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ATITUS - Faculdade de Psicologia

Psicopatologia da Infância e da Adolescência

Professora Francielle Machado

Esquizofrenia na Infância

Felipe Soares da Rosa

Porto Alegre, 2023


1. Introdução
A esquizofrenia, e todo o seu Espectro, constituem um grupo de distúrbios mentais
muito graves que afetam cerca de 1% da população mundial (Manual para o Tratamento
Cognitivo-Comportamental dos Transtornos Psicológicos, Santos, SP, 2003), geralmente,
iniciando-se no final da adolescência ou nos anos iniciais da vida adulta. Porém, e pouco se
fala, é que a Esquizofrenia pode começar na infância. Uma condição grave, rara e que deve
ser feita a prevenção e diagnóstico o quanto antes. Neste trabalho, com toda sua limitação,
será abordado o Espectro da Esquizofrenia, seu tratamento, assim como, à Esquizofrenia de
início precoce, diagnósticos diferenciais e comorbidades. Como explicado, este trabalho terá
suas limitações teóricas, mas tem-se o objetivo de manter claro tudo aquilo que for abordado.

2. Livro “Psiquiatria Infantil e da Adolescência: Casos Clínicos”


O caso clínico deste livro nos descreve o quadro de “J.”, um menino de 8 anos que
foi encaminhado para acompanhamento psiquiátrico devido à queixa de falar sozinho. O
paciente é filho adotivo de uma família com dinâmica satisfatória, mas com intensa carência
financeira e sociocultural. Ele tem antecedentes pessoais de febre reumática e bronquite, além
de uma mãe biológica descrita como doente mental e um irmão criado por parentes e descrito
como deficiente mental, informações de extrema importância de serem coletadas na
anamnese, para depois serem utilizadas no tratamento . O exame psíquico revelou um bom
estado geral, mas com fácies atípicas e comportamento pueril para a idade. O paciente relatou
a presença de entidades invisíveis que conversam consigo, mas que não o incomodam, e que
ele age de acordo com suas ordens.

O paciente foi acompanhado desde os 4 anos de idade devido a um alegado atraso no


desenvolvimento, em uma instituição para indivíduos com retardo mental. Ele não apresentou
anormalidades no desenvolvimento neuropsicomotor, apesar da alegação inicial de um atraso.
A falta de pré-natal rotineiro e o uso de psicotrópicos pela mãe durante a gravidez, além da
consanguinidade dos pais, podem ter afetado o desenvolvimento do paciente. O diagnóstico
final não é mencionado no arquivo, o que faz com que o livro fique um tanto desfalcado e
sem informações valiosas, mas o caso mostra a importância de um acompanhamento
psiquiátrico cuidadoso e individualizado para crianças com queixas comportamentais e/ou
psicológicas.
O livro Psiquiatria Infantil e da Adolescência: Casos Clínicos (Francisco B.
Assumpção Jr et. al. Artmed, RS, 2013) merece seu devido espaço nas pesquisas científicas.
Quando lido, percebe-se o entendimento dos autores sobre o diagnóstico de transtornos,
avaliações e intervenções psiquiátricas, além de seu tratamento multimodal. Porém, seu
embasamento é um tanto precário, no quesito de não alongar nos detalhes em certos aspectos,
como o próprio diagnóstico e as formas de tratamento ao mesmo. E, também, ao introduzir os
transtornos, sua explicação é resumida, sem muito aprofundamento nos contextos, critérios e
discussão. Assim como suas referências clínicas, que são antigas e desatualizadas para os dias
atuais, devendo, assim, procurar outras fontes de estudo para seu devido complemento.

