Você está na página 1de 14

Revista Brasileira de Agroecologia

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


ISSN: 1980-9735

Plantas medicinais utilizadas pela população de Caldas Novas, GO e o


conhecimento popular sobre a faveira (Dimorphandra mollis Benth-Mimosoideae).
Medicinal plants used by the population of Caldas Novas, state of Goias, Brazil and
popular knowledge about the faveira (Dimorphandra mollis Benth-Mimosoideae).
OLIVEIRA, Oriane Freitas do Vale1; GONDIM, Maria José da Costa2

1 oriane.ofvo@gmail.com; 2Universidade Federal de Uberlândia- MG/Instituto de Biologia- Campus Umuarama,


Uberlândia/MG, Brasil, mjgondim@yahoo.com.br

RESUMO: O trabalho teve por objetivo levantar o conhecimento de plantas medicinais pela população urbana de
Caldas Novas-GO, realizado entre abril e maio de 2008. Os dados foram coletados por meio de formulários semi-
estruturados (n:251), abrangendo diferentes faixas etárias, sendo levantadas informações quanto ao conhecimento e
consumo de plantas medicinais, indicações e modo de uso. Além dessas informações, avaliou-se o conhecimento da
população sobre a espécie nativa do cerrado Dimorphandra mollis (faveira), indicações para seu uso e partes utilizadas
para fins medicinais. A maioria possui conhecimentos e faz uso de plantas medicinais, resultando em 586 citações com
92 nomes populares. Através da análise da nomenclatura popular em bibliografia especializada, foi possível identificar
73 gêneros (ou espécies, quando possível), inclusas em 43 famílias (as principais são Asteraceae e Lamiaceae). Os
jovens com escolaridade entre ensino médio e ensino superior demonstraram maior conhecimento de espécies
medicinais utilizadas. As plantas mais citadas foram o boldo, erva-cidreira, hortelã. Os chás constituem o principal
modo de preparo. A faveira mostrou ser uma planta pouco conhecida pela população. Quando empregada para fins
medicinais, as partes mais comuns são a casca, folhas e raiz, sendo relatado um alto resultado satisfatório com seu
uso.
PALAVRAS-CHAVE: etnobotânica; plantas medicinais; Dimorphandra mollis; Caldas Novas/GO.

ABSTRACT: The goal of this study, conducted between April and May of 2008, was to survey the knowledge about
medicinal plants held by the urban population of the city of Caldas Novas, state of Goias, Brazil. Data were collected
using semi-structured forms (n = 251), covering different age groups and surveying information on which medicinal
plants are known by the people and their consumption, for which illnesses they are prescribed and how they are used.
Besides this information, we assessed the population's knowledge about the species Dimorphandra mollis (faveira),
native to the cerrado biome, along with prescriptions for its use and parts used for medicinal purposes. Most people
have knowledge about and make use of medicinal plants. It was possible to find 92 vernacular names from 586 times
they were mentioned. Through analysis of relevant literature in popular nomenclature, it was possible to identify 73
genera (or species when possible) included in 43 families (the main ones are Asteraceae and Lamiaceae). Young
people with education level between high school and college degree demonstrated greater knowledge of the medicinal
species. The plants that were cited the most were boldo (Plectranthus barbatus), erva-cidreira (Melissa officinalis) and
hortelã (Mentha sp). Tea is the main mode of preparation. The faveira proved to be little known by the population. When
used for medicinal purposes, the most common parts are the bark, leaves and roots. The people reported highly
satisfactory results with its use..
KEY WORDS: ethnobotany; medicinal plants; Dimorphandra mollis; Caldas Novas/GO.

Correspondências para: mjgondim@yahoo.com.br


Aceito para publicação em 28/12/2012
Plantas medicinais utilizadas pela população

