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Textos Da Discplina Fundamentos Históricos e Metodológicos Da Educação para Negros No Brasil - Ppgeeb - 2023
Textos Da Discplina Fundamentos Históricos e Metodológicos Da Educação para Negros No Brasil - Ppgeeb - 2023
São Luís/MA
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE ENSINO
DA EDUCAÇÃO BÁSICA (PPGEEB)
ANO: 2023
1. EMENTA
2. OBJETIVO GERAL
3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
5. METODOLOGIA DE ENSINO
6. AVALIAÇÃO
7. REFERÊNCIAS
abertos pela Lei Federal nº. 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005, p. 39-62.
PAIXÃO, Marcelo. 500 anos de solidão: estudos sobre desigualdades raciais no Brasil.
Curitiba: Appris, 2009.
RESUMO
A partir de uma história abreviada dos estudos de relações raciais no Brasil, o autor busca
refletir se é legítima, do ponto de vista ético ou científico, a utilização do conceito de raça nos
trabalhos de intelectuais e cientistas sociais brasileiros. Conclui pela imprescindibilidade e
potencial crítico daquele conceito, nos dias de hoje, como forma de identidade social do povo
negro, desde que concebido sociologicamente e em contraponto à noção errônea de raça
biológica, que fundamenta as práticas de discriminação.
Palavras-chave: relações raciais; conceito de raça; ciências sociais brasileiras.
SUMMARY
Following a brief history of race relations studies in Brazil, the author questions whether the
use of a race concept by Brazilian social scientists and intellectuals is legitimate from an ethical
or scientific point of view. The article argues that currently the concept not only is crucial but
also holds a significant critical potential as a form of social identity among Black people,
insofar as it is conceived sociologically, as opposed to the erroneous biological notion of race,
which has bolstered discrimination practices.
Keywords: race relations; race concept; Brazilian social sciences.
uma posição estrutural de desigualdade social entre as raças, oriunda deste (7) Erroneamente, Appiah
(1997) reduz o racismo a essas
tratamento. Ora, é claro que a negação da existência das raças pode subsistir duas primeiras dimensões.
pari passu ao tratamento discriminatório e à reprodução da desigualdade
social entre as raças, desde que se encontre um tropo para as raças. Foi o
que aconteceu no Brasil, como veremos.
Mais tarde, será apoiado nestes estudos que Carl Degler (1991 [1971])
formulará a famosa tese do "mulato como válvula de escape", segundo a
qual a ascensão social dos mulatos e mestiços resultava na sua cooptação
por um regime de desigualdade social, privando os negros de uma liderança
política mais preparada e educada.
De um modo geral, os estudos dos sistemas classificatórios difundiram
a idéia de que no Brasil não há uma regra clara de filiação racial, como a
hipodescendência norte-americana, mas que, ao contrário, a classificação é
feita pela aparência física da pessoa. Esses estudos reforçaram muito a
conclusão de Pierson a respeito do caráter das relações raciais no Brasil.
Como disse Harris:
impressão de que no Brasil não se poderia discriminar alguém com base REFERÊNCIAS
na sua raça ou na sua cor, uma vez que não haveria critérios inequívocos Adorno, Sérgio. "Discrimina-
ção racial e justiça criminal em
de classificação de cor; quarto, alimentou-se a idéia de que os mulatos e São Paulo". Novos Estudas. São
os negros mais claros e educados seriam sempre economicamente absor- Paulo: Cebrap, nº 43, novem-
bro de 1995.
vidos, integrados cultural e socialmente e cooptados politicamente pelo Amado, Jorge. Cacau. Rio de
establishment branco; quinto, formou-se o consenso de que a ordem Janeiro: Ariel, 1933.
hierárquica racial, ainda visível no país, seria apenas um vestígio da ordem . Jubiabá. Rio de Ja-
neiro: José Olympio. 1935.
escravocrata em extinção.
Anderson, Benedict. Imagined
communities. London: Verso,
1992.
Appiah, Kwame A. Na casa de
A retomada do conceito de raça meu pai, a África na filosofia
da cultura. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.
país, acabaram por se tornar uma ideologia racista per se, ou seja, uma . "Classes sociais e
grupos de prestígio". Cultura e
negação da ordem discriminatória e das desigualdades raciais realmente situação racial no Brasil. Rio
de Janeiro: Civilização Brasi-
existentes. Foi justamente a função obscurecedora do anti-racialismo que leira, 1966 [1956].
passou a incomodar cada vez mais a população negra, sobretudo aquela Bairros, L. "Pecados no paraíso
racial: o negro na força de
fatia que nunca quis ser embranquecida, e referida, em nossa terminologia trabalho na Bahia, 1950-1980".
cromática, por palavras como "escuros", "morenos", "roxinhos" e tantas In: Reis, João (org.). Escravi-
dão e invenção da liberdade.
outras, que denotam alguma desvantagem. Esta tensão entre um ideário São Paulo: Brasiliense, 1988,
pp. 289-323.
anti-racista, que corretamente negava a existência biológica das raças, e uma
Bastide, Roger e Fernandes,
ideologia nacional, que negava a existência do racismo e da discriminação Florestan (orgs.). Relações ra-
ciais entre negros e brancos em
racial, acabou por se tornar insuportável para todos e insustentável pelos São Paulo. São Paulo: Unesco/
Anhembi, 1955.
fatos.
Carneiro, Edison. Candomblés
Pois bem, é justamente a partir daí que aparece a necessidade de da Bahia. Salvador: Secretaria
da Educação e Saúde, 1948.
teorizar as "raças" como o que elas são, ou seja, construtos sociais, formas
de identidade baseadas numa idéia biológica errônea, mas eficaz, social- Castro, Nadya A. e Guimarães,
Antonio S. A. "Desigualdades
mente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios. Se as raciais no mercado e nos lo-
cais de trabalho". Estudos Afro-
raças não existem num sentido estritamente realista de ciência, ou seja, se Asiáticos. Rio de Janeiro, nº
24, 1993, pp. 23-60.
não são um fato do mundo físico, são, contudo, plenamente existentes no
Corrêa, Mariza. Ilusões da li-
mundo social, produtos de formas de classificar e de identificar que berdade — A escola Nina Ro-
drigues e a antropologia no
orientam as ações dos seres humanos. Brasil. São Paulo: tese de dou-
torado, FFLCH-USP, 1982.
De onde surgem essas "raças sociais"? Sartre (1963 [1948]), no "Orfeu
negro", seu famoso ensaio de introdução à poesia da négritude, nos sugere Costa Lima, Vivaldo da. A fa-
mília-de-santo nos candom-
uma dialética de suplantação do racismo em que a assunção da idéia de raça blés jeje-nagôs da Bahia. Sal-
vador: dissertação de mestra-
pelos negros, caracterizada por ele como "racismo anti-racista", mas que eu do, UFBa, 1971.
chamaria tão-somente de "racialismo anti-racista", seria a antítese que, no Degler, Carl N. Neither black
nor white. Madison: University
futuro, poderia construir um anti-racismo sem raças. Ou seja, Sartre nos of Wisconsin Press, 1991 [1971].
chama a atenção para o fato de que não se pode lutar contra o que não
existe. Dizendo de outro modo, se os negros considerarem que as raças não
existem, acabarão também por achar que eles não existem integralmente Fernandes, Florestan. "Cor e
estrutura social em mudança".
como pessoas, já que é como raça que são parcialmente percebidos e In: Bastide, Roger e Fernan-
des, Florestan (orgs.). Relações
classificados por outros. raciais entre negros e brancos
em São Paulo. São Paulo: Unes-
Teleologias à parte, a sugestão de Sartre nos leva a considerar o fato co/Anhembi, 1955.
político de que as identidades apenas em parte são escolhidas pelos sujeitos, . A integração do ne-
ainda que assumidas mais ou menos plenamente. Ao fim e ao cabo, a gro na sociedade de classes.
São Paulo: Cia. Editora Nacio-
questão se resume em saber se há alguma chance de combater o racismo nal, 1965 (2 vols.).
quando se nega que a idéia de raça continua a diferenciar e privilegiar Freyre, Gilberto. Casa grande
& senzala: formação da famí-
largamente as oportunidades de vida das pessoas. lia brasileira sob o regime da
economia patriarcal. Rio de
Ora, no Brasil, a teorização de "raças", definidas como formas de Janeiro: Schmidt, 1933.
classificar e identificar que podem produzir comunidades, associações ou . Sobrados e mucam-
apenas modos de agir e pensar individuais, constitui para a sociologia o bos. Rio de Janeiro: Editora
Nacional, 1936.
instrumento apto a revelar condutas políticas e instituições que, ainda que Fry, Peter. "As muitas caras e
inadvertidamente, conduzem à discriminação sistemática e à desigualdade cores do Brasil". Jornal do Bra-
sil. Rio de Janeiro: caderno
de oportunidades e de tratamento entre grupos de cor. "Idéias", 01/03/97, p. 4.
A história mais recente deste conceito na sociologia brasileira data do Guimarães, Antonio S. A. Pre-
conceito e discriminação.
final dos anos 1970, quando Nelson do Valle e Silva (1978) e Carlos Queixas de ofensas e tratamen-
to desigual das negros no Bra-
Hasenbalg (1979), dois jovens estudantes de doutorado em diferentes sil. Salvador: A Cor da Bahia,
1998.
universidades americanas, um em Michigan, outro em Berkeley, defende-
ram suas teses problematizando o fenômeno das crescentes desigualdades Harris, Marvin. Padrões raci-
ais nas Américas. Rio de Janei-
sociais entre brancos e negros no país. Recuperavam, assim, os trabalhos ro: Civilização Brasileira, 1967.
de Roger Bastide e Florestan Fernandes (1955), Thales de Azevedo (1996 e Kottak, Conrad.
"The structural significance of
[1955]), Luiz de Aguiar Costa Pinto (1998 [1953]) e outros que, nos anos Brazilian categories". Sociolo-
gia. São Paulo, nº XXV, 1963,
1950, se debruçaram sobre as relações entre classes e grupos de cor no pp. 203-208.
Brasil. Ao contrário desses autores, contudo, Silva e Hasenbalg passaram e outros. "Who are
a demonstrar a tese de que tais desigualdades apresentavam um compo- the whites? Imposed census
categories and the racial de-
nente racial inequívoco, que não poderia ser reduzido às diferenças de mography in Brazil". Social
Forces, 72(2), 1993, pp. 451-
educação, renda, classe e, o que é decisivo, não poderia ser também 462.
diluído num gradiente de cor. Esses estudos de desigualdades raciais Hasenbalg, Carlos. Discrimi-
nação e desigualdades raciais
proliferaram, lançando novas luzes sobre a situação dos negros brasileiros no Brasil. Rio de Janeiro: Gra-
al, 1979.
em termos de renda, emprego, residência, educação, e são hoje comple-
mentados por estudos sobre as desigualdades de tratamento, isto é, as e Valle e Silva, Nel-
son do. Relações raciais no
discriminações raciais. É justo esta differentia specifica das desigualdades Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fun-
do, 1992.
de oportunidade e de tratamento que cumpre ao conceito sociológico de
"raça" abarcar.
Os estudos de desigualdades raciais12 têm, todos, uma metodologia (12) Alguns destes estudos são
os de Bairros (1988); Castro e
bem precisa, que consiste em geral na análise multivariada (a partir de Guimarães (1993); Lovell
(1989); Porcaro (1988); Telles
modelos mais ou menos sofisticados) de dados agregados, retirados das (1992).
estatísticas oficiais do governo brasileiro, principalmente censos e pesqui-
sas amostrais por domicílios. Com base nessas análises pôde-se demons-
trar, primeiro, que é possível e correto agregar os dados de cor existentes
em dois grupos (brancos e não-brancos), pois não há diferenças substan-
tivas entre os grupos não-brancos entre si (pardos e pretos, sobretudo) em
termos de qualquer variável importante (renda, educação, residência etc.);
ao contrário, a grande diferença encontrada é entre o conjunto destes
grupos e o grupo branco. Segundo, que, mesmo quando se esgotam as
variáveis de status e de classe social nos modelos explicativos (renda, Holanda, Sérgio B de. Raízes
do Brasil. Rio de Janeiro: José
escolaridade, naturalidade, local de residência etc.), persiste inexplicado Olympio, 1936.
um resíduo substantivo, que só pode ser atribuído à própria cor ou raça Lovell, Peggy. Income and ra-
cial inequality in Brazil. Gains-
dos indivíduos. ville: Ph.D. dissertation, Uni-
versidade da Flórida, 1989.
A interpretação desses resultados seguiu na direção de contestar as
teses já firmadas pelos estudos de comunidade, baseados na observação Nogueira, Oracy. "Preconceito
racial de marca e preconceito
participante, a saber: primeiro, ainda que diferenças de cor (o famoso racial de origem — Sugestão
de um quadro de referência
gradiente de cor) pudessem ser importantes para as chances ascensionais de para a interpretação do materi-
al sobre relações raciais no
um indivíduo, se tomadas em conjunto não se notava um gradiente de Brasil". In: Tanto preto quanto
branco: Estudos de relações
oportunidades correspondente ao gradiente de cor — do ponto de vista raciais. São Paulo: T. A. Quei-
roz, 1985 [1954].
estrutural, portanto, o sistema é muito mais polarizado do que deixava
transparecer a percepção dos indivíduos entrevistados nestes estudos —, e, Pierson, Donald. Negroes in
Brazil: a study of race contact
segundo, assim como não havia uma "válvula de escape" mulata, parecia in Bahia. Chicago: University
of Chicago Press, 1971 [1942]
que a forma de classificação racial influía nas oportunidades de vida das [Brancos e pretos na Bahia. São
Paulo: Cia. Editora Nacional,
pessoas, apesar de um eventual "embranquecimento". A interpretação de 1971].
Hasenbalg (1979) constrói-se no sentido de rejeitar a esperança expressa Pinto, Luis Aguiar Costa. O ne-
gro no Rio de Janeiro — Rela-
por Florestan Fernandes (1965) de que os negros poderiam ter uma ções de raças numa sociedade
em mudança. Rio de Janeiro:
integração tardia na sociedade de classes. Hasenbalg, ao contrário, afirma Cia. Editora Nacional, 1998
que a integração subordinada dos negros criou uma situação de desvanta- [1953].
expectativas da ação social (cf. Adorno, 1995; Ribeiro, 1995; Silva, 1998; . Moleque Ricardo.
Rio de Janeiro: José Olympio,
Guimarães, 1998). A legitimidade de diversas formas de violência e de 1935.
discriminação, que são práticas generalizadas de interação para parcelas Ribeiro, Carlos A. Costa. Cor e
criminalidade. Estudo e análi-
significativas da população, acaba, de fato, por limitar o exercício da plena se da Justiça no Rio de janeiro
(1900-1930). Rio de janeiro:
cidadania, tornando bastante plausível, porque invisível, a discriminação UFRJ, 1995.
racial. Rodrigues, Raymundo Nina. Os
Tais práticas racistas são quase sempre encobertas para aqueles que as africanos no Brasil. São Paulo:
Cia. Editora Nacional, 1945
perpetuam por uma conjunção entre senso de diferenciação hierárquica e [1933].
informalidade das relações sociais, o que torna permissíveis diferentes tipos Sartre, Jean-Paul. "Orfeu Ne-
gro". In: Reflexões sobre o ra-
de comportamentos verbais ofensivos e condutas que ameaçam os direitos cismo. São Paulo: Difel, 1963
[1948].
individuais. Trata-se de um racismo às vezes sem intenção, às vezes "de
brincadeira", mas sempre com conseqüências sobre os direitos e as Silva, Jorge da. Violência e ra-
cismo no Rio de Janeiro. Nite-
oportunidades de vida dos atingidos. rói: Eduff, 1998.
nos nossos trabalhos? Espero ter demonstrado nestas páginas, através de Antonio Sérgio Guimarães é
professor do Departamento de
uma história abreviada dos estudos de relações raciais no Brasil, a impres- Sociologia da FFLCH-USP. Pu-
blicou nesta revista "Racismo e
cindibilidade do conceito de raça para os brasileiros de hoje. Tal necessida- anti-racismo no Brasil" (nº 43).
de prende-se ao fato de que, justo por termos construído uma sociedade
anti-racialista, o conceito de "raça" parece único — se concebido sociologi-
camente — em seu potencial crítico: por meio dele, pode-se desmascarar o Novos Estudos
persistente e sub-reptício uso da noção errônea de raça biológica, que CEBRAP
N.° 54, julho 1999
fundamenta as práticas de discriminação e tem na "cor" (tal como definida
pp. 147-156
pelos antropólogos dos anos 1950) a marca e o tropo principais.
CAPÍTULO
RACISMO E REPÚBLICA:
O DEBATE SOBRE O BRANQUEAMENTO
E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL
LUCIANA JACCOUD
INTRODUÇÃO
O
racismo nasce no Brasil associado à escravidão, mas é principalmente após
a abolição que ele se estrutura como discurso, com base nas teses de in-
ferioridade biológica dos negros, e se difunde no país como matriz para
a interpretação do desenvolvimento nacional. As teorias racistas, então largamente
difundidas na sociedade brasileira, e o projeto de branqueamento vigoraram até os
anos 30 do século XX, quando foram substituídos pela chamada ideologia da de-
mocracia racial. Nesse novo contexto, entretanto, a valorização da miscigenação e
do mulato continuaram propiciando a disseminação de um ideal de branqueamento
como projeto pessoal e social. Sua crítica só ganhou repercussão nas últimas décadas
do século XX, quando a denúncia da discriminação como prática social sistemáti-
ca, denunciada pelo Movimento Negro, somou-se às análises sobre as desigualdades
raciais entendidas não como simples produto de históricos acúmulos no campo da
pobreza e da educação, mas como reflexos dos mecanismos discriminatórios.
Este capítulo tentará recuperar os principais argumentos que permearam esse
debate, destacando o papel da ideologia do branqueamento e, posteriormente, da
democracia racial, como elementos formadores de um projeto nacional. Em um
46 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL – 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
2 Um exemplo da recusa de bases raciais para justificar a manutenção da escravidão e de sua defesa
como direito de propriedade é dado pelo Conselheiro Antônio Pereira Rebouças, cujos discursos na Câmara dos
Deputados são analisados por Mattos (2000).
3 “A escravidão, por felicidade nossa, não azedou nunca a alma do escravo contra o senhor, falando
coletivamente, nem criou, entre as duas raças, o ódio recíproco que existe naturalmente entre opressores e opri-
midos”. Trecho de O abolicionista, de Joaquim Nabuco, citado por Skidmore (1976, p. 9).
4 Entre seus expoentes, pode-se citar Nina Rodrigues, Silvio Romero e Euclides da Cunha.
48 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL – 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
6 A ampla adesão da elite brasileira à tese da superioridade da raça branca nas últimas décadas do século
XIX é tratada em um vasto conjunto de trabalhos sobre o tema. Como citado em Hofbauer, é exemplo dessa men-
talidade a declaração do jurista e político Tavares Bastos, fundador da Sociedade Internacional de Imigração, segundo
o qual: “O homem livre, o homem branco, além de ser muito mais intelligente que o negro, que o africano boçal,
tem o incentivo do salário que percebe, do proveito que tira do serviço, da fortuna emfim que póde accumular
a bem de sua família. Há entre esses dous extremos, pois, um abysmo que separa o homem do bruto. [...] Cada
africano que se introduz no Brazil, além de afugentar o emigrante europeu, era em vez de um obreiro do futuro, o
instrumento cego, o embaraço, o elemento de regresso das nossas indústrias.” (apud HOFBAUER, 2006, p. 193).
CAPÍTULO 2 – RACISMO E REPÚBLICA: O DEBATE SOBRE O BRANQUEAMENTO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL 49
9 Como cita Hofbauer: “No Congresso, debatiam-se não apenas formas de incentivo à imigração euro-
péia; foram também apresentados projetos que propunham a proibição da imigração de asiáticos e africanos. [...]
Ainda no final do Estado Novo, Getúlio Vargas justificaria a assinatura de um Decreto-Lei (1945) que devia estimu-
lar a imigração européia com as seguintes palavras: ‘[...] a necessidade de preservar e desenvolver, na composição
étnica da população, as características básicas mais desejáveis de sua ascendência’.” (2006, p. 213).
hierarquia social ancorada na identificação racial, ela não deixa de fortalecer o ideal
do branqueamento ao promover a mestiçagem e seu produto, o mulato.