3. O que é Esquizofrenia
A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico muito grave que leva a distorções no
pensamento, percepção e nas emoções (Organização Mundial da Saúde, 1992). Sendo assim,
esses transtornos são caracterizados por anormalidades em um ou mais dos cinco domínios a
seguir: Delírios (crenças fixas, não passíveis de mudança), Alucinações (percepção real de
algo inexistente), Desorganização do Pensamento (duas ideias fundidas sem coerência),
Comportamento Motor Grosseiramente Desorganizado ou Anormal (de comportamentos
“tolos” a agitação imprevisível), e Sintomas Negativos (Expressão emocional diminuída e
Anedonia), onde causam prejuízos na vida social, acadêmica, no trabalho ou no autocuidado
(DSM-V TR, Artmed, 2023). Vale acrescentar que as alucinações e delírios são observados
em algum momento durante o curso da esquizofrenia. As alucinações visuais ocorrem em
15%, as auditivas em 50% e as táteis em 5% de todos os sujeitos, e os delírios em mais de
90% deles (Pull, Diagnóstico da esquizofrenia: uma revisão, Artmed, RS, 2005),
A esquizofrenia é causada por um conjunto de aspectos biológicos, genéticos,
cerebrais e ambientais. É uma patologia muito complexa, difusa e diversificada, sendo
debatida fortemente até os dias de hoje. Já se descobriu muito sobre ela, mas mesmo assim,
ainda necessita de mais estudos para melhores prognósticos. Acredita-se que cerca de 1% da
população mundial é acometida pela mesma, geralmente, com início entre 15 e 30 anos de
idade (McClellan JM. Early-onset schizophrenia. In: Sadock BJ, Sadock VA, editors.
Comprehensive Textbook of Psychiatry. 7th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins;
2000), com a prevalência semelhante entre homens e mulheres (V.E Caballo, Santos, 2003).
Entretanto, sabemos que esta patologia pode afetar adolescentes com menos de 18 anos,
até crianças com menos de 5 anos de idade (Hollis C. Adult outcomes of child and adolescent
onset schizophrenia, 2000; Dr. Gustavo Teixeira, BestSeller, 2013). Embora sejam condições
extremamente raras, afetando cerca de um a dois em cada mil estudantes, com meninos duas
vezes mais acometidos, essa patologia prejudica o desempenho social e acadêmico desta
pessoa, em níveis muito grandes, pois a Esquizofrenia interfere e afeta nas capacidades de
adquirir novas habilidades e novos conhecimentos (Dr. Gustavo Teixeira, BestSeller, 2013).

4. O tratamento para Esquizofrenia

O tratamento para aqueles que sofrem com a esquizofrenia tende a ser complexo e,
geralmente, se perpetua até o fim da vida, podendo os sintomas diminuírem ou reduzirem
seus prejuízos. Este tratamento, assim como para diversos transtornos, é multimodal, ou seja,
o uso simultâneo de intervenções distintas. Esse tratamento, segundo o Dr. Gustavo Teixeira
(Manual dos Transtornos Escolares, BestSeller, RJ, 2013. pp. 205-207), deve-se consistir em
psicoeducação, da criança, adolescente ou adultos e dos pais, psicoterapia familiar,
psicoterapia cognitivo-comportamental - também descrita por V.E. Caballo (Santos, 2003)
para o tratamento deste e diversos outros transtornos, em alguns casos o encaminhamento à
fonoaudiologia será fundamental. Além do uso de medicamentos, como o olanzapina,
risperidona, quetiapina e outros (Fleischhacker, Tratamento farmacológico da esquizofrenia:
uma revisão. Artmed, RS, 2005.).

5. Comorbidades

Comorbidade é a presença simultânea de outros transtornos mentais atrelados a um


outro transtorno ou patologia já presente. Na esquizofrenia existem elevadas taxas de
comorbidade com transtornos relacionados ao uso de substâncias, pois mais da metade dos
indivíduos com esquizofrenia fazem o uso de tabaco e fumam com certa regularidade, e,
também, do transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de pânico, sendo mais elevada nos
indivíduos esquizofrênicos do que na população geral. Além do crescente reconhecimento de
transtornos de ansiedade comórbidos à esquizofrenia, algumas vezes o transtorno de
personalidade esquizotípica ou paranóide podem anteceder a esquizofrenia (DSM-V TR,
Artmed, 2023).
Vale ressaltar que os indivíduos com esquizofrenia, por conta de suas condições
médicas concomitantes. Ganho de peso, diabetes, síndrome metabólica e doenças
cardiovasculares e pulmonares são mais comuns nestes pacientes do que na população em
geral (DSM-V TR, Artmed, 2023).

6. Diagnóstico Diferencial

O entendimento dos diagnósticos diferenciais por parte dos profissionais é de extrema


importância, pois é com o êxito do diagnóstico que teremos o correto tratamento do paciente,
e seu prognóstico positivo. Com isso, precisamos saber os diagnósticos diferenciais da
esquizofrenia. Todos diagnósticos diferenciais, bem como suas explicações, foram retiradas
do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V TR, Artmed, 2023).

