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PRÁTICAS FITOTERÁPICAS E A RELAÇÃO CULTURAL DE QUILOMBOLAS

COM O USO DE PLANTAS MEDICINAIS EM RITUAIS DE CURA

Autores: LUIZA FERNANDES FONSECA SANDES, LUDMILA COTRIM FAGUNDES, VICTOR


THADEU DE FREITAS VELOSO, ANDRÉ AUGUSTO DIAS SILVEIRA, HELENA LUZ RIBEIRO SANTOS
DE GALLIAÇO PRATA, DANIEL ANTUNES FREITAS

Introdução
Quilombos são comunidades rurais de afrodescendentes que concentram uma secular história de povos negros
sobreviventes a longos anos de escravidão no Brasil. Devido à marginalização herdada por Quilombolas, de séculos
passados, somada ao isolamento geográfico e à incompreensão cultural desses povos, estes apresentam indicadores de
saúde extremamente deficitários e altos índices de vulnerabilidade social. São grupos étnicos que possuem obstáculos
no acesso a sistemas formais de saúde e comumente utilizam práticas populares de autocuidado, embasadas na
medicina tradicional, com uso de ervas medicinais e rituais de cura aprendidos ao longo de diversas gerações familiares
(FREITAS, 2011).
Dentro do território brasileiro existe uma extensa diversidade de flora, com 99% das plantas do país ainda
desconhecidas quimicamente, até o ano de 1999 (GOMES e BANDEIRA, 2012). A importância do cultivo e uso de
plantas medicinais foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmando que 80% da população
mundial dependiam de remédios caseiros produzidos diretamente de plantas, no ano de 2005 (GOMES e BANDEIRA,
2012). É importante destacar também a ameaça ao cultivo de ervas medicinais dentro de comunidades tradicionais,
devido à recente falta de interesse dos jovens e às pressões culturais externas para adoção de tratamentos da medicina
moderna (GOMES e BANDEIRA, 2012). Portanto, conhecer e propagar práticas de cultivo de ervas medicinais dentro
de Quilombos permanece como importante meio de preservação da cultura negra, da simbologia e história da
terapêutica familiar brasileira e africana.
O Ministério da Saúde publicou, em 2006, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), após
reconhecimento, por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), da importância de plantas fitoterápicas e da
medicina tradicional na atenção primária. Desta forma, através da PNPMF, foi proposta uma extensa identificação,
categorização, avaliação, preparo e cultivo adequado de plantas medicinais presentes no território brasileiro. A PNPMF
permite, através de suas proposições, que a fabricação de medicações fitoterápicas ocorra de forma segura e com
qualidade para os pacientes. É reconhecido o grande potencial brasileiro em desenvolver e aprimorar o setor de
produtos fitoterápicos, devido a enorme biodiversidade presentes nos ecossistemas do país (BRASIL, 2006). Portanto,
a PNPMF reconhece as práticas populares de uso de ervas medicinais, fomenta a pesquisa no setor fitoterápico, propõe
práticas adequadas para cultivo de plantas medicinais e promove o uso sustentável da biodiversidade brasileira
(BRASIL, 2006).
Também em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), dentro do
Sistema Único de Saúde (SUS). São contemplados recursos terapêuticos e sistemas médicos complexos, que são
reconhecidos pela OMS como Medicina Tradicional e Complementar ou Alternativa. É estimulada abordagem que
busque mecanismos naturais de prevenir agravos e promover a recuperação da saúde dos indivíduos, utilizando-se de
meios eficazes e seguros. (BRASIL, 2006). Entre as práticas que integram o rol de atividades complementares, estão a
o uso de de plantas medicinas e fitoterapia é inserido e reconhecido.
Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi de realizar uma pesquisa bibliográfica dentro de base de dados científicas a
respeito da categorização e conhecimento sobre o cultivo e uso de plantas medicinais dentro de comunidades
Quilombolas. Dessa forma, será construída uma pesquisa com análise crítico-reflexiva que responda a questão “Como
é a relação dos povos Quilombolas com o cultivo e uso de plantas para fins terapêuticos e medicinais?”.
Material e métodos

