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Introdução
Quilombos são comunidades rurais de afrodescendentes que concentram uma secular história de povos negros
sobreviventes a longos anos de escravidão no Brasil. Devido à marginalização herdada por Quilombolas, de séculos
passados, somada ao isolamento geográfico e à incompreensão cultural desses povos, estes apresentam indicadores de
saúde extremamente deficitários e altos índices de vulnerabilidade social. São grupos étnicos que possuem obstáculos
no acesso a sistemas formais de saúde e comumente utilizam práticas populares de autocuidado, embasadas na
medicina tradicional, com uso de ervas medicinais e rituais de cura aprendidos ao longo de diversas gerações familiares
(FREITAS, 2011).
Dentro do território brasileiro existe uma extensa diversidade de flora, com 99% das plantas do país ainda
desconhecidas quimicamente, até o ano de 1999 (GOMES e BANDEIRA, 2012). A importância do cultivo e uso de
plantas medicinais foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmando que 80% da população
mundial dependiam de remédios caseiros produzidos diretamente de plantas, no ano de 2005 (GOMES e BANDEIRA,
2012). É importante destacar também a ameaça ao cultivo de ervas medicinais dentro de comunidades tradicionais,
devido à recente falta de interesse dos jovens e às pressões culturais externas para adoção de tratamentos da medicina
moderna (GOMES e BANDEIRA, 2012). Portanto, conhecer e propagar práticas de cultivo de ervas medicinais dentro
de Quilombos permanece como importante meio de preservação da cultura negra, da simbologia e história da
terapêutica familiar brasileira e africana.
O Ministério da Saúde publicou, em 2006, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), após
reconhecimento, por parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), da importância de plantas fitoterápicas e da
medicina tradicional na atenção primária. Desta forma, através da PNPMF, foi proposta uma extensa identificação,
categorização, avaliação, preparo e cultivo adequado de plantas medicinais presentes no território brasileiro. A PNPMF
permite, através de suas proposições, que a fabricação de medicações fitoterápicas ocorra de forma segura e com
qualidade para os pacientes. É reconhecido o grande potencial brasileiro em desenvolver e aprimorar o setor de
produtos fitoterápicos, devido a enorme biodiversidade presentes nos ecossistemas do país (BRASIL, 2006). Portanto,
a PNPMF reconhece as práticas populares de uso de ervas medicinais, fomenta a pesquisa no setor fitoterápico, propõe
práticas adequadas para cultivo de plantas medicinais e promove o uso sustentável da biodiversidade brasileira
(BRASIL, 2006).
Também em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), dentro do
Sistema Único de Saúde (SUS). São contemplados recursos terapêuticos e sistemas médicos complexos, que são
reconhecidos pela OMS como Medicina Tradicional e Complementar ou Alternativa. É estimulada abordagem que
busque mecanismos naturais de prevenir agravos e promover a recuperação da saúde dos indivíduos, utilizando-se de
meios eficazes e seguros. (BRASIL, 2006). Entre as práticas que integram o rol de atividades complementares, estão a
o uso de de plantas medicinas e fitoterapia é inserido e reconhecido.
Nesse contexto, o objetivo desse estudo foi de realizar uma pesquisa bibliográfica dentro de base de dados científicas a
respeito da categorização e conhecimento sobre o cultivo e uso de plantas medicinais dentro de comunidades
Quilombolas. Dessa forma, será construída uma pesquisa com análise crítico-reflexiva que responda a questão “Como
é a relação dos povos Quilombolas com o cultivo e uso de plantas para fins terapêuticos e medicinais?”.
Material e métodos
Foram realizadas buscas de literatura científica na base de dados Scielo. Os descritores e expressões utilizados durante
as buscas nas bases de dados foram: “Plantas medicinais AND Quilombolas”, “Etnobotânica AND Quilombolas” e
“Plantas medicinais AND Quilombo”. Foram utilizados os artigos publicados entre os anos de 2012 e 2018, em
português e inglês e foram encontrados oito artigos inicialmente, tendo sido excluídos os artigos publicados antes do
ano 2012 e/ou que não contemplassem o texto completo e/ou artigos repetidos. Os artigos foram estudados em sua
plenitude e compilados a partir do eixo central da pesquisa. Ao analisar a amostra total de oito artigos, foram
selecionados quatro artigos, relevantes e relacionados com o tema em discussão no presente trabalho. Três artigos
foram eleitos com a aplicação dos descritores “Plantas medicinais AND Quilombolas” e um artigo foi selecionado com
os descritores “Plantas medicinais AND Quilombo”.
Resultados e discussão
Dentre os quatro artigos da amostra final, dois investigaram a etnobotânica de comunidades Quilombolas do interior da
Bahia e outros dois em comunidades no estado do Mato Grosso. Dentre as principais plantas de uso medicinal
categorizadas nos trabalhos estão a Erva-Cidreira e Capim-Santo, citadas em 100% (n=4) dos artigos; Quina citada em
75% (n=3); e mais algumas citadas em 50% (n=2) dos trabalhos como a Aroeira, Babosa, Arruda, Café, Boldo, Cordão-
de-Frade, Gerbão, Acerola, Mamão, Romã, Andu, Losna, Vassourinha, Goiaba e Melão-São-Caetano, conforme
mostra a Tabela 1.