6.1 Transtorno Depressivo Maior ou Transtorno Bipolar com


Características Psicóticas ou Catatônicas

Deve-se analisar cuidadosamente a gravidade dos sintomas depressivos ou maníacos,


além da relação temporal entre a perturbação do humor e a psicose. Se os delírios ou
alucinações ocorrem exclusivamente durante um episódio depressivo maior ou maníaco.

6.2 Transtorno Esquizoafetivo

O diagnóstico de transtorno esquizoafetivo requer um episódio depressivo maior ou


maníaco ocorrendo ao mesmo tempo em que ocorrem os sintomas da fase ativa e que os
sintomas de humor estejam presentes na maior parte do tempo da duração total dos períodos
ativos.

6.3 Transtorno Esquizofreniforme e Transtorno Psicótico Breve

Esses transtornos duram menos tempo que a esquizofrenia, duram menos de seis
meses. No transtorno esquizofreniforme, a perturbação está presente por menos de seis
meses, já o transtorno psicótico ocorre por pelo menos um dia, mas menos de um mês.

6.4 Transtorno Delirante

É diferenciado da esquizofrenia pela ausência dos demais sintomas da esquizofrenia,


não fecha o diagnóstico esquizofrênico.

6.5 Transtorno da Personalidade Esquizotípica


Pode ser diferenciado da esquizofrenia através de sintomas subclínicos associados a
características persistentes de personalidade (p. ex., Ideias de referência, excluindo delírios de
referência, Crenças estranhas ou Pensamentos Mágicos, Desconfiança ou Ideação Paranóide,
entre outros).

6.6 Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtorno Dismórfico Corporal

Esses dois transtornos, embora apresentarem características bem semelhantes à


esquizofrenia, são diferentes por apresentarem obsessões proeminentes, compulsões,
preocupações com aparência ou odores do corpo, acumulação compulsiva, comportamentos
repetitivos com foco no corpo.

6.7 Transtorno de Estresse Pós-Traumático

O TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) pode incluir flashbacks com uma


qualidade alucinatória, e a hipervigilância pode atingir estágios paranóides. Porém, existe a
necessidade de um evento traumático para que seja possível realizar o diagnóstico.

6.8 Transtorno do Espectro Autista ou Transtornos da Comunicação

Ambos transtornos podem incluir sintomas semelhantes a um episódio psicótico, mas


se diferem pelos déficits na interação social com comportamentos repetitivos e restritos,
padrões do TEA, e outras deficiências cognitivas e de comunicação. Pacientes com transtorno
do espectro autista ou transtorno da comunicação precisam ter sintomas que satisfazem todos
os critérios de diagnóstico da esquizofrenia, incluindo alucinações e delírios proeminentes no
período de, pelo menos, um mês para que possa ser feito um diagnóstico com esquizofrenia
concomitante.

6.9 Outros Transtornos Mentais Associados com um Episódio Psicótico

O diagnóstico de esquizofrenia só é feito quando o episódio psicótico é persistente,


não podendo ser atribuído a efeito de alguma substância ou outra condição médica.

6.10 Transtorno Psicótico Induzido por Substância/Medicamento

Indivíduos com transtorno psicótico induzido por substância/medicamento podem


apresentar sintomas característicos para esquizofrenia, porém o transtorno psicótico induzido
por substância/medicamento pode ser diferenciado pela relação cronológica do uso da
substância com o início e a remissão da psicose na ausência do uso de substância.

7. Conclusão

Após aprofundar o conhecimento a respeito sobre a esquizofrenia, seu espectro, suas


condições, como a Esquizofrenia de início precoce, seu tratamento, suas comorbidades e
diagnósticos diferenciais. Sua conclusão, finalmente, pode ser feita, respeitando suas
limitações e, devendo assim, buscar mais embasamento teórico para fins científicos,
acadêmicos ou para conhecimento. Observamos a importância crucial em um correto
diagnóstico, o mais profundo e precoce possível, pois o erro de diagnóstico é comum neste
tipo de tratamento, por se tratar de condições extremamente raras.
E, também, tem-se uma posição sobre o livro Psiquiatria Infantil e da Adolescência,
do Francisco Assumpção Jr., que, apesar de ser um ótimo livro para se iniciar seus estudos,
ele, assim como este texto, possui suas limitações.

8. Referências

Francisco B. Assumpção Jr. et al. Psiquiatria da Infância e da Adolescência: Casos Clínicos.


Porto Alegre: Artmed, 2013.

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Dr. Gustavo Teixeira. Manual dos Transtornos Escolares. Rio de Janeiro: BestSeller, 2013.

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