Progressivamente, no decorrer das décadas de 1920 e 1930, a utilização do
conceito de raça na interpretação da sociedade brasileira vai perdendo força, e
as desigualdades entre grupos raciais passam a ser cada vez menos explicadas
por sua dimensão biológica, substituída pela dimensão cultural e social. Esse perí-
odo observa o recrudescimento do pensamento autoritário brasileiro, em para-
lelo à crítica sobre a viabilidade das instituições democráticas num país cujo povo
é caracterizado como atrasado, incapaz de ações que exijam discernimento e
submetido à manipulação das elites oligárquicas. Para a geração de intelectuais
autoritários dos anos 20, as elites políticas deviam ser substituídas por elites téc-
nicas. Azevedo Amaral, importante representante dessa geração, expressa com
clareza a necessidade de submeter o governo à orientação de uma elite bem
formada: “A própria natureza essencial da ação política é de ordem intelectual, se
molda pelo esforço da inteligência das minorias privilegiadas que se sobrepõem à
maioria inferior intelectualmente”.11
Mas a interpretação do problema racial passa a sofrer uma efetiva transforma-
ção com a disseminação da idéia da democracia racial como expressão da expe-
riência brasileira. Esse termo emerge na década de 1940, em artigos escritos por
Roger Bastide na imprensa nacional, mas impõe-se no debate nacional a partir da
divulgação da obra de Gilberto Freyre, na década de 1950 (cf. GUIMARÃES, 2002).
Assentada em uma interpretação benevolente do passado escravista e em uma visão
otimista da tolerância e da mestiçagem, a democracia racial reinventa uma história
de boa convivência e paz social que caracterizaria o Brasil. Todavia, cabe lembrar
que tal análise, ancorada na cultura, não implica na integral negação do caráter irre-
versível da inferioridade dos negros. Mesmo na obra de Gilberto Freyre, observa-se
a presença de elementos do pensamento racista prevalecente no início do século.
Como lembra Bastos, Freyre não escapa da caracterização de traços psicológicos
inerentes à raça ou à afirmação de superioridade dos negros chegados no Brasil,
face aos demais, devido a sua anterior mistura com a raça branca, em especial com
o sangue árabe. Ele reconhece, ainda, os benefícios do processo de branqueamento
da sociedade (BASTOS, 1993, p. 416-419). A idéia do branqueamento implícito na
formulação desse autor também é destacada por Hofbauer. Segundo Freyre, “Tal-
vez em nenhum outro país seja possível ascensão social mais rápida de uma classe
a outra: do mucambo ao sobrado. De uma raça a outra: de negro a ‘branco’ ou a
‘moreno’ ou ‘caboclo’” (FREYRE, 1936 apud HOFBAUER, 2006, p. 251).
Contudo, a democracia racial fornece uma nova chave interpretativa distinta para
a realidade brasileira: a recusa do determinismo biológico e a valorização do aspecto
cultural, reversível em suas diferenças. O progressivo desaparecimento do discurso
racista e sua substituição pelo mito da democracia racial permitiram a alteração dos
termos do debate sobre a questão racial no Brasil. A idéia de raça foi gradativamente
dando lugar, nas ciências sociais, à idéia de cultura, e o ideal do branqueamento foi
ultrapassado, em termos de projeto nacional, pela afirmação e valorização do “povo
brasileiro”. O fenômeno da miscigenação teria possibilitado a formação da nação, ul-
trapassando e fundindo os grupos raciais presentes em sua formação, e dando espaço
ao nascimento de uma nação integrada, mesmo que heterogênea.
A democracia racial passou de mito a dogma no período dos governos milita-
res. Em 1970, o Ministro das Relações Exteriores declara que “não há discrimina-
ção racial no Brasil, não há necessidade de tomar quaisquer medidas esporádicas
de natureza legislativa, judicial ou administrativa para assegurar a igualdade de
raças no Brasil” (apud TELLES, 2003, p. 58). De fato, a questão racial desaparece
do debate público nacional. É somente com o processo de redemocratização do
país que o tema das desigualdades raciais retorna à cena, mas largamente diluí-
do no debate sobre justiça social. Apoiada na interpretação do desenvolvimento
como a questão nacional maior, a temática da desigualdade se identifica quase
que exclusivamente com a da distribuição de renda.
Contudo, estereótipos e preconceitos raciais continuariam atuantes na socieda-
de brasileira durante todo o período, intervindo no processo de competição social
e de acesso às oportunidades, assim como influenciando no processo de mobilidade
intergeracional, restringindo o lugar social dos negros. Como mostrou Hasenbalg,
em seu estudo pioneiro de 1979, o racismo opera um mecanismo de desqualifi-
cação dos não-brancos na competição pelas posições mais almejadas. Ao mesmo
tempo, os processos de recrutamento para posições mais valorizadas no mercado
de trabalho e nos espaços sociais operam com características dos candidatos que
reforçam e legitimam a divisão hierárquica do trabalho, a imagem da empresa e
do próprio posto de trabalho. “A raça é assim mantida como símbolo de posição
CAPÍTULO 2 – RACISMO E REPÚBLICA: O DEBATE SOBRE O BRANQUEAMENTO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL 53
12 Paralelamente, como lembra Guimarães (2002), nas Ciências Sociais, o processo de industrialização e
a modernização econômica que lhe está associada, ganhariam, desde os anos 1950, progressiva centralidade como
fator explicativo das transformações da sociedade brasileira. Incluem-se aí o fortalecimento das classes sociais e de
seus conflitos, face aos quais a questão racial perderia qualquer poder explicativo.
13 Sobre a literatura sociológica a respeito do tema racial nos anos 1950 e 1960, ver o capítulo 3 deste
volume.
15 Pode-se citar, entre outros, Pastore (1982); Lovell (1989); Pastore e Silva (2000); Silva (2000) e Telles
(2003).
CAPÍTULO 2 – RACISMO E REPÚBLICA: O DEBATE SOBRE O BRANQUEAMENTO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL 55
16 Telles (2003) destaca ainda que os segmentos brancos da população brasileira têm se beneficiado de
forma desproporcional da expansão do Ensino Superior ocorrida no país nas últimas duas décadas, o que vem
impactando na crescente desigualdade racial no topo da estrutura ocupacional.
17 Cabe lembrar que, em estudo de 1982, Pastore apontou que a mobilidade existente na sociedade
brasileira nos anos 1950 e 1960 seria suficientemente vigorosa para atenuar ou erradicar as desigualdades raciais.
Contudo, a estagnação econômica dos anos 1980 e 1990 voltou a fortalecer a tese de sua insuficiência.
56 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL – 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
Em 1987, uma em cada cinco crianças negras não tinha acesso à escolarização ele-
mentar e 63% não tinham acesso à educação média. Os sistemas de saúde e de
previdência social então existentes deixavam a maior parte dessa população, inserida
em relações de trabalho informais, sem acesso aos serviços e benefícios. Finalmente,
não havia nenhum sistema de garantia de renda para a população mais pobre e as
pensões não contributivas eram apenas incipientes.
18 Ver, por exemplo, o programa partidário do PMDB, em 1985, no que se refere à questão racial, citado
por Santos (2007).
58 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL – 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
19 Pode-se citar a equalização das matrículas de estudantes brancos e negros nas primeiras séries do
Ensino Fundamental, assim como a ampliação do acesso à saúde e aos programas previdenciários e assistenciais de
transferência de renda para a população negra. Ver a respeito em Brasil (2008).
CAPÍTULO 2 – RACISMO E REPÚBLICA: O DEBATE SOBRE O BRANQUEAMENTO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO BRASIL 59
nos campos da educação (incluindo capacitação dos professores para lidar com
o tema da diversidade racial e com as práticas discriminatórias), saúde, traba-
lho, violência e cultura. Propõe também a instituição de ações afirmativas para o
acesso a cursos profissionalizantes e à universidades, assim como demanda a re-
presentação proporcional dos grupos raciais nas campanhas de comunicação do
governo e de entidades a ele vinculadas. As demandas por políticas específicas se
aprofundaram durante o processo de preparação da participação do Brasil na III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância Correlata.20 Sua consolidação como pauta do Movimento Negro
levou, em 2003, à criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial – Seppir. Ao mesmo tempo, foram sendo consolidadas pautas
setoriais e começaram a ser desenhadas e implementadas ações e programas
nos campos da educação e da saúde, com foco no combate ao preconceito e à
discriminação.21
No entanto, apesar de todo esse movimento que confluiu para a demanda
pela criação de um organismo público voltado à temática racial, assim como na
formulação de iniciativas setoriais e específicas, o que fato é que, nos últimos vin-
te anos, o aumento expressivo da cobertura da população pelas políticas sociais
não tem colaborado significativamente para a redução das desigualdades raciais.
Os avanços no sentido da consolidação de políticas sociais universais têm am-
pliado o acesso e as oportunidades da população negra, mas, em geral, não vêm
alterando os índices históricos de desigualdade entre brancos e negros. Para citar
apenas um caso, na educação, os indicadores registram não apenas a manuten-
ção de expressivos patamares de desigualdade, mas também a ampliação desses
patamares, como é o caso do aumento da diferença proporcional da freqüência
líquida de estudantes brancos e negros no Ensino Médio e Superior.22
Nesse sentido, o desafio de construção de uma sociedade onde o Estado
e as políticas públicas beneficiem, de forma geral e abrangente, o conjunto da
20 A III Conferência Mundial foi promovida pela ONU e realizada em Durban, na África do Sul, entre 31
de agosto e 7 de setembro de 2001. Sobre a organização para a participação brasileira na conferência, ver Jaccoud;
Beghin (2002) e Telles (2003).
REFERÊNCIAS
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Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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HOFBAUER, Andréas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. São
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64 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL – 120 ANOS APÓS A ABOLIÇÃO
Working Paper
A desigualdade racial no Brasil nas três últimas
décadas
Suggested Citation: Osorio, Rafael Guerreiro (2021) : A desigualdade racial no Brasil nas três
últimas décadas, Texto para Discussão, No. 2657, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), Brasília,
https://doi.org/10.38116/td2657
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genannten Lizenz gewährten Nutzungsrechte. may exercise further usage rights as specified in the indicated
licence.
2657
A DESIGUALDADE RACIAL NO BRASIL
NAS TRÊS ÚLTIMAS DÉCADAS
1. O autor agradece a Antônio Teixeira Júnior, Márcia Lima, Pedro Souza e Tatiana Dias Silva pela leitura atenta e sugestões,
sem comprometê-los com eventuais equívocos, todos de sua responsabilidade.
2. Pesquisador na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea e no Centro Internacional de Políticas para o Crescimento
Inclusivo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). E-mail: <rafael.osorio@ipea.gov.br>.
Governo Federal Texto para
Ministério da Economia Discussão
Ministro Paulo Guedes
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
DOI: http://dx.doi.org/10.38116/td2657
SUMÁRIO
SINOPSE
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7
4 CONCLUSÃO.........................................................................................................23
REFERÊNCIAS...........................................................................................................24
SINOPSE
Este trabalho apresenta uma breve revisão das principais teorias sociológicas sobre a desi-
gualdade socioeconômica entre negros e brancos no Brasil e indicadores da desigualdade
racial de renda para o período 1986-2019, com base na Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD). Os indicadores revelam que, apesar de todas as transformações
nas relações raciais nesse período, como a derrocada do mito da democracia racial, a
crescente valorização da negritude e a maior denúncia e repúdio do racismo e da discri-
minação, na dimensão da renda houve apenas uma minúscula redução, e a desigualdade
racial persiste sem abalos substantivos. A renda média dos brancos é ao menos duas
vezes a dos negros, e a esta diferença, segundo a decomposição do indicador L de Theil,
pode-se atribuir por volta de 11% da desigualdade de renda brasileira. A contribuição
da desigualdade de renda entre negros para a desigualdade total no Brasil aumentou,
acompanhando a parcela da população que se declara preta e parda na PNAD, que se
tornou majoritária no período.
Palavras-chave: desigualdade racial; desigualdade de renda; PNAD; PNAD Contínua.
ABSTRACT
This paper presents a brief review of the main sociological theories on socioeconomic
inequality between blacks and whites in Brazil, and indicators of racial income inequa-
lity for the period 1986-2019, based on the National Household Survey (PNAD). The
indicators show that, despite all the change in racial relations in the period, such as the
debunking of the myth of racial democracy, the growing appreciation of blackness and
the greater denunciation and repudiation of racism and discrimination, in the income
dimension there was only a tiny reduction of inequality. Racial income inequality per-
sists without substantive upheavals. The average income of whites is at least twice that
of blacks, and this difference, according to the decomposition of the Theil L indicator,
accounts for 11% of the Brazilian income inequality. The contribution of income ine-
quality among blacks to total inequality in Brazil increased, together with the share of
the population that declares being preto and pardo in the PNAD, which became the
majority in the period.
Keywords: racial inequality; income inequality; PNAD; PNAD Contínua.
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
1 INTRODUÇÃO
1. A partir dos anos 2000, com a disseminação do uso dos microdados dos Censos Demográficos e das Pesquisas Nacio-
nais por Amostras de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNAD/IBGE), e a progressiva introdução
do quesito de cor ou raça em outras pesquisas e em registros administrativos (como os sistemas de informações sobre
nascimentos e óbitos), foram produzidas várias coleções de indicadores socioeconômicos desagregados por raça, bem
como estudos sobre esses indicadores. Muitas dessas iniciativas não estão mais disponíveis, ou estão desatualizadas,
sugerindo uma diminuição do interesse pelos indicadores. Contudo, o IBGE tem divulgado a desagregação por raça de
indicadores da PNAD Contínua, que invariavelmente mostram a desigualdade em prejuízo dos negros. Como exemplos
dos relatórios e estudos que continham e analisavam indicadores socioeconômicos da desigualdade racial, podem-se citar
Henriques (2001), Heringer (2002), Jaccoud e Begin (2002) e o Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, produzido
pelo Ipea, cuja quarta edição pode ser encontrada em: <https://is.gd/z4OPf9>. O Datasus oferece a desagregação por raça
em consultas (disponível em: <https://is.gd/ho5Ahp>).
2. Sobre a exploração e a escravidão de indígenas e africanos, entre inúmeros trabalhos, ver Monteiro (1994), Alencastro
(2000) e Gomes (2019).
3. Sobre o preconceito racial no Brasil colônia, ver Carneiro (1988). Boas descrições das falácias do racismo do século XIX
são oferecidas por Benedict (1940), Montagu (1998) e Hofbauer (2006).
7
Brasília, maio de 2021
Seria o branqueamento possível? Os autores racistas que liam, como a maior parte
da ciência da época, eram categóricos ao afirmar a inferioridade do mestiço, logo a impos-
sibilidade de a estratégia de branqueamento dar resultado. Euclides da Cunha descreveu o
mestiço como um “desequilibrado”, pois abrigaria em si as tendências contraditórias das
raças misturadas.4 Rompendo com o cânon em busca de uma interpretação condizente
com a possibilidade de construir uma grande nação no Brasil, na imaginação de Sílvio
Romero, o brasileiro resultante da miscigenação não seria branco em aparência, mas,
sim, moreno, e não seria inferior, pois acumularia o melhor das raças miscigenadas, ainda
que negros e indígenas tivessem menos elementos eugênicos a oferecer (Romero, 1949).
4. “A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando
reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada
é um retrocesso” (Cunha, 1984, p. 54). “[...] o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência individual em
que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado. Foville compara-os, de um modo geral, aos
histéricos” (idem, ibidem).
8
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
negros nas classes menos abastadas devia-se ao pouco tempo transcorrido desde a Abolição
da Escravatura.5 A desigualdade racial de condições socioeconômicas transformava-se
em um problema de classe e mobilidade social.
A visão de que o Brasil seria uma democracia racial teve vida mais longa no pensa-
mento social – e ainda se ouvem altos, aqui e ali, seus estertores – do que na sociologia.
Nesta, o mito teve vida curta e foi logo desmentido por uma série de estudos sobre as
causas da desigualdade racial, que afirmavam a existência de preconceito e discriminação,
ainda que operando sob formas, meios e mecanismos particulares, genuinamente bra-
sileiros. Esses estudos tinham como pano de fundo a escravidão e a abolição, momento
inicial a partir do qual se buscava entender a desigualdade racial e sua transformação,
na transição do Brasil para a modernidade. Enquanto alguns estudavam a integração
do escravo metamorfoseado em proletário na emergente sociedade urbana e industrial,
outros estudavam sua inserção nas comunidades, ou a preservação dos costumes e tra-
dições variados trazidos de diferentes culturas africanas.6
5. Representam esta linha os trabalhos de Pierson (1945), Wagley (1952) e Azevedo (1996), todos elaborados no âmbito
do Projeto UNESCO (Maio, 1999; Osorio, 2009).
6. Na segunda leva do Projeto UNESCO, Pinto (1998), Nogueira (1998), Cardoso e Ianni (1960) e Fernandes (1965) ques-
tionaram a ideia de preconceito de classe sem preconceito racial que marcara a primeira leva (Osorio, 2009).
9
Brasília, maio de 2021
Até os anos 1980, a perspectiva teórica hegemônica na sociologia brasileira era a de que,
da abolição até então, a persistência devia-se essencialmente às barreiras de classe para a
mobilidade social intergeracional. A discriminação racial tenderia a diminuir com o tempo
até desaparecer, pela incompatibilidade do racismo com a racionalização dos costumes
na transição para modernidade, mas não se negava sua presença e suas consequências, e
se questionava o mito da democracia racial. Sobre este, Florestan Fernandes ponderou
que era o ideal mais bonito a ser buscado por uma sociedade, mas que o Brasil estava
bem longe de ter alcançado coisa parecida (Fernandes, 2007).
10
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
Oracy Nogueira, em seu estudo das relações raciais em Itapetininga, foi pioneiro
ao teorizar que, em um regime de baixa mobilidade, uma desigualdade inicial tenderia
a se manter por muito tempo, mesmo sem a presença do que a causara. Com baixa
mobilidade, os negros tenderiam a permanecer por muito tempo nas camadas inferiores
da estratificação social, mesmo que a sociedade fosse completamente indiferente à cor.
Mas ao acompanhar a trajetória de imigrantes brancos, que chegaram em Itapetininga
7. Hasenbalg e Valle Silva organizaram vários volumes e escreveram, juntos e separadamente, solo e com outros coautores,
artigos clássicos apresentando as evidências sobre múltiplas dimensões da desigualdade racial que são leitura obrigatória
para estudiosos do assunto: Hasenbalg (2005), Silva (1978), Hasenbalg e Silva (1988; 1992) e Hasenbalg, Silva e Lima
(1999). Osorio (2009) comenta esses trabalhos.
11
Brasília, maio de 2021
frequentemente em situação pior que a dos negros que lá residiam, Oracy constatou que
o fato de serem brancos os favorecera na competição com os negros, pela possibilidade
de casar na elite local – sequiosa de embranquecimento – e pela preferência que lhes era
conferida nas oportunidades de trabalho e nas relações sociais em geral. Em algumas
décadas, os descendentes de italianos estavam bem mais presentes nas camadas de cima
da estratificação socioeconômica local do que os negros (Nogueira, 1988).
12
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
No gráfico 1A, vê-se o padrão esperado para uma sociedade com igualdade de
oportunidades – “meritocrática” –, na qual haveria total independência entre origens e
destinos. Como são dez os destinos e origens possíveis, cada uma das combinações teria
1% da população. Das pessoas com origem entre os 10% mais pobres, por exemplo, 10%
delas ascenderiam para os 10% mais ricos; e cada um dos décimos do destino teria 10%
de pessoas com origem entre os 10% mais pobres. Todavia, o padrão observado revela
uma sociedade de oportunidades desiguais, na qual a origem abastada oferece proteção
contra a queda da renda e a origem humilde restringe as oportunidades de ascensão.
A imobilidade no décimo mais pobre e no décimo mais rico é cerca de quatro vezes
maior que o esperado (gráfico 1B).
8. Mobilidade de renda dos nascidos de 1957 a 1966. Para maiores detalhes, ver Osorio (2009).
13
Brasília, maio de 2021
GRÁFICO 1
Mobilidade de renda – Brasil (1976-1996)
1A – Esperado 1B – Observado
10 10
<<destino>> Ricos
<<destino>> Ricos
9 9
8 8
7 7
6 6
5 5
4 4
Pobres
Pobres
3 3
2 2
1 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Pobres <<origem>> Ricos Pobres <<origem>> Ricos
9. A queda teria ocorrido se o padrão de mobilidade observado não sofresse a influência da cor (Osorio, 2009).
14
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
GRÁFICO 2
Mobilidade de renda dos grupos raciais – Brasil (1976-1996)
2A – Somente negros 2B – Somente brancos
10 10
Ricos
Ricos
9 9
8 8
7 7
<<destino>>
<<destino>>
6 6
5 5
4 4
3 3
Pobres
Pobres
2 2
1 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Pobres <<origem>> Ricos Pobres <<origem>> Ricos
2C – Negros 2D – Brancos
10 10
Ricos
Ricos
9 9
8 8
7 7
<<destino>>
<<destino>>
6 6
5 5
4 4
3 3
Pobres
Pobres
2 2
1 1
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Pobres <<origem>> Ricos Pobres <<origem>> Ricos
Mas o que aconteceu nas últimas três décadas? A desigualdade racial continua estável?