Foram realizadas buscas de literatura científica na base de dados Scielo. Os descritores e expressões utilizados durante
as buscas nas bases de dados foram: “Plantas medicinais AND Quilombolas”, “Etnobotânica AND Quilombolas” e
“Plantas medicinais AND Quilombo”. Foram utilizados os artigos publicados entre os anos de 2012 e 2018, em
português e inglês e foram encontrados oito artigos inicialmente, tendo sido excluídos os artigos publicados antes do
ano 2012 e/ou que não contemplassem o texto completo e/ou artigos repetidos. Os artigos foram estudados em sua
plenitude e compilados a partir do eixo central da pesquisa. Ao analisar a amostra total de oito artigos, foram
selecionados quatro artigos, relevantes e relacionados com o tema em discussão no presente trabalho. Três artigos
foram eleitos com a aplicação dos descritores “Plantas medicinais AND Quilombolas” e um artigo foi selecionado com
os descritores “Plantas medicinais AND Quilombo”.

Resultados e discussão

Dentre os quatro artigos da amostra final, dois investigaram a etnobotânica de comunidades Quilombolas do interior da
Bahia e outros dois em comunidades no estado do Mato Grosso. Dentre as principais plantas de uso medicinal
categorizadas nos trabalhos estão a Erva-Cidreira e Capim-Santo, citadas em 100% (n=4) dos artigos; Quina citada em
75% (n=3); e mais algumas citadas em 50% (n=2) dos trabalhos como a Aroeira, Babosa, Arruda, Café, Boldo, Cordão-
de-Frade, Gerbão, Acerola, Mamão, Romã, Andu, Losna, Vassourinha, Goiaba e Melão-São-Caetano, conforme
mostra a Tabela 1.
Dentre as principais enfermidades citadas como preveníveis ou tratáveis por meio de plantas medicinais estão:
infecções respiratórias ou digestórias, diarreia, asma, gripes/resfriados, doenças do sistema nervoso, cólicas menstruais,
gastrite, diabetes, doenças renais, doenças reumatológicas, ansiedade e hipertensão arterial (GOMES e BANDEIRA,
2012; MOTA e DIAS, 2012; DUARTE e PASA, 2016; SANTOS e BARROS, 2017). É de extrema importância a
influência da matriz africana em praticas ritualísticas com plantas medicinais, em territórios Quilombolas. Apesar de
moradores de comunidades seguirem, majoritariamente, a religião católica ou protestante, tais rituais sagrados herdados
de negros africanos continuam presentes cotidianamente, e diversas plantas são utilizadas para curas de doenças
“espirituais” (GOMES e BANDEIRA, 2012).
O uso da medicina popular nas comunidades é comum e procurado antes mesmo da medicina formal. Entre os
principais motivos para utilização de fitoterapia como primeira escolha terapêutica, a principal aparenta ser a
dificuldade de acesso a serviços formais de medicina, como clínicas, postos de saúde ou hospitais. Devido a distância
geográfica e difícil deslocamento, as plantas medicinais encontram-se sempre disponíveis, nos quintais dos moradores
dos Quilombos, e são largamente utilizadas (DUARTE e PASA, 2016). As práticas fitoterápicas Quilombolas são
resultantes de influências seculares de culturas e conhecimentos indígenas e africanos. Os registros oficiais de
conhecimentos tradicionais dentro dessas comunidades são, ainda, extremamente escassos, no entanto, esses povos
mantêm costumes herdados de antepassados Africanos, refletindo em técnicas agrícolas, cuidados com a saúde,
processos de construção/arquitetura e práticas religiosas (GOMES e BANDEIRA, 2012; MOTA e DIAS, 2012). É
importante destacar também a relação de gênero dentro dos Quilombos, onde as mulheres possuem liderança no núcleo
familiar, com vastos conhecimentos sobre fitoterapia (GOMES e BANDEIRA, 2012).

