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Lógica e Linguagem: Da Teoria Pura à Teoria Discursiva do Direito

MAURÍCIO LEAL DIAS


SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO : UM BREVE OLHAR SOBRE HANS KELSEN
2- O PROBLEMA DA APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS LÓGICOS A
NORMAS
3- ABORDAGENS SOBRE A LINGUAGEM
3.1 O NEOPOSITIVISMO LÓGICO
3.2 A FILOSOFIA DA LINGUAGEM ORDINÁRIA
4- DIREITO E LINGUAGEM
5- O GIRO LINGÜÍSTICO HABERMASIANO E A AÇÃO COMUNICATIVA
6- A TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO
1 - INTRODUÇÃO : UM BREVE OLHAR SOBRE HANS KELSEN.
A teoria do direito de nosso século é profundamente marcada pela obra do Mestre
de Viena, dado o fato, dentre outros, de sua insurgência contra os postulados
chamados por este de metajurídicos que impediam o desenvolvimento do direito
enquanto ciência, sendo clássica a passagem de seu prefácio à primeira edição
de sua Teoria Pura do Direito em que afirma ser o seu intento "elevar a
Jurisprudência, que - aberta ou veladamente - se esgotava por completo em
racíocinios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do
espiríto". Kelsen em que pese as críticas à sua teoria é sem dúvida dentre os Jus-
Filosófos de nosso século o mais que mais deixou marcas indeléveis em nossa
cultura jurídica ocidental, cuja preocupação de pureza metodológica se impõe no
intuito de assegurar a cientificidade e autonomia do Direito, o que trouxe para a
ciência do direito uma rigidez na construção das categorias e conceitos
fundamentais.
Os fundamentos da Teoria Kelseniana são diversos, dada a efervescência cultural
de sua época, a exemplo, Freud não passou desapercebido por Kelsen, que
sofrera ainda a influência do Círculo de Viena, conhecido por muitos como o
Neopositivismo Lógico e ainda o Neokantismo dos Filosófos de Mamburgo, Cohen
y Natorp. Conhecida é a reação de Kelsen a Escola do Direito Natural, que
considera metafísica pois admite o fundamento de validade do direito em
elementos axiológicos, ao passo que Kelsen nos marcos do positivismo tradicional
nega absolutamente a metafísica, sustentando que a legalidade da natureza é
fundada unicamente na experimentação, tal rejeição possui também o seu teor
Neokantiano (os Neokatianos regressam à Kant, porém partindo do Positivismo),
que com o seu método crítico não só situam-se em posição contrária a qualquer
usurpação metafísica, contra também o empirismo carente de quaisquer razões de
legalidade. É este fator que leva Kelsen estar além dos marcos do Positivismo
tradicional, pois reage contra o positivismo dentro do mesmo, pois limita
filosoficamente o desenvolvimento de sua teoria.
Uma das principais formulações de Kelsen está estribada em uma distinção de
teor Neokantiano entre o mundo do ser ou da realidade (Sein) e o mundo do
dever-ser ou da obrigação (Sollen). O primeiro é dominado pelo princípio da
causalidade (lei da natureza) e o segundo pelo princípio da imputação
(Zurechnung), que tem por objeto prescrever determinada conduta da relação
específica entre o ato (condição da norma) e a sanção (consequência da norma).
Ricardo Ayala nos esclarece que "cuando Kelsen establece la oposición entre las
categorias irreductibles de ser y deber ser lo hace en un plano lógico-formal, em
relación a los juicios que determinan. Juicios enunciativos y normativos. No tiene
la palabra ser ningún matiz metafísico.
Solamente lógico. Habla, por otra parte, kelsen del reino del ser, pero con ello se
refiere a la naturaleza, por cuanta los juicios que la explicam (es decir, las leyes
naturales) son juicios enunciativos determinados en nuestro entendimento por la
categoria de ser. No se trata, por lo tanto, de una consideración ontológica, sino
de una explicación gnoseológica".