Introdução compostos bioativos pelas espécies do cerrado


O aproveitamento das plantas medicinais seja superior às demais formações (GUARIN-
passou a ter destaque internacional nas últimas NETO & MORAIS, 2003).
décadas, principalmente após o pronunciamento Nas últimas décadas vários estudos realizados
da OMS (Organização Mundial da Saúde) que no cerrado (latu sensu) vêm constatando o
reconheceu a sua importância e ressaltou sua potencial econômico da vegetação, principalmente
prática como parte do Programa Saúde Para as espécies de interesse medicinal (VIEIRA &
Todos no ano de 2000. Além disso, foram MARTINS, 2003; VILA VERDE et al.; 2003), com
recomendadas a realização de mais estudos e a um registro realizado através de uma compilação
propagação do uso de plantas medicinais regionais de dados bibliográficos de 561 espécies de plantas
como uma maneira de diminuir custos dos medicinais (GUARIN-NETO & MORAIS, 2003).
programas de saúde pública. Grande parte da flora do cerrado tem sido
Como decorrência das recomendações da amplamente explorada pelo conhecimento popular,
OMS, o Brasil através do Conselho Nacional de e nos últimos anos vem crescendo o
Saúde aprovou a Política Nacional de Medicina aproveitamento para produção de medicamentos,
Natural e Práticas Complementares no SUS tais como: pomadas, xaropes, soluções
(Sistema Único de Saúde) em 2005, com objetivo cicatrizantes e fungicidas, comprimidos para
principal de ampliar as opções terapêuticas aos tratamento de vermes, entre outros (SOUZA &
usuários do SUS (BRASIL, 2006). FELFILI, 2006).
Grande parte do conhecimento sobre as plantas Assim, estudos que analisem o potencial de uso
medicinais provêm de uma vivência cotidiana de medicinal de espécies vegetais por meio do
diferentes culturas humanas com a natureza. conhecimento popular podem proporcionar indícios
No Brasil, historicamente, as raízes do para a descoberta de novos produtos vegetais,
conhecimento tradicional encontram-se nas servindo de instrumento para delinear estratégias
culturas afro-brasileiras e indígenas, principais de utilização e conservação das espécies nativas
responsáveis pelo conhecimento das plantas potencialmente empregadas no uso medicinal
medicinais, transmitido oralmente de geração a (SOUZA & FELFILI, 2006).
geração (CORREA Jr, 1991). No Estado de Goiás o cerrado é a vegetação
A abordagem do estudo das plantas medicinais predominante, entremeado por campos e matas
a partir de seu emprego por uma dada população nas áreas de várzeas. O bioma no estado encontra-
constitui objeto de estudo da Etnobotânica. se com alto nível de pressão antrópica (BRASIL,
A Etnobotânica é citada na literatura como 2002), sendo uma das áreas de ocupação mais
sendo um dos caminhos alternativos que mais antiga considerando a economia predominante
evoluiu nos últimos anos para a descoberta de (produção de grãos e pecuária), demografia,
produtos naturais bioativos (MACIEL et al., 2002). disponibilidade de água, infra-estrutura de
O Brasil é um país de megadiversidade vegetal, transporte e energia e áreas de assentamentos
com a flora mais rica do mundo, sendo o bioma rurais.
Cerrado considerado a formação vegetacional com As pesquisas etnobotânicas além de abordarem
maior diversidade taxonômica em relação aos comunidades tradicionais, como indígenas e
demais biomas brasileiros. Essa maior diversidade caiçaras também investigam o conhecimento da
taxonômica em níveis superiores (ordem, famílias e população urbana (MARODIN & BAPTISTA, 2001;
gêneros) amplia a diferença e diversidade química MARTINAZZO & MARTINS, 2004; ALMEIDA et
entre elas, indicando que a gama e o potencial de al., 2009; CARVALHO et al., 2011) e de pequenos

