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do neoliberalismo, implantado a partir da década de 1990 no Brasil, 4 afirmavam, segundo Perry Anderson (1995, p.10) “que a desigual- dade era um valor positive — na realidade imprescindivel em si”, para a manutengao e o desenvolvimento do capitalismo, Para que capitalismo se desenvolva ¢ continue a gerar lucros, é necessario entre outras coisas que se crie e mantenha a divisto da sociedade em classes, a desigualdade social ea subjugagao de uma classe por outra. A periferia como formula de reproduzir nas eidades a forga de trabalho é consequéncia direta do tipo de desenvolvimento fecondmico que se processou na sociedade brasileira das Aitimas décadas, Possibilitou, de um lado alts taxas deexplo- ragio de trabalho e, de outro, forjou formas espoliativas que se io no nivel da prépria condlicfo urbana de existencia a que foi submetida a clase trabalhadora (KOWARICK, 1993, p. 42-43) importante analisar o crescimento das parcelas da classe traba- Ihadora nfo inseridas no mercado formal de trabalho, Autores como ‘Nun (1978; 2000) as denominam de “massa marginal”, partindo do pressuposto que clas néo teriam nenhuma importancia para o atual, estagio do capitalismo, Marx ja as caracterizava como “superpopu- lagio relativa”®, parte consubstancial da logica de dominagao do capi- talismo, que aparece ja no periodo da acunmulacio primitiva do capital. 46, Para Nun (1978;2000), existe uma parcela da populagao, considerada por ele como massa marginal, que néo exerce nenhuma funcéo para a lgca do desen- volvimento capitalista, podenda ser descartada, Jé que o processo produtivo prescinde de sua existéncia, Para Marx (2001, p. 748): “a superpopulagio relativa existe sob ox mais variados matizes. Todo trabalhador dela faz parte durante o tempo em que est Aesempregado ou parcialmente empregado. As fases alternadas do ciclo indus. ‘ial fazem-na aparecer ora em forma agucla, nas crises, ora em forma crOnica, nos periods de paralisagio. Mas, além dessas formas prineipais que se repro- dduzem periodicamente, assume els, continismente, as trés formas seguintes: futuante,latente eestagnada.” en Além disso, sua existéncia é necessaria para a manutencao material e ideolégica da subalternizagao das classes trabalhadoras, em especial das parcelas inseridas no mercado formal de trabalho. Ao progredir a produgio capitalista, em seu pleno desen- volvimento, quebra toda a resistencia; a produgéo continua de uma superpopulagéo relativa mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salério em harmonia com as necessidades de expansio do capitalista sobre 0 traba- Ihador (MARX, 2001, p. 851). No atual estagio de desenvolvimento, a “superpopulagao rela- tiva” tende a ser controlada pelas classes que detém a hegemonia do Estado, através da forca edo assistencialismo: uma nova sociabilidade 6 construida, a partir de novas formas de subordinagao e submissio das classes trabalhadoras. As condigées de vida das classes trabalhadoras esto diretamente ligadas a sua forma de insergdo nas relagdes sociais de produgo. Com 0 aumento do desemprego, grandes contingentes de trabalhadores passam asobreviver precariamente através do trabalho informal, dos biseates, da caridade, da filantropia edos escassos programas de assisténcia Para.cles resta apenas como alternativa de moradia viver nas favelas e subirbios. As condigdes de vida dependem de uma série de fatores, da qual a dinamica das relagdes de trabalho & o ponto primor dial. Nao obstante tal fato, 6 possivel fazer wma leitura dessas ccondighes através da anilise da expansio urbana, com seus servigos infra-estrutura, espagos, relagdes sociais e niveis de consumo, aspectos diretamente ligados a0 processo de acumulacéo do capital (KOWARICK, 1998, p. 32) Na presente anilise, considera-se que a constituigao da favela nao pode ser compreendida e nem analisada sem considerar os fatores sociais, econémicos e politicos que conformam a cidade a partir dos interesses do desenvolvimento capitalista, nem to pouco, descons derar o papel do Estado nesse processo. Sao esses pressupostos que nortearam as reflexes que se segue, GS eH POPULARES CUTOUT) DETERRITORIOS SEGREGADOS Pea ACONSTITUIGAO DA CIDADE E 0 DESENVOLVIMENTO DESIGUALE COMBINADD Como explicitado no capitulo primeiro, o desenvolvimento econd- mico na América Latina e no Brasil, foi marcado pelo que Fernandes (1981), Harvey (2004), Ianni (2004) e outros chamam de desenvolvi- ‘mento capitalista desigual e combinado. Desenvolvimento desigual e combinado porque integra, ao mesmo tempo, o avanco ea moderni- zacio provocada pela expanséo