Para Kelsen o direito não se confunde com a ciência do direito. O objeto da
ciência jurídica é o estudo da norma jurídica (direito posto). A ciência do direito
está integrada por um conjunto de proposições normativas, cuja função é
descrever o direito positivo. Como ciência normativa independe da conduta efetiva
do homem, a não ser enquanto conteúdo de norma jurídica (realidade normada).
"A ciência jurídica procura apreender o seu objeto "juridicamente", isto é, do ponto
de vista do Direito. Apreender algo juridicamente não pode, porém, significar
senão apreender algo como Direito, o que quer dizer: como norma jurídica ou
conteúdo de uma norma jurídica, como determinado através de uma norma
jurídica".
O que se observa em Kelsen é um esforço grandioso de desenvolver uma teoria
do conhecimento jurídico, que o leva a estabelecer, numa base kantiana, os
princípios a priori, que são as condições de possibilidade, universais e formais do
conhecimento jurídico, que constitui uma espécie de construção transcedental que
unifica e constitui o conhecimento enquanto conhecimento jurídico. No plano da
fundamentação da validade do direito, a pressuposição, do pensamento jurídico,
será a norma fundamental que é concebida por Kelsen como condição hipotética
de validez do ordenamento, como pressuposto do pensar jurídico e não como
hipotése cintifíca sujeita a experimentação.
Feita estas considerações que não refletem a totalidade do pensamento
kelseniano, o que nem poderíamos fazê-lo, buscaremos empreender uma análise
voltada para o esclarecimento do problema lógico em Hans Kelsen, estudando
posteriormente algumas abordagens sobre a linguagem interelacionando-as com o
direito e com a teoria kelseniana, para ao final observarmos a contribuição de
Habermas para a teoria do direito que em nosso entendimento parte de alguns
referenciais teóricos absolvidos por Hans Kelsen (Neopositivismo-lógico e o
Criticismo Kantiano) ultrapassando-o com uma perspecticva crítica através da
elaboração de uma teoria discursiva do direito a qual indicaremos algumas de
suas formulações.
2- O PROBLEMA DA APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS LÓGICOS A
NORMAS
Após delimitar conceitualmente em sua Teoria Pura do Direito, o que seja uma
teoria estática e uma teoria dinâmica do Direito. A "primeira tem por objeto o
Direito como sistema de normas em vigor, o Direito em seu momento estático; a
outra tem por objeto o processo jurídico em que o Direito é produzido e aplicado, o
Direito no seu movimento". Kelsen empreende uma distinção importante, qual seja
entre Norma Jurídica e Proposição Jurídica que atende uma exigência de
delimitação de referenciabilidade, pois assim como o Direito, a Ciência Jurídica se
volta para as condutas humanas determinadas por normas jurídicas. Para Kelsen:
"Proposições Jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de
conformidade com o sentido de uma ordem jurídica - nacional ou internacional -
dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou pressupostos fixados por
esse ordenamento, devem intervir certas consequências pelo mesmo
ordenamento determinadas. As Normas Jurídicas, por seu turno, não são juízos,
isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de
acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos, imperativos.
Mas não são apenas comandos, pois também são permissões e atribuições de
poder ou competência".
Ao lado da distinção acima referida Kelsen extrai a função no mundo jurídico da
proposição jurídica e da norma jurídica, ou melhor, da ciência jurídica e do Direito,
qual seja, o primeiro é fruto de um ato de pensamento descrevendo o Direito não
atribuido a ninguém quaisquer direitos ou deveres, podendo ser verídico ou
inverídico, ao passo que o Direito estatui a conduta devida através de um ato de
vontade, possuindo a qualidade de serem válidas ou inválidas. A questão que se
põe é a de saber como os princípios lógicos, particularmente o princípio da não-
contradição e as regras da concludência do racíocinio, podem ser aplicados à
relação entre normas quando, segundo a concepção tradicional, estes princípios
apenas são aplicáveis a proposições ou enunciados que possam ser verdadeiros
ou falsos. Kelsen responde:"os princípios lógicos podem ser, se não direta,
indiretamente, aplicados à normas jurídicas, na medida em que podem ser
aplicados às proposições jurídicas que descrevem estas normas e que, por sua
vez, podem ser verdadeiras ou falsas. Duas normas jurídicas que as descrevem
se contradizem; e uma norma jurídica pode ser deduzida de uma outra quando as
proposições jurídicas que as descrevem podem entrar num silogismo lógico".
