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A VAIDADE NA UMBANDA

Quando nós, umbandistas, elencamos as qualidades da Umbanda, é muito comum citar as


lições de humildade que a mesma nos oferece em diferentes simbolismos: a começar pelos
pés no chão, que nos colocam em contato com o solo sagrado do terreiro; seguido pelos
pretos velhos, espíritos de escravos em terras brasileiras, que, com sua simplicidade e
sabedoria, assumem o protagonismo na religião e também pela roupa branca ué vestimos
para, dentre outros motivos, demonstrar que somos iguais.

No entanto, cabe lembrar que, assim como outros templos religiosos, um terreiro, é um
espaço necessariamente de evolução espiritual. Quem entra ali e coloca a roupa branca não
virou santo. A doutrina umbandista nos é passada, mas o processo de transformação,
orientado pelos valores e princípios inerentes a nossa fé, não se dá da noite para o dia. Aliás,
arrisco dizer que é justamente por estarmos no terreiro que seremos colocados
frequentemente em testes para enfrentar nossos atrasos e defeitos. É como se esses
florescessem para que possamos então lutar contra eles.

E um dos fantasmas mais comuns que somos levados a enfrentar é o da vaidade. Um problema
que, claro, está longe de ser exclusivo da Umbanda, até porque é um defeito humano e,
portanto, será encontrado em qualquer religião, em qualquer ambiente de trabalho, enfim,
em qualquer lugar. Agora, parece interessante cuidar desse tema porque chega a ser um
paradoxo: de um lado pregamos a humildade, a igualdade e, de outro, nós mesmos
precisamos estar em constante vigília para não sermos seduzidos pela vaidade.

E eu digo seduzidos porque é bem esse o termo. Parece ser atraente exaltar o quanto você
sabe da doutrina umbandista, o quanto as suas entidades são maravilhosas, o quanto são
procuradas, o quanto a roupa da sua Padilha brilha e como é a mais bonita da Casa. A verdade
é que o poder, a posição de destaque atrai muitos. Sem perceber, entramos numa armadilha
que fica difícil sair. Isso porque estamos tão acostumados a apontar e ver o problema no outro,
a doutrinar os próximos sobre o quanto precisamos ser humildes que, de repente, esquecemos
de nos olhar no espelho.

A vaidade se manifesta no médium que se acha imprescindível para a realização dos trabalhos,
quando alguém quer exaltar seu conhecimento para desprezar os demais, quando um médium
acredita que “sua” entidade é melhor que as outras, que a sua roupa é mais bela e radiante do
que a dos outros, que a incorporação do irmão é feia, estranha e cheia de mentiras, quando a
sua é linda, perfeita, magnânima e única verdadeira.

É impossível para nós que cremos na Umbanda, entender que um filho de uma casa, seja ela
qual for não perceba que a maior lição das Entidades de Luz não é demonstrar a vaidade
através de roupas belas, guias e mais guias no pescoço, grandes cigarrilhas, bebidas caras,
danças exóticas, e com tudo isso uma mistificação sem igual. Muito triste para nós
umbandistas vermos irmãos trajados com ternos impecáveis, vestidos caríssimos, chapéus e
sapatos sempre de ótima qualidade, apenas para aparecerem mais que os outros médiuns em
uma vaidade descomunal. E esses ainda fazem questão de serem filmados, homenageados,
idolatrados, sem o menor pudor, sem o menor constrangimento, sem a menor vergonha na
cara, esquecendo tudo que a Umbanda ensina tudo que ela prega tudo que ela demonstra
através de suas Entidades de Luz como montar uma loja virtual.
A vaidade é uma arma utilizada pelos obsessores para seduzir médiuns sintonizados com
sentimentos nada nobres, que estão ligados a tudo aquilo que os afasta da religião e os coloca
no centro das atenções e de todos os acontecimentos.

Quantos irmãos do povo de santo já deixaram seus terreiros por se acharem grandes demais,
ou por sentirem que as “suas” entidades precisam de um espaço só delas para devoção e
idolatria ou porque acreditam que seus zeladores não lhes podem ensinar mais nada, já que
sabem mais ou de tudo?

Quantos irmãos meus foram embora assim! Se acharam tão grandes, tão poderosos que não
poderiam mais ser liderados pela mãe de santo. Afinal, o ego cresceu tanto que sequer
perceberam que só enxergavam eles mesmos. Fulano não fazia nada, Siclano só recebia vento,
a outra estava só fazendo teatro, mas as entidades dele, nossa, você precisava ver o bem que
fez na casa daquela assistente desesperada. Já estava ditando regra mais que o preto velho
chefe da casa, sem sequer ter a elevação espiritual dele para tanto.