Entre os indicadores da desigualdade racial, poucos a expressam tão bem quanto a renda.
A renda é fortemente correlacionada com virtualmente todo indicador de bem-estar
que se possa imaginar e indica diretamente o poder de compra dos indivíduos e de suas
15
Brasília, maio de 2021
famílias.10 O nível de renda não define os estilos de vida das pessoas, suas opiniões e
ações, mas é um fator que limita as escolhas dos pobres enquanto amplia as dos ricos.
A desigualdade racial pode ser abordada sob perspectivas distintas a partir da ren-
da. Comparar a renda média das pessoas classificadas como brancas à das pessoas que se
declaram pretas, pardas ou indígenas é um bom ponto de partida. Podem-se calcular as
médias desde 1986, quando o IBGE passou a perguntar anualmente, na PNAD, a cor
dos entrevistados.11 Para permitir a comparação temporal, os valores foram ajustados pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para dezembro de 2011. No caso dos
dados de 2012 em diante, os valores da PNAD Contínua anual foram ajustados pelo INPC
do segundo mês do trimestre da entrevista. Dezembro de 2011 é a referência para aplicar
o fator de paridade do poder de compra, usado para a conversão de reais para dólares.12
Por mera coincidência, nesse mês, R$ 50 mensais correspondiam a quase US$ 1 por dia.
10. Sobre as vantagens e desvantagens do uso da renda como indicador de pobreza, ver Atkinson (1987) e Sen (1981).
11. Sobre a classificação racial do IBGE, ver Osorio (2003) e o livro organizado por Petruccelli e Saboia (2013).
12. Os fatores de paridade do poder de compra são calculados pelo Banco Mundial e disseminados como parte dos world
development indicators.
16
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
GRÁFICO 3
Renda domiciliar – Brasil (1986-2019)
3A – Renda domiciliar per capita média
30,00 1.500,00
28,00
25,45
1.400,00
24,98
24,33
23,73
26,00
23,48
23,39
1.300,00
23,7
22,87
24,00 1.200,00
19,84
22,00
19,53
1.100,00
18,97
18,55
17,89
20,00
17,51
1.000,00
16,36
16,05
16,02
por pessoa)
15,85
15,82
15,70
15,54
18,00 900,00
15,39
15,00
14,83
14,50
18,25
18,02
17,97
13,99
13,71
16,00
17,32
17,29
800,00
17,17
17,08
16,83
12,72
12,02
14,00 700,00
15,10
14,63
14,20
13,83
12,00 600,00
13,19
12,85
12,73
12,59
(US$/dia
12,39
12,14
12,02
11,95
11,90
11,87
11,86
11,76
11,68
11,68
11,65
11,53
11,52
11,45
11,34
10,00 500,00
11,09
10,91
10,85
10,70
10,38
10,16
9,73
9,43
400,00
9,33
8,00
8,97
8,58
8,34
8,23
7,46
6,00 300,00
6,91
6,93
6,81
6,69
6,67
6,66
6,60
6,50
6,48
6,26
6,13
5,83
5,64
5,42
4,00 200,00
5,29
2,00 100,00
0,00 0,00
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Brasil Negros Brancos
3
Brancos /negros
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Fontes: Microdados das PNADs 1986-2011 e microdados anuais da primeira visita da PNAD Contínua 2012-2019. Disponível em: <https://is.gd/LBVeyJ>.
Elaboração do autor.
Obs.: Valores de dezembro de 2011.
17
Brasília, maio de 2021
peso maior para as rendas abaixo da média, é o único indicador de entropia que permite
interpretação contrafactual, razão da sua escolha.13
13. Sobre os indicadores de desigualdade e sua decomposição por grupos, ver Cowell (2000).
18
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
GRÁFICO 4
Desigualdade de renda domiciliar per capita – Brasil (1986-2019)
1,00
0,95
0,90
0,85
0,80
0,75
0,70
0,65
0,60
L de Theil
0,55
0,50
0,45
0,40
0,35
0,30
0,25
0,20
0,15
0,10
0,05
0,00
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
Total Negros Brancos
Fontes: Microdados das PNADs 1986-2011 e microdados anuais da primeira visita da PNAD Contínua 2012-2019. Disponível em: <https://is.gd/LBVeyJ>.
Elaboração do autor.
GRÁFICO 5
Decomposição da desigualdade de renda domiciliar per capita – Brasil (1986-2019)
(Em %)
100,0
95,0
90,0
85,0
80,0
75,0
41,8
42,8
42,8
43,3
44,3
45,2
45,2
45,5
70,0
46,3
46,6
47,4
47,6
48,1
48,3
49,0
49,7
50,6
50,8
65,0
51,1
51,3
51,3
51,4
51,3
51,5
52,3
52,5
52,7
53,1
53,3
54,2
60,0
55,0
10,8
10,5
10,9
11,8
10,8
11,3
11,3
50,0
11,2
10,4
9,3
10,8
11,8
12,0
12,1
12,0
45,0
12,9
12,3
13,1
13,4
12,2
12,3
13,3
13,5
13,4
12,5
13,1
12,4
12,6
13,1
12,5
40,0
35,0
475
46,6
46,3
,
44,9
44,8
44,4
30,0
43,5
43,5
43,3
43,0
41,8
40,6
39,9
39,6
39,0
25,0
37,4
36,6
36,5
36,4
36,1
35,9
35,4
35,2
35,1
35,0
34,9
34,6
34,1
20,0
33,8
33,3
15,0
10,0
5,0
0,0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
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1999
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Fontes: Microdados das PNADs 1986-2011 e microdados anuais da primeira visita da PNAD Contínua 2012-2019. Disponível em: <https://is.gd/LBVeyJ>.
Elaboração do autor.
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Brasília, maio de 2021
De 1986 a 1996, a composição racial quase não muda. A partir de 1996, contudo,
a parcela negra da população cresce em todos os estratos de renda: a sociedade brasileira
passa por um enegrecimento acelerado. A comparação entre 1986 e 2018 revela que o
fenômeno da mudança da declaração da cor ou raça não foi restrito a camadas especí-
ficas da distribuição de renda. Em três décadas, dobrou a parcela negra da população
entre os 5% mais ricos (vigésimo 20). O crescimento entre os mais pobres foi menor,
porém partindo de uma base maior. Os negros, que em 1986 eram mais de dois terços,
tornaram-se três quartos dos 10% mais pobres (vigésimos 1 e 2) em 2018. O crescimento
relativamente maior dos pretos e pardos entre os estratos de maior renda é algo a ser
considerado na interpretação da evolução dos indicadores da desigualdade racial de renda.
14. Sobre a impossibilidade de a mudança da parcela de pretos e pardos ser devida a diferenças na dinâmica demográfica
de brancos e negros, ver Soares (2008).
20
Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
GRÁFICO 6
Composição racial por vigésimos da renda domiciliar per capita – Brasil
(Em %)
100
90
80
70
População negra (%)
60
50
40
30
20
10
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
Pobres << Vigésimos da distribuição da renda domiciliar per capita >> Ricos
Fontes: Microdados das PNADs 1986, 1996, 2003 e 2009 e microdados anuais da primeira visita da PNAD Contínua 2019. Disponível em: <https://is.gd/LBVeyJ>.
Elaboração do autor.
15. Os indivíduos devem estar ordenados pela renda domiciliar per capita, de forma que a renda xi do i-ési-
mo indivíduo seja maior ou igual à do indivíduo que o antecede e menor ou igual à de seu sucessor: [xi-1 ≤ xi ≤ xi+1].
A posição relativa ni do indivíduo na distribuição da renda é a fração acumulada da população N até o indivíduo, obtida a partir
dos pesos de pessoa wi da PNAD:
e .
Mantendo o ordenamento, calcula-se também a distribuição acumulada ngi dos indivíduos de cada grupo, considerando a
sua população Ng e uma variável indicadora gi que assume o valor zero quando o indivíduo não pertence ao grupo e um
quando pertence. O indicador de concentração do grupo g, no caso dos negros, é calculado a partir das posições relativas:
.
Para grupos concentrados no extremo pobre, o valor do indicador é negativo. O valor mínimo ocorre na situação em que o
indivíduo mais rico de um grupo é mais pobre que qualquer indivíduo de outros grupos. O mínimo é o negativo da fração
complementar da fração de população do grupo, representando a maior concentração possível entre os pobres:
.
O indicador relativo de concentração apresentado no gráfico 7 é simplesmente Cg / min(Cg).
21
Brasília, maio de 2021
GRÁFICO 7
Concentração relativa dos negros na distribuição de renda – Brasil (1986-2019)
(Em %)
100
80
60
40 39 39 38 38 40 40 39 40 40 40 39 37 39 38 37 37 37
40 35 35 36 36 36 35 36 35
33 34 35
20
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
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2019
2020
Fontes: Microdados das PNADs 1986-2011 e microdados anuais da primeira visita da PNAD Contínua 2012-2019. Disponível em: <xxx>.
Elaboração do autor.
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Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
duas vezes maior que a dos negros. E a concentração dos negros entre os mais pobres é
pouco mais que um terço do que seria em uma sociedade com castas raciais de renda,
na qual nenhuma pessoa branca teria renda inferior à de uma pessoa negra.
4 CONCLUSÃO
Nas últimas três décadas, a desigualdade racial de renda persistiu quase intocada no
Brasil, onde não se passa uma semana sem algum caso de racismo e discriminação
exposto. Entretanto, a tolerância social ao racismo parece menor que no passado.
Os casos são noticiados e podem atingir grande repercussão. As vítimas não mais se
calam, e, frequentemente, recebem grande apoio da sociedade. Paralelamente, a valori-
zação da negritude nesse período é inegável, bem como a ampliação da presença negra
em posições sociais destacadas.
Poucas coisas ilustram tão bem essa transformação quanto a alteração da compo-
sição racial da população. Pessoas, que, no passado, poderiam branquear-se, passaram a
assumir-se pretas ou pardas nos levantamentos do IBGE e, no quotidiano, a carregar no
corpo as marcas e os símbolos da valorização da negritude. Em vários sentidos, o Brasil
passou por um processo de enegrecimento nas últimas três décadas.
Porém, se no Brasil assumir-se negro pode não ser mais um grande problema, ser
negro continua sendo. Todas as mudanças, como a valorização da negritude, os incon-
táveis estudos, dissertações e teses acadêmicas, a luta sem fim dos ativistas denunciando
o racismo e a discriminação, e a introdução de políticas públicas, deram-se sem abalar
a desigualdade racial de renda. Sua persistência, a despeito de tantos avanços em outras
searas, é assombrosa. De 1986 a 2019, houve apenas uma ridícula redução dessa desi-
gualdade. E parte da redução pode ter sido produzida pelo aumento da declaração de
cor preta ou parda por pessoas relativamente mais ricas, que teria deslocado parte da
desigualdade outrora capturada entre os grupos e entre os brancos para a desigualdade
entre os negros.
Impávida, a renda média dos brancos persiste sendo o dobro da renda dos negros.
Somente em 2014, quando a renda média dos brancos chegou a US$ 24 por dia, a renda
média dos negros ultrapassou o mínimo histórico dos brancos, de US$ 12 em 1992. Na
23
Brasília, maio de 2021
maior parte do tempo, a pior renda média dos brancos esteve acima da melhor média
dos negros. Apenas em quatro anos, 2015, 2016, 2018 e 2019, a maior renda média dos
negros ultrapassou a menor média dos brancos, sem, contudo, chegar aos US$ 13 diários.
REFERÊNCIAS
ALENCASTRO, L. F. de. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
ATKINSON, A. B. Poverty. In: EATWELL, J.; MILGATE, M.; NEWMAN, P. (Ed.). Social
economics. Nova Iorque: Palgrave, 1987.
AZEVEDO, T. As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social e classes
sociais e grupos de prestígio. Salvador: UFBA, 1996.
BENEDICT, R. Race: science and politics. New York: Modern Age Books, 1940.
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Texto para
Discussão
A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas
2 6 5 7
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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
EDITORIAL
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Editoração
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Leonardo Hideki Higa
Capa
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Brasília-DF
Missão do Ipea
Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro
por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria
ao Estado nas suas decisões estratégicas.
Diversidade étnico-racial
Por um projeto educativo emancipatório1
Introdução
D
esde o ano de 2003, os cursos de pedagogia e de licenciatura, as secretarias
municipais e estaduais de educação, assim como o próprio Ministério da
Educação são responsáveis pela realização de políticas e práticas voltadas
para a formação de professores(as) na perspectiva da diversidade étnico-racial2.
Essa paulatina mudança na educação brasileira, diante das questões que dizem
respeito à população negra no Brasil, insere-se em contexto específico: a lei nº 10.639,
uma medida de ação afirmativa, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Sil-
va, em 09 de janeiro de 20033. A Lei torna obrigatória a inclusão do ensino da História
da África e da Cultura Afro-brasileira nos currículos dos estabelecimentos de ensino
públicos e particulares da educação básica. Trata-se da alteração na Lei de Diretrizes
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 95
Nilma Lino Gomes
e Bases da Educação Nacional, que deve ser compreendida como uma vitória das
lutas históricas empreendidas pelo Movimento Negro em prol da educação4.
Após o sancionamento da lei 10.639/03, o Conselho Nacional de Educação apro-
vou a resolução 01 de 17 de março de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana5. A partir de então, as escolas da educação básica
passam a ter um documento legal, que discute e aprofunda o teor da Lei, capaz, in-
clusive, de orientar a prática pedagógica.
A implementação da lei 10.639/03 e de suas respectivas diretrizes curriculares
nacionais vem se somar às demandas do Movimento Negro, de intelectuais e de ou-
tros movimentos sociais, que se mantêm atentos à luta pela superação do racismo
na sociedade, de um modo geral, e na educação escolar, em específico. Estes grupos
partilham da concepção de que a escola é uma das instituições sociais responsáveis
pela construção de representações positivas dos afro-brasileiros e por uma educação
que tenha o respeito à diversidade como parte de uma formação cidadã. Acreditam
que a escola, sobretudo a pública, exerce papel fundamental na construção de uma
educação para a diversidade.
Nesse contexto, algumas iniciativas de formação de professores(as) voltadas
para a diversidade étnico-racial vêm se configurando. Em vários estados e municí-
pios brasileiros têm sido organizados e ministrados cursos de extensão, de aperfei-
çoamento e de especialização sobre a questão racial, através da articulação entre as
universidades, as secretarias de educação e os movimentos sociais. Os núcleos de
estudos afro-brasileiros, no interior das universidades públicas e privadas do País,
têm sido solicitados a dar apoio a essas e outras iniciativas, por meio da realização
de cursos, oferta de disciplinas, organização de seminários, produção de material di-
dático e de pesquisas voltadas para a educação básica. No entanto, a movimentação
não é suficiente para superar a situação de desequilíbrio enfrentada pela discussão
sobre a diversidade étnico-racial nos processos de formação inicial e continuada de
professores(as).
Mas em que consiste tal desequilíbrio? Refiro-me ao lugar ocupado pela discus-
são e práticas que tematizem a diversidade étnico-racial nos currículos, principalmen-
te aquelas desenvolvidas pelos centros de formação de professores(as). De um modo
geral, essa discussão não tem conseguido ocupar um lugar relevante nos currículos
de graduação do País nas mais diversas áreas. Mesmo que as universidades públicas
estejam passando por um momento de reestruturação dos cursos de licenciatura e de
pedagogia, em função das diretrizes curriculares nacionais específicas de cada área,
a diversidade étnico-racial enquanto uma questão que deveria fazer parte da forma-
ção docente continua ocupando lugar secundário. Esse lugar secundário se expressa,
inclusive, no texto legal das diretrizes específicas para a licenciatura e a pedagogia.
96 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 97
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98 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
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Nilma Lino Gomes
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Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
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Nilma Lino Gomes
O acúmulo de saberes produzidos pelo movimento negro faz parte de uma história
ancestral de luta e resistência, que ganha corpo na sua demanda pela educação a partir
do início do século XX. Essa luta se intensifica ainda mais a partir do início do século XXI,
quando este movimento social se organiza em torno das políticas de ações afirmativas.
As ações afirmativas são compreendidas, aqui, não só como políticas e práticas
públicas e privadas que visam à correção e superação das desigualdades impostas,
ao longo da história, a determinados grupos sociais é étnico-raciais. Elas são vistas
como lócus em que confluem princípios gerais de um outro modelo de racionalidade
e saberes emancipatórios produzidos pela comunidade negra e sistematizados pelo
Movimento Negro ao longo dos tempos. Saberes que ainda se fazem ausentes dos
estudos e das práticas de formação de professores(as).
O momento atual de luta pelas ações afirmativas e os impactos que tais políticas
vêm causando na sociedade e, principalmente, na educação superior, pode ser conside-
rado como o espaço-tempo de alargamento desses saberes. Dentre eles, destacarei, nos
limites deste artigo, apenas três: os políticos, os identitários e os estéticos (corpóreos):
a) Os saberes políticos – nunca a universidade, os órgãos governamentais, sobre-
tudo o Ministério da Educação produziram, debateram e aprenderam tanto sobre as
desigualdades raciais como no atual momento da luta pelas ações afirmativas. Tais
ações tocam, de maneira nuclear, na cultura política e nas relações de poder. Seja
para confirmá-las, seja parar refutá-las, a universidade passou a dedicar parte do
seu tempo a perceber que os jovens negros existem, que grande parcela deles não
está presente nos bancos das universidades públicas e que eles lutam pelo direito de
entrar nesse lugar e partilhar desse espaço de produção do conhecimento.
As poucas universidades brasileiras que já implementaram ações afirmativas no
ensino superior brasileiro, mediante políticas de acesso e permanência, têm que lidar
com a chegada de sujeitos sociais concretos, com outros saberes, outra forma de cons-
truir o conhecimento acadêmico e com outra trajetória de vida, bem diferentes do tipo
ideal de estudante universitário hegemônico e idealizado em nosso país. Temas como
diversidade, desigualdade racial e vivências da juventude negra passam a figurar no con-
texto acadêmico, mas sempre com grande dificuldade de ser considerados “legítimos”.
A tensão atinge a própria população negra, que se vê, muitas vezes, reproduzin-
do o discurso da ideologia do dom e se mostra contrária a essa política. Nem sempre,
porém, o próprio Movimento Negro, conquanto protagonista desse processo, possui
tempo e espaço para reflexão de que a sua luta política está contribuindo para a mu-
dança epistemológica na universidade e nos rumos do conhecimento científico. De
tal maneira a universidade se configura, historicamente, como o único lócus de pro-
dução de saber, que, muitas vezes, os próprios movimentos sociais têm dificuldade
102 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 103
Nilma Lino Gomes
Conclusão
A lei 10.639/03 não pode ser interpretada apenas como resposta do Estado à rei-
vindicação de um movimento social. Para realizar uma reflexão que vai além desse
olhar burocrático e estatal, será preciso localizar o surgimento da legislação no con-
104 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
texto das lutas e dos saberes da comunidade negra, organizados e sistematizados pelo
Movimento Negro. Para tal, faz-se necessário mais do que o reconhecimento da ação
dos africanos(as) escravizados e dos negros e negras brasileiros como sujeitos históri-
cos e sociais e a inclusão desse debate nos processos e práticas de formação docente.
Para tal, somos desafiados a realizar uma mudança epistemológica, no campo
da formação de professores(as) no Brasil, que vá além das velhas dicotomias entre o
escolar e o não-escolar, o político e o cultural, o instituído e o instituinte, ainda pre-
sentes em vários currículos e práticas de formação de professores.
Quem sabe, a educação para a diversidade étnico-racial - e as indagações que
ela traz aos processos de formação inicial e continuada de professores(as) - poderá
ser um dos caminhos para a construção de subjetividades mais democráticas, nos
dizeres de Santos (1996). Poderá ser a indicação de uma mudança nos currículos dos
cursos de licenciatura e de pedagogia, numa perspectiva emancipatória.
Notas
1 Esse texto é parte das reflexões do pós-doutoramento da autora, realizado no Centro de Estudos Sociais, da Fa-
culdade de Economia da Universidade de Coimbra, sob a supervisão do prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos,
com apoio do CNPq. A continuidade desse trabalho tem sido realizada por meio da pesquisa Educação para a
diversidade, movimento negro e saberes, com apoio do CNPq.
2 Esclareço, desde já, que a expressão diversidade étnico-racial, no presente texto, refere-se às dimensões, aos signifi-
cados e às questões que envolvem a história, a cultura, a política, a educação e a vida social dos negros (pretos e
pardos) no Brasil.
3 Em 2008, a Lei 10.639/03 foi alterada para 11.645 e passou a incluir a história e cultura dos povos indígenas bra-
sileiros. No entanto, como esse artigo enfatizará o primeiro recorte específico da Lei, a saber, o segmento negro e
africano, optou-se por manter a numeração inicial, ou seja, 10.639/03.