Kelsen em sua Teoria Geral das Normas desdobra esta questão, a princípio não
colocando o problema da efetiva aplicação dos princípios de não-contradição e de
conclusão a normas e sim das possibilidades de aplicação de ambos os princípios
lógicos indicados à normas da Moral e do Direito. "É problema se um conflito entre
duas normas da Moral e do Direito, das quais uma estabelece como devida uma
certa conduta, representa uma contradição lógica". Decorre esta discussão do fato
de as normas não serem nem verdadeiras ou falsas, mas sim validas ou inválidas.
3 - Abordagens Sobre a Linguagem .
A Linguagem nem sempre contou com uma profusão de estudos em torno de suas
problemáticas como temos contemporaneamente, onde as reflexões atuais sobre
a linguagem constituem um novo paradigma filosófico em muito distante de sua
concepção de origem que é a concepção expressivista da linguagem a qual rejeita
a concepção meramente instrumental da linguagem - a linguagem como símbolo
ou mera forma simbólica, porém o maior contributo desta tradição expressivista é
sublinhar a importância da linguagem.
A mudança de perspectiva advêm da viragem da ontologia para a filosofia da
conciência e sua conseqüente tematização do problema linguagem, o marco dsta
concepção é a Filosofia de René Descartes, porém a tematização da linguagem
surge à revelia das tradições filosóficas de então, que privilegiavam a relação
sujeito-objeto o que levava a uma utilização instrumental da linguagem, afetando a
constituição de uma concepção linguística que abranja a situação comunicacional
ou contextual.
Delimitamos para efeito deste trabalho duas das várias concepções que
contribuiram para ampliar o rigor análitico da linguagem do direito e ademais que
dirigiram por um lado Hans Kelsen e de outro Habermas nos seus estudos sobre a
linguagem, são estas: o Neopositivismo Lógico e a Filosofia da Linguagem
Ordinária.
3.1 - O Neopositivismo Lógico
O Neopositivismo lógico tem como fundador o chamado Círculo de Viena, tendo
como principais componentes Schilik, fundador e coordenador do grupo; Franck;
Neurath; Carnap; Godel; Reichenbach; Morris e Quine, dentre outros, tendo
Pierce, Frege e Wittsgenstein (Tratactus) como precursores necessários
A linguagem é erigida, pelos Neopositivistas, à problema epistemológico central,
pois "a linguagem não só permite o intercâmbio de informações e de
conhecimentos humanos, como também funciona como meio de controle de tais
conhecimentos" nos conduzindo a uma reflexão acerca da verificabilidade dos
enunciados do conhecimento produzido, pois conforme o Neopositivismo, a
filosofia tem respondido aos seus problemas através de uma linguagem fragilizada
em sua coerência lógica. Desta forma, "reduzindo a filosofia à epistemologia e
esta à semiótica, afirmam que a missão mais importante da filosofia deve realizar-
se à margem das especulações metafísicas, numa busca de questionamentos
estritamente linguísticos. Nesta ordem de idéias, o positivismo lógico realça o teor
discursivo como o paradigma da ciência, ou seja, a produção de um discurso
científico requer uma análise preliminar em termos de linguagem".
Linguagem é, para os Neopositivistas, um conjunto de signos. Estes signos
linguísticos que constituem os elementos da linguagem funcionam como
estímulos, isto é, são sons ou sinais escritos, produzidos por um membro do grupo
para que sejam percebidos pelos outros membros com o propósito de influir sobre
os seus atos, decisões e pensamentos. Charles Morris definia a linguagem como
"uma série de signos plurisituacionais (isto é, que atuam como signos em todas as
situações análogas), com significados interpessoais comuns aos membros da
família de intérpretes (emissores e/ou receptores)". Carnap, por sua vez, nos
chama atenção para o fato de que a linguagem falada possui uma maior
relevância face as demais, dado o fato de ser através dela que se apreende as
outras linguagens.