capitalista em suas diferentes fases — especificamente em sua fase monopolista industrial — com elementos sociais arcaicos e conservadores. Na combinagdo entre o moderno e o arcaico, entre o desenval- vido eo pré-desenvolvido, séo criadas mareas internas ¢ externas aos, paises, com desdobramentos na conformacio urbana. A vida social se organiza a partir do processo combinado entre polos desenvolvidos polos em desenvolvimento, em um movimento de inter-relacao e dependéncia miitua, na qual a riqueza eo desenvolvimento dos paises, centrais se dao a partir da exploragao e da geragao de riqueza dos e nos pafses periféricos. ” 0 processo de desenvolvimento desigual e combinado tem sua origem, no processo de colonizagao, ja na primeira fase da globali- zacio, como caracterizada por Santos (2008), a0 se referir & expansio ‘maritima do século XVI. Compreende-se que o capitalismo, como um processo mundial de consolidacio de relagées sociais, constréi formas necessérias a sua expansio. Nesse sentido, a universalizagio do mundo omega ja no periodo da expansio comercial ou mercantil, desenvol- ‘vendo, potencializando e amadurecendo ao longo das fases do desenvol- vimento capitalista, até chegar ao final do séculoXX coma glabalizagio teenolégica articulada ao desenvolvimento do neoliberalismo™, No periodo da colonizagio, os territérios” sio organizados de forma distinta, sem rigor na forma ena organizagao social, marcando osurgimento das primeiras cidades brasileiras. Presididas inicialmente 1, Para Santos (2008, p. 23) a: “plobalizagio 6, de certa forma, 0 pice do processo de internacionalizagéo do mundo capitalista, Para entendé-a, como, de resto, a qualquer fase da histéria, hé dois elementos fundamentals alevar em conta: oestado das téenicas eo estado da politica’ Segundo o autor os elementos, ue permitem compreender 0 processo de globalizagio em curso sio “a nicl dade da téenica, a convergéneia dos momentos, a cognosciilidade do planeta fa existéncia de um motor tnico na histris, representada pela mais-valis, slobalizada, Um mercado global utlizando esses sistemas detéenicas avangadas resultam nessa globalizacéo perversa (SANTOS, 2008, p24). ara ver'mals sobre ‘assunto Harvey (2004), Santos (2008) e Netto e Braz (2008). {&, Sogundo Harvey (2008, p. 12): ‘o neolberalismo é em primeiro lugar ume teoria das prticas politico-econdmicas que prope que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreen- Aedoras individais no ambito de uma estrutura institucional caracterizada por sélidos direitos & propriedade privada, livres mercados ¢ livre comércio" Para ver mas sobre neoiberalismo Netto e Braz (2006) e Anderson (1995) 4%, Segundo Haesbaert (2007, p. $8): “um marxista, dentro do materialismo historio e dalético ra defender uma nogéo de territorio que: 1) privilegia sua dimensio material, sobretudo no sentido econdmico, i) esta historieamente ili) define-sea partir das relagdes socias nas quais se encontra inser, ou sea, tem um sentido claramente relacional” 96 pelo desenvolvimento do comércio e, mais tarde pelo desenvolvi- ‘mento industrial, 6 apenas no século XX que as cidades comegam a se consolidar: Segundo Maricato (2008), é 0 advento do trabalhador livre, da industrializagdo e da Repdblica que impulsionam a organi- zacho das cidades. As reformas urbanas, realizadas em diversas cidades bras slo XX, leiras entre o final do século XIX e inicio do langaram as bases de um urbanismo moderna “& mod: das periferias. Realizavam-se obras de saneamento bisico para eliminagio das epidemias, ao mesmo tempo em que se promovia o embelezamento paisagistico e eram implantadas as bases leguis para um mercado imobilirio de corte capita: lista. A populacdo excluida desse proceso era expulsa para ‘os morros e franjas da cidade. Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, Séo Paulo e especialmente o Rio de Janeiro sso eidades que passaram por mudangas que conju: {garam sancamento ambiental, embelezamento e segregagio territorial, nesse periodo (MARICATO, 2008, p.17) As cidades, como fruto do processo de desenvolvimento, acabam por ser a expressiio mais tangivel do espago urbano, tornando-se, em alguns momentos, sinénimo do urbano. Porém vale destacar, que a cidade, apesar de er o simbolo do processo de urbanizagio, nio repre- senta, de forma autonoma e independente o espaco urbano. Acidade, a0 se constituir de distintos tervitérios, passa a evidenciar a confor agio desigual do espago urbano, que se expressa no na geografia natural dos teritérios, mas em suasintervengdes sociais e urbat Oespago urbano, definido por Corréa (1995, p.10), como o *conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si, revela a apropriacdo desigual do solo — que se torna uma importante mercadoria na sociedade capitalista contemporanea — ea distribuigio desigual da riqueza socialmente produzida, traduzida nao apenas pelas constru- es imobilidrias, mas também pela distribui¢ao dos equipamentos piblicos e privados. sticas. % A desigualdade gerada na apropriagdo e ocupagao do solo urbano conforma distintos territérios na cidade, em especial a partir do processo de industrializagdo, que se tornou um marco no desenvol- vimento da cidade, Os paises outrora agrétios e eseravocratas pouco ‘a pouco passam a se tornar urbanos e industriais, gerando a neces dade de distintas adaptagdes e transformagoes. AAs cidades se alteram a partir da conformagao de novas relagdes sociais, que deixam de se basear na produgio agricola e passam ater como foco central da producdo da riqueza a indiistria. Essas relagoes dispdem de um novo tonus propulsor eimpdem uma nova configuracao nna apropriagao do espaco, incluindo desde o redimensionamento do local de moradia dos trabalhadores e dos donos dos meios de produgio, como a constituigio vidria, a colocagdo de equipamentos piblicos ete. As grandes cidades brasileiras passaram por esse processo de forma emblematica a partir do final do século XIX, intensificado a partir do século XX. Segundo Corréa (1995), as cidades passaram a ser divididas em 4rea central, rea de lazer, rea cultural ete Eis o que é espago urbano:fragmentado e articulado, reflexo condicionante social, um conjunto de simbotos e campo de Iutas. & assim a prépria sociedade em uma de suas dimen- s6es, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais (CORREA, 1985, p. 9). 0 desenvolvimento da malha urbana carioca acontece no mesmo sentido que o da maior parte das cidades brasileiras, Inicia sua expansio a partir da proximidade com os niicleos centrais, que se formam para acessar os bens produzidos, facilitara troca ea circulagdo, Nesse sentido, conforme expressa Corréa (1995), 0 centro das cidades se forja a partir do desenvolvimento do comércio, daindistria, do transporte e da infra estrutura social, cultural etc,, constituindo-sea partir de uma necessi- dade em comum, 0 acesso a servigos, bens ¢ mercadorias, a cidade se desenvolve de forma extremamente desigual, em especial nos paises periféricos. Desigualdade marcada pela diferenca entre cidades de paises distintos, entre cidades do mesmo pais e entre tervitorios de uma mesma 100 cidade. Como afirma Corréa (1995, p.7):"€simultaneamente fragmen- tado e articulado: cada uma de suas partes mantém relagdes espaciais com as demais, ainda que de intensidade muito varivel Avariedade na constituigdo das idades do espago urbano deriva, entre outros fatores, dos seguintes elementos: + Desenvolvimento dependente dos paises periféricos; + Ago do Estado na conformagio do espago que coadune com os inte- esses sociais eecondmicos das classes economicamente dominantes; + Fragmentagio dos territérios que constituem a mesma cidade a partir da constituigao dos locais de moradia de segmentos da burguesia e de segmentos da classe trabalhadora; + Distribuigao desigual de equipamentos pablicos, Areas de Laz Vias vidrias, espagos culturais ete. ‘A década de 1930" marca o que Fernandes (1975), denominou de revolugio burguesa no Brasil, impactando de forma peculiar e enfitica 40, 4 década de 1930 se constitul como importante marco na organizagéo socal brasileira por se caracterizar como a fase de transigio entre a Replica Velha ea Nova Repiblics Sua relevancia também decor da singular gest do entio pres dente da repablica, Geilo Vargas, qu ficou no poder de 1930 a 1845 e retornou ‘mais tarde em 1950 ficando até 1954, quando se suiida. A era Vargas, como ficou conhecida oi ndeléve, no Ambito das discusses eeftivagdes de alguns direitos |lstoricamente evindicados pela classe trabalhadora. Também éum marco sobre 1 tratoda questo socal, que passa entao, ser considerada como caso de politica, como afirma lamamoto (1995) e Behring e Boschett (2008) 4A. Para Fernandes (1995, p. 203) a: "Revolucio Burguesa denota um conjunto de transformagdes econdmicas,teenoldgicas, socias, psicoeulturas e politicas ‘que s6 se realizam quando o desenvolvimento eapitalista atinge o climax de sua evolugio industrial Ha, porém, um ponto de partida e um ponto de chegada, 6 extremamente diffe locaiaarse o momento em que essa revolugao aleanes lum patamar historio irreversivel, de plena maturidade e, a mesmo tempo, de consolidagio do poder burgués e da dominaséo burguesa. A situagio brasileira {o fim do império e do comego da