4 Portanto, a partir do ano de 2003, a lei 9.394/96 passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 26-A, 79-A e 79-B
(Incluído pela Lei nº 10.639, de 9/1/2003):
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currí-
culo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra. (Grifos
da autora).
5 Tal resolução, fundamentada no Parecer CNE/CP 3/2004 dos conselheiros Petronilha Beatriz Gonçalves e
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 105
Nilma Lino Gomes
Silva (relatora), Carlos Roberto Jamil Cury (membro), Francisca Novantino Pinto de Ângelo (membro)
e Marília Ancona-Lopez (membro), aprovado por unanimidade pelo Pleno do Conselho Nacional de
Educação em 10.03.2004 e homologado pelo Ministro da Educação em 19.05.2004.
6 A esse respeito, conferir Gomes (1999; 2006a; 2006b) e Santos (2004 e 2006).
8 “‘Raça’ é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito
que se denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos
sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças li-
mita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’ permite
– ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos –, tal
conceito tem uma realidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser
travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite” (GUIMARÃES, 1999, p. 9).
Referências
GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza, 1995.
106 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Diversidade étnico-racial: por um projeto educativo emancipatório
PINTO, Regina Pahim. Movimento negro em São Paulo: luta e identidade. 1994.
Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
______. Por uma pedagogia do conflito. In: SILVA, Luiz Heron et al. (Org.). Novos ma-
pas culturais, novas perspectivas educacionais. Porto Alegre: Sulina, 1996. p. 15-33.
______. Por uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In:
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento prudente para uma vida
decente. São Paulo: Cortez, 2004. p. 777-821.
Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> 107
Nilma Lino Gomes
Keywords: Training of teachers. Law 10.639/03. Ethnical and racial diversity. Black movement.
Mots-clés: Formation d’enseignants. Loi 10.639/03. Diversité ethnique et raciale. Mouvement noir.
Diversidad étnico-racial
Para un proyecto educativo emancipatorio
Resumen: A partir de la sanción de la Ley 10.639/03, algunas iniciativas de formación de profesores
para la diversidad étnico-racial se han presentado en Brasil, sin embargo, no son aún suficientes para
superar la situación de desequilibrio en este proceso de formación inicial y continuada. Basándose en
estudios de Santos (2004), la autora discute la necesidad de una pedagogía de las ausencias y de las si-
tuaciones de emergencia en la formación de los profesores, como procedimiento capaz de reconocer las
ausencias y dar visibilidad a las prácticas emergentes, especialmente a aquellas instigadas y/o llevadas
a cabo por los movimientos sociales.
Palabras clave: Formación de los docentes. Ley 10.639/03. Diversidad étnico-racial. Movimiento negro.
108 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>
Accelerat ing t he world's research.
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS,
EDUCAÇÃO E DESCOLONIZAÇÃO
DOS CURRÍCULOS
Nilma Lino Gomes
Alt eridade & ident idade em para ent ender o negro no brasil de hoje, de Kabengele Munanga e …
Revist a de Ciências do Est ado (REVICE) UFMG, Mariana Cast ro Teixeira
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS,
EDUCAÇÃO E DESCOLONIZAÇÃO
DOS CURRÍCULOS
Nilma Lino Gomes
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Resumo
Este artigo discute as tensões e os processos de descolonização dos currículos na escola brasileira.
Enfatiza a possibilidade de uma mudança epistemológica e política no que se refere ao trato da
questão étnico-racial na escola e na teoria educacional proporcionada pela introdução obrigatória
do ensino de História da África e das culturas afro-brasileiras nos currículos das escolas públicas e
particulares do ensino fundamental e médio.
Palavras-chave: Currículo; educação; relações étnico-raciais; descolonização
Abstract
This paper discusses the tensions and the processes of curriculum decolonization in Brazilian
schools. It emphasizes the possibilities of epistemological changes and policies related to ethnic-
racial issues in schools as well as the educational theories derived from the mandatory teaching of
African history and Afro-Brazilian cultures in the curricula of public and private, basic and middle
schools.
Key words: Curriculum, education, ethnic-racial relations, decolonization
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NILMA LINO GOMES
profunda esse momento da educação brasileira não pode prescindir de uma leitura atenta
que articule as duras condições materiais de existência vivida pelos sujeitos sociais às
dinâmicas culturais, identitárias e políticas. É nesse contexto que se encontra a demanda
curricular de introdução obrigatória do ensino de História da África e das culturas afro-
brasileiras nas escolas da educação básica. Ela exige mudança de práticas e descolonização
dos currículos da educação básica e superior em relação à África e aos afro-brasileiros.
Mudanças de representação e de práticas. Exige questionamento dos lugares de poder.
Indaga a relação entre direitos e privilégios arraigada em nossa cultura política e
educacional, em nossas escolas e na própria universidade.
Mas a escola básica e a universidade não poderão fazer sozinhas a reflexão sobre esse
processo. Para tal, o debate epistemológico sobre o diálogo interno e externo à ciência é
necessário. E é sobre esse debate que o presente artigo se propõe discutir a partir das
reflexões geradas por uma experiência singular: o musical Besouro Cordão-de-Ouro,
dirigido por João das Neves e apresentado no 4º FAN (Festival Internacional de Arte
Negra) no dia 25 de novembro de 2007, em Belo Horizonte, Minas Gerais.1 A peça narra a
trajetória, a história e as lutas daquele que é considerado um dos mais importantes nomes
da capoeira, no Brasil, também conhecido como Besouro de Mangangá. É a partir da
relação entre a peça teatral, a história desse homem negro, a nossa ignorância cultural e
epistêmica sobre as relações étnico-raciais, no Brasil, que as indagações sobre o currículo
serão aqui formuladas. Vamos, então, primeiramente, adentrar o espaço cênico e conhecer a
encenação teatral e o seu personagem central.
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Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos
morto que nos chamaram para uma espécie de “procissão” e nos levaram a um
outro cômodo mais iluminado, cujas paredes estavam cobertas de velhos
engradados de bebida, com algumas cadeiras e muitas almofadas no chão. No
meio um pequeno círculo e ao fundo alguns instrumentos musicais.
De repente, com voz firme, um dos amigos do morto começou a entoar, na
forma de canto, a vida daquele que agora já não estava mais fisicamente entre
nós. Logo em seguida, outros homens e mulheres começam a participar da
narrativa-canto e contam a história daquele homem que logo seria enterrado. A
história era contada por meio da música, da fala, da dança, de gestos e golpes de
capoeira. No decorrer do enterro, todos nós compreendemos não só a história
daquele que seria enterrado, como também um pouco mais da história da
capoeira no Brasil e sua inter-relação com a África e a diáspora africana.
O espetáculo teatral cuja cena de abertura foi acima descrita representou um momento
ímpar e, ao assisti-lo, não tive como deixar de relacionar a experiência ali narrada com a
história de luta da população negra, no Brasil, e os processo de educação e reeducação que
esse segmento implementa a si mesmo e à nossa sociedade. Processos esses ainda
invisibilizados pelos currículos escolares e pela própria teoria educacional. Naquele
momento, talvez poucas pessoas conhecessem a história do Besouro, o qual ganhou maior
visibilidade fora do círculo da capoeira após o sucesso dessa peça teatral exibida em vários
lugares do país. A popularidade do capoeirista também passou a atingir um público maior
quando sua história foi transformada em filme exibido em diversos estados brasileiros e
assistido, inclusive, fora do país.2 Nesse artigo farei menções ao teatro e não me aterei ao
filme. Mas a minha sugestão ao leitor é que o assista para compreender como a história de
Besouro fala muito da trajetória de negros e negras no Brasil, assim como de muitas outras
pessoas que, a seu modo, implementaram vários tipos de luta pela liberdade e pela
dignidade.
A trajetória de Besouro, suas experiências, desafios, luta por justiça, contradições e
coragem vividas nos anos 20 do século passado são conhecidas não só dentro do universo
da capoeira, mas também por aqueles que vivenciam com orgulho a cultura afro-brasileira.
São vivências fortes da trajetória de um homem que remetem a situações específicas da
população negra e, ao mesmo tempo, às lutas das camadas populares no Brasil. Nos dizeres
de Milton Nascimento, “um povo que nunca perde a esperança de ter fé na vida”.
No decorrer da peça, encenada por atores e atrizes negros, cariocas e mineiros, a
trajetória de Manoel Henrique Pereira, o Besouro Cordão-de-Ouro, lendário capoeirista da
região de Santo Amaro, na Bahia, era narrada, interpretada, vivida, sentida de maneira
interativa entre atores e público. Os jovens atores se misturavam no meio do povo,
assentavam com a platéia, conversavam e olhavam. A reação era imediata: o público ouvia,
via, sentia, vibrava, batia palmas, sorria, chorava, cantava e, até mesmo, jogava capoeira.
A história de Besouro Cordão-de-Ouro era contada e cantada, tocada e sentida com a
fala, a musicalidade, os gestos e a corporeidade. Os jovens atores e atrizes dançavam com
força e intensidade e emitiam vários sons. Por meio da história daquele capoeirista, narrada
de forma artística e ritualística, muito do Brasil pós-abolição, da vida dos negros na Bahia,
da luta e resistência negras, dos encontros e desencontros afetivos, da política, da
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organização da população negra foi contado e aprendido pela platéia. Para além do objetivo
artístico, a peça trouxe para aquele público uma excelente “aula” na qual se enfatizou a
relação entre conhecimento, cultura e ação política. Talvez de forma mais didática e mais
criativa do que todo o nosso empenho em diversificar as aulas que ministramos nos cursos
de graduação e pós-graduação e na educação básica.
Mas por que será? Não só pela beleza e competência do elenco e da direção, mas
porque aquele espetáculo e o próprio contexto do FAN atuam em outro registro e dialogam
com outro paradigma de conhecimento. Um paradigma que não separa corporeidade,
cognição, emoção, política e arte. Um paradigma que compreende que não há hierarquias
entre conhecimentos, saberes e culturas, mas, sim, uma história de dominação, exploração,
e colonização que deu origem a um processo de hierarquização de conhecimentos, culturas
e povos. Processo esse que ainda precisa ser rompido e superado e que se dá em um
contexto tenso de choque entre paradigmas no qual algumas culturas e formas de conhecer
o mundo se tornaram dominantes em detrimento de outras por meio de formas explícitas e
simbólicas de força e violência. Tal processo resultou na hegemonia de um conhecimento
em detrimento de outro e a instauração de um imaginário que vê de forma hierarquizada e
inferior as culturas, povos e grupos étnico-raciais que estão fora do paradigma considerado
civilizado e culto, a saber, o eixo do Ocidente, ou o “Norte” colonial.
Só compreendendo a radicalidade dessas questões e desse contexto é que poderemos
mudar o registro e o paradigma de conhecimento com os quais trabalhamos na educação.
Esse é um dos passos para uma inovação curricular na escola e para uma ruptura
epistemológica e cultural.
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não é somente mais uma norma: é resultado de ação política e da luta de um povo cuja
história, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos, assim como Besouro Cordão-
de-Ouro, o capoeirista cuja história foi contada durante o espetáculo teatral.
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com a idéia de raça; entender a distorcida relocalização temporal das diferenças, de modo
que tudo aquilo que é não-europeu é percebido como passado (Quijano, 2005) e
compreender a ressignificação e politização do conceito de raça social no contexto
brasileiro (Munanga e Gomes, 2006) são operações intelectuais necessárias a um processo
de ruptura epistemológica e cultural na educação brasileira. Esse processo poderá, portanto,
ajudar-nos a descolonizar os nossos currículos não só na educação básica, mas também nos
cursos superiores.
Finalizando...
Notas
1
Musical dirigido por João das Neves, que revela a trajetória de Manoel Henrique Pereira, o Besouro Cordão-de-Ouro,
lendário capoeirista da região de Santo Amaro, na Bahia. O espetáculo tem texto, músicas e letras inéditos do
compositor Paulo César Pinheiro, direção musical de Luciana Rabello e elenco instruído por dois mestres capoeiristas.
Gostaria de agradecer a professora Inês Teixeira, da FAE/UFMG, pelo convite, companhia e oportunidade de assistir o
musical Besouro Cordão-de-Ouro.
2
Filme Besouro, o Cordão de Ouro dirigido por João Daniel Tikhomiroff sobre Besouro Mangangá que estreou no Brasil
no dia 30 de outubro de 2009.
3
Lei que altera a LDBEN, 9394/96, e estabelece a obrigatoriedade do ensino de História da África e das culturas afro-
brasileiras nos currículos das escolas públicas e particulares do ensino fundamental e médio da Educação Básica. Em
10/03/08, a Lei 10.639/03 também foi alterada e passou a incluir a história e a cultura dos povos indígenas, recebendo o
número 11.645/08. Tal legislação foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação pelo Parecer CNE/CP
03/2004 e pela Resolução CNE/CP 01/2004.
Referências
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Correspondência
Nilma Lino Gomes – Professora Associada da Faculdade de Educação da UFMG. Doutora em Antropologia
Social/USP e Pós-Doutora em Sociologia – Faculdade de Economia – Universidade de Coimbra.
Coordenadora Geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG. Bolsista de produtividade CNPQ.
E-mail: nilmagomes@uol.com.br
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Educação
ISSN: 0101-465X
reveduc@pucrs.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
Brasil
ABSTRACT – This paper deals with teaching and learning processes regarding ethnic-
racial relations in Brazil. It calls attention to the challenges facing education of ethnic-
racial relations and the promotion of citizenship; it also attempts to situate historically
and ideologically the difficulties educators have to confront to teachAfrican and Afro-
Brazilian history and cultures.
Key words – Teaching; learning; ethnic-racial relatoinship; cityzenship.
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obras de Freyre (1963) e nos anos 1950, reforçada pelas teses, argumentos,
estudos, entre outros de Cassiano Ricardo (1959). Tais pensametos têm
constrangido a participação nos espaços públicos daqueles chamados de
excluídos, e ao mesmo tempo têm atribuído sua ausência a pretendida
falta de qualidades e competência.
No entanto, não se pode dizer que o Estado brasileiro sempre ignore
as discriminações provocadas pelo ocultamento da diversidade da popu-
lação, nem os conseqüentes problemas que acarretam. Ciente disto, a Cons-
tituição Nacional de 1934 repudiou a discriminação racial, embora tenha
prescrito a eugenia. Destaque-se que a “Constituição Cidadã”, de 1988,
embora tardiamente, reconhece a diversidade da população brasileira, ga-
rante o direito à cultura própria e ao conhecimento das demais formadoras
da nação, torna o racismo um crime inafiançável e imprescritível.
Sabe-se que da lei à nova mentalidade e à ação efetiva, há muito que
desfazer, refazer e fazer. De qualquer forma, seja em virtude de pressões
internas feitas pelos movimentos sociais, seja pelos preceitos constitucionais,
seja por força de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil,
particularmente na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação
Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, transcorrida em 2001, temos, em
nossas plagas, cada vez com mais clareza, a compreensão de que as socie-
dades multiculturais terão dificuldades de se tornarem justas e democráticas,
se não resolverem os problemas causados por opressões e discriminações; se
não estiverem dispostas a integrar lutas contra injustiças, sem paliativos que
visem mera inclusão, novo termo, para designar assimilação.
Não é, pois, por acaso que o Ministério da Educação (1997) institui os
Parâmetros Curriculares Nacionais, incluindo como tema transversal a
Pluralidade Cultural. Desta forma, reconhece, admite a diversidade como
parte da identidade nacional, como marca da vida social brasileira. Diver-
sidade, no entanto, ainda tratada como diferenças étnico-raciais que se
realizam em convivência harmoniosa, mesmo diante das inúmeras provas em
contrário na sociedade e em suas instituições, dentre elas, as escolas.
Mas, os legisladores da educação e o Ministério da Educação, cada
vez mais sensíveis às denúncias e propostas do Movimento Negro, avan-
çaram. Formularam e têm tomado providências para implantar e acompa-
nhar a execução da importante política curricular estabelecida pela Lei
10639/2003, devidamente interpretada e orientada pelo Parecer CNE/CP
003/2004 (BRASIL, 2004a) e Resolução CNE/CP 001/2004 (BRASIL,
2004b), anteriormente referidos, bem como por instruções legais formula-
das por sistemas de ensino municipal ou estadual3 . É importante também
lembrar que, desde 1988, leis municipais e estaduais, determinaram o
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O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO INDAGA E DESAFIA AS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
Abstract: The article discusses the limits and advances of the Brazilian Black Movement in
favor of an antiracist education. It analyzes the changes and the improvement of the capacity of
articulation of this social movement based on the process of redemocratization of Brazil, mainly
in the moments of approval of the Federal Constitution of 1988 and of the Law of Guidelines
and Bases of Education (LDB). It points to the reconfiguration of the Black Movement in the
face of political disputes in democratic Brazil, so that the educational politics recognized as
legitimate and incorporated the racial question. It highlights two important characteristics of the
Black Movement that investigate and challenge educational policies, namely their educational
character and democratic resistance.
Résumé: L’article traite des limites et des avancées du Mouvement Noir brésilien en faveur de
une éducation antiraciste. Il analyse les changements et l’amélioration de la capacité
d’articulation de ce mouvement social en basé sur le processus de redémocratisation au Brésil,
principalement au moment de l’approbation de la Constitution Fédérale de 1988 et de la Loi sur
les Directives et les Bases de l’Éducation (LDB). Il évoque la reconfiguration du Mouvement
Noir face aux conflits politiques travées dans un Brésil démocratique pour que la question
raciale soit reconnue comme légitime et intégrée dans la politique de l’éducation. Il met en
évidence deux caractéristiques importantes du Mouvement Noir qui enquièrent et défient les
politiques éducatives, à savoir: leur caractère éducatif et la résistance démocratique.
1
Pós-doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra (Portugal) e pela Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Integrante do Programa Ações Afirmativas na UFMG. Bolsista de Produtividade
Científica do CNPq. E-mail:
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Mots-clés: Éducation; Mouvement Noir; Politique Éducative; Antiracisme; Démocratie.
Resumen: El artículo discute los límites y los avances del Movimiento Negro brasileño en
favor de una educación antirracista. Se analiza los cambios y el perfeccionamiento de la
capacidad de articulación de ese movimiento social con base en el proceso de redemocratización
de Brasil, principalmente en los momentos de aprobación de la Constitución Federal de 1988 y
de la Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Ley de Directrices y Bases de la Educación).
Apunta la reconfiguración del Movimiento Negro ante las disputas políticas trabadas en el
Brasil democrático para que la cuestión racial fuera reconocida como legítima e incorporada a la
política educativa. Resalta dos características importantes del Movimiento Negro que indagan y
desafían las políticas educativas, a saber: su carácter educativo y la resistencia democrática.
As lutas sociais nos reeducam. É por meio delas que a resistência à opressão é
construída e se retroalimenta. E é nesse tipo de resistência, no Brasil, que foram e são
forjados os ensinamentos e os aprendizados advindos dos movimentos sociais.
Mesmo em tempos de democracia em crise, não podemos deixar de contabilizar
as muitas conquistas dos movimentos sociais em prol de uma sociedade mais justa.
Destaco, dentre essas, os avanços alcançados pela luta antirracista e pelos direitos da
população negra, no Brasil, tais como: a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (Lei n.9.394/96, alterada pela Lei n.10.639/03),a
regularização das terras quilombolas (Decreto n.4.887/03), o Estatuto da Igualdade
Racial (Lei n.12.288/10), o princípio constitucional das ações afirmativas aprovado por
unanimidade pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, a Lei de
Cotas Sociorraciais nas instituições públicas federais de ensino médio e superior (Lei
n.12.711/12), a Lei de Cotas Raciais nos Concursos Públicos (Lei n.12.990/14), a
ampliação das denúncias de violência religiosa, o reconhecimento social do genocídio
da juventude negra e do feminicídio negro, as iniciativas governamentais em prol da
saúde da população negra(Política Nacional de Saúde Integral da População Negra,
instituída pela Portaria n. 992, de 13/5/95), dentre outras.
Nada disso aconteceu por mérito do Estado brasileiro. Pelo contrário, ele foi e
continua sendo duramente pressionado e tensionado pelo Movimento Negro,
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Quilombola, de Mulheres Negras e pela juventude negra a implementar, de fato,
políticas antirracistas e ações afirmativas. Será destacado, neste artigo, o principal
protagonista dessa luta que indaga o Estado e, por conseguinte, as suas políticas na
construção de um Brasil que tenha a superação do racismo como um dos seus principais
objetivos democráticos: o Movimento Negro.
