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Caoitulo de Livro Analise Do Discurso Marcas Discursivas Do Sujeito
Caoitulo de Livro Analise Do Discurso Marcas Discursivas Do Sujeito
AVANÇADA
Debbie Mello
Noble
Priscilla Rodrigues
Simões
Laís Virginia Alves
Medeiros
Revisão técnica:
ISBN 978-85-9502-144-0
CDU 81’33
Introdução
Para tratar deste tema, você deve observar que a categoria de sujeito, nas
teorias linguísticas, é elaborada por uma teoria específica, a Análise de
Discurso (AD) – ela é a linha de estudos que atenta para o papel constitu-
tivo do sujeito em relação aos discursos que circulam socialmente. Sujeito
e sentido constituem-se juntos, conforme Pêcheux, pois só é possível
interpretar a partir da materialidade discursiva, ou seja, no momento em
que um discurso é produzido. Na teoria discursiva não há como afirmar a
neutralidade de um sujeito em relação ao que diz, pois sempre restarão
marcas discursivas que determinam a posição do sujeito em relação ao
que ele diz. Também não há como se pensar em total controle do sujeito
sobre aquilo que diz, pois a AD também trabalha com um sujeito dotado
de inconsciente, ou seja, não totalmente consciente de tudo o que faz e diz.
Outra noção que não pode ser pensada a partir dessa teoria é a liber-
dade do sujeito, pois o sujeito sempre fala de um lugar social específico
que determina sua filiação ideológica. Desse modo, sempre há marcas
que podem ser intradiscursivamente ou interdiscursivamente relacio-
nadas ao sujeito, marcas essas que serão encontradas na materialidade
do discurso. Neste texto, você vai conhecer alguns exemplos de como
analisar discursos em busca das marcas discursivas do sujeito.
Henry (1997) diz que sujeito e sentido constituem-se mutuamente, indicando, assim,
que o sentido não está no sujeito, mas na relação entre o discurso do sujeito e outros
discursos oriundos da formação discursiva (FD) com a qual o sujeito se identifica. Essa
identificação está presente no jogo dos imaginários, processo em que o sujeito atribui
a si e ao seu interlocutor o lugar social que cada um ocupa em relação à sociedade
em que estão inseridos. Não há, portanto, um sujeito intencional que decide sobre
seus atos de forma livre e individual, mas um sujeito constituído no corpo social, que
age de acordo com a ideologia que o determina.
diante da reação de Cebolinha que foi contrária àquela esperada por ela. Em
vez de lamentar a possível “perda” de Mônica para outro menino, lamenta
pelo suposto menino, demonstrando que ele sequer pensava na possibilidade
de ocupar a posição de namorado de Mônica, até mesmo porque revela em seu
discurso que essa seria uma condição que o deixaria “tliste”. A frustração da
personagem é tão evidente que ela sequer responde a Cebolinha, o que pode
indicar que a reação dele foi totalmente inesperada em relação ao sentido que
Mônica pretendia produzir com seu dizer, isto é, provocar ciúmes no amigo.
Nessa breve análise foi explicitado um dos modos de funcionamento do jogo
dos imaginários, a partir do qual o sujeito enuncia produzindo projeções de
seu interlocutor que nem sempre correspondem ao esperado, como aconteceu
com a personagem Mônica. Conclui-se, assim, que não há determinação do
sujeito sobre o sentido de seu dizer, pois ainda que possa ser formulado de
acordo com o suposto sentido que se pretende produzir, não há garantias que
o efeito de sentido produzido corresponda àquele idealizado pelo sujeito que
enuncia. A produção de sentido de um discurso depende sempre do outro que
o interpreta, e não somente daquele que o profere.
Marcas discursivas
Pode-se dizer que buscar as marcas discursivas do sujeito em uma discursivi-
dade específica é fazer uma análise do modo como quem produz um discurso
está se posicionando em relação àquilo que é dito/escrito. Na prática de análise
discursiva, costuma-se perguntar: como foi possível que determinado discurso
viesse a ser produzido? Especificamente, busca-se saber quem produziu esse
discurso e qual sua posição em relação ao tema tratado, a quem foi dirigido
este discurso e por quê, em que condições sociais e históricas este discurso
foi produzido e qual é a relação entre este discurso e a formação ideológica
dominante da sociedade na qual ele circula.