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 157


Oliveira & Gondim

núcleos urbanos com origem rural (AMOROZO, (Centro Nacional de Recursos Genéticos e
2002; SOUZA & FELFILI, 2006). Biotecnologia) em colaboração com várias
O município de Caldas Novas, na região sul do universidades (VIEIRA, 1999).
estado, está inserido na região biogeográfica dos Segundo Martins et al. (2007), a faveira é uma
Cerrados. espécie que possui alto valor econômico, pois os
Este trabalho teve por objetivo levantar o frutos (vagens) muito utilizados na indústria
conhecimento sobre o uso de plantas medicinais farmacêutica, são ricos em diversas propriedades
pela população urbana de Caldas Novas-GO, farmacológicas, tais como ação antitumoral,
visando o resgate do saber botânico tradicional. antivirais, anti-hemorrágica, hormonais,
antiinflamatórias, antimicrobianas e antioxidante.
O uso da faveira (Dimorphandra mollis Benth- A casca apresenta alto teor de taninos1 e suas
Mimosoideae) como planta medicinal pela sementes possuem um alto teor de galactomanano,
população urbana de Caldas Novas-GO. um polissacarídeo muito usado na indústria
A matéria prima vegetal para o abastecimento alimentícia (por ex. na produção de gomas
do mercado de produtos cosméticos e utilizadas como espessantes em alimentos
farmacêuticos é constituída de plantas exóticas industrializados).
provenientes do cultivo e/ou importação e de Assim, por apresentar diversas formas de
espécies nativas em grande parte obtidas de aproveitamento com alta rentabilidade, D. mollis
populações silvestres. A demanda por esses vem sofrendo um grande processo de extrativismo.
recursos vem crescendo, enquanto que a Famílias rurais sobrevivem com a pequena renda
disponibilidade dessas espécies (principalmente as da exploração da vegetação nativa, realizada
nativas) vem diminuindo. Segundo Guarin-Neto & muitas vezes de modo prejudicial à planta, o que
Morais (2003), algumas espécies poderá ocasionar a redução gradativa da
reconhecidamente terapêuticas correm o risco de viabilidade genética da espécie (GOMES &
desaparecer ou tiveram suas populações GOMES, 2000). O plantio comercial é inexistente,
drasticamente reduzidas, como tem sido relatado sendo as favas comercializadas através de coletas
para a poaia (Psychotria ipecacuamba), a arnica nas áreas de vegetação do cerrado.
(Brickelia brasiliensis), o barbatimão No município de Caldas Novas a faveira é uma
(Stryphnodendron adstringens), dentre outras. espécie nativa freqüente na área rural com
A espécie Dimorphandra mollis conhecida como vegetação de cerrado e também em áreas
faveira, fava d´anta ou falso barbatimão tem lugar periféricas da região urbana. Nesse contexto, o
garantido no mercado mundial de produtos trabalho objetivou avaliar o conhecimento da
cosméticos e farmacêuticos. Em levantamentos população urbana de Caldas Novas-GO sobre a
das espécies vegetais do cerrado utilizadas como faveira, assim como identificar as diferentes
medicinais, D. mollis é uma espécie registrada em indicações medicinais e formas de uso para a
grande número de estudos (VILA VERDE et al.; mesma.
2003; SOUZA & FELFILI, 2006; SILVA, 2007).
Essa espécie aparece também na lista de 26 Metodologia
espécies medicinais e aromáticas brasileiras com O trabalho foi realizado no município de Caldas
alta prioridade para Coleção de Germoplasma, Novas-GO, localizado ao sul do estado, sob as
projeto desenvolvido pela Embrapa/Cenargen coordenadas 17°44´ S e 48°37´ N (Figura 1).

158 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

Figura 1: Mapa da localização do município de Caldas Novas em Goiás. (Fonte: www.apoema.com.br)

Segundo o censo do IBGE de 2007 (IBGE,2010) recebiam a explicação dos objetivos da pesquisa, e
a cidade possui cerca de 63.000 habitantes, então, se fossem residentes na cidade e
mostrando-se heterogênea sob o ponto de vista concordassem em participar, iniciava-se a
econômico e social, tendo como principal atividade entrevista.
econômica o turismo. Nas entrevistas foram levantadas informações
A coleta de dados foi realizada durante os quanto às espécies de plantas medicinais
meses de abril e maio de 2008 por meio de conhecidas para o tratamento de doenças,
entrevistas (n: 251), valendo-se de um formulário indicações e modos de uso. Como as plantas não
semi-estruturado (13 questões) aplicados para a foram coletadas (nos quintais ou locais citados
população que transitava nas praças em diferentes pelos entrevistados) e herborizadas (veja ALMEIDA
bairros da cidade (centro e periferia), abrangendo et al., 2009; CARVALHO et al., 2011) para a
diferentes faixas etárias. As pessoas que passavam identificação, foi realizada uma análise da
pelas praças foram abordadas aleatoriamente, nomenclatura popular através de auxílio

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 159


Oliveira & Gondim

bibliográfico em levantamentos de plantas observou-se que o maior número de citações está