Repablica, por exemplo, eontém somente os sermes desse poder dessa dominacéo” (grifos origina) ao 4 ordem social e o ordenamento urbano em processo. Impulsiona-se ‘A industrializagao nacional com o objetivo de diminuir a importacdo conctuir a transi¢ao de uma economia agroexportadora para uma economia industrial. Nessa transi¢do, uma nova classe social se cons- titui como hegeménica, a burguesia industrial. Apesar de constituir novas relagées, no rompe efetivamente com o conservadorismo dos antigos segmentos dominantes, pelo menos na primeira fase da transigdo, A década de trinta éum importante marco na constitui¢ao urbana, pois constréi as bases para impulsionar a industrializagao, portanto, para preparar a cidade para uma nova forma de produ. Entende-se que 0 espago urbano nao se delineia de forma aut6noma nem tampouco pelos contornos naturais. Mas ele é impulsionado pelas relagées sociais de producao instituidas pelas determinagoes gerais do desenvolvimento capitalista nacional ¢ internacional esse sentido, o espago urbano se constitui como produto das ages presentes do Estado e da iniciativa privada, mas também como produto de agées passadas que deixam marcas em sua constituicao. A cidade, além de produto do desenvolvimento desigual e combinado do capital, também passa a ser produtora de sentidos, desejos, valores ¢ identidades junto aos moradores dos distintos territérios. Os territérios sAo espagos nos quais se desdobram as relagdes sociais, partir da construgio da vida cotidiana, Nesse sentido, Lefebvre (2008) Santos (2008) afirmam que o espago é construfdo, ndo nasce pronto, acabado. Ecomo afirma Harvey (2004), nao pode ser definido apenas pelas dimensdes geograficas. Coloca-se como desafio a compreensio das distintas dimensoes que conformam as relagoes sociais produtoras de sentidos, identidades e relagdes que produzem os sujeitos sociais nos teritérias, ujeitos materializados em classes sociais, mesmo que nndo desenvolvam tal consciéncia, imitando-se a uma posi¢ao supk ficial de compreensio e posicionamento na sociedade. A desigualdade como caracteristica propria do atual desenvolvi- ‘mento econdmico se expressa na cidade a partir da constituicao de distintos territérios, que se organizam ou ndo, como bairtos. Assim a 192 cidade capitalista, seja nos paises periféricos, seja em parte dos paises centrais, se constitui de areas nobres, de éreas medianas ede espagos populares®, que abrigam diferentes segmentos de classe, 0s tervitérios se constituem a partir da dinamica econdmica etambém partir da identidade de seus moradores. Em um movimento dilético, 0s territ6rios sio construidos pelos sujeitos reais que af se fixam, com suas identidades, valores, perspectivas. Ao mesmo tempo em que se organizam enquanto espaco, produzem novas identidades* e subjeti ddades. Nessa perspectiva, a cidade néo éenem esti estatica; ao contrat est em constante processo de mutagio, na medida em queé produtoe produtora de identidades, subjetividades esentidos paraa vida urbana. Segundo Santos (2007, p.13):“o territ6rio é olugar em que desem- ‘bocam todas as agées, todas as paix6es, todos os poderes, todas as forgas, todas as fraquezas, isto 6, onde a historia do homem plena- mente se realiza a partir das manifestagdes da sua existéncia”, Nesse sentido, os territorios da cidade so também fruto das disputas e das contradigdes préprias das relagdes sociais, como espacos que corpo- rificam a existéncia dos sujeitos. Para o autor (ibid) 0 territorio nao pode ser considerado apenas solo urbano, mas espago no qual se desenvolvem relagdes, conflitos, 42. 0s espagos populares si entendldos nesse trabalho como Areas que abrigam diferentes segmentos da classe trabalhadora economicamente, socialmente & culturalmente com menor acesso aos diferentes recursos que a vida cotiians demands, como os subirbios eas favelas Essesteritoros se distinguet, porém, ambos so marcados pela precariedade dos servigos ¢ equipamentos urbanos em geral As favelas se diferenciam por ter o territrio controlado pelos grupos criminosos armados e/ou pelo jogo de bicho, 48, O conceito de identidade ver sendoditeutido desde a antiguidade, nao tendo apenas uma definigéo,jé que cada drea de conhecimento a define a partir de Aeterminados parametros. Neste trabalho a identidade € considerada como 0 conjunto de earacteristias presentes nas relagées sociais de um determinado ‘grupo considerando aspectos sociais, econdmicos, eulturais¢ territoriais que foram sua cotidianidade. 103 tensdes, disputas; e, nessa condigdo, espacos no qual se forjam identi- dades e sujeitos. No caminho dessa reflex, 6 possfvel identificar que o ser social forjado nas relagdes sociais inerentes ao tervitorio, também. 