Do Neopositivismo lógico destacaremos para efeito deste trabalho a análise das
partes constitutivas da semiótica, pois traz um contributo importante para as
análises linguísticas no que tange a compreesividade das dimensões de um
sistema linguístico consubstanciado na sua unidade de análise que é o signo,
tripartem a análise em três dimensões:
a) Sintática, que estuda os sinais relacionados entre si mesmos, prescindindo dos
usuários e das designações. A sintaxe, enquanto conexão dos signos entre si, é a
teoria da construção de toda a linguagem. Sintaticamente, a linguagem seria um
sistema de signos relacionados conforme regras sintáticas de formação, que
indicam o modo de combinar signos elementares, visando formar signos mais
complexos e permitindo, dentro da linguagem, a construção de expressões bem
formadas, sintaticamente significativas, e de derivação, que permitem gerar novas
expressões a partir de outras já dadas. Sob o prisma sintático, um enunciado que
não satifaz tais regras não teria sentido. Já, "Do ponto de vista jurídico, podemos
afirmar que uma expressão está sintaticamente bem formada quando o enunciado
acerca de uma ação encontra-se deonticamente modalizado".
b) Semântica, que encara os objetos designados pelos sinais, ou seja, a relação
dos sinais com os objetos extralingüísticos. Trata dos sinais e dos objetos
denotados. Para o Positivismo Lógico, o problema central da semântica é o da
verdade, logo um enunciado não será semanticamente significativo se não for
empiricamente verificável. A relação semântica é aquela que vincula as
afirmações do discurso com o campo objetivo a que este se refere. "Nesta
perspectiva, a formulação de uma condição semântica de sentido pode ser
considerada como uma das preocupações centrais do Positivismo lógico.
De uma maneira esquemática e simplista, poder-se-ia dizer que: os princípios do
Positivismo Lógico postulam constituir regras teóricas para a elaboração de tal
condição"
Hans Kelsen utiliza-se da dimensão semântica de sentido no intuito de aferir a
validade de uma determinada norma, pois uma proposição normativa é
significativa, se é válida. Como verificou Warat: "de uma forma semelhante à
problemática da verdade, a norma é vista como uma relação entre a norma e o
critério de validade. Nesta perspectiva, a norma tem sentido e é válida quando
existe uma relação de concordância entre a norma e o critério de validade".
c) Pragmática, que estuda os símbolos, suas significações e as pessoas ligadas à
semiose (uso de sinais). É a parte da semiótica que se ocupa da relação dos
signos com os usuários ou intérpretes. Aparece como conexão situacional na qual
os signos são usados. Parte-se da idéia de que os fatores intencionais dos
usuários podem provocar alterações na relação designativa-denotativa dos
significados das palavras ou expressões. Quando se utiliza uma expressão num
contexto comunicacional, pode-se provocar uma alteração na estrutura conceitual.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., em magistral obra, afirma "que a pragmática não é uma
espécie de procedimento análitico meramente adicional às análises semântica e
sintática, nem uma teoria da ação locucionária (do ato de falar) que encara o falar
como forma de ação social, mas uma linguística do dialógo, por tomar por base a
intersubjetividade comunicativa, tendo por centro diretor da análise o princípio da
interação, ocupando-se do ato de falar enquanto uma relação entre emissor e
receptor, na medida em que for mediada por signos linguísticos"
Warat, por sua vez, chama-nos atenção para o fato de que realização de "uma
análise pragmática é um bom instrumento para a formação de juristas críticos, que
não realizam leituras ingênuas e epidérmicas das normas, mas que tentem
descobrir as conexões entre as palavras da lei e os fatores políticos e ideológicos
que produzem e determinam suas funções na sociedade".
A análise pragmática terá sua redefinição epistemológica com a abordagem da
Filosofia da Linguagem Ordinária que constituirá o seu enfoque primordial e
fundamental contribuição para o desenvolvimento da teoria da ação comunicativa
de Jürgen Habermas.