medicinais do cerrado. associado com a faixa etária de 16-30 anos (Figura
Com relação aos dados de escolaridade foi 2).
considerado alfabetizado o entrevistado que sabia Embora não tenha sido levantado as fontes de
ler e escrever, mas que não freqüentou a escola; conhecimento dos entrevistados sobre plantas
para as categorias de ensino fundamental, médio medicinais (ex: tradição familiar, indicação médica,
ou superior foram incluídos os que haviam palestras, programas de rádio e televisão, livros,
completado ou não esse nível de escolaridade. revistas, jornais), esses resultados indicam que
Com relação à faveira, as questões referiam-se existe um conhecimento desses jovens (faixa etária
ao conhecimento ou não da espécie como planta média de 25 anos) sobre uso das plantas
medicinal, indicações para o uso e partes utilizadas medicinais, associado com o grau de escolaridade,
da planta para fins medicinais. Além disso, foram adquirindo possivelmente essas informações
entrevistados informalmente dois raizeiros através de fontes externas como livros, revistas,
tradicionais da cidade (usou-se o critério de tempo internet (Tabela 1). Em sociedades tradicionais o
de atividade nesta área de comércio) que principal modo de transmissão do conhecimento é o
comercializam seus produtos em feiras livres e oral, através de tradição familiar, de gerações a
mercados populares para buscar informações gerações (AMOROZO, 2002). Todavia, as novas
sobre o consumo da faveira. gerações no ambiente urbano buscam meios
modernos de comunicação, incorporando
Resultados e discussões programas de televisão, palestras, cursos, vídeos e
Plantas medicinais utilizadas pela população de internet. Assim, a rede do conhecimento sobre
Caldas Novas-GO plantas medicinais pode sofrer alterações,
Observou-se que 61% dos entrevistados refletindo no interesse por parte dos jovens
utilizam plantas medicinais para tratamento de entrevistados em adquirir informações sobre o
enfermidades. No trabalho de Silva et al., (2009) no conhecimento de plantas com utilização medicinal.
município de Jataí, sudeste de Goiás, observou-se No entanto, há que se considerar que as
um consumo de plantas medicinais por 96% das respostas referiam-se a citações de plantas
famílias entrevistadas (n: 100 famílias). Em medicinais conhecidas, mas não foram
Mossâmedes-GO, Vila Verde et al. (2003) quantificadas as respostas com relação ao uso
registraram a utilização de algum tipo de planta destas plantas citadas. Portanto, pode existir um
medicinal por 57% dos entrevistados (n: 200). interesse por parte dos entrevistados em
A cultura goiana advêm de uma cultura informações sobre plantas medicinais, mas não
predominantemente agro-pastoril, onde a utilização necessariamente fazem uso das mesmas.
de plantas medicinais para fins terapêuticos está Ao avaliarem o uso de plantas medicinais pelas
bastante presente no dia-a-dia da população, populações da cidade de Cascavel/PR, Martinazzo
sendo constatada pela população da capital e & Martins (2004) constataram que utilizavam as
cidades do interior da região (TRESVENZOL et al., plantas medicinais independente do padrão sócio-
1997, apud MORAIS et al., 2005). econômico ou grau de escolaridade. Também no
Os 251 entrevistados (não incluso os dois trabalho de Silva & Proença (2008) não foi
raizeiros) incluíram indivíduos que apresentavam encontrado correlação positiva entre número de
idade de 10 até 80 anos. Relacionando a faixa espécies citadas e nível de escolaridade, assim
etária com o número de citações de plantas como também para estrutura etária e número de

160 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

Figura 2: Número de citações por intervalo de idade entre os entrevistados (n: 251) do município de Caldas
Novas-GO.

espécies citadas. informações sobre a espécie (VENDRUSCOLO et


Entre os 251 entrevistados foram registrados 92 al., 2005).
nomes populares (listados em ordem alfabética) Assim, a designação da nomenclatura popular
com 586 citações de plantas medicinais (Tabela 2). para algumas citações revelou:
Como as plantas não foram coletadas (nos
quintais ou locais citados pelos entrevistados) foi (a) Sinônimos folk ou etno-sinônimos, quando
realizada uma análise da nomenclatura popular em nomes populares diferentes são referidos pelos
levantamentos de plantas medicinais da região informantes para uma mesma espécie botânica:
sendo possível identificar 73 gêneros (ou espécies, algodãozinho, algodãozinho do cerrado:
quando foi possível identificação para espécie) Cochlospermum regium-Bixaceae; erva-de-santa-
inclusas em 43 famílias, com oito nomes populares Maria, mastruz: Chenopodium ambrosioides-
não identificados. A classificação seguiu APG II, Chenopodidae; erva-de-bugre, chá-de-bugre:
segundo Souza e Lorenzi (2008). Casearia sylvestris-Salicaceae; macela, marcela:
É muito comum plantas medicinais serem Achyrocline satureioides-Asteraceae.
denominadas por diferentes nomes populares,
variando de região para região, sendo essa (b) Etno-homônimos, quando para um mesmo
variação de nomes uma ótima forma de quantificar nome popular são identificadas várias espécies
o conhecimento etnobotânico ou a quantificação de botânicas: arnica:Arnica montan/Lychnophora

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 161


Oliveira & Gondim

Tabela 1: Número de entrevistados de acordo com a escolaridade e o número de plantas citadas.

ericoides (Asteraceae); amaro-leite: Ipomea sp quebra-pedra e o guaco, com predomínio de