Tenho certeza que ao ler essas linhas, não serei só eu a ter histórias como essa para contar.

E aí alguns podem questionar: se a Umbanda é uma religião tão linda, por que isso acontece?

A religião é e seus fundamentos também são lindos, no entanto nós, praticantes, somos
humanos. Todos nós estamos ali para cumprir nossa missão espiritual, para resgatar
desavenças e falhas que colecionamos ao longo de vidas. A vaidade é uma delas.

Como ela se inicia não tem regra: pode ser pelos elogios que o médium começa a receber ou
até mesmo pela falta deles e a consequente necessidade de chamar atenção. Suspeito que, em
verdade, todos a temos latente em nós e o que faz com que um seja mais vaidoso que o outro
é justamente a forma como a gente alimenta esse sentimento.

Um conselho simples, mas que vale sempre destacar é o seguinte: esqueça os juízos de
comparação. Não existe entidade melhor que outra, muito menos médium mais importante
que outro. A nossa filosofia é Ubuntu: “eu sou porque nós somos”. Não há espaço na
Umbanda para ego ou para competição. Formamos uma corrente justamente porque só
fazemos sentido quando unidos. Portanto, antes de fiscalizar e apontar as atitudes do outro,
experimente vigiar a si mesmo. O trabalho para a nossa evolução espiritual é constante e o
vestir branco deve valer como simbolismo para muito além do terreiro.

Quando exercitamos a nossa mediunidade para servir de elo ou instrumento para um ser
espiritual (entidade, mentor, guia, protetor, etc...) são eles que atuam por nosso intermédio e
ajudam as pessoas e portanto não somos donos deste poder... e é muito comum se escutar
por ai: meu guia fez isto, eu fiz aquilo, etc....

Nenhuma Entidade de Luz da Umbanda seja ela um Caboclo, um Boiadeiro, um Erê, um Preto
Velho, um Cigano, um Malandro, um Exú ou uma Pombo Gira, nenhuma dessas divindades vai
impor que um médium coloque vestes especiais, nenhuma vai autorizar que esses médiuns, se
dizendo incorporados, fiquem fazendo teatro pedindo que sejam filmados, gravados,
fotografados, para mostrarem suas roupas brilhantes, coloridas. Nenhuma Entidade de Luz irá
ficar incorporado na coroa de um médium para dar entrevistas ou passar mensagens através
de qualquer tipo de mídia. Isso tudo é mistificação, é demonstração de vaidade, pura
vaidade de médiuns não preparados, ignorantes e que desconhecem a essência da religião de
Umbanda.
Devemos entender que a vaidade significa a qualidade do que é vão algo vazio, firmado apenas
sobre aparência ilusória. A vaidade nada mais é que uma valorização que se atribui a própria
aparência, ou qualquer outra qualidade física ou mesmo intelectual, que é fundamentada
apenas no desejo de avaliação muito lisonjeira que alguém tem de si mesmo, extrema falta de
modéstia, grandiosa presunção, idolatração as coisas insignificantes, as futilidades, ao desejo
de ser maior ou melhor que tudo e todos. Infelizmente, em médiuns de menos idade, os que
estão se iniciando no desenvolvimento, os inexperientes, que ainda desconhecem os
fundamentos da religião de Umbanda, a vaidade é o traço vicioso do ego mais fácil de
identificar, sendo assim devemos tentar mostrar sempre que vaidade e Umbanda não se
combinam, pois como a própria definição nos aponta, a vaidade é vazia e mentirosa, e em um
âmbito espiritual, acharmos que somos melhores que os outros porque nosso Guia faz algo
interessante, ou que devemos estar com as melhores roupas de caracterização de uma
Entidade, ou devemos ostentar melhores bebidas, dizendo que foi pedido do Guia, ou mesmo
ainda usarmos adereços sem noção e nexo, apenas para tentar demonstrar beleza, e assim
chamar atenção. Isso tudo só funciona para cortar a sintonia entre o médium e a religião, que
sabemos que um dos principais pilares é a humildade. Portanto senhores médiuns que se
deixam ser levados pelo desonroso sentimento de vaidade, parem de querer esse desejo de
serem artistas, de serem modelos, de serem entrevistados como famosos, de ficarem
tentando aparecer nas ruas trajando roupas caracterizadas como as Entidades de Luz, pois os
médiuns são apenas mensageiros, apenas auxiliadores das forças verdadeiras que são os
Guias.

Sejamos humildes, humildes ao ponto de sermos escolhidos a entregar nossa Coroa a uma
verdadeira Entidade de Luz, e não a espíritos Zombeteiros, como muitos médiuns vem fazendo
através de sua vaidade extrema, e usando o nome lindo da nossa amada Umbanda.

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