3.2 - Filosofia da Linguagem Ordinária
No curso evolutivo do pensamento de Wittgenstein, podemos perceber que há um
redimensionamento de perspectiva quanto à linguagem, já não a aborda
logicisticamente, pois passa a entender que a linguagem "engedra ela mesma
supertições das quais é preciso desfazer-se, e a filosofia deve ter como tarefa
primordial o esclarecimento que permita neutralizar os efeitos enfeitiçadores da
linguagem sobre o pensamento. O centro desse enfeitiçamento da linguagem
sobre a inteligência encontra-se nas tentativas para se descobrir a essência da
linguagem; é necessário, ao contrário, não querer descobrir o que supostamente
esteja oculto sob a linguagem, mas abrir os olhos para ver e desvendar como ela
funciona. A atitude metafísica deve ser substituída pela atitude prática.
Esta perpectiva influenciou a constituição do chamado Grupo de Oxford, cujo os
menbros mais importantes são: Ryle, Austin, Strawson, Hart e Hare. A diferença
substancial desta corrente para com o Neopositivismo está no nível de análise
privilegiado: pragmático, para os primeiros; sintático e semântico, para os
segundos.
Nesse sentido, Austin nos traz uma importante contribuição aos estudos
lingüísticos ao formular a teoria da pragmática dos atos de fala, que segue e
amplia a crítica de Wittgenstein à abordagem descritiva dos enunciados verbais,
sujeitos a um controle lógico, explicitando a dimensão performativa (executiva) das
proposições verbais, pois para Austin, realidade verbal e não verbal funcionam
indissociavelmente ligadas. Austin afirma que todo aqueles que acreditam que
todas as proposições significativas devem ter características descritivas é incorrer,
talvez, na "falácia descritiva". "Suponha-se, por exemplo, que no decorrer de uma
cerimônia de casamento um homem diga, como é costume, "aceito", querendo
com isso responder à pergunta ritual do sacerdote, se aceita tal mulher como sua
legítima esposa; ou, então, suponha-se que alguém, ao atirar uma garrafa de
champagne no casco do navio, diga: "Dou-lhe o nome de Titanic". Obeservando
esses dois casos, diz Austin, "é provavelmente mais correto afirmar que o locutor
esteja fazendo algo do que apenas dizendo algo."Austin chama de
performatórias(performative utterances) essas expressões caracterizadas pela
primeira pessoa do singular do indicativo presente de determinados verbos,
distinguindo-as em três realidades lingüísticas estratificadas no ato de falar: atos
locutórios, elocutórios e perlocutórios (locutionary, illocutionary, perlocutionary
acts). A locução é o ato de significar; a elocução é o ato que se realiza com o
dizer: a locução é portadora de significado (meaning), enquanto elocução é
portadora de força (illocutionary force) - por exemplo: posso dizer "chove" como
mera constatação ou como advertência. A advertência poderá ter como meta que
o interlocutor não saia de casa ou saia protegido com guarda chuva (ato
perlocutório).
Como poderíamos visualizar tal construção teórica no âmbito jurídico?
Acreditamos que uma leitura estrita do conteúdo da lei não nos leva a perceber a
força normativa e interativa do preceito, pois a aceitabilidade de uma determinada
regra de direito, também perpassa por uma devida utilização da linguagem
utlizada, pois a linguagem canonizada ou ordinária do direito nem sempre possui
uma univocidade de sentido, é aí que visualizamos a importância da teoria
pragmática dos atos de fala no mundo do direito, a Filosofia da Linguagem
Ordinária, portanto, ao nos deixar a lição que "saber como operar não é saber
dizer como operar", lança um desafio aos juristas normativistas, que se
desapegam de uma abordagem pragmática da linguagem do direito.
4 - Direito e Linguagem.
Ao assumirmos a perspectiva interdisciplinar, assume-se também o desafio de
iluminar o campo de análise escolhido com as perspectivas epistemológicas
estabelecidas, sendo necessário, portanto, demonstrar a sua faticidade.
Tentaremos neste momento explicitar, no âmbito da Teoria do Direito,
precisamente no estudo das normas jurídicas, os seus momentos lingüísticos
através da semiótica e com o contributo da Filosofia da Linguagem Ordinária
(Pragmática).