/Operculina macrocarpa (Apocynaceae); bálsamo: espécies herbáceas de origem exótica (Figura 3).
Sedum dendroideum/Cotyledum orbiculata Essa listagem pode ser explicada pelo fato
(Crassulaceae); cana-de-macaco: Costus dessas plantas serem facilmente cultivadas nos
spicatus/Dichorisandra hexandra (Costaceae); quintais, sendo utilizadas principalmente na forma
quina: Cinchona calisaya (Rubiacae)/Strychnos de chás proveniente das folhas.
pseudoquina (Loganiacae). Nesta categoria ainda Ente as formas de uso das plantas medicinais
cabe mencionar espécies diferentes com grandes foram citadas com o maior percentual os chás
semelhanças morfológicas (mesmo gênero) como (47%), xaropes (19%) e macerados (12%),
as várias espécies de Mentha (hortelã), Eucalyptus pomadas (9%), inalações (7%), In natura (5 %) e
(eucalipto), Passiflora (maracujá), Citrus outros (1%).
(laranjeira), Phyllanthus (quebra-pedra), Senna Os chás (infusão ou decocção) como forma de
(sene), Plantago (tansagem). utilização mais apreciada pela população também
foi confirmado por Marodin & Batista, 2001;
Considerando as divisões em subfamílias de Amorozo, 2002; Pilla et al.,2006; Almeida et al.,
Fabaceae (Faboidea, Caesalpinioideae e 2009. Sabe-se que os chás, além do valor
Mimosoideae/APG-II), as famílias com maior medicinal específico, contribuem para outros fins
número de nomes populares citados (e como hidratação, eliminação das toxinas, controle
identificados em gêneros ou espécies) foram da temperatura corporal e auxílio na digestão dos
Asteraceae (onze) e Lamiaceae (sete). As alimentos (MARODIN & BATISTA, 2001).
espécies inclusas nessas famílias, em sua maioria
exóticas domesticadas, são normalmente O uso da faveira (Dimorphandra mollis) pela
cultivadas em quintais. Essas famílias mais população de Caldas Novas-GO
representativas também foram encontradas em A espécie D. mollis (faveira) mostrou ser uma
trabalhos etnobotânicos em diferentes regiões do planta pouco conhecida pela população, pois
país (PILLA et al., 2006; SILVA & PROENÇA, apenas 31% dos entrevistados (não incluso os
2008, GARRIDO et al., 2009). raizeiros) conhecem ou já ouviram falar da espécie.
As dez plantas mais citadas pelos entrevistados Dentre essas pessoas apenas 20% (16 pessoas) já
incluem o boldo, erva-cidreira, hortelã, erva-de- fizeram uso da faveira.
santa-Maria, sucupira e camomila, babosa, arnica, A figura dos raizeiros, pessoas consagradas

162 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

Tabela 2: Plantas medicinais citadas pela população urbana do município de Caldas Novas, GO.

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 163


Oliveira & Gondim

A: nomes populares diferentes citados para a mesma espécie, como ex: Algodãozinho-do-cerrado com 10 citações e algodãozinho
com 3, sendo assim :10 + 3=13 citações para Cochlospermum regium/ Bixaceae / Erva de bugre (1) + chá de bugre (1): 1 + 1 =2
citações para Casearia sylvestris/Salicaceae

164 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

Figura 3: Plantas medicinais (nomes populares) mais citadas pelos entrevistados (n:251) do município de
Caldas Novas-GO.

pela cultura popular no que diz respeito ao uso de taninos, utilizados no combate à diarréia,
plantas medicinais, fornecem informações sobre o hipertensão arterial, reumatismo, hemorragias,
modo de preparo, finalidades e a comercialização feridas por queimaduras, problemas renais e
de plantas medicinais. Em Caldas Novas existem processos inflamatórios em geral (MARTINS et al.,
várias pessoas ligadas a esse comércio de 2007). No entanto, os autores alertam para outro
pequena escala, expondo seus produtos em feiras constituinte químico presente na casca que é o
livres e parques. flavonóide rutina, composto largamente utilizado
O desconhecimento da população sobre a pela indústria de fitoterápicos. Esse composto é
faveira também é relatado pelo Raizeiro 1 (idade: extraído principalmente dos frutos (favas) verdes,
65 anos), pois segundo seus relatos a procura pela estágio onde se obtêm a maior concentração de
faveira é muito baixa, com raros registros de busca rutina (CUSATI et al., 2006). Nas duas formas de
pela planta, ao contrário da população do extrativismo vegetal há prejuízos para a população
Nordeste, que a consome muito. Outra informação vegetal, especialmente na coleta de frutos imaturos
expressa por ele é a crescente dificuldade de se com interferência direta no processo de dispersão
encontrar as plantas para a coleta em locais mais (SILVA, 2003).
próximos da cidade. O Raizeiro 2 (idade: 46 anos) Estudos preliminares de prospecção fitoquímica
também informou sobre a reduzida busca pela de D. mollis indicaram que nas folhas secas
faveira, mas que ocorre com variação sazonal. também ocorrem taninos e flavonóides (rutina),
A parte da faveira mais comumente empregada embora em menor concentração do que nos frutos
foi a casca (70%), seguida de folhas e raiz, ambas (CUSATI et al., 2006; MARTINS et al., 2007). Estes
com 60% e, por último, os frutos (30%). estudos apontam para o fato de que as folhas
Sabe-se que a casca apresenta alto teor de secas poderiam ser utilizadas pelas indústrias,