Dentre as principais enfermidades citadas como preveníveis ou tratáveis por meio de plantas medicinais estão:
infecções respiratórias ou digestórias, diarreia, asma, gripes/resfriados, doenças do sistema nervoso, cólicas menstruais,
gastrite, diabetes, doenças renais, doenças reumatológicas, ansiedade e hipertensão arterial (GOMES e BANDEIRA,
2012; MOTA e DIAS, 2012; DUARTE e PASA, 2016; SANTOS e BARROS, 2017). É de extrema importância a
influência da matriz africana em praticas ritualísticas com plantas medicinais, em territórios Quilombolas. Apesar de
moradores de comunidades seguirem, majoritariamente, a religião católica ou protestante, tais rituais sagrados herdados
de negros africanos continuam presentes cotidianamente, e diversas plantas são utilizadas para curas de doenças
“espirituais” (GOMES e BANDEIRA, 2012).
O uso da medicina popular nas comunidades é comum e procurado antes mesmo da medicina formal. Entre os
principais motivos para utilização de fitoterapia como primeira escolha terapêutica, a principal aparenta ser a
dificuldade de acesso a serviços formais de medicina, como clínicas, postos de saúde ou hospitais. Devido a distância
geográfica e difícil deslocamento, as plantas medicinais encontram-se sempre disponíveis, nos quintais dos moradores
dos Quilombos, e são largamente utilizadas (DUARTE e PASA, 2016). As práticas fitoterápicas Quilombolas são
resultantes de influências seculares de culturas e conhecimentos indígenas e africanos. Os registros oficiais de
conhecimentos tradicionais dentro dessas comunidades são, ainda, extremamente escassos, no entanto, esses povos
mantêm costumes herdados de antepassados Africanos, refletindo em técnicas agrícolas, cuidados com a saúde,
processos de construção/arquitetura e práticas religiosas (GOMES e BANDEIRA, 2012; MOTA e DIAS, 2012). É
importante destacar também a relação de gênero dentro dos Quilombos, onde as mulheres possuem liderança no núcleo
familiar, com vastos conhecimentos sobre fitoterapia (GOMES e BANDEIRA, 2012).
Considerações finais
A relação dos Quilombos com sua terra e cultivo de plantas medicinais conhecidas por eles é uma estreita conexão
cultural desses povos com raízes africanas e resulta, hoje, em um dos símbolos de resistência negra. Quilombolas
possuem um amplo arsenal de conhecimento sobre vegetais de uso medicamentoso, portanto, é de extrema importância
que eles sejam consultados para a adequada categorização de plantas medicinais brasileiras, facilitando pesquisas
científicas e desenvolvimento de medicamentos a partir destas. Políticas de uso de plantas medicinais, como a PNPMF
devem ser expandidas e incentivadas para preservação dessa memória cultural brasileira e da biodiversidade dos
biomas do país.
É importante ressaltar a relevância da disseminação dos conhecimentos tradicionais dentro de comunidades étnicas
minoritárias, como os Quilombolas, para que estes tenham reconhecimento cultural, histórico e simbólico por parte da
sociedade. Dessa forma, tais práticas de cura devem ser valorizadas e registradas, além de consideradas por autoridades
governamentais como alvo de políticas públicas específicas de saúde, dirigidas a populações rurais, minoritárias e com
altos índices de vulnerabilidade social.
Agradecimentos
Agradecimento à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
Referências bibliográficas
BRASIL, Ministério da Saúde. Política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Textos Básicos de Saúde - Série B. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
DUARTE, G.S.D.; PASA, M.C. Agrobiodiversidade e a etnobotânica na comunidade São Benedito, Poconé, Mato Grosso, Brasil. Interações, v. 17, n. 2, p. 247-256, abr./jun. 2016.
FREITAS, D.A. et al . Saúde e comunidades quilombolas: uma revisão da literatura. Rev. CEFAC, v. 13, n. 5, p. 937-943, 2011.
GOMES, T.B.; BANDEIRA, F.P.S.F. Uso e diversidade de plantas medicinais em uma comunidade quilombola no Raso da Catarina, Bahia. Acta Botanica Brasilica, v. 26, n.4, p. 796-809, 2012.
MOTA, R.S.; DIAS, H.M. Quilombolas e recursos florestais medicinais no sul da Bahia, Brasil. Interações, v. 13, n. 2, p. 151-159, jul./dez. 2012.
SANTOS, T.A.C.; BARROS, F.B. Each person has a science of planting: plants cultivated by quilombola communities of Bocaina, Mato Grosso State, Brazil. Hoehnea, v. 44, n.2, p. 211-235, 2017.
Tabela 1. Relação percentual de citação das principais plantas medicinais utilizadas em Quilombos, encontradas nos artigos da amostra final.