6 expresso das relagées sociais mais globais. Logo, em que pese suas particularidades locais, as relacdes sociais sempre expressam e, a0 ‘mesmo tempo, sio expressées da conformagio social em sua totalidade. O territ6rio nio é apenas oconjunto dos sistemas naturais ede sistemas de ofsas superpostas; 0 terrt6rio tem que ser enten ido como o teritériousado, nao oteritérioem si, Oterritério uusado 6 o cho mais a identidade. A identidade €0 sentimento de pertencer aquilo que nos pertence. O terrtério é 0 funda- ‘mento do trabalho; o lugar da residéneta, das trocas materials c espirituais e do exereicio da vida [.. Alls, a propria ideia de nagio, e depois a ideia de Estado nacional, decarrem dessa relagao tornada profunds, porque um faz o outro, & maneira aquela célebre frase de Winston Churchill “Primeiro fazemos nossas casas, depois nossas casas nos fazem’. Assim 6.0 tervitério que ajuda a fabricar a nagéo, para que a nagio depois oafeisoe (SANTOS, 2007, p14, grifo do autor). Para Marx (2001), a sociedade, no marco das relag6es sociais capitalistas, afirma-se como produtora e acumuladora de mercado- rias, desenvolvendo estratégias de mercantilizacéo, tendo como foco atingir os potenciais consumidores. Nesse sentido, a organizagao da cidade capitalista nio apenas transforma o préprio solo urbano em mercadoria, mas todos os demais equipamentos, servigose estruturas necessarios ao desenvolvimento da vida cotidiana, Mesmo que em sua aparéncia a cidade ja expresse desigualdades orjundas da logica de producdo e apropriacéo da riqueza, sua confor ‘magio nao desnuda por si, as relag6es sociais estruturantes. Acidade, a partir da configuragao de distintos territ6rios, camutla a desigual- dade e também a luta de classes, inspirando uma sensagdo de com vencia harmoniosa entre pobres e ricos, que s6 é alterada quando os pobres se marginalizam. 194 O entendimento sobre a pobreza ganha distintas interpretagées, que transitam entre andlises profundas sobre a estrutura econdmica e social até afirmacio de juizos superficiais, que culpabilizam os indi- duos por sua condigio. A compreensdo da pobreza como fruto da desigualdade social produzida pela légica de organizagio das relagbes sociais, ou sea, pela contradigao entre capitalx traballo™, no ganha visiblidade suficiente entre os moradores da polisa ponto de eviden- ciar a questio social. Invsibilizada a desigualdade estruturante do capital, os sueito,frutas desse processo, também acabam por ser invi- sibilizados, mesmo constituindo-se como a classe que gera a riqueza eatende ao setor de servigas e do coméreio, Ou seja, sio produtores da vida na cidade e essenciais a0 seu desenvolvimento. Nesse contexto,a cidade passa a ser vista e compreendida deforma predominante pela sua aparéncia e nao por sua esséneia, Apareneia que impulsiona a andlise da cidade fragmentada, que qualifica os distintos territérios como processos naturais do desenvolvimento urbano, fruto do esforco diferenciado dos segmentos de classe. A cidade, nessa andlise, considerada como produto do desenvolvimento capi- talista desigual e combinado, eus distintos territrios sao analisados considerando os segmentos conservadores, como fruto do trabalho individual e como produto da incapacidade estatal em prover toda a polis. Como afirma Haesbaert (2007), os tervitorios carregam uma enorme forga simbélica, sendo um dos prineipais responsaveis pela construgao das identidades. Para Martins: 4A, A relagio capital x trabalho, esséncia das relagbes de produgio capitalist, expressa a contradigéoexistente entre donos dos melos de producto (burguesia) donos da forga de trabalho (proletatiado), Relago que, como ja caracterizado nesse trabalho, se expressa na produsio social da iqueza eem sua apropriagio privada, impulsionadora da desigualdade intrinseca & logica de organizagio capitalista. Para saber mals ver Mars (2001), Antunes (2008) e Fontes (2005), 105 [Nesse processo, uma certa “racionalidade”segregadora,invo- cada para ordenar o espago, acaba ralificando a expulsio dos considerados ineémodos, inconvenientes, ou mesmo amea «adores, enfim, os esbulhados de sempre para as periferias desurbanizadas (MARTINS, 2008, p. 10) Lefebvre (2008) defendea tese de que o processo de industrializagio que gerou a urbanizagdo, eque por tempos foi priorizada comoa questo central no debate sociol6gico sobre. cidade, se destoca, na contempora- neidade, para a problematica urbana, Segundo 0 autor, a urbanizagio, rapidamente se toma um problema maior do que a prépria industria- lizagdo, trazendo