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 165


Oliveira & Gondim

Figura 4: Indicações terapêuticas para o uso da faveira (D. mollis) de acordo com os entrevistados (n:251).

como alternativa à coleta predatória dos frutos As indicações para o uso da faveira (não incluso
verdes, já que as folhas estão presentes o ano todo as informações fornecidas pelos raizeiros) foram
e sua extração poderia ser realizada de maneira para doenças digestivas (31%), doenças
sustentável. circulatórias (25%), doenças infecciosas (19%),
A espécie Dimorphandra wilson Rizz (faveiro de doenças oncológicas (11%), doenças respiratórias
Wilson), endêmica de Minas Gerais, figura hoje na (8%) e doenças nervosas (6%), atestando a
categoria de “criticamente ameaçada” pela IUCN, diversidade de usos (Figura 4).
devido a fatores como o alto grau de extrativismo O uso mais indicado na literatura refere-se à
para o comércio da rutina, carência de proteção ação anti-hemorrágica e cicatrizante, além da
das áreas nativas e incêndios (SOUZA et al., citação sobre contrações uterinas quando em altas
2009). Dessa forma, para evitar o atraso na dosagens (ALMEIDA et al., 1998; LORENZI &
renovação natural, a redução das populações e MATOS, 2002).
uma possível extinção como já registrada para Segundo as informações do Raizeiro 1, uma
outra espécie do gênero (D. wilson), recomenda-se indicação para a faveira é para o aumento de
um programa integrado de ações como: sêmen de bois reprodutores, quando a mesma é
desenvolvimento de métodos de coleta menos misturada na ração do gado, na proporção de 200 g
predatórios, manutenção de parte dos frutos para para um montante de farelo. No entanto, segundo
formação do banco de sementes natural, criação e suas informações, o consumo por vacas prenhas
manutenção de um viveiro de mudas de faveira, pode ser abortivo e altamente tóxico para os
estabelecimento de cooperativas de coletores bezerros.
(SOUZA et al., 2009). Para o Raizeiro 2, a informação é sobre a alta