Da análise dos tipos de normas jurídicas podemos depreender uma visão
abrangente e compreensiva dos diferentes critérios tópicos, observando do ponto
de vista da Semiótica. Veremos que:
O critério Semântico, dividirá as normas quanto a sua relevância, subordinação e
estrutura .
A relevância diz respeito a uma classificação que fora dominante em um longo
período da cultura jurídica, divisa as normas em primárias e secundárias, sendo
que estas prescrevem sanções e aquelas orientam ações. Kelsen inverte tal
critério ao estabelecer que primárias seriam as normas que estatuem sanções e
primárias as que prescrevem ações. Tais concepções foram transpostas em
outros termos, ou seja, as normas primárias dizem respeito à ação e secundárias
à produção normativa.
Hart problematiza a definição de normas enquanto conjunto de obrigações, pois
esta definição conduz a dificuldades frente a situações ainda não normadas,
consubstanciando um sistema estático, indicando uma ineficiência e incerteza no
sistema, propõe que, ao lado das normas primárias de obrigação existem normas
secundárias, respectivamente, de câmbio, de adjudicação e de reconhecimento.
"As normas secundárias de câmbio superam o problema do caráter estático,
conferindo poderes e estabelecendo procedimentos para a adaptação a situações
novas". " As normas secundárias de adjudicação superam o problema da
ineficiência, precisando o caráter difuso da pressão social exercida pelas normas
de obrigação, ao determinarem competências judicantes e seus procedimentos
para efeito de aplicação das normas primárias quando violadas". "Por fim, as
normas secundárias de reconhecimento superam o problema da incerteza,
estabelecendo critérios conclusivos para a identificação de qualquer norma como
pertencente ou não ao conjunto"
Quanto à subordinação, podemos distinguir entre normas origem e normas
derivadas. Esta classificação nos remete a pelo menos duas questões da Teoria
do Direito: o problema da hierarquia das normas e a questão da norma
fundamental kelseniana.
Norma origem como o próprio nome indica é aquela da qual se originam as
normas derivadas, atribuindo-lhes validade (problema da estrutura do
ordenamento como sistema hierárquico e unitário).
Quanto à estrutura, distingue-se entre normas autônomas e normas dependentes.
As primeiras têm por si um sentido completo. As segundas, por sua vez, exigem a
combinação com outras. "Kelsen, do seu ponto de vista, diz que autônomas são
as normas que prescrevem uma sanção a um comportamento estatuído.
Dependente é a norma que estatui o comportamento e por isso se liga a outra,
que lhe confere sanção".
O critério semântico, ilumina o âmbito de validade das normas quanto ao
destinatário, à matéria, ao espaço e ao tempo.
Pelos destinatários, classificam-se as normas em gerais e individuais. As primeiras
são as que se destinam à generalidade das pessoas. As segundas disciplinam o
comportamento de uma ou de um grupo de pessoas. Ferraz Jr., chama atenção
para a importância desta análise para impugnarmos a validade de normas que por
definição deveriam ser gerais, como são as que constam de leis. "Uma lei cuja
norma discipline a conduta de uma entidade individualizada cria um privilégio, que
contraria o preceito constitucional que todos devem ser iguais perante a lei".
A matéria da norma como critério semântico de classificação corresponde à facti
species. A descrição da hipótese da situação de fato, sobre a qual incide a
conseqüência, pode ser abstrata, na forma de um tipo ou categoria genérica, ou
singular, na forma de um conteúdo excepcionado. A distância entre o genérico e o
singular, tomados como termos mutuamente relativos, admite gradações.
Dependendo do grau de abstração podemos então distinguir entre normas gerais-
abstratas (isto é, gerais pela matéria), normas especiais e normas excepcionais.
Quanto aos critérios semânticos do espaço e do tempo dizem respeito: o primeiro
ao limite espacial de incidência da norma e o segundo à vigência da norma.
O critério pragmático leva em consideração os efeitos sobre os sujeitos, a sua
função junto aos sujeitos normativos. As normas distinguem-se pela força de
incidência, pela finalidade e pelo funtor.