O Movimento Negro brasileiro pode ser considerado um sujeito coletivo e um
ator político que, juntamente com outros movimentos sociais operários e populares,
surge a partir da década de 70 do século XX, com a forte marca de politização do
cotidiano, com formas diferenciadas de expressão e experiências (Gomes, 2017, p. 47-
55). Um dos ensinamentos desse e dos outros movimentos sociais de caráter identitário
que herdamos (mulheres, indígenas, povos do campo, lutas ambientais) é a valorização
do cotidiano e da experiência. Eles compreendem que é na luta cotidiana que se trava a
resistência.
Como afirma Cardoso (2002, p. 14):
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Para o Movimento Negro, o cotidiano da população negra é determinado pela
estrutura do racismo da sociedade brasileira. Ao emergir na cena nacional a
partir da especificidade da luta política contra o racismo que marcou os anos 70,
o Movimento Negro teve que buscar na história a chave para compreender a
realidade da população negra brasileira. Impelido pela necessidade de negar a
história convencional (oficial) e contribuir para a construção de uma nova
interpretação da trajetória do povo negro no Brasil é que o Movimento Negro se
distinguiu dos demais movimentos sociais e populares. Na verdade, o
Movimento Negro é fruto de uma negatividade histórica” (Cardoso, 2002,
p.17).
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A política educacional pertence ao conjunto das políticas sociais, que se
materializam por meio da legislação, das práticas, dos planos e dos projetos
educacionais. 2
Apesar de serem de responsabilidade do Estado, as políticas sociais não se
reduzem a ele. São demandadas, discutidas, pleiteadas e acompanhadas pela população,
pelos organismos políticos, internacionais, pelos movimentos sociais, pelos sindicatos,
pelas associações e por outros coletivos da sociedade.
A política educacional, conquanto parte constitutiva das políticas sociais,
envolve interesses e disputas diversos e abarca contradições e tensões.3 Ela não se
desenvolve sozinha, mas no complexo contexto das relações de poder. Em países muito
desiguais como o Brasil, essas políticas trazem em si as tensas relações entre raça,
gênero, classe e desigualdade regional. Elas são uma confluência de forças progressistas
e conservadoras.Os principais focos de orientação nacionaldas políticas educacionais no
Brasilsão a Constituição Federal (CF), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e
o Plano Nacional de Educação (PNE).Embora a política educacional esteja articulada à
aplicação do PNE, destaca-se que, apesar da sua importância, cabe lembrar que o Plano
está previsto na CF, e a sua regulamentação é determinada pela LDB. Com duração de
dez anos, o PNE deve ser revisto e atualizado.
Segundo a Constituição Federal:
2
De acordo com Ferreira e Nogueira (2015, p.105): “Na esfera educacional,várias políticas públicas foram
lançadas por todos os setores dogoverno federal para se alcançar os objetivos propostos pela Constituição
Federal. A título de exemplo, dentre outras políticas,podem ser citadasas seguintes:a)Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério(FUNDEF);b)
Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE); c)Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE); d)
Programa Bolsa Família; e) Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); f) Programa Nacional
do Livro Didático (PNLD); g) Programa Nacional de Transporte Escolar (PNATE); h) Exame Nacional
do Ensino Médio(Enem); i) Sistema de Seleção Unificada(Sisu); j) Programa Universidade para
Todos(ProUni); k) Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede
Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância).OPlanoNacional de Educação é a política públicamais
atual e tem como objetivo a melhoria da educação [...]”.
3
Uma observação importante: as políticas educacionais aqui citadas e analisadas correspondem ao período
dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), a saber, de 2003 a 2016.
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II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País;
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação
como proporção do produto interno bruto. (Brasil, 1988, grifos nossos)
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Alguns desses autores destacam que as várias iniciativas desenvolvidas pelas
entidades negras no século XX inicialmente tinham o caráter de ações mais coletivas,
com enfoque nas estratégias de resistência familiares, comunitárias, atreladas a uma
visão de integração dos negros e das negras na sociedade de classes. No decorrer dos
anos, a ideia de “integração” começa a ser problematizada, e as próprias entidades
mudam o seu discurso e a forma de ação política para a denúncia incisiva da presença
do racismo na sociedade brasileira. Racismo esse que, na realidade, nunca desejou e
admitiu essa tão falada “integração” e interpôs (e ainda interpõe!) uma série de limites a
ela. Até mesmo a imigração estrangeira foi implementada como estratégia de Estado no
fim do século XIX e início do século XX, na tentativa de embranquecer a nação e torná-
la “civilizada” aos olhos do mundo, livrando o país da insistente presença das pessoas
negras (Gomes, 2017, p.103).
Viver esse processo perverso resultou no amadurecimento político das entidades
negras sobre os impactos do racismo ao longo do tempo. Aos poucos, os militantes
perceberam que o Estado tinha um papel segregador, racista e excludente, escamoteado
pelo discurso de uma igualdade entre as diferentes raças. Essa constatação impôs outra
estratégia de luta. O Movimento Negro passa, então, a tensionar ainda mais a relação
com o Estado e a sociedade e também cobra desse a responsabilidade pública de
combate e de superação do racismo. Exige do Estado a implementação de políticas
públicas e, dentre elas, as educacionais, com o foco na garantia do direito de todos e,
dentre esses, a população negra. Ou seja, ao universalizar as políticas, o Estado deveria
considerar a situação de desigualdade racial e o racismo que incidia sobre as negras e os
negros.
Foi a partir dos anos 70 do século XX, na luta contra a ditadura militar e contra o
racismo, que o Movimento Negro, na sua organização mais contemporânea, voltou os
seus esforços políticos e reivindicatórios de forma mais contundente ao Estado. O
combate ao racismo somou-se à luta pela retomada do Estado democrático e de direito.
A maior compreensão das imbricações entre raça e classe passou a fazer parte com mais
força das reflexões, das denúncias e das demandas desse movimento social. E passou a
se incluir também nas negociações e tensões internas entre o Movimento e os demais
movimentos populares que, naquela época, ainda não reconheciam a especificidade
racial presente na luta contra as desigualdades.
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Com o processo de queda da ditadura militar, da reabertura política no Brasil nos
anos 80 do século XX, da realização da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) e da
promulgação da Constituição Federal, em 1988 (CF), as entidades do Movimento Negro
compreenderam melhor os desafios presentes na relação entre a luta antirracista, a
democracia e as políticas públicas. O acúmulo das ações e iniciativas negras em relação
à educação é redimensionado pelo Movimento Negro como demandas específicas e
políticas ao Estado brasileiro e suas instituições. A questão racial, o combate ao racismo
na sociedade e na escola, antes pautas específicas do Movimento Negro, começam a
emergir na cena pública e política nacional como parte da demanda por um Brasil e uma
escola democráticos.
Dessa forma, a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro, os
Congressos Afro-Brasileiros, as experiências de escolas construídas em terreiros de
candomblé, as intervenções nos currículos escolares, a formação pedagógica para
docentes junto com entes federados, os projetos pedagógicos desenvolvidos por blocos
afros e escolas de sambas, a introdução do estudo da História da África e das Culturas
Afro-Brasileiras nos currículos, a releitura crítica dos manuais didáticos denunciando os
estereótipos raciais, dentre outras, foram algumas iniciativas educacionais
desenvolvidas pelo Movimento Negro ao longo do século XX como forma de combater
o racismo e de implicar o poder público nessa luta.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLII –a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão, nos termos da lei; (Brasil, 1988)
Sem dúvida, tornar a prática do racismo um crime fez avançar a luta antirracista.
Foi uma conquista que ultrapassou o que estava previsto na Lei n.1.390, Lei Afonso
Arinos, criada em 1951, e que proibia a discriminação racial no país. Apesar do mérito
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da sua existência, é consenso entre os juristas e os advogados de que esta lei não era
suficiente, uma vez que não era rigorosa com as punições. Casos explícitos de
impedimento dos direitos das pessoas negras a adquirir um emprego, a transitar e a
entrar em locais públicos e privados, escolas, a ter acesso a serviços públicos não eram
cobertos pela Lei Afonso Arinos.
Tornar o racismo como crime inafiançável também vai além da Lei n.7.716/89,
mais conhecida como “Lei Caó”, criada em 1989, segundo a qual seriam punidos os
crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional.
Retomar as leis que antecederam o inciso XLII do art. 5º da Lei Caó é
reconhecer que a sua existência, hoje, mesmo com os limites que possui, é resultado da
atuação do Movimento Negro, de parlamentares e dos demais partícipes da luta
antirracista durante o processo da Assembleia Nacional Constituinte (ANC).
No país no qual o mito da democracia racial age na estrutura e no imaginário
social conseguir que o Estado reconhecesse a existência do racismo como um grave
impedimento do exercício de direitos dos cidadãos e cidadãs brasileiros é um passo
significativo, que deu origem a uma série de demandas, jurisprudência e empenho pelo
aprimoramento da lei.
Apesar desse importante passo, avançamos pouco na efetivação de um texto
constitucional emancipatório no que se refere à questão racial, de modo geral, e à
educação, em específico. A histórica demanda do Movimento Negro para que o
currículo das escolas reconhecesse a importância do estudo da história da África e das
questões afro-brasileiras como uma das formas de superação do racismo não foi
contemplada pela CF.
Como resultado, o texto constitucional aprovado contemplou o tema da maneira
mais genérica e universal possível: “Art. 242 – § 1º O ensino da História do Brasil
levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do
povo brasileiro” (Brasil, 1988).
A questão racial também não foi contemplada no texto específico da Seção I, Da
Educação. Ela só aparece na Seção II desse capítulo, quando esse se refereà Cultura.
Vejamos:
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Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação
para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder
público que conduzem à:
Inciso V: valorização da diversidade étnica e regional; (BRASIL, 1988).
Embora não seja uma referência específica à educação, o art. 68, do Ato das
Disposições Constituições Transitórias, também foi fruto de demandas e articulações do
Movimento Negro. Ele deu força à aprovação do Decreto n.4.887/03 (regularização dos
territórios quilombolas) e, posteriormente, à demanda de construção das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (Parecer CNE/CEB
16/2012 e Resolução CNE/CP 08/2012): “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (Brasil, 1988).
O que a princípio pode parecer uma perda, ou seja, a questão racial somente ser
contemplada em lugares específicos e pouco expressivos no texto final da Constituição
Federal, tem também a possibilidade de ser entendido como a estratégia possível do
Movimento Negro no contexto das disputas travadas durante o processo da Assembleia
Nacional Constituinte e de aprovação da CF.
Ao perceber que o campo de forças não estava totalmente do lado da luta contra
o racismo, foi necessário aos militantes do Movimento Negro negociar para que a
questão racial não fosse totalmente invisibilizada na lei. Algo teria de ser garantido para
que fosse viável continuar a luta mais à frente, com outros contornos e demandas pelo
seu aprimoramento.
Essa estratégia produziu resultados. Após a promulgação da CF, os setores
políticos e sociais se organizaram em torno das Leis Ordinárias, a fim de aprimorar o
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que havia sido institucionalizado na Carta Magna. Os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal se organizaram na construção das Constituições Estaduais e Leis
Orgânicas, as quais deveriam seguir as orientações da Constituição Federal, tendo
liberdade de proposições regionais e locais.
Sendo assim, ter o racismo como crime inafiançável, garantir um lugar da
questão racial como parte do patrimônio cultural brasileiro e garantir a propriedade
definitiva aos remanescentes de comunidades quilombolas que estivessem ocupando
suas terras como dever do Estado brasileiro foram conquistas estratégicas e possíveis do
Movimento Negro, à época, e que não devem ser desprezadas.
Contudo, isso não significou acomodação. Logo após a sanção do novo texto
constitucional, desencadeou-se o processo de elaboração das Leis Complementares e
Ordinárias. Iniciou-se, portanto, o processo de discussão de uma importante Lei
Ordinária: a nova Lei de Diretrizes de Bases da Educação. As negras e os negros
organizados no Movimento Negro, nos sindicatos e nos partidos políticos voltaram os
seus esforços para a inserção do estudo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira
na LDB como eixos da educação nacional e forma de combate ao racismo. A atuação se
deu, a partir de então, no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública na LDB. Assim
como no processo da Assembleia Nacional Constituinte, o embate político centrava-se
entre o Fórum, formado por 26 entidades (científicas, sindicais e estudantis, de
especialistas de educação, de secretários estaduais de educação e de dirigentes
municipais de educação), e as entidades que representam o ensino privado, a
Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), do lado do grupo
empresarial, e do lado do grupo confessional, a Associação de Educação Católica
(AEC), congregando escolas e professores dos ensinos fundamental e médio, e a
Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC), congregando
educadores e escolas superiores católicas (Oliveira, 1997).
É ainda Rodrigues (2005, p. 67-69) que analisa como ocorreu a disputa política
pela inserção da questão racial na Lei n.9.394/96. Ela foi marcada pela não aprovação
pelas entidades formadoras do Fórum da participação do Movimento Negro e de outros
movimentos sociais. Somente as organizações “clássicas” continuaram presentes, o que
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significou uma redução do espírito democrático de um fórum com os objetivos para os
quais ele foi organizado. Segundo a autora, durante as discussões e as negociações,
houve semelhança entre o resultado da análise de conteúdo do projeto de lei da LDB do
Senado, no que diz respeito à abordagem da questão racial, e a proposta consolidada na
Câmara dos Deputados. O diferencial se estabeleceu na segunda fase de elaboração da
lei. Houve a participação da senadora Benedita da Silva, representando o Movimento
Negro, na apresentação e na defesa de propostas de reformulação do ensino de História
do Brasil e da obrigatoriedade em todos os níveis educacionais da “História das
Populações Negras do Brasil”. Contudo, ambas as proposições foram negadas com a
justificativa de que haveria uma base nacional comum para a educação, o que tornaria
desnecessária a existência de garantia de um espaço exclusivo para a temática racial
(RODRIGUES, 2005, p.69).4
A conclusão da autora supracitada é de que a negação dos efeitos perversos do
racismo na sociedade, somada à concepção unicultural do Brasil, defendida pelo último
relator da LDB, Darcy Ribeiro, não só reafirmou o mito da democracia racial no texto
da lei, como também negou o compromisso do Estado brasileiro com a correção de
desigualdades raciais históricas e violentas (Rodrigues, 2005, p.68-69).Rodrigues (2005,
p.70) ainda nos alerta para as ambiguidades do racismo brasileiro. Ela analisa que o
parecer negativo às propostas defendidas pela senadora Benedita da Silva foi
apresentado concomitantemente à realização da Marcha Zumbi dos Palmares em
Brasília, no ano de 1995, em que foram denunciados o racismo, o eurocentrismo, a
cultura eurocêntrica e homogeneizadora do Brasil e as formas como afetam e se fazem
presentes na educação brasileira. Ou seja, a demanda por uma educação antirracista e
pelo ensino de história da África e das populações negras no Brasil, que fazia parte das
reivindicações do coletivo de entidades negras durante a Marcha Zumbi dos Palmares,
ocorreu no mesmo momento em que o tema era debatido e recebido com resistência no
contexto das discussões da nova LDB. Fico a imaginar a sensação de frustração e raiva
dos militantes negros quando o texto da LDB foi finalizado e aprovado, em 1996, com a
4
Guardadas as devidas proporções, algo semelhante acontece atualmente nas discussões sobre a Base
Nacional Comum Curricular estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) (após o golpe parlamentar
de 2016), o Conselho Nacional de Educação e as entidades organizadas da sociedade civil. O discurso
universalista novamente se sobrepõe em detrimento do trato específico e afirmativo do cumprimento da
LDB alterada pela Lei n.10.639/03, com a introdução da história e da cultura afro-brasileira e africana nos
currículos.
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diluição das principais pautas pelas quais tanto lutaram. E como deve ter sido difícil
admitir que o discurso de que a especificidade da questão racial na educação seria
contemplada pela Lei Ordinária, dito durante o processo da Assembleia Nacional
Constituinte por vários parlamentares, não passou de uma estratégia para desviar a
atenção ao tema e diminuir a pressão. Na realidade, houve total descompromisso dos
políticos e da política.
Essa situação da educação se repetiu com outros temas nacionais nos quais o
Movimento Negro atuou na busca de legislações que garantissem direitos dos negros no
trabalho, na saúde, na política de moradia. A ideia de que a questão racial estaria
contemplada nas políticas universais e, principalmente, no combate às desigualdades
sociais se tornou o mote da esquerda e da direita após a promulgação da Constituição de
1988. Lamentavelmente, nisso as duas alas concordaram, e alguns grupos continuam
concordando até hoje, em pleno século XXI e após o golpe parlamentar de 2016.Esse
processo resultou em uma inflexão do Movimento Negro nas suas estratégias de luta.
Não mais a defesa da ideia deinserção dos negros na sociedade de classes e tampoucoa
aposta de que a questão racial e o combate ao racismo seriam contemplados se
estivessem inseridos nas políticas públicas universais.
O Movimento Negro reformulou a sua narrativa e suas reivindicações e passoua
requerer políticas específicas de combate ao racismo na educação, na saúde, no mercado
de trabalho, dentre outros. O contato com as organizações negras norte-americanas e o
conhecimento das políticas de ações afirmativas nos EUA e em outros países trouxeram
novos aprendizados para esse movimento social no fim dos anos 1990. O acirramento
do neoliberalismo e do capitalismo impôs o aumento da pobreza, do desemprego e da
fome de forma contundente na vida das pessoas negras, o que exigiu forte atuação das
entidades negras no Brasil e no mundo. Essa recebeu apoio internacional, protagonizado
pela ONU, a qual passa a cobrar e a fazer pressão sobre os Estados-membros por um
posicionamento público quanto ao combate ao racismo e a toda forma de discriminação.
Tudo isso contribuiu para uma mudança de rumo e para tornar a ação do Movimento
Negro mais incisiva. A realização da Marcha Zumbi dos Palmares, em 1995, deixou
ensinamentos importantes para a nova articulação política desse movimento. Além
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disso, os anos que sucederam 1995 foram marcados por mudanças nacionais
importantes, culminando, em 2002, com a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) e a
ascensão da esquerda pela primeira vez ao Executivo federal. Em 2001, o Brasil se fez
representar na Conferência de Durban, na África do Sul, e pela primeira vez os dados de
raça/cor foram desagregados pelos pesquisadores do Ipeae tornados públicos. Uma
profunda desigualdade racial foi revelada em todas as áreas e setores abordados pela
investigação. Não havia como negar o racismo e a desigualdade racial, já que os dados
oficiais confirmavam a denúncia histórica do Movimento Negro (Henriques,
2001).Foram esses dados que a diplomacia brasileira levou para Durban, seguida por
militantes do Movimento Negro e outros movimentos sociais. Tais dados, já discutidos
previamente pela militância nas conferências preparatórias pré-Durban, foram um
importante instrumento político de negociação do Movimento Negro com as forças de
esquerda que almejavam ganhar as eleições presidenciais.
Foi nesse processo de articulação de forças que o então candidato, Luiz Inácio
Lula da Silva, saiu vitorioso das eleições presidenciais. Em continuidade às pressões, o
Movimento Negro lutou para que, no conjunto dos ministérios e das políticas de Estado
do primeiro governo de esquerda do Brasil, contemplasse a questão racial e o combate
ao racismo em lugar de destaque. E é assim que se configura a alteração da Lei
n.9.394/96 (LDB) pela Lei n.10.639/03 (obrigatoriedade do ensino de História da África
e das Culturas Afro-Brasileiras) nas escolas públicas e privadas dos ensinos
fundamental e médio. A lei foi sancionada, em 2003, junto com a criação da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Mesmo assim, esta última só foi
criada na segunda rodada de ministérios apresentados pelo então presidente, sob nova
pressão do Movimento Negro. Em 2004, assistimos à criação da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) no Ministério da Educação (MEC), a
qual mais tarde passou a incorporar as questões da inclusão e se tornou Secadi.
Fruto das reivindicações de vários movimentos sociais pelo reconhecimento das
suas questões nos programas e políticas educacionais, a Secadi foi a secretaria do MEC
responsável pela implementação de uma série de ações voltadas não somente à
alfabetização de jovens e adultos, mas também à educação dos povos do campo, negros,
indígenas, quilombolas e de temas como meio ambiente, sexualidades, educação
integral. Uma série de editais, programas, projetos e pesquisas promovidos pelo MEC
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ou impulsionados por esse ministério foi desenvolvida a partir de então. E a Secadi
viveu no interior do MEC todas as tensões, disputas e luta por reconhecimento pelas
quais os sujeitos que essa representava viviam na sociedade e no campo educacional.
A alteração da LDB pela Lei n. 10.639/03 é, portanto, de uma importância
simbólica e política que extrapola os próprios artigos nela explicitados. 5 Ela representa
o fechamento de um ciclo de lutas antirracistas do Movimento Negro na educação e
marca o início de outro, voltado para a implementação dessas políticas, de maneira
oficial, no campo da educação básica e superior. A sua regulamentação pela Resolução
CNE/CP n. 01/2004 e pelo Parecer CNE/CP n. 03/2004, sob a relatoria da professora
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (UFSCar), quando esta ocupou uma cadeira na
Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), indicada pelo
Movimento Negro, coroou uma longa trajetória desse movimento social e dos demais
parceiros da luta antirracista pela inclusão, pelo direito e pela legitimidade da questão
racial nas políticas educacionais.