166 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

toxicidade, sendo utilizada por mulheres como a necessidade de estudos mais aprofundados para
abortivo, devido a capacidade de provocar resgatar a origem desse conhecimento dentro de
contrações uterinas, informação atestada por um contexto sócio-cultural; a coleta e identificação
estudos fitoquímicos (ALMEIDA et al., 1998). das plantas citadas, locais de obtenção para cada
Um bom critério para justificar o uso de uma espécie citada, assim como a utilização de
planta medicinal é verificar a concordância de uso ferramentas para quantificar os dados
na comunidade (FRIEDMAN et al., 1986). Quanto etnobotânicos.
maior for essa concordância, é possível que a O boldo, erva-cidreira e hortelã foram as
planta citada contenha algum composto químico espécies mais citadas como plantas medicinais,
que valide seu uso. As maiores citações para o uso evidenciando a predominância de plantas exóticas
da faveira referiam-se a doenças digestivas e cultivadas nos quintais.
circulatórias, o que vai de acordo com Para as espécies nativas do cerrado, há
levantamentos etnobotânicos (VILA VERDE et al., urgência na busca de informações sobre as
2003; PILLA et al., 2006; SOUZA & FELFILI, 2006) técnicas de coleta adotadas pela população,
associado com testes farmacológicos realizados visando diminuir o extrativismo em áreas naturais
com taninos da casca, indicando ação antidiarréica, do cerrado e a super exploração para muitas
contra hipertensão arterial, reumatismo, espécies, possibilitando o uso sustentado da
hemorragias, dentre outras. biodiversidade.
Dentre os entrevistados que utilizaram a faveira,
observou-se um altíssimo resultado satisfatório Nota
(97%), indicando que a espécie possui um grande 1 Taninos são compostos secundários (polifenóis)
potencial de cura para um determinado uso. Essa de origem vegetal; devido às suas características
aceitação pela população implica em maior têm várias aplicações farmacológicas como:
segurança quanto à relativa eficácia do uso adstringentes, anti-sépticos, antioxidantes.
proposto.
Apesar disso, muitos estudos ainda necessitam Referências Bibliográficas
ALMEIDA, N. F. L. et al. Levantamento
serem realizados na área farmacológica visando
etnobotânico de plantas medicinais na cidade de
fornecer subsídios para a utilização da espécie de Viçosa-MG. Rev. Bras. de Farm. Rio de
forma mais segura pela população, pois o conceito Janeiro, v.90, n.4, p.316-320, 2009.
de que as plantas medicinais são remédios naturais ALMEIDA, S. P.; PROENÇA, C.E.B.; SANO, S.M.;
RIBEIRO, J.F. Cerrado: espécies vegetais
e, portanto, livre de riscos e efeitos colaterais deve
úteis. Planaltina: EMBRAPA-CPAC, 1998. 464
ser reavaliado (LORENZI & MATOS, 2002). p.
AMOROZO, M.C. de M. Uso e diversidade de
Considerações finais plantas medicinais em Santo Antônio de
Leveger, MT, Brasil. Acta Botanica Brasilica.
Através de formulários aplicados à população
São Paulo, v.16, n.2, p.189-203, 2002.
urbana de Caldas Novas-GO, observou-se que a
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
maioria possui conhecimentos de grande Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
diversidade de plantas medicinais. Os jovens (faixa Depto. de Assistência Farmacêutica. Política
Nacional de Plantas Medicinais e
etária de 20-25 anos) demonstraram conhecimento
Fitoterápicos. Ministério da Saúde, Secretaria
de espécies utilizadas como plantas medicinais, de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos.
conhecimento esse talvez advindo de fontes Depto. de Assistência Farmacêutica. Brasília:
externas como livros, revistas, internet. Ressalta-se Ministério da Saúde, 2006.
CARVALHO, C.A. et al. Medicinal plants used by