contradigées e consequéncias para a sociabilidade, ja quese constitui ainda como um processo nao acabado. Refletindsobrea cidade, Lefebvre define-acomoum conjunto de onceitos, no qual destaca a. Acidade é um objeto espacial ocupando um sitio e uma situagdo que € preciso estudar, enquanto objeto, com diferentes téenicas e métodos [.. b, Nese sentido, a cidade é uma mediagio entre uma ‘ordem préxima euma ordem distante. A ordem préxima 6 aquela do campo cireundante que a cidade domina, organiza e explora, extorquindo-The sobretrabalho [.J; © cidade é uma obra no sentido de uma obra de arte 0 espago nao & apenas organizado € institufdo, Ele também € modelado e apropriado por este ou aquele srupo, segundo suas exigéncias, sua ética e sua estética, ou sefa, sua ideologia [| (LEFEBVRE, 2008, p. 82). 46. Para Lefebvre (2008, p. 84): urhano se distngue da cidade precisamente porque eleapareceese manifesta nocurso daexplosio dacidade, mascle permite reconsiderar e mesmo compreender certos aspectos dela que passaram desper cebidos durante muito tempo: a centalidade, o espaco como Tugar de encontr, amonumentalidade etc, 0 urbano, isto €,a socedade urbana, ainda néo existe, contudo, existe vitualmente; através das contradigdes entre o habitat, as seg: -Ragdes ea centralidade urbana que éessencil pritica social, manifestase uma contradigio plena de sentido” 106 ‘Ao passo que o processo de industrializagao, em especial em sua fase fordista,imprimiu um ritmo homogeneizado da vida urbana, a cidade na contemporaneidade e na fase da producio flexivel” prima pelas desigualdades. DiferenciagSes que se dio pelo local de moradia a forma da moradia, pela maneira de se vestir, pelos habitos, pelo transporte utilizado e pelos produtos consumidos (mercadorias de distintos tipos, desde produtos industrializados até cultura ¢ lazer), et. Essas diferenciagées se expressam nos territérios da cidade, dis uindo pessoas e classes. Nesse sentido, o processo de expansio das cidades é orientado pela segregagio socioespacial, econdmica e cultural, ue se conere- tiza de forma quase “natural” e sob a dimensio ideolégica, constitu a cidade como a expressio da desigualdade nas relacbes sociais,cuja consequencia na vida dos sujeitos, € marcada pela degradagao da qualidade de vida. Assim vai se constituindo o espago urbano, como um produto ainda rio acabado do desenvolvimento capitalista e com forte tendéncia & constante transmutagio, Nesse sentido, nio se espera um modelo final de cidade, mas sim, uma conformagio que seja capaz de adaptarse 48, 0 Fordismo se caracteriza por ser uma fase do desenvolvimento capitalista de produsio que dé inicio a urna nova forma de produzir mercadorias. Forma essa baseada na produgo em massa para um consumo em massa, de mercado- rias padronizadss. Esse modo de pradirir, segundo os autores, imple também uma forma de organizar a forga de trabalho apartrde geréncias hierarquizadss, de difusio ideotgia ete, Para ver mais sobre o tema: Harvey (1999), Gramsel (2001), Antunes (2007, 2008) e Pinto (2010) 4 0 Toyotismo ou Acumulagio Flexive, caracteriza-se por ser uma fase do ‘modo de produgio capitalista que organiza a produgio de mercadorias a partir do processo de reestruturasdo produtiva, baseada em novas formas de gerenci ‘mento, diminuigdo da estrutura hierrquica, fragmentagao da produgio,tercel- Fizagio, actimlo de fungies (rabalhador polivalente,baixos estoques ete. Pars ‘ver mais sobre tema, ver Harvey (1999), Grams (2001), Antunes (2007;2008) Pinto (2010) 107 Aas novas exigncias do crescimento econdmico. A transformacio permanente do espago pode ser considerada a partir das necessi- dades capitalistas, mas também a partir das resistencias construfdas pelos segmentos de classe, que vio sendo segregados nesse provesso. A cidade passa a ser alvo do desejo de todos os citadinos, indepen- dente da classe social. A cidade gradativamente passa a ser 0 centro do poder politico e torna-se alvo de disputas, ja que o capital nao tem mais como pres cindir de sua existéncia. Foco da geragio de lucro, seja através da produgio direta de mercadorias capitalistas, seja pela prestacéo de servigos e pelo comércio, a cidade vai sendo adaptada aos interesses em ebuligao do capital. Hoje as classes dominantes se servem do espago como de ‘um instrumento. Instrumento para varios fins: dispersar classe operaria, reparti-la nos lugares prescritos, organizar os fuxos diversos subordinando-os a negras insti tuclonais; subordinar, por conseguinte, o espaco a0 poder; controlar o espago e reger, eenocraticaments, a sociedade inteira, conservando as relagdes de produgéo capitalistes (LEFEBVRE, 2008, p.160) Ao ser adaptado as necessidades do capital, o espaco da cidade adapta também seus moradores, conformando espagos de moradia, de lazer, de cultura ede trabalho para as diferentes classes. Forja-se 0 espago, esse mais que territério geogrifico, inclui os sentidos produ- zidos pelos sujeitos sociais nele inseridos. Nesse sentido, torna-se fundamental aprender a cidade em sua esséncia endo apenas em sua aparéncia, ou seja, desvelaras complexas relagdes sociais produtoras produzidas pelas classes. Ao se constituir distintos espacos direci nnados pelos interesses e pelas possibilidades de cada classe social, constroem-se valores, visdes de mundo e formas de se posicionar no mundo. Essas, na maioria das vezes, se revelam antagonicas, porém sao camufladas pela negagao da existéncia de classes antagonicas, 108 A cidade vai se conformando de forma contraditéria e antago- nica, na medida em que o monop6lio politico e econémico por deter- minados segmentos da burguesia significa a negagao de direitos de amplos segmentos da classe trabalhadora, Além dos antagonismos, a cidade envolve polos que competem entre si tendo como uma de suas expresses mais singulares a projecao do medo de parte dos segmentos da burguesia e da classe média em relagao aos segmentos da classe trabalhadora. 0 medo que outrora foi gerado sobre as classes econo- micamente favorecidas pela organizagio dos trabalhadores" e pala constituigéo de uma identidade de classe, ganhando expresso na ago partidaria e politica, ho} ‘mutada pelo medo ao pobre e “marginal”. Assim, torna-se o produto mais contundente da constituigéo contempordnea das cidades capita- listas, Segmentos da burguesia eda classe trabalhiadora se relacionam. de forma desigual: a primeira nao tem como prescindir da existéncia do segundo, impondo uma relacio, que tem por base a exploracio e trans- organizagdo sindical, na orga AB. Desde o inicio do século XX quando os trabalhadores comegam a se org x em sindicatos, partidos e movimentos socials, despertam nas fragbes de classe economicamente privilegiadas © medo da insurreigdo, da revoltae até 4a revohugio, Todos os movimentos foram historieamente reprimidas, porém continuaram a se organizar eerescer,tornando-se uma ‘ameaca" a ordem social bburguesaestabelecida. 0 marco central da repressio a organizacio dos trabalha- ores foi a ditadura militar, no perfodo de 1964 2 1985, que com a forte repressio sobre os movimentos organizados, contribui para a desmobilizagéo. Na década 4e 1990, com o desenvolvimento das poiticas neoliberais no Brasil, os mov ‘mentos sociais se inserem ems novo momento de refluxo,sendo combatidos nio apenas pela coerso, mas, sobretudo, pela criago de consenso, 109 a subalternizacio dos trabalhadores, Subalternizacao* que acontece tanto pela construgao de consensos quanto pela coergio. Segundo Batista (2003, p.23):“a hegemonia conservadora na nossa formagio social trabalha a difusio do medo como mecanismo indutor e justificador de politicas autoritarias de controle social”, Nessa pers- pectiva, a constituigdo de uma politica publica de seguranca baseada, nna repressio e na criminalizagao da pobreza, assim comoa fragmen- tagiio das politicas pablicas e sociais, do tom da contemporaneidade. As politicas de seguranga piblica se autonomizam do restante da vvida social, como se a violéncia nao fosse consequéncia das relagées sociais e produto da desigualdade e da segregagao socioespacial. Vale destacar que, além da violencia real, também sao produzidos medos, «a partir da mistificago sobre os espacos populares, sua populacio ea dessas sobre os demais teritérios da cidade. A produgio do medo, parte integrante da légica de produgao da inddstria da seguranca, é espetacularizada pelos meios de comunicagéo de massa, contribuindo para a proliferacéo do medo® e para a ampliagio da apartacio social. 48. Vale destacar que o processo de subalterizacio da classe trabalhadora no acontece sem resistencias. Nesse process, diferentes segmentos da classe trabalha dora se organizam e busca reagir sages repressors ea exploracio da burguesta ‘As reagies dos trabalhadores se do de formas distints, por vezes pouco arginicas «nas kimas décadas,em especial nas duasitimas décadas, de forma lentae frag rmentada, devido 20 processo de refluxo dos movimentas organizados. fo, Para Batista (2003, p. 18): “a ideta de trabalhar © medo no Rio de Janeiro sapareceu a partir da experiénelavivida na adbainistragao de uma conjuntura de pinico na cidade durante ano de 1994. Num ano eleitoral, em que um projeto hhegeménico “global” usava todas as suas armas para aprofundar no Brasil