Essas e muitas outras questões podem ser feitas de uma perspectiva discur-
siva, dependendo da investigação que o analista pretende produzir sobre um
discurso tomado como objeto. Você deve lembrar que cada analista só pode
analisar aquilo que lhe inquieta ou motiva enquanto sujeito e, por isso, um
mesmo discurso analisado por diferentes sujeitos (com diferentes perguntas
e motivações) também pode ser interpretado de maneiras distintas. Nessa
teoria, não há nem o primado do sujeito nem o primado do sentido, isto é,
nem o sujeito e nem as linguagens são determinantes para a produção de um
sentido exato, ou correto, tudo depende do ponto de vista de quem empreende
a análise e das leituras que esse sujeito será capaz de mobilizar sobre o objeto
discursivo. Sobre a relação entre sujeito e sentido, lemos em Henry (1997, p.
139-140) que:
O sentido, portanto, como efeito ideológico, não seria originado por um ato
individual de utilização da língua por um sujeito para expressar determinado
sentido que lhe convém. A interpretação de um texto, de palavras, ou imagens
utilizadas por um sujeito na formulação de seu discurso será feita por outro
sujeito, que, neste processo de produção de sentido, deve perceber a relação
mantida entre esse discurso com outros textos, palavras ou discursos que
com ele dialogam e que podem estar, ou não, inseridos na mesma formação
discursiva (FD).
Nos estudos enunciativos, fala-se sobre a “função responsiva” do discurso,
para indicar que todo o discurso está inserido em uma cadeia de discursos
que o antecederam e que ajudam a situar um discurso em relação ao sentido
que sobre ele pode, ou deve ser produzido. Na teoria do discurso, esse fun-
cionamento é teorizado por meio da noção de ordem do discurso, que seria
uma continuidade de discursos que se encadeiam sem um limite final ou
início definido.
Se pensarmos nos variados gêneros discursivos (orais, escritos e não ver-
bais), é possível lembrar que eles têm uma estrutura própria que já indica seu
modo de interpretação. Uma notícia de jornal, por exemplo, responde a um
padrão que determina o tipo de linguagem, as informações e o modo narrativo
que serão empregados em sua formulação, pois são previamente determinados
(social e historicamente). Assim, também ocorre com uma receita médica,
cujo texto deverá versar sobre a prescrição e a posologia de determinado
medicamento, utilizado como tratamento de um problema de saúde específico
e para um sujeito específico. O texto narrativo, o poema, a carta, a piada, o
recibo, o artigo científico e tantos outros gêneros de discursos trazem, em sua
Figura 2. Magali.
Fonte: Sousa (2012, p. 19).
Na tirinha, que intitulamos Magali, temos uma ação que é marcada pela
expressão facial da personagem Mônica, desde o primeiro quadrinho, que passa
de tranquila para preocupada e, depois, surpresa. No terceiro quadro, Mônica
revela verbalmente sua angústia à Magali – que permanece serena ao longo
de todos os quadros. Não só o que Mônica diz em seu discurso, mas também
o modo como ela diz, com expressão de surpresa, indicam que ela atua sobre
o pré-construído de que Magali não é capaz de passar dois quadrinhos sem
comer. Essa expectativa de Mônica se deve à característica mais marcante
da personagem Magali, que é ser uma menina comilona e, por isso, aparecer
comendo nos quadrinhos é uma regularidade que reforça essa característica.
O humor, entretanto, não se dá a partir da frustração da expectativa de Mônica
pela atitude de Magali nos dois primeiros quadrinhos, ao contrário, no mesmo
momento em que Mônica expressa sua aflição, Magali aparece comendo um
sanduíche, confirmando a expectativa da amiga e levando o leitor a reconhecer
a marca característica de Magali nas histórias da Turma da Mônica: estar
sempre comendo.
Figura 3. Cascão.
Fonte: Sousa (2012, p. 56).
Figura 4. Mônica.
Fonte: Sousa (2012, p. 51).
https://tinyurl.com/4yr93zzh
https://goo.gl/3ZPqkg
Não existe uma categoria única que pode assumir a função de marca discursiva – ela
pode ser tanto um verbo ou um adjetivo como uma imagem, de acordo com os
exemplos analisados.
https://youtu.be/udjmxzBMpzU
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Leituras recomendadas
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