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 167


Oliveira & Gondim

the population of Viçosa, MG, Brasil-preliminary em três grupos de população humana. Revista
study. Revista Eletrônica de Farmácia. Brasileira de Plantas Medicinais. Botucatu,
Goiânia, v.8, n.4, p.13-26, 2011. v.5, p.1-9, 2002.
CORREA, Jr, C; MING, L.; SCHEFFER, M.C. MARTINAZZO, A.P., MARTINS, T. Plantas
Cultivo de plantas medicinais, medicinais mais utilizadas pela população de
condimentares e aromáticas. Curitiba: Cascavel-PR. Arquivos Ciências e Saúde-
EMATER-PR, 1991. 151 p. UNIPAR. Umuarama, v.8, n.1, p.3-5, 2004.
CUSATI, R.C. et al. Teores de flavonóides de fava MARTINS, L. V. et. al. Prospecção fitoquímica
d’anta Dimorphandra mollis (Caesalpinaceae). preliminar de Dimorphandra mollis Benth
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE QUÍMICA, (Fabaceae-Mimosoideae). Revista Brasileira
XLIV, 2006, Salvador. Resumos...p.115. de Biociências. Porto Alegre, v.5, supl.2, p.823-
FRIEDMAN, J. et al. A preliminary classification of 830, 2007.
the healing of medicinal plants, based on a MORAIS, I.C. et al. Levantamento sobre plantas
rational analysis of an ethnopharmacological field medicinais comercializadas em Goiânia: uma
survey among bedouins in the Negev desert, abordagem popular (raizeiros) e abordagem
Israel. Journal of Ethnopharmacology. científica (levantamento bibliográfico). Revista
Amsterdan, v.16, p.257-287, 1986. Eletrônica de Farmácia. Goiânia, v.2, n.1,
GARRIDO, J.; LIMA, C. R. de; COLLI, A.M. T. p.13-16, 2005.
Estudo etnobotânico de plantas medicinais do PILLA, M.A.C.; AMOROZO, M.C. de M.; FURLAN,
município de Casa Branca, SP. Revista Logos. A. Obtenção e uso das plantas medicinais no
Rio de Janeiro, n.17, p.13-19, 2009. distrito de Martim Francisco, município de Mogi-
GOIÁS. Secretaria de Meio Ambiente e dos Mirim, SP, Brasil. Acta Botanica Brasilica. São
Recursos Hídricos do Estado de Goiás Paulo, v.20, n.4, p.789-802, 2006.
(SEMARH), Agência Ambiental de Goiás, SILVA, C.S.P. As plantas medicinais no município
Programa das Nações Unidas Para o Meio de Ouro Verde de Goiás, GO, Brasil: uma
Ambiente (PNUMA) e Fundação Centro abordagem etnobotânica. Brasília, 2007. 153 p.
Brasileiro de Referência e Apoio Cultural Dissertação-Universidade de Brasília-UNB.
(CEBRAC). GeoGoiás 2002 - Estado SILVA, C.S.P., PROENÇA, C.E.B. Uso e
Ambiental de Goiás. Goiânia. 1CD. disponibilidade de recursos medicinais no
GOMES, L. J.; GOMES, M.A.O. Extrativismo e município de Ouro Verde de Goiás, GO, Brasil.
biodiversidade: o caso da fava d’anta. Ciência Acta Botanica Brasilica. São Paulo, v.22, n.2,
Hoje. São Paulo, v.27, n.161, p. 66-69, 2000. p. 481-492, 2008.
GUARIN-NETO, G.; MORAIS, R.G. de. Recursos SILVA, R.F. et al. Estudo etnobotânico das plantas
medicinais de espécies do cerrado de Mato medicinais utilizadas pela população do
Grosso: um estudo bibliográfico. Acta Botanica município de Jataí, Goiás. Revista Brasileira de
Brasilica. São Paulo, v.17, n.4, p.561-584, Agroecologia. Cruz Alta, v.4, n.2, p.174-177,
2003. 2009.
IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SILVA, S.R. Levantamento das técnicas utilizadas
Censo Demográfico 2007. Disponível em: < na coleta de frutos de Dimorphandra mollis
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populaca Benth (Leguminosae), fava d’anta, no cerrado
o/contagem2007/metodologia.shtm Acesso em: brasileiro. In: CONGRESSO DE ECOLOGIA DO
20 dezembro 2011. BRASIL,VI, 2003, Fortaleza. Resumos...p.587-
LORENZI, H., MATOS, F.J.A. Plantas medicinais 588.
no Brasil: nativas e exóticas. Nova Odessa- SOUZA, C.D.; FELFILI, J.M. Uso de plantas
SP: Instituto Plantarum, 2002. medicinais na região de Alto Paraíso, GO, Brasil.
MACIEL, M.A.M.; PINTO, A.C. VEIGA-Jr, V.F. Acta Botanica Brasilica. São Paulo, v.20, n.1,
Plantas medicinais: a necessidade de estudos p.135-142, 2006.
multidisciplinares. Química Nova. São Paulo, SOUZA, H.A.V.; RIBEIRO, R.A.; FERNANDES,
v.25, n.3, p.429-438, 2002. F.M.; LOVATO, M.B. Estrutura genética espacial
MARODIN, S.M.; BAPTISTA, L.R.M. Plantas do faveiro de Wilson (Dimorphandra wilsonii-
medicinais de Dom Pedro de Alcântara, estado Leguminosae), espécie criticamente ameaçada
do Rio Grande do Sul: espécies, famílias e usos de extinção e estratégias para sua conservação
e manejo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE

168 Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013)


Plantas medicinais utilizadas pela população

GENÉTICA, 55º, 2009, Águas de Lindóia.


Resumos...p.210.
SOUZA, V.C.; LORENZI, H. Botânica
Sistemática. 2ª ed. Nova Odessa-SP: Instituto
Plantarum, 2008.
VENDRUSCOLO, G.S.; SOARES, E.L.C.;
EISINGER, S.M.; ZACHIA, R.A.Estudo
etnobotânico do uso dos recursos vegetais em
Sâo João do Polêsine-RS, no período de outubro
de 1999 a junho de 2001- II-Etnotaxonomia:
critérios taxonômicos e classificação folk.
Revista Brasileira de Plantas Medicinais.
Botucatu, v.7, n.2, p.44-72, 2005.
VIEIRA, R.F. Conservation of medicinal and
aromatic plants in Brazil. In: JANICK, J. (Ed).
Perpectives on new crops and new uses.
Alexandria: ASHS Press, 1999. p.152-159.
VIEIRA, R.F.; MARTINS, M.V.M. Recursos
genéticos de plantas medicinais no cerrado: uma
compilação de dados. Revista Brasileira de
Plantas Medicinais. Botucatu, v.3, n.1, p.13-16,
2000.
VILA VERDE, G.M.; PAULA, J.R.; CARNEIRO,
D.M. Levantamento etnobotânico das plantas
medicinais do cerrado utilizadas pela população
de Mossâmedes (GO). Revista Brasileira de
Farmacognosia. Curitiba, v.13, supl.1, p.64-66,
2003.

Rev. Bras. de Agroecologia. 8(1): 156-169 (2013) 169

Você também pode gostar