um ‘modelo radical de mercado com que Adam Smith nem sonhara,o Rio de Janeiro viveu uma onda de medo gerada pela fabricagio de uma “crise de seguranca iiblica” Em 1992, um arrastio, uma coreograflarealizada por jovens pretos «= pobres no caminho para os desfrutes da Zona Sul é levado ao ar, para todo #9 Brasil, como indicador da implantagio do eaos, do governo da desordem no coragio do pals 0 A violéncia também se torna produto no apenas pela produgio direta da industria da seguranga, que permeia a cidade de cameras, carros blindados e segurancas privados. Mas também se torna merca- doria a ser vendida e espetacularizada pela imprensa. A cidade do Rio de Janeiro é cenario de muitos eventos em que a violencia é “vendida’. So exemplos dessa mercantilizacdo os arrastaes de 1993, 0 sequestro do Onibus 1% (que foi transformado em documentarioe posteriormente em filme), as intervenges do Batalhio de Operacées Especiais (BOPE) ¢,recentemente as ocupa¢des policais* para implantagao das Unidades de Policia Pacficadora™ (UP) nas favelascariocas a partir de 2010, |. A ocupagao pelas orgas armadas pela polciacarioca (ROPE, Policia Civile Militar), do Conjunto de Favelas do Alemio, rcebeu da midia especial atencéo, com a suspensio da programago regular de vras emissoras, entre elas a Rede Globo © a Globo News, para a transmissio ao vivo da ocupagio. Foram mais de doze horas ininterruptas de transmissio da agio que, nos termos do poder Piiblico, devolveria 0 Alemao aos moradores cidade do Rio de Janeiro, 52 As UPP tiveram inicio em 2008, com a Inauguragéo de sua primeira unidade em 19 de dezembro na favela Santa Marta na Zona Sul da cidade do Rio de “Janeiro, Segundo o site da Policia Milita: “a Unidade de Policia Pacifcadora é um nove modelo de Seguranga Pablicae de polieiamento que promove a aprox magdo entre a populace a poiea, aliada ao fortaleeimento de politicas socials _nas comunidades, Ao recuperarterritérias ocupadas hi dcadas por traficantes fe, reeentemente, por milicianos, as UPPs levam a paz as comunidades [.). AS ‘UPPS representam uma importante ‘arma’ do Governo do Estado do Rio ¢ da Secretaria de Seguranga para recuperar teritérios perdidos para o trifico e Teva a inclusio social parcela mais carente da populacéo, Criadas pela atual esto da secretaria de Fstado de Segurang, as UPPS trabalham com 0s prnct pios da Policia Comunitira. A Policia Comunitéria & um conceito e uma esta ‘gia fundamentada na parceria entre a populucio e as instituigdes da rea de seguranca pdblica’.Disponivel em: www policiamilitars gov. Acesso em: 18 de fev, 2012, Ha 6poca da entrevista junto aos presidentes das associagdes de mora does, Maré estava sob a perspectiva de implantagio da UPR, o que gerava um lima tenso e de receio sobre a forma como a policiaentraria e dos possiveis, conflitos com os grupos eriminosos armados. m Também so exemplos da mercantilizacio e espetacularizacio da pobreza e da violencia os filmes “Cidade de Deus”, lancado em 2002 €0s filmes “Tropa de Blite I 1” langados respectivamente em 2007 € 2010. So exemplos de uma divulgacdo estereotipada da favela, que contribul para acirrar a apartagdo ea fragmentagao entre a classes cos territérios da cidade, assim como aguca no senso comum o sent mento de vinganga e de consentimento a punico violenta dos const- derados “fora da orde Como afirma Gramsci O exercicio “normal” da hegemonta, no terreno tornado cls. sico do regime parlamentar,caracteriza-se pela combinagéo da forga e do consenso que se equllibram de modo vatiado, sem que a forga suplante em muito o consenso, mas, 20 contrario, tentando fazer com que a forga pareea apoinda no consenso da maioria, expresso pelos chamados érgos da opinigo paiblica — jornais e associagées —, os quais, por {sso, em certas situagOes, so artificialmente multiplicados (GRAMSCI, 2000 v.3, p. 95) Para Maricato (2008, p.31): “um dos indicadores mais expressivos definitivos da piora nas condigdes de vida urbana é 0 aumento da violéncia a taxas antes nunea vividas pelas metrépoles brasileiras”. Ressalta-se, porém, que apesar da violencia tornar-se um importante elemento da vida cotidiana nas metr6poles, as reflexdes sobre sua superago ainda circulam em uma andlise superficial, centrada nos efeitos e nao nas causas. [A violencia social sempre foi caracterstica das zonas rurais, consideradas atrasadas diante do universo urbano, que se pretende modemo, Dadas suas dimenses, tratase de um {endmeno inédito na sociedade brasileira e desconhecido ante ormente aos anos 80. Ejustamenteno inicio dessa déeada que cle ganha expresso significativa, coincidindo com o primeiro impacto