Embora reconheça que a radicalidade dessa alteração da LDB e todo o histórico
de lutas, esforços e articulações que ela congrega ainda não estão contemplados com a
radicalidade necessária na educação brasileira, não há como deixar de reconhecer os
avanços advindos após a sanção da lei e a aprovação do parecer e da resolução do CNE
que a regulamentaram. Assistimos a mudanças nas práticas pedagógicas, na produção
de material didático qualificado e na literatura infanto-juvenil voltada às pessoas negras,
com personagens e situações vividas por elas, iniciativas de formação continuada de
professores da educação básica, tais como cursos de especialização, aperfeiçoamento,
extensão, atualização, desenvolvimento de pesquisas, editais do MEC para o
fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros nas universidades, incremento
da realização de pesquisas, encontros e seminários sobre a temática, introdução de
disciplinas na educação básica e superior com ênfase nas questões africanas e afro-
brasileiras, maior reconhecimento da desigualdade racial na sociedade e na educação,
visibilidade aos professores negros como sujeitos de conhecimento, dentre outros.A
alteração da LDB pela Lei n.10.639/03 causou inflexão quer na discussão quer na
5
Em 2008, foi sancionada a Lei n.11.645/08, que incluiu também as populações indígenas no art. 26 A,
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
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relação entre políticas educacionais, desigualdade racial, reconhecimento e superação
do racismo.
CONCLUINDO
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RESUMO: RESUMEN:
Este artigo parte da constatação de que a Este artículo parte de la constatación de que las
desigualdade no Brasil tem como cerne a desigualdades en Brasil tienen en la cuestión
questão racial. E exatamente por seu conteúdo racial su punto neurálgico. Justamente por su
racial essa desigualdade é naturalizada pela contenido racial, las desigualdades han sido
sociedade. Programas como o Bolsa Família e o naturalizadas por la sociedad. Programas como
Brasil Sem Miséria trouxeram uma significativa « Bolsa Familia » y «Brasil Sin Miseria »
redução da pobreza e da miséria, ainda que os generaron una reducción significativa de la
níveis de desigualdade e da própria incidência da pobreza y la miseria, a pesar de que los niveles
pobreza e da miséria continuem extremamente de desigualdad y de la incidencia de la pobreza
altos. A continuidade dessa trajetória, não y la miseria siguen siendo extremadamente
apenas de erradicação da pobreza e da miséria, altos. La continuación de esta tendencia, no
mas de construção de uma sociedade de iguais sólo para la erradicación de la pobreza y la
só será garantida se enfrentarmos o cerne dessa miseria, sino para construir una sociedad de
desigualdade: o racismo e seus desdobramentos. iguales sólo se garantizará si nos enfrentamos a
Há, portanto, a necessidade de que se dê a real la esencia de esta desigualdad: el racismo y sus
importância às políticas de ação afirmativa consecuencias. Por tanto, existe la necesidad
como complemento indispensável das políticas de darle una importancia real a las políticas
sociais clássicas e mesmo daquelas direcionadas de acción afirmativa como un complemento
206
necesario de las políticas sociales clásicas e Neste novo contexto, referências jurídicas
incluso de las destinadas a la lucha contra la e normativas foram alteradas, ao mesmo
pobreza y la miseria. Una sociedad racista tempo em que o quadro institucional e as
produce instituciones racistas. El racismo iniciativas no campo das políticas públicas
institucional es el mecanismo más eficaz de sofreram importantes inflexões. Da instituição
la exclusión y la negación de la igualdad de e disseminação de cotas para acesso às
condiciones. En un proyecto de sociedad universidades públicas à adoção de uma
democrática y pluralista, el Estado debe actuar legislação nacional na forma abrangente de um
como un potenciador de los cambios. Y estos Estatuto da Igualdade Racial, passando pela
cambios se producirán en la medida en que la criação de organismos estatais específicos para
acción afirmativa sea utilizada con eficacia y operar as políticas públicas para a promoção da
asociada al conjunto de acciones del gobierno, Igualdade Racial, um conjunto de inovações
sin lo cual vamos a seguir reproduciendo las políticas e institucionais foi levado a cabo nos
desigualdades, aunque con niveles más bajos de últimos dez anos e marcou uma nova etapa no
pobreza y miseria.” enfrentamento do tema racial no país.
Assim, o tema das desigualdades raciais se Na próxima seção são discutidos o racismo e
afirmou no Brasil no bojo de um ampliado sua centralidade na conformação da sociedade
debate sobre a questão social. Em torno brasileira. Na sequência, a segunda seção
deste tema sobrepuseram-se as demandas de discute a evolução recente no campo de ação das
enfrentamento ao racismo e à discriminação políticas voltadas à igualdade racial e sua relação
racial e as demandas de Combate às com as demais políticas públicas. Na terceira
desigualdades sociais. O cruzamento das duas seção são apresentados alguns indicadores
pautas foi realizado por meio do progressivo sobre as desigualdades raciais no país, os
reconhecimento do racismo como mecanismo quais sedimentam e justificam as políticas de
de produção e reprodução das hierarquias enfrentamento á questão racial. Na parte final
sociais e fator de restrição da mobilidade são sistematizadas as conclusões tendo em vista
social da população negra, opondo assim os principais desafios para a consolidação deste
poderosos obstáculos à dinâmica da igualdade campo da política pública no Brasil.
de oportunidades, e marcando fortemente a
natureza da desigualdade social brasileira.
1. O racismo e as suas diferentes
Dessa forma, para além de uma resposta configurações na sociedade
a demandas de cunho identitário ou brasileira
compensatório, a trajetória brasileira recente O racismo transforma diversidade em
representa uma inflexão no debate e nos desigualdade. Operando a partir de uma escala
instrumentos de enfrentamento da desigualdade de valores que torna socialmente aceitável,
social. Ela expressa o reconhecimento de que e mesmo justificável, a distribuição desigual
as desigualdades raciais constituem o eixo das posições sociais privilegiadas, o racismo
estratégico da gramática da desigualdade social reafirma e consolida a subalternidade da
no país, e não mero fruto de trajetórias históricas população negra. Reproduzido histórica e
e de déficits acumulados no campo da pobreza estruturalmente, este mecanismo perpassa as
e da educação. relações sociais e inscreve no país uma forma
Contudo, o processo de afirmação da temática particular de convivência entre desiguais. Sua
racial como cerne da questão da desigualdade vigência naturaliza a desigualdade e reforça o
brasileira não se deu de forma linear ou isento processo de legitimação e de engessamento da
de resistências, contestações e dificuldades, hierarquia social, contribuindo para a escassa
como se verá nas próximas páginas. Este artigo mobilidade racial que ainda caracteriza o país.
tem como objetivo resgatar a trajetória recente Assim, o racismo constitui-se em um importante
do debate sobre a questão social no Brasil, com obstáculo ao enfrentamento da pobreza e da
ênfase na temática racial. Ele é composto de desigualdade social.
quatro partes, além desta introdução. Dito de outro modo, como ideologia que
208
país.2 Paralelamente, as teses eugênicas foram influenciado pela queda do nazifacismo. Cai
sendo progressivamente contaminadas pela por terra o mote da superioridade racial e ganha
perspectiva de que não apenas a imigração, força a visão ensejada por um novo autor,
mas também a miscigenação, a diluição do inspirador do discurso oficial: Gilberto Freyre.
sangue deletério do negro em face de uma O maior legado da obra de Gilberto Freyre foi
maioria populacional branca, poderia ser a sedimentação da noção de democracia racial.
uma estratégia importante para o processo de A visão positiva do autor de Casa Grande
embranquecimento da população brasileira. e Senzala sobre a miscigenação não apenas
fortalecia a perspectiva da existência de um
Tal discurso não apenas integrou um projeto
povo brasileiro, mas a dotava de positividade.
político de construção nacional do qual a
Para Freyre, o caldeamento das três raças foi
população negra estava afastada como, mais
responsável pela aparição de uma mestiçagem
concretamente, constrangeu a participação
positiva, porquanto preservadora das qualidades
dos negros nos espaços públicos e na própria
e das virtudes da raça adiantada. Ainda se fazia
dinâmica social. Como já descrito em trabalho
presente em Freyre a crença na hierarquia
anterior (THEODORO, 2008), a marginalização
das raças: “O que houve no Brasil (...) foi a
do negro no mercado de trabalho é parte
degradação das raças atrasadas pelo domínio da
constitutiva deste processo. O trabalho escravo,
adiantada.” (FREYRE, 2006, p. 515)
organizador do sistema produtivo do Brasil
Colônia, foi gradativamente substituído pelo De todo modo, a ideia de um Brasil visto
trabalho livre no decorrer dos anos 1800. Essa como uma democracia racial, amparada
substituição, no entanto, se dá de uma forma no estereótipo de uma nação constituída
particularmente excludente. Mecanismos de população mestiça, racialmente e
legais, como a Lei de Terras, de 1850, a Lei culturalmente integrada e isenta de qualquer
da Abolição, de 1888, e mesmo o processo de forma de racismo, foi largamente difundida
estímulo à imigração, forjaram um cenário no pelo discurso oficial governamental a partir
qual a mão-de-obra negra passa a uma condição da segunda metade dos anos 1940. O Brasil
de força de trabalho excedente, sobrevivendo, passa a se apresentar ao mundo – e a se
em sua maioria, dos pequenos serviços ou da representar - como lugar de convivência
agricultura de subsistência. harmoniosa e salutar entre pessoas de todas
as raças, credos e culturas. Um país sem
A partir da década de 1940 observa-se
embates raciais, exemplo de integração
uma guinada importante no debate, com o
racial. Nas décadas seguintes a imagem do
desaparecimento do discurso da eugenia,
Brasil como paraíso das raças foi, não apenas
2 A influência do racismo científico espraiou-se pela América preservada, como fortalecida. No período
Latina, influenciando políticas migratórias, segregacionistas e
repressivas (ANDREWS, 2005). Segundo Costa (2011) este representa da ditadura militar, assistiu-se ao reforço
o primeiro dos cinco regimes de coexistência adotados na America
Latina para operar com a presença dos afrodescendentes na região. desse discurso, que pode ser resumida pelo
210
dos estudantes negros ao ensino superior, que, desigualdade de oportunidades. Além disso,
em função de programas como o Programa certos índices têm demostrado uma piora no
Universidade para Todos (PROUNI), bem que se refere ao aumento das desigualdades,
como a política de cotas para estudantes negros apontando para o reconhecimento de que a
instaladas por diferentes instituições de ensino questão racial permanece como ponto nodal
superior em todo o país. O contingente de do debate social brasileiro. E aqui o caso mais
estudantes negros no ensino superior passou emblemático se refere ao aumento da violência
de 10,2% em 2001, para 35,8%, em 2011, de contra a população negra.
acordo com os dados da Pesquisa Nacional
Os indicadores de mortalidade são o sinal mais
por Amostra de Domicílio (PNAD), do IBGE.
pujante da dramaticidade da desigualdade racial
Outras políticas refletem dinâmicas que organiza a dinâmica social brasileira. Como
positivas no quadro econômico e social mostra a evolução dos dados sobre homicídios
geral, como é o caso da redução da pobreza por cor/raça organizados por Oliveira Junior
entre a população negra. Dos 22 milhões de e Lima (2013), entre 2002 e 2009, enquanto a
pessoas que saíram da condição de pobreza taxa de homicídios para a população branca se
entre 2002 e 2012, cerca de 15 milhões são reduziu de 20,4 para 16,1 por 100 mil habitantes,
negros, de acordo com a PNAD/IBGE. Do entre a população negra esta taxa cresceu de 33,7
mesmo modo assistiu-se a uma expressiva pra 34,2. Ou seja, em 2009 a taxa de homicídios
melhoria da inserção do Negro no mercado entre a população negra era mais que o dobro
de trabalho. Dados do Departamento da observada entre os bancos. A situação é
Intersindical de Estudos e Estatísticas ainda mais dramática entre os jovens de 15 a 29
Socioeconômicas (DIEESE) sobre a Região anos. Enquanto a taxa de homicídios de jovens
Metropolitana de São Paulo apontam uma brancos reduziu-se de 32,4 para 30,4 por mil
queda do desemprego entre os negros de habitantes, para jovens negros o crescimento
15,7% para 7,5% entre 2000 e 2012. observado foi de 68,7 para 72,4.
ambientes tidos como privilegiados, entre institucional. Atuando no plano macro, o racismo
outros. A discriminação geralmente é um ato institucional é o principal responsável pela
personalizado. Um indivíduo ou um grupo reprodução ampliada da desigualdade no Brasil.
submete outro indivíduo ou grupo a um ato
Também é certo que em muito contribui o
direto de constrangimento ou cerceamento. No
racismo como ideologia, pois, por seu intermédio,
Brasil, desde a década de 1950, a discriminação
naturaliza-se a condição de pobreza e de miséria.
é tipificada como ilícito penal. Primeiramente
A desigualdade é normalizada por uma hierarquia
como contravenção, com a Lei Afonso
racial, tornando invisíveis situações iniquidade
Arinos de 1951, e mais tarde nos anos 1980,
e mesmo de violações de direitos. Pobreza,
como crime imprescritível e inafiançável
mendicância, populações habitando lixões, são
(Constituição Federal e Lei Caó, de 1989).
inúmeras as situações que não são identificadas
Ainda que a legislação atual fale em preconceito
como algo a ser enfrentado. Ao contrário, tudo
racial, ela está direcionada para as práticas de
isso faz parte da paisagem social brasileira. O
discriminação racial.
racismo impede o reconhecimento dos pobres e
O preconceito é um fenômeno menos miseráveis como iguais, sugerindo a existência
explícito que, ao contrário da discriminação, de categorias distintas de pessoas. Para um grupo
não consubstancia ato manifesto. Antes, o a cidadania plena, para outros, “a vida como ela
preconceito se associa à introjeção dos valores é”... Está criado assim o caldo de cultura para a
racistas, que dão sentido a práticas e leituras perpetuação da desigualdade. E o racismo e seus
cotidianas em torno das diferenças raciais. Do desdobramentos tem papel central nesse processo.
preconceito, também se percebe resultados: a
Se o enfrentamento a discriminação, como
não ascensão profissional do indivíduo negro
visto, tem amparo legal, é um caso de polícia, o
a despeito de suas qualidades profissionais,
preconceito, sua contraparte mais perversa, é um
a escolha recorrente de alunos brancos como
caso de política: Política de Ação Afirmativa.
representantes de sala, etc. Por sua natureza
Inscrito no rol das chamadas Políticas de Promoção
indireta, de ação que se desenvolve de forma
da Igualdade Racial, esse conjunto de ações tem
subliminar, encoberta, o preconceito atinge
existência recente e sua própria consolidação
grandes dimensões em sua velatura. A ausência
pressupõe o enfrentamento do racismo................
de negros em posições de comando nas grandes
empresas, a inexistência de negros em postos
de destaque no Estado ou na Igreja são marcas 5. Os desafios da consolidação
da Política de Promoção da
indeléveis do preconceito em sua dimensão Igualdade Racial no Brasil
maior, também conhecida como racismo
institucional. O racismo institucional pode ser A construção de uma Política de Promoção da
identificado como a forma mais sofisticada do Igualdade Racial que se coadune com a grandeza
preconceito, envolvendo o aparato jurídico- da problemática racial necessita o enfrentamento
216
de cinco desafios que topicamente serão de base, reforma agrária e reforma tributária
apresentados a seguir. progressiva) e construção de um Estado Social
de Bem-Estar. Os países que assim o fizeram,
- a construção de uma base conceitual de
acabaram com a pobreza e a miséria.
sustentação das ações e delimitação do campo
de atuação: Na verdade essa é uma questão de A política para a população negra é, contudo,
fundo. A perspectiva deve ser de que a Política de outra natureza. Mas ela é fundamental para
de Igualdade Racial deve enfrentar as causas e a eliminação da pobreza e o enfrentamento
não apenas as consequências dos fenômenos. dos patamares insustentáveis de desigualdade
Nesse sentido, o foco deve ser o enfrentamento social do Brasil Em um país marcado por tão
do racismo notadamente em sua vertente do forte (ou expressiva) hierarquia racial, sem o
preconceito racial. Desse modo, seu principal combate ao racismo, não se conseguirá avançar
instrumento de atuação se dá mediante a adoção substancialmente nas políticas redistributivas.
das chamadas ações afirmativas. Trata-se de Sem enfrentar o preconceito, a pobreza e os
ações de cunho valorativo, políticas de cotas, pobres vão continuar a fazer parte da paisagem,
além de arranjos institucionais cujo objetivo é naturalizados, como integrantes subalternos
a reversão de estereótipos. As ações afirmativas de uma sociedade congenitamente desigual.
combatem diretamente o preconceito, a faceta É essa a dimensão de complementaridade
mais perversa do racismo. Esse é o campo de face às políticas sociais clássicas que deve ser
ação das Políticas de Igualdade Racial. enfatizada como característica das Políticas de
Igualdade Racial. Sem elas o Brasil não muda.
- a desconstrução da ideia de que a política
para população negra se confunde com a - o enfrentamento do racismo institucional: O
política para população pobre: É fato que racismo institucional deve ser percebido um
a maioria dos pobres é negra. Isso vale em objetivo estratégico da política de promoção
uma proporção ainda maior para a população da igualdade racial. Operando no corpo das
miserável. Entretanto, é importante distinguir instituições públicas e privadas, ele pode
o enfrentamento à pobreza do enfrentamento inviabilizar, quando não proscrever, as iniciativas
ao racismo. O preconceito e a discriminação de Políticas de Igualdade Racial. A percepção
racial aprofundam os mecanismos de sociais e ainda fortemente presente nas organizações de
econômicos de reprodução da pobreza. Mas se que a temática racial é suplementar e mesmo
as duas agendas se cruzam e se interpenetram, acessória, faz com que a efetivação dessas
precisam ser analisadas e operadas em suas políticas seja uma tarefa árdua e penosa. O
especificidades. A pobreza se enfrenta – e se governante público deve estar consciente da
elimina – com crescimento econômico associado importância e do lugar privilegiado que as
a políticas de distribuição da renda e de ativos Políticas de Igualdade Racial devem ocupar. De
(política de gradativo aumento real dos salários fato, a busca de uma sociedade democrática e
217
republicana pressupõe a percepção geral de que Mais importante aqui a destacar é a centralidade
se é uma sociedade de iguais, independentemente das Políticas de Igualdade Racial no âmbito de
das diversidades existentes. um projeto de desenvolvimento com equidade e
democracia. Esse cenário só pode se realizar em
- o dimensionamento dos programas e ações
uma sociedade de iguais.
tendo em vista a grandeza da problemática
racial no Brasil: Até em função da existência do Viver a diversidade eliminando a desigualdade
racismo institucional, há uma tendência de que esse é a meta para qual a Política de Igualdade
ações e programas de Promoção da Igualdade Racial constitui elemento fundamental.
Racial assumam um caráter residual. Em geral,
são iniciativas pontuais, localizadas que não têm
o condão de enfrentar o racismo. Pelo contrário,
ações desse quilate corroboram a percepção de
Bibliografia
inutilidade das Políticas de Igualdade Racial.
AMARAL, Azevedo. Estado autoritário e realidade
- estabelecimento de um sólido sistema de nacional. Brasília: Ed. UnB, 1981. (Pensamento
financiamento dos programas e ações: Uma Político Republicano, v.11).
política sem recursos financeiros é uma política
BENTO, Maria Aparecida. Racismo no trabalho: o
fadada ao insucesso. O volume de recursos
movimento sindical e o Estado. In: GUIMARÃES,
orçamentários é maior indicador das prioridades
Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (orgs.).
governamentais. Atualmente, as Políticas de
Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil.
Igualdade Racial conta com parcos recursos,
São Paulo: Paz e Terra, 2000.
inexistindo uma fonte estável de financiamento.
A retomada da ideia da criação do Fundo de BRASIL. Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe
Promoção da Igualdade Racial – FNPIR, inscrita sobre as terras devolutas do Império. Poder Executivo
originalmente no Estatuto da Igualdade Racial e (Império). Coleção das leis do Brasil, 1850, v.1, p. 307,
retirada quando da tramitação do Projeto de Lei Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
do Fundo, deve ser retomada. Essa será a única Leis/L0601-1850.htm>. Acesso: 25. jun. 2014.
maneira de viabilizar a efetivação dessas políticas
e de proporcionar ao país efetivas condições de BRASIL. Lei nº 1.390, de 3 de julho de
mudança na direção de uma sociedade mais justa 1951 (Lei Afonso Arinos). Inclui entre as
e verdadeiramente democrática. contravenções penais a prática de atos
resultantes de preconceitos de raça ou de côr.