A força de incidência atende ao grau de impositividade da norma, havendo
aquelas (imperativas) que vinculam as condutas dado o seu caráter imperativo,
podem também ser chamadas de cogentes ou injutivas e aquelas que só atuam se
invocadas pelos interessados ou caso estes se omitam em disciplinar certas
situações (dispositivas).
O critério da finalidade, indica a existência de normas que regulam de forma
vinculante o comportamento. Digamos que sua finalidade é discipliná-lo
diretamente, qualificando suas condições de exercício e os fatos com ele
relacionados. São normas de comportamento ou de conduta. Mas há outras que
apenas expressam diretrizes, intenções, objetivos. São as chamadas normas
programáticas, como a norma constitucional que determina ser dever do Estado a
educação.
O critério do funtor, termo advindo da lógica , trata de operadores normativos que
nos permitem modalizar as asserções. Assim a asserção "isto é comprar" pode ser
modalizada por funtores como: é proibido comprar, é permitido comprar, é vedado
comprar, é obrigatório comprar. "Dentre os inúmeros funtores de que se vale a
linguagem normativa, a doutrina seleciona três e distingue, então, três tipos de
norma: preceptivas, proibitivas e permissivas. As primeiras se regem pelo funtor
deôntico (de-ontos: dever-ser) é obrigatório. As segundas, pelo funtor é proibido.
As terceiras, pelo funtor é permitido. Do ponto de vista lógico, os dois primeiros
são comutáveis: pode-se dizer é obrigatório o ato de comprar ou é proibida a
omissão de comprar"
5 - Giro Lingüístico Habermasiano e Ação Comunicativa.
Jürgen Habermas é considerado um dos continuadores da teoria crítica da
sociedade, elaborada originariamente pela Escola de Frankfurt dirigida por
Horkheimer, Adorno, tendo entre seus membros Marcuse, Walter Benjamin.
Habermas assume uma postura teórica muito própria, afastando-se do
pessimismo teórico de seus mestres, sagazes em sua crítica ao capitalismo e a
industria cultura, porém de certa forma inférteis na proposição de canais
emancipatórios potencializadores do exercício da razão esclarecida.
White aponta que "o problema central do pensamento de Habermas foi como
demonstrar que uma compreensão exclusivamente instrumental ou estratégica da
racionalidade é de algum modo inadequada e que, portanto, o processo histórico
de aumentar a racionalização weberiana do mundo representa uma ameaça ao
potencial pleno dos seres humanos de incluir razão no suporte dos problemas de
sua existência social e política"
Disto decorre o seu programa de pesquisa que envolve uma pluralidade de
questões, dentre elas Habermas desenvolve em meio à sua crítica ao Positivismo,
sua teoria "dos interesses constitutivos do conhecimento", que situa a ciência em
meio a certos interesses da espécie humana, pois ao lado do interesse do homem
na dominação da natureza, que permite a reprodução material da espécie, temos
que a espécie humana possui também um outro interesse universal: seu
"interesse prático" em manter aquele nível de intersubjetividade, que é obtido na
comunicação da linguagem ordinária e é necessário para a reprodução do homem
como um ser cultural. É em relação a este "interesse" que se pode falar de
conhecimento como o entendimento que os sujeitos obtêm em questões relativas
à ordenação de sua vida social e cultural.
Esta postura de Habermas foi submetida a extensas críticas em vários terrenos. A
crítica mais incisiva é de que seu esquema constitui uma modalidade de
fundamentalismo filosófico. Habermas enfrenta este problema afastando o foco de
atenção teórico da epistemologia para a teoria da linguagem e da ação ( giro
lingüístico). Habermas passa então a perseguir os seus objetivos teóricos através
de uma reconstrução racional da interação lingüistica.

Ao deslocar o seu foco para linguagem e ação, o objetivo de Habermas foi


esclarecer como a interação lingüística contínua formou para si um senso de
racionalidade que não é redutível às dimensões estratégicas ou contextual. "Sua
sustentação é que os atos ilocucionais de agentes comunicativamente
competentes se conformam com um conjunto de regras, algumas das quais
estabelecem os critérios de racionalidade comunicativa".

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