Considerações finais
A relação dos Quilombos com sua terra e cultivo de plantas medicinais conhecidas por eles é uma estreita conexão
cultural desses povos com raízes africanas e resulta, hoje, em um dos símbolos de resistência negra. Quilombolas
possuem um amplo arsenal de conhecimento sobre vegetais de uso medicamentoso, portanto, é de extrema importância
que eles sejam consultados para a adequada categorização de plantas medicinais brasileiras, facilitando pesquisas
científicas e desenvolvimento de medicamentos a partir destas. Políticas de uso de plantas medicinais, como a PNPMF
devem ser expandidas e incentivadas para preservação dessa memória cultural brasileira e da biodiversidade dos
biomas do país.
É importante ressaltar a relevância da disseminação dos conhecimentos tradicionais dentro de comunidades étnicas
minoritárias, como os Quilombolas, para que estes tenham reconhecimento cultural, histórico e simbólico por parte da
sociedade. Dessa forma, tais práticas de cura devem ser valorizadas e registradas, além de consideradas por autoridades
governamentais como alvo de políticas públicas específicas de saúde, dirigidas a populações rurais, minoritárias e com
altos índices de vulnerabilidade social.

Agradecimentos
Agradecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

Referências bibliográficas

BRASIL, Ministério da Saúde. Política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Textos Básicos de Saúde - Série B. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria Nº 971. Brasília. 2006.

DUARTE, G.S.D.; PASA, M.C. Agrobiodiversidade e a etnobotânica na comunidade São Benedito, Poconé, Mato Grosso, Brasil. Interações, v. 17, n. 2, p. 247-256, abr./jun. 2016.

FREITAS, D.A. et al . Saúde e comunidades quilombolas: uma revisão da literatura. Rev. CEFAC, v. 13, n. 5, p. 937-943, 2011.

GOMES, T.B.; BANDEIRA, F.P.S.F. Uso e diversidade de plantas medicinais em uma comunidade quilombola no Raso da Catarina, Bahia. Acta Botanica Brasilica, v. 26, n.4, p. 796-809, 2012.

MOTA, R.S.; DIAS, H.M. Quilombolas e recursos florestais medicinais no sul da Bahia, Brasil. Interações, v. 13, n. 2, p. 151-159, jul./dez. 2012.

SANTOS, T.A.C.; BARROS, F.B. Each person has a science of planting: plants cultivated by quilombola communities of Bocaina, Mato Grosso State, Brazil. Hoehnea, v. 44, n.2, p. 211-235, 2017.

Tabela 1. Relação percentual de citação das principais plantas medicinais utilizadas em Quilombos, encontradas nos artigos da amostra final.

Nome Científico Nome Popular Porcentagem de citação nos artigos

Cymbopogon citratus Capim-Cidreira; Capim-Santo 100% (n=4)

Lippia alba Erva-Cidreira 100% (n=4)

Chiococca alba Quina; Quina-Quina; Trussico 75% (n=3)

Schinus terebinthifolium Raddi Aroeira 50% (n=2)


Aloe vera Babosa 50% (n=2)

Ruta graveolens L. Arruda 50% (n=2)

Plectranthus barbatus Boldo 50% (n=2)

Coffea arábica L. Café 50% (n=2)

Leonotis nepetifolia Cordão-de-São-Francisco; Cordão-de-Frade 50% (n=2)

Cajanus cajan Feijão-Andu; Andu 50% (n=2)

Stachytarpheta cayennensis Gerbão; Gervão 50% (n=2)

Artemisia absinthium Losna; Losma 50% (n=2)

Malpighia glabra Acerola 50% (n=2)

Carica papaya Mamão 50% (n=2)

Momordia charantia São-Caetano; Melão-São; Caetano 50% (n=2)

Punica granatum Romã 50% (n=2)

Psidium guajava Goiabeira; Goiaba 50% (n=2)

Scoparia dulcis Vassourinha 50% (n=2)

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