As mudanças são necessárias, mas nem sempre Diário Oficial da União, Poder Executivo,
de fácil implementação. O velho conhecido, o Brasília, DF, 10 jul. 1951. Disponível em:
racismo, presente nas relações sociais e na própria <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
estrutura institucional, é, ao mesmo tempo, objeto Leis/L1390.htm>. Acesso: 25. jun. 2014.
de ação e obstáculo a ser transposto.
218
FAO; WFP; IFAD. The state of food insecurity WAISELFISZ, Julio Jacobo (coord.). Mapa da
in the world 2012: economic growth is violência 2012: A cor dos homicídios no Brasil.
necessary but not sufficient to accelerate Rio de Janeiro: CEBELA; FLACSO, 2012.
reduction of hunger and malnutrition. Roma: Disponível em: <http://mapadaviolencia.org.br/
FAO, 2012. Disponível em: <http://www.fao. pdf2012/mapa2012_cor.pdf>. Acesso: 26 jun.
org/docrep/016/i3027e/i3027e.pdf>. Acesso: 2014.
26 jun. 2014.
______. Mapa da violência 2013: mortes
QUERINO, Manuel. O colono preto como matadas por armas de fogo. Rio de Janeiro:
fator da civilização brasileira. Afro-Ásia, CEBELA; FLACSO, 2013. Disponível em:
Salvador, n. 13, 1980, p. 143-158. Disponível <http://mapadaviolencia.org.br/pdf2013/
e m : < h t t p : / / w w w. a f r o a s i a . u f b a . b r / p d f / MapaViolencia2013_armas.pdf>. Acesso: 26
afroasia_n13_p143.pdf>. Acesso: 26. Jun. jun. 2014
2014.
SECRETARIA DE POLÍTICAS DE
PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
(SEPPIR). Destaques. FIPIR. Online. Disponível
em: <http://www.seppir.gov.br/destaques/id_
Editais/Principal.2007-11-18.5353>. Acesso: 26.
jun. 2014.
1.1 Antecedentes
Os avanços obtidos até o momento em benefício da população afrodescendente
são resultado de conquistas do Movimento Negro, que vem a ser o movimen-
to social mais antigo no Brasil, pois atua desde os primórdios do escravismo,
isto é, desde meados do século XVI. A discriminação racial foi, desde o início,
interna ao sistema. Abolida a escravidão em 1888, os afrodescendentes conti-
nuaram a sofrer uma exploração específica graças aos mecanismos de exclusão
que acompanham o racismo. Romper com essa inércia, reverter o estigma,
recuperar a auto-estima, afirmar a igualdade dos direitos, agir para que a lei
garanta as mesmas oportunidades a todos têm sido algumas das principais
bandeiras do Movimento Negro.
Na realidade, e particularmente a partir da década de 1970, esse movi-
mento denuncia com veemência a democracia racial como mito, segundo o
qual a mestiçagem seria vocação peculiar brasileira; não existiriam conflitos
raciais; a escravidão teria sido benigna; e, por fim, o desenvolvimento econô-
mico haveria de desmanchar os resíduos do preconceito e do racismo e pro-
mover a inclusão da população negra. O Movimento Negro manifesta-se,
pois, contra uma sociedade que oculta, esconde e legitima o estigma, o pre-
conceito e a discriminação. No entanto, até os anos 1980 não houve espaço
para que o Movimento Negro atuasse no âmbito do Estado. Estado que,
historicamente, se tem mostrado refratário e hostil a qualquer ação que
desmistifique a ideologia da democracia racial brasileira. Atitude semelhante
é encontrada ainda nos sindicatos e nos partidos, para os quais a temática
racial não é percebida, ao menos até os anos 1990, como relevante.
Com relação ainda ao período militar, faz-se mister destacar que, apesar
da ditadura ignorar a problemática racial no plano interno, o Brasil era, já à
época, signatário de três importantes tratados internacionais
antidiscriminatórios, quais sejam: a Convenção 111 da Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT) Concernente à Discriminação em Matéria de Em-
prego e Profissão (1968); a Convenção Relativa à Luta Contra a Discrimina-
ção no Campo do Ensino (1968); e a Convenção Internacional sobre a Elimi-
nação de todas as Formas de Discriminação Racial (1969). Ademais, o gover-
no brasileiro fez-se presente na duas conferências mundiais contra o racismo
realizadas em 1978 e 1983, respectivamente.
16 desigualdades raciais no Brasil...
4. A Lei Afonso Arinos, promulgada em 1951, primeiro instrumento jurídico de repressão a atos de discriminação racial, enquadra-
va-os como contravenção . A criminalização dos atos de discriminação racial é fruto da Constituição de 1988 e das leis
infraconstitucionais que se seguiram.
5. Sobre o tratamento da questão racial na Constituição de 1988, ver Silva Jr. (2000).
18 desigualdades raciais no Brasil...
Alencar, não tendo sido capaz de resistir às dificuldades que o tema da questão
racial enfrenta no Brasil: a invisibilidade, a falta de experiência e de vocação do
setor público para lidar com a questão negra e, também, a falta de adesão de
grande parte da sociedade ao tema.
O governo Leonel Brizola também inaugura, em 1991 e de forma inédi-
ta, a primeira Delegacia Especializada em Crimes Raciais na cidade do Rio de
Janeiro. Na esteira dessa experiência, outros estados criam instituições seme-
lhantes (São Paulo, Sergipe e Distrito Federal). O fato que confirma a dificul-
dade em se combater o racismo no Brasil é que todas essas delegacias foram
extintas. É importante destacar, contudo, que em 1998 a prefeitura de Belo
Horizonte, na gestão de Célio de Castro, teve uma importante iniciativa ao
criar a Secretaria Municipal para Assuntos da Comunidade Negra, primeiro
órgão do gênero no país. O objetivo dessa instituição é implementar projetos
nas áreas de trabalho e emprego, saúde, promoção da diversidade racial e rea-
lizar campanhas que elevem a auto-estima negra. Mas essa instituição, assim
como as outras, também não resistiu ao tempo e foi extinta.
A partir da segunda metade da década de 1990, um novo impulso é
dado à questão racial quando o poder público federal começa a tomar uma
série de medidas. Uma das alavancas desse novo impulso pode ser creditada à
“Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”,
realizada em 20 de novembro de 1995, e da qual participam dezenas de mi-
lhares de pessoas em homenagem ao tricentenário da morte de Zumbi dos
Palmares. Os organizadores da Marcha entregam ao presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, um documento sobre a situação do negro no
país e um programa de ações para a superação do racismo e das desigualdades
raciais no país. É importante destacar a abertura em relação ao tema por parte
do chefe do Executivo Federal: já em seu discurso de posse, o presidente reco-
nhece a existência e a relevância do problema racial bem como a necessidade
de interlocução política com o Movimento Negro brasileiro.
Na mesma data da Marcha, é criado, por decreto presidencial, o Grupo
de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra (GTI Popula-
ção Negra), ligado ao Ministério da Justiça. A proposta nasce dentro do gover-
no a partir da articulação de setores do Movimento Negro que defendem uma
atuação mais incisiva do governo federal no estabelecimento de políticas pú-
blicas e sem a marca culturalista que muitas vezes prevalece no âmbito do
Estado quando se pensa no segmento negro. Em paralelo à instalação do GTI
População Negra, que ocorre em 1996, é lançado pelo Ministério da Justiça o
I Programa Nacional dos Direitos Humanos (I PNDH), que contém um tópi-
co destinado à população negra, para a qual se propõe a conquista efetiva da
20 desigualdades raciais no Brasil...
7. 1) Informação-quesito Cor; 2) Trabalho e Emprego; 3) Comunicação; 4) Educação; 5) Relações Internacionais; 6) Terra (Remanes-
centes de Quilombo); 7) Políticas de Ação Afirmativa; 8) Mulher Negra; 9) Racismo e Violência; 10) Saúde; 11) Religião; 12) Cultura
Negra; 13) Esportes; 14) Legislação; 15) Estudos e Pesquisas; e 16) Assuntos Estratégicos.
8. As principais realizações alcançadas desde a época de constituição do GTI População Negra até o presente momento são apre-
sentadas na seção 5 do presente documento.
Luciana Jaccoud e Nathalie Beghin 21
Por fim, destaque-se que foi na década de 1990 que Zumbi dos Palmares
foi reconhecido pelo governo brasileiro Herói Nacional, tendo seu nome
inscrito no Pantheon dos Heróis Nacionais, monumento em Brasília, onde
até então constava apenas o nome de Tiradentes.
tanto pela Fundação Cultural Palmares9 como pela Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos.10 O processo de preparação culmina com a realização da I
Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância, que teve lugar no Rio
de Janeiro entre 6 e 8 de julho de 2001, da qual participaram cerca de 1.700
delegados oriundos das mais diversas regiões do país. Por fim, entre 31 de
agosto e 7 de setembro de 2001, acontece, em Durban, a III Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, que conta com cerca de seiscentos participantes brasileiros repre-
sentando instituições governamentais e não-governamentais.
É importante destacar, ao longo de todo o processo preparatório da Con-
ferência de Durban, a participação do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (Ipea), particularmente no que diz respeito à produção de diagnósticos
inéditos sobre a magnitude das desigualdades raciais no Brasil: o governo re-
conhece, a partir de números oficiais, as imensas distâncias que existem entre
negros e brancos. Merece menção, também, a iniciativa do Ministério do De-
senvolvimento Agrário (MDA), que, em 2001, cria seu Programa de Ações
Afirmativas voltado tanto para o público interno como para os beneficiários
das políticas e das ações sob responsabilidade do Ministério. Note-se, ainda,
que o MDA, em parceria com o Ipea, deu início a um processo de diálogo com
o setor empresarial com o intuito de promover o debate sobre o respeito à
diversidade de mão-de-obra empregada no mercado de trabalho privado.
Na esteira da iniciativa do MDA, outros ministérios (i.e., Justiça, Cultu-
ra, Educação e Relações Exteriores) desencadeiam uma série de medidas espe-
cíficas voltadas para afrodescendentes. No Judiciário, um passo importante é
dado pelo Supremo Tribunal Federal ao considerar constitucional o princípio
da ação afirmativa. Ademais, o próprio Tribunal passa a implementar algumas
9. A Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, promoveu os seguintes eventos para subsidiar a formulação do documento
brasileiro à Cúpula de Durban:
Eventos Local/data
1. Reunião de trabalho de especialistas Brasília/DF, agosto de 2000
2. Audiência pública na Câmara dos Deputados Brasília/DF, agosto de 2000
3. Pré-conferência regional sobre cultura e saúde da população negra Brasília/DF, setembro de 2000
4. Pré-conferência regional sobre racismo, gênero e educação Rio de Janeiro/RJ, outubro de 2000
5. Pré-conferência regional sobre cultura, educação e políticas de ações afirmativas São Paulo/SP, outubro de 2000
6. Pré-conferência regional sobre desigualdades e desenvolvimento sustentável Macapá/AP, outubro de 2000
7. Pré-conferência regional sobre o novo papel da indústria da comunicação e Fortaleza/CE, outubro de 2000
entretenimento
8. Pré-conferência regional sobre direito à informação cultural histórica Maceió/AL, novembro de 2000
9. Congresso brasileiro de pesquisadores negros Recife/PE, novembro de 2000
10. Conferência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP Belo Horizonte/MG, novembro de 2000
11. Conferência com as embaixadas dos países africanos Brasília/DF, novembro de 2000
10. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, com o apoio do Instituto de Pesquisa em Relações
Internacionais (Ipri) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), realizou três pré-conferênci-
as em novembro de 2000: em São Paulo, Belém e Salvador.
Luciana Jaccoud e Nathalie Beghin 23
30. “Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” (1996), p. 23.
31. Deve-se lembrar, entretanto, que é de muito antes a adesão do Brasil a instrumentos internacionais que propunham a
implementação desse tipo de políticas compensatórias. A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, promulgada pelo Brasil em 1969, já afirmava em seu artigo 2o: “Os Estados signatários tomarão medidas de
ação afirmativa conforme necessário para garantir o desenvolvimento e a proteção dos indivíduos pertencentes a certos grupos
raciais, com a finalidade de garantir-lhes o pleno e igual desfrute dos direitos humanos”.
46 desigualdades raciais no Brasil...
32. “O princípio da promoção da igualdade de oportunidades tem como objetivo colocar todos os membros de uma sociedade na
condição de participar da competição pela vida, ou pela conquista do que é vitalmente mais significativo, a partir de posições
iguais”, Ministério do Trabalho e Emprego (2001), p. 10.
33. “Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” (1996), p. 24.
39. As cotas referenciam-se em uma razão numérica baseada em algum princípio de representação. Falando sobre a experiência
americana, Skidmore distingue duas possibilidades para o estabelecimento de cotas: “Um método era mediar a razão de minorias
e mulheres na população local e estabelecê-la como cota. Outro era estabelecer a porcentagem de mulheres e minorias no universo
de candidatos aceitáveis e estabelecer a cota”, Skidmore (1996), p. 130.
52. O mesmo argumento é válido para as ações afirmativas que visam beneficiar outros segmentos discriminados da população, como
mulheres ou deficientes.
A
Lei n.º 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (Lei n.º 9.394/96) e pode ser considerada uma reivindicação do
Movimento Negro e de organismos da sociedade civil, de educadores e
intelectuais comprometidos com a luta antirracista. Pode também ser
entendida como uma resposta do Estado às demandas em prol de uma educação
democrática, que considere o direito à diversidade étnico-racial como um dos pila-
res pedagógicos do País, especialmente quando se consideram a proporção signifi-
cativa de negros na composição da população brasileira e o discurso social que apela
para a riqueza dessa presença.
De Norte a Sul do País, a presença negra é divulgada discursivamente como
um forte componente da diversidade cultural brasileira. Todavia, do ponto de vista das
políticas, das práticas, das condições de vida, do emprego, da saúde, do acesso e da per-
manência na educação escolar, a situação ainda é de desigualdade, preconceito e discri-
minação. Segundo dados divulgados na Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios
(BRASIL, 2007), 49,4% da população brasileira se autodeclaram ser da cor ou raça
branca, 7,4% preta, 42,3% parda e 0,8% de outra cor ou raça.1 Quando se tomam, por
exemplo, os dados sobre escolarização, observam-se as dinâmicas dessa desigual distri-
buição de oportunidades. Apesar dos avanços oriundos das políticas públicas, o fenômeno
1 Considera-se como população negra aquela composta por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,
de acordo com as categorias de cor do IBGE, as quais se encontram em situação de profunda desigual-
dade em comparação ao segmento branco.
social do analfabetismo apresenta-se diferentemente nos segmentos negros e brancos da popu-
lação.
Segundo o levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
de 2009, feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar
da redução da distância entre os dois grupos, o índice de analfabetismo entre jovens
negros ainda é duas vezes maior do que entre os jovens brancos. Em 1998, o analfa-
betismo entre jovens negros era quase três vezes maior do que entre os jovens brancos.
Consideram-se jovens os habitantes entre 15 e 29 anos, uma população que soma
hoje 49,7 milhões de pessoas, cerca de 26,2% da população brasileira.
No ensino médio, o número de jovens brancos que frequenta a escola é 44,5%
maior em comparação ao número de negros. Já no ensino superior, a frequência de
brancos é maior cerca de três vezes. O IPEA destaca, no entanto, que houve signifi-
cativa melhora no nível de adequação educacional entre os jovens negros nos últimos
anos. Se entre os brancos se observou certa estagnação, entre os negros a melhoria
na frequência ao ensino médio é bastante significativa: em dez anos, quase duplicou.
No que diz respeito à renda, é alarmante a disparidade: de 2004 a 2008, a dife-
rença entre a renda média dos negros e dos brancos no Brasil aumentou R$ 52,92. O
estudo revela também que a renda média dos brancos aumentou 2,15 vezes no perío-
do, ao passo que o índice de aumento na renda média dos negros foi de apenas 1,99.
De acordo com o documento, as regiões mais ricas do Brasil meridional apre-
sentam maior porcentagem de pessoas brancas que as regiões do Brasil setentrional.
Do Oiapoque ao Chuí, a população embranquece, e a renda aumenta.
O IPEA alerta que, juntas, a desigualdade entre regiões e a desigualdade racial,
respondem por algo entre um quarto e um quinto da desigualdade de renda domici-
liar per capita de todo o País. Em 2008, esses dois índices respondiam por 22,3%, ou
seja, 5,7% de desigualdade racial dentro das regiões e 16,6% de desigualdade regional.
O IPEA reconhece que o racismo e a discriminação são causas importantes
da desigualdade racial no Brasil, mas não as únicas. Elas caminham lado a lado com
o elevado nível de desigualdade regional. Portanto, as políticas específicas para a
população negra precisam caminhar junto com políticas que visem corrigir também
as profundas desigualdades regionais do País.
A pesquisa também destaca que apenas a metade dos jovens brasileiros de
15 a 17 anos frequenta o ensino médio na idade adequada e que 44% ainda não
concluíram nem mesmo o ensino fundamental. Nas regiões Nordeste e Norte, as
20
taxas de frequência, 36,4% e 39,6%, respectivamente, são bem mais baixas do que
no Sudeste e no Sul, 61,8% e 56,5%, respectivamente.
O acesso ao ensino superior é ainda mais restrito, com frequência de apenas
13,6% dos jovens de 18 a 24 anos. Uma boa parcela dos que têm mais de 18 anos,
cerca de 30%, conseguiu completar o ensino médio, mas sem buscar a continuidade
de estudos no ensino superior.
O IPEA ressalta também que a proporção de jovens fora da escola cresce de
acordo com a faixa etária: 15,9%, entre os jovens de 15 a 17 anos; 64,4%, de 18 a
24 anos; e 87,7%, de 25 a 29 anos.
No entanto, também há avanços. Como principal o IPEA destaca que os
jovens atualmente conseguem passar mais tempo em sala de aula e têm maior es-
colaridade que os adultos. Em 1998, a média de anos de estudo entre pessoas de 15
a 24 anos era de 6,8. Em 2009, a média era de 8,7 anos de estudo entre jovens de
18 a 24 anos. No grupo de 25 a 29 anos, a média chegou a 9,2, o que corresponde
a 3,2 anos de estudo a mais que na população acima dos 40 anos.
Um destaque positivo apontado na pesquisa é que o maior nível de escolari-
dade também se reflete na menor taxa de analfabetismo entre os jovens. Na faixa de
15 a 17 anos a queda foi de 8,2% em 1992 para 1,7% em 2008, e na faixa de 18 a
24 anos foi de 8,8% para 2,4% no mesmo período.
Ainda que se considere o processo de universalização da educação básica de-
sencadeado nos últimos anos, o que possibilitou o acesso de variados grupos sociais
antes desconsiderados e excluídos do processo de escolarização, esse processo não sig-
nifica mudanças diretas no modo como se organiza essa instituição. De acordo com
Theodoro (2008), as políticas públicas têm proporcionado mais acesso à educação de
forma universal, mas ainda de uma forma desigual quando se analisa a questão racial.
Historicamente os negros têm menos acesso a serviços e ações governamentais, o que
indica a necessária realização de políticas direcionadas a esse segmento.
Diante do exposto, observa-se uma imbricação entre diversidade étnico-racial,
desigualdade social e desigualdade regional, também refletida nesta pesquisa. Na
análise das práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na Escola
na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, observa-se que o potencial das redes de ensino,
as condições de trabalho nas escolas, o desenvolvimento de formas participativas de
gestão do sistema e das escolas, a presença ou não de formação continuada dos(as)
educadores(as) apresentam nuances significativas quando se considera a localização
regional das escolas participantes. A compreensão mais aprofundada dessa questão
exigirá novos estudos e pesquisas específicas.
21
Da implantação à implementação de políticas para a
educação das relações étnico-raciais
O caráter da Lei n.º 10.639/03 e suas formas de regulamentação atribuem
ao MEC a responsabilidade de induzir a implementação de uma educação para as
relações étnico-raciais em parceria com os sistemas de ensino, para todos os níveis
e todas as modalidades. Existe uma dinâmica própria das políticas públicas, que vai
do reconhecimento de uma problemática social sobre a qual se quer intervir até sua
adoção e transformação da realidade ao lado do conjunto maior da sociedade. E
a eficácia desse processo segue o caminho da implantação à implementação. Uma
educação voltada para a produção do conhecimento, assim como para a formação
de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos para (e na) diversidade étnico-
-racial, significa a compreensão e a ampliação do direito à diferença como um dos
pilares dos direitos sociais. Implica também a formação de subjetividades incon-
formistas diante das práticas racistas e com conhecimento teórico-conceitual mais
aprofundado sobre a África e as questões afro-brasileiras.
