanto, livre de riscos e efeitos colaterais deve
úteis. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, 1998. 464
ser reavaliado (LORENZI & MATOS, 2002). p.
AMOROZO, M.C. de M. Uso e diversidade de
Considerações finais plantas medicinais em Santo Antônio de
Leveger, MT, Brasil. Acta Botanica Brasilica.
Através de formulários aplicados à população
São Paulo, v.16, n.2, p.189-203, 2002.
urbana de Caldas Novas-GO, observou-se que a
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
maioria possui conhecimentos de grande Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
diversidade de plantas medicinais. Os jovens (faixa Depto. de Assistência Farmacêutica. Política
Nacional de Plantas Medicinais e
etária de 20-25 anos) demonstraram conhecimento
Fitoterápicos. Ministério da Saúde, Secretaria
de espécies utilizadas como plantas medicinais, de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
conhecimento esse talvez advindo de fontes Depto. de Assistência Farmacêutica. Brasília:
externas como livros, revistas, internet. Ressalta-se Ministério da Saúde, 2006.
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