No entanto, sabe-se que a criação e a implementação de políticas sociais se
realiza num terreno conflitivo da vida social, especificamente quando se toma a
herança histórica e social forjada no período da ditadura no campo da formulação
e implementação de políticas educacionais, que imprimiu profundas marcas nesse
contexto. Algumas dessas marcas autoritárias são as determinações centralizadoras,
o esvaziamento dos currículos, a apologia à diversidade e a negação das desigualda-
des de classe, raça, gênero e diversidade sexual. Essas ações começaram a se deses-
tabilizar a partir dos anos 1980, quando o processo de reconstrução da sociedade
brasileira, as demandas por participação e convivência democrática começaram a
ganhar força, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e
tendo continuidade nos anos seguintes. Quanto mais a sociedade brasileira se or-
ganiza politicamente em busca da concretização da democracia, maiores são os de-
safios a ser superados por meio da implementação de políticas sociais e programas
de iniciativa do Estado.
Essa rearticulação da sociedade tem os movimentos sociais como um dos
seus principais protagonistas ao lado de outras frentes, organizações e instituições
de caráter democrático e progressista. Os movimentos sociais – que resistiram e
se desenvolveram paralelamente às ações de um governo ditatorial, organizando-
-se fora do controle do Estado, especialmente aqueles que focalizaram o caráter
identitário de grupos sociais com histórico de profunda exclusão e discriminação
(as mulheres, os negros, os povos indígenas, os homossexuais, os quilombolas e os
22
moradores do campo) – evidenciaram uma problemática historicamente apagada
por setores conservadores da sociedade e até por setores progressistas: o direito à
diferença e a necessidade de políticas públicas que contemplem a diversidade.
O Movimento Negro é o protagonista central que conseguiu dar maior vi-
sibilidade ao racismo e sua dinâmica de apagamento no conjunto da sociedade, ao
mito da democracia racial, demandando a implicação do Estado para a efetivação
da paridade de direitos sociais. Colaboram, para o reconhecimento dessa problemá-
tica social e para a construção de uma política para a diversidade e para educação
das relações étnico-raciais na escola, nesse contexto, a Marcha Zumbi dos Palmares
(1995), os dados sociodemográficos que demonstram a condição de desigualdade
racial divulgados pelo IPEA (2001), a realização da 3.a Conferência de Durban, a
criação da SEPPIR (2003) e da SECAD (2004).
Esse contexto histórico, político, social e educacional justifica a necessidade
da sanção da Lei n.º 10.639/03, do Parecer do CNE/CP 03/2004 e da Resolução
CNE/CP 01/2004. Do ponto de vista da política educacional, a existência de tais
dispositivos legais, cuja abrangência diz respeito aos sistemas de ensino, escolas e
sociedade civil, orientou a construção de um planejamento para a sua implementa-
ção em âmbito nacional: o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana (BRASIL, 2009). Esse plano não teria sentido se não arti-
culasse atores institucionais (MEC, gestores de sistemas de ensino e de escolas),
movimentos sociais, sobretudo, o Movimento Negro. No caput do art. 3.º, a citada
Resolução afirma:
Entretanto, do papel para a vida social, há uma grande distância a ser trans-
posta, e o desencadeamento desse processo não significa sua efetiva adoção, tam-
pouco seu completo enraizamento no chão das escolas públicas e privadas do País.
23
A efetivação e a implementação de leis no campo educacional dependem em grande
medida de um conjunto de condições que lhes permitam a realização plena. Nesse
cenário, a escola tem sido considerada historicamente um espaço de repercussão e
reprodução do racismo. Como mostra sua história e revelam as dinâmicas sociais
produzidas nesse lócus, trata-se de uma instituição que dificilmente consegue lidar
com identidades forjadas num contexto de diversidade, reconhecendo-as e tratan-
do-as de forma igualitária e digna, e com saberes e patrimônios culturais produzidos
pelos grupos étnico-raciais do País.
Além disso, todos esses dispositivos legais entram em confronto direto com
o imaginário e as práticas de racismo e com o mito da democracia racial extrema-
mente arraigados no bojo do processo de escolarização e no imaginário de profis-
sionais da educação em todos os níveis da educação brasileira. Esse contexto produz
subjetividades, interfere na construção das identidades e autoestima dos sujeitos
negros, brancos, indígenas, entre outros. A educação escolar, como espaço-tempo
de formação humana, socialização e sistematização de conhecimentos, apresenta-se
como uma área central para a realização de uma intervenção positiva na superação
de preconceitos, estereótipos, discriminação e racismo. Portanto, a adoção da Lei e
sua concretização em práticas pedagógicas baseadas na educação para (e na) diver-
sidade demandam a reorganização desse lócus numa perspectiva emancipatória, a
revisão da cultura escolar, de currículos, de práticas pedagógicas e de relações sociais
entre os envolvidos nesse processo, enfatizando a especificidade do segmento negro
da população. Tal transformação diz respeito ao reconhecimento da educação, so-
bretudo a escolar, como um direito de todos e, por conseguinte, da população negra.
A tarefa de uma política educacional voltada para a diversidade étnico-racial
está perpassada por uma radicalidade política e pedagógica. A complexidade do
tema tratado nesta pesquisa se agudiza em decorrência dos aspectos e dos desdo-
bramentos culturais, políticos, econômicos, técnicos, científicos, éticos e subjetivos
que envolvem a questão étnico-racial no Brasil e na educação escolar pública. É
certo que a implementação da Lei n.º 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Na-
cionais, nesse contexto, aponta para o aspecto relevante do reconhecimento da forte
presença da questão afro-brasileira e africana na construção do imaginário social e
pedagógico e a sua visibilidade ou invisibilidade na política educacional. Esse pro-
cesso não pode ser interpretado apenas na sua dimensão pedagógica nem de forma
isolada dentro do campo educacional.
A implementação da Lei n.º 10.639/03 depende não apenas de ações e
políticas intersetoriais, articulação com a comunidade e com os movimentos
sociais, mudança nos currículos das Licenciaturas e da Pedagogia, mas também
24
de regulamentação e normatização no âmbito estadual e municipal, de formação
inicial, continuada e em serviço dos profissionais da educação e gestores(as) do
sistema de ensino e das escolas.
Como se trata de um tema arraigado historicamente na estrutura social, cul-
tural, política e pedagógica do País seria um equívoco interpretar que a sua efetiva-
ção como política pública em educação, bem como a superação dos seus limites de
implementação estivessem restritos ao campo educacional e isolados em si mesmos.
É por essa razão que uma pesquisa como esta se faz necessária, para saber o estado
em que se encontra a temática e verificar, afinal, se a Lei tem sido adotada e como
vem sendo implementada.
25
Na cultura e na sociedade, aprende-se a perceber, comparar, classificar, avaliar
essas diferenças positiva ou negativamente. O problema é que, no contexto das rela-
ções de poder e de dominação, as classificações criam hierarquias, além de legitimar
uns em detrimento de outros. Nesse processo, as diferenças são transformadas em
desigualdades.
Outra noção à qual esta pesquisa se filia é a “regulamentação”. A Resolução
CNE/CP 01/2004 determina, em seu art. 2º, § 3º, que é função dos Conselhos
Municipais e Estaduais de Educação desenvolver as Diretrizes Curriculares Na-
cionais por ela instituídas, preservando a autonomia relativa dentro do regime de
colaboração entre os entes federados e seus respectivos sistemas de ensino. Essa
medida induz a uma leitura contextual dessa Resolução, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 03/2004) e da Lei n.º 10.639/03,
de modo a aproximar as determinações da política municipal e estadual das delibe-
rações de âmbito federal. É papel dos Conselhos Municipais e Estaduais articular
o processo de implantação – apresentação dos novos determinantes legais – e de
implementação. Nesse sentido, a regulamentação diz respeito aos dispositivos legais
que expressam as ações a serem adotadas pelos Conselhos e pelas Secretarias de
Educação para desencadear e realizar a implementação da Lei n.º 10.639/03. Em
geral, a exemplo do caso do governo federal, esse processo demanda diretrizes curri-
culares estaduais e municipais, assim como resoluções que introduzam e garantam a
inserção da educação das relações étnico-raciais no âmbito das políticas municipais
e estaduais já previstas ou que criem novos mecanismos.
Em decorrência da regulamentação, há dois conceitos assumidos e presentes
ao longo das análises realizadas: a “implantação” e a “implementação”. Esses con-
ceitos referem-se a dois importantes momentos na construção de políticas. O início
de toda e qualquer política pública atravessa um momento inaugural, uma etapa de
apresentação de uma perspectiva que se abre à sociedade, denominado implantação.
Em geral, nessa fase, a regulamentação do que está proposto pela política ou pela
legislação dela decorrente ainda se encontra em debate e dependente da análise das
condições que dificultam ou facilitam essa fundação – identificação dos recursos
necessários, parcerias na sociedade civil, posicionamentos políticos sobre o tema,
identificação de tensões.
Decorrente dessa etapa inaugural é a capacidade de implementação da polí-
tica, da execução de um plano, programa ou projeto que leve à sua prática por meio
de providências concretas. Ao distinguir esses dois momentos não se pretende rea-
lizar uma passagem estanque e linear entre a implantação e a implementação. São
26
momentos interdependentes, que, conforme a concepção da legislação em questão,
podem se dar como movimentos contínuos. À medida que se apresentam as tensões
da implantação, se estabelece um conjunto de ações articuladas para a implemen-
tação, em resposta aos problemas identificados. Exemplos disso são as políticas que
articulam fóruns permanentes de debate com participação de diversos segmentos
da sociedade, os processos de indução por meio da produção de material, da forma-
ção continuada, de pesquisas, de composição de equipes de trabalho, de comissões
de acompanhamentos, entre outras táticas. Essa concretização exige esforços mais
variados e articulações entre o Estado, os movimentos sociais e as demais organiza-
ções da sociedade civil.
Outro conceito trabalhado na pesquisa é “enraizamento”. Refere-se à capa-
cidade de o trabalho desenvolvido na escola na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e
das suas Diretrizes Curriculares Nacionais se tornar parte do cotidiano escolar, ou
seja, da organização, da estrutura, do Projeto Político-Pedagógico, dos projetos in-
terdisciplinares, da formação continuada e em serviço dos profissionais, indepen-
dentemente da atuação específica de um(a) professor(a) ou de algum membro da
gestão e coordenação pedagógica. Trata-se de a educação das relações étnico-raciais
se tornar um dos eixos norteadores da proposta político-pedagógica desenvolvida
pelo coletivo dos profissionais da educação que atuam na instituição escolar. Nesse
sentido, importa saber se as práticas pedagógicas realizadas são mais sustentáveis
ou menos sustentáveis. Esse conceito está interligado aos demais, contudo mantém
uma dinâmica própria.
27
e analisar os elementos conceituais, éticos e políticos que compõem uma prática
consonante com a apregoada pelos dispositivos legais.
Numa investigação de tal abrangência é preciso ir além de uma classificação
baseada em impressões e no lugar sociopolítico-identitário de quem a realiza. Por-
tanto, fizeram-se presentes para a equipe algumas indagações advindas da percepção
da complexidade do tema e do campo, tais como: quais indicadores comuns ado-
tar e baseados em quais critérios de caráter objetivo? Quais indicadores poderiam
apontar a existência de práticas pedagógicas na perspectiva da educação das relações
étnico-raciais nas escolas? Quais indicadores poderiam ser aplicados às escolas pú-
blicas estaduais e municipais das cinco regiões do País, considerando as especifici-
dades, a diversidade e as desigualdades regionais? Quais indicadores se colocariam
sensíveis aos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino?
A decisão da equipe da pesquisa foi fundamentar suas escolhas no texto das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, extraindo as orientações de
caráter nacional e legal que se referem ao aprofundamento do conteúdo indicado no
texto da Lei n.º 10.639/03. Considerou-se que as Diretrizes inserem-se em um con-
texto político-social mais amplo, portanto fazendo parte das “políticas de repara-
ções, de reconhecimento e valorização de ações afirmativas” (BRASIL, 2004, p. 11)
e referindo-se ao novo processo vivido no âmbito da política educacional. Assim:
28
medidas que visam a concretização de iniciativas de combate ao racismo e a
toda sorte de discriminações que possam ressarcir os descendentes de africa-
nos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais
sofridos sob o regime escravista. (BRASIL, 2004, p. 11).
29
Dependem necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e
afetivas favoráveis para o ensino e para as aprendizagens. São ações por
meio das quais todos os alunos negros e não negros, bem como seus
professores(as), precisam sentir-se valorizados e apoiados. Dependem tam-
bém de maneira decisiva da reeducação das relações entre negros e brancos,
o que se está designando como relações étnico-raciais.
Dizem respeito aos projetos empenhados na valorização da história e cultura
dos afro-brasileiros e dos africanos, bem como comprometidos com a edu-
cação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem con-
duzir. Valorizam e respeitam as pessoas negras, a sua descendência africana,
sua cultura e sua história.
Questionam relações baseadas em preconceitos que desqualificam os negros
e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou ex-
plicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação
aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual. São práticas
de reconhecimento.
Valorizam, divulgam e respeitam os processos históricos de resistência negra
desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descen-
dentes na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.
Colocam em questão as formas de desqualificação: apelidos depreciativos,
brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando
os traços físicos das pessoas negras, a textura de seus cabelos, fazendo pou-
co das religiões de raiz africana.
Criam condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em vir-
tude da cor da sua pele, menosprezados porque seus antepassados foram
explorados como escravos, tampouco sejam desencorajados de prosseguir
estudos e estudar questões que dizem respeito à comunidade negra.
Realizam-se no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de
ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente, Educação Artística,
Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais.
São regidas por meio de um trabalho conjunto, de articulação entre proces-
sos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que
as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-
-raciais não se limitam à escola.
30
São esclarecedoras de equívocos em relação à acusação de que o negro discri-
mina a si mesmo, à atuação do Movimento Negro e ao mito da democracia
racial e ao racismo.
Visam negros e brancos, pois oferecem aos negros conhecimentos e segu-
rança para se orgulharem da sua origem africana. E aos brancos permitem
identificar as influências, a contribuição, a participação e a importância da
história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, de viver, de se relacionar
com as outras pessoas, notadamente as negras.
Atuam no nível do conhecimento e no nível dos conteúdos escolares, pois se
incluem no contexto dos estudos e atividades escolares. Referem-se também
às contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descenden-
tes de asiáticos, além das advindas de povos de raízes africana e europeia.
Portanto, estabelecem conteúdos de ensino, unidades de estudos, realizam
projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.
Estão baseadas em fontes variadas, em material bibliográfico e outros mate-
riais didáticos, realizados por docentes e alunos, que incluem personagens
negros e de outros grupos étnico-raciais. Valorizam a oralidade, a corpo-
reidade e a arte, por exemplo, a dança, marcas da cultura de raiz africana,
ao lado da escrita e da leitura. Atuam no campo da educação patrimonial
visando o aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro e sua
preservação.
Inserem-se no PPP da escola, em cumprimento ao art. 26A da Lei n.º
9.394/1996, pois tais práticas se estabelecem em colaboração com as comu-
nidades a que a escola serve, com o apoio direto ou indireto de especialis-
tas, de pesquisadores e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão
canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir as temáticas
em questão nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos
de disciplinas.
Identificam, com o apoio dos NEABs, fontes de conhecimentos de origem
africana, a fim de selecionar conteúdos e procedimentos de ensino e de
aprendizagens.
Exigem dos docentes e das escolas a crítica à forma como os negros e outras
minorias são representados nos textos, materiais didáticos e a tomada de provi-
dências para corrigi-las. Exigem também a construção de condições para pro-
fessores e alunos pensarem, decidirem e agirem, assumindo responsabilidade
31
por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias,
conflitos, contestações, valorizando os contrastes das diferenças.
Exigem um nível de normatização via sistematização, em documentos e no
planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis – estatutos,
regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino –, de objetivos explícitos,
assim como de procedimentos para sua consecução, visando ao combate do
racismo e das discriminações e ao reconhecimento, valorização e respeito da
história e da cultura afro-brasileira e africana.
Exigem a previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e
de outros órgãos colegiados, do exame e do encaminhamento de solução para
situações de racismo e de discriminações, buscando criar situações educativas
em que as vítimas recebam o apoio requerido para superar o sofrimento e os
agressores, além de orientação para que compreendam a dimensão do que
praticaram e ambos recebam educação para o reconhecimento, valorização e
respeito mútuos.
A conceituação e o esclarecimento sobre as práticas pedagógicas apresentadas
no texto das Diretrizes orientaram a construção dos instrumentos da pesquisa, dos
roteiros de entrevista e de observação, a realização do grupo de discussão com os
estudantes, o olhar dos(as) pesquisadores(as) em campo e, mais do que isso, guiaram
a análise dos dados obtidos.
É sabido que as Diretrizes apontam para um tipo ideal de práticas – aquelas
cuja realização demonstra a excelência de um trabalho de educação das relações
étnico-raciais. Nesse sentido, a conceituação de práticas pedagógicas na perspectiva
da Lei n.º 10.639/03 apontada pelas Diretrizes orienta para a realização de ações,
atividades, projetos, programas, avaliação, posturas pedagógicas avançadas e eman-
cipatórias, que deveriam acontecer nas escolas.
Pesquisas e estudos anteriores a este, assim como a percepção do MEC/SE-
CADI sobre a implementação da Lei, revelam a grande dificuldade dos sistemas
de ensino e das escolas de realizar práticas com tamanha radicalidade e efetividade
como suscita o texto legal. Essa situação confirma ainda mais a urgência e a neces-
sidade de construção de políticas e práticas e de investimento de recursos públicos
não só nos processos de formação continuada como, também, na formação inicial e
em serviço dos docentes e demais profissionais da educação e na produção, circula-
ção, socialização e análise de material didático e paradidático na perspectiva da Lei
n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP 03/04, da Resolução CNE/CP 01/04 e suas
respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais.
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Referências
BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na. Brasília, DF: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.
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Introdução
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O grupo “Modernidade/Colonialidade”:
referências fundamentais
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E mais:
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colonizada não somente se define como uma sociedade sem valores (…) O
indígena é declarado impermeável à ética, aos valores. É, e nos atrevemos a
dizer, o inimigo dos valores. Neste sentido, ele é um mal absoluto. Elemento
corrosivo de tudo o que o cerca, elemento deformador, capaz de desfigurar
tudo que se refere à estética ou à moral, depositário de forças maléficas.
(FANON, 2003, p. 35-36).
Colonialidade e educação
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Reconhece-se hoje que dentre os principais fatores que fizeram com que os
povos europeus se voltassem para a África e a transformassem no maior
reservatório de mão-de-obra escrava jamais imaginado pelos seres humanos,
estava a tradição dos povos africanos de bons agricultores, ferreiros e
mineradores. (ANJOS, 2005, p. 171)
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Concluindo
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Referências
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. A África, a educação brasileira e a geografia. In:
BRASIL
MEC/SECAD. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03.
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Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004b.
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Seminário Internacional “Diversidad, Interculturalidad y Construcción de Ciudad”, Bogotá:
Universidad Pedagógica Nacional 17-19 de abril de 2007.
Notas
1 Este projeto conta com o apoio do CNPq. No seu desenvolvimento, realizamos ampla
revisão da bibliografia, produzida a partir de 2000 no continente, sobre educação
intercultural, assim como participamos de diferentes seminários, congressos e encontros,
entrevistamos professores/as universitários/as e militantes de movimentos sociais e
organizações não-governamentais de diversos países.
2 Resolução n. 01 do Conselho Nacional de Educação, aprovada em 17 de junho de
2004.
3 Devemos relativizar um pouco esta afirmação de Castro-Gomez, pois essas áreas de
conhecimento não foram totalmente hegemonizadas por uma visão colonialista ou
eurocêntrica.
4 É famosa a afirmação de Hegel de que: “A África não é uma parte histórica do mundo.
Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer
isto dizer que sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que
entendemos precisamente pela África é o espírito a-histórico, o espírito não
desenvolvido, ainda envolto em condições da natureza e que deve ser aqui apresentado
apenas como no limiar da história do mundo” (HEGEL, 1999, p. 174).
5 Os autores do grupo “Modernidade/Colonialidade” usam frequentemente expressões
como: “pensamento-outro”, conhecimento-outro”, etc. Neste contexto, a palavra
“outro” quer se referir não somente a qualquer perspectiva alternativa, que pode estar
inserida em uma lógica de fundo que não é posta em questão. Quer significar uma
mudança de ótica, de lógica, de paradigma.
Recebido: 04/02/09
Aprovado: 13/07/09
Contato:
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Centro de Teologia e Ciências Humanas
Departamento de Educação
Rua Marques de São Vicente, 225 - Gávea
CEP 22453-900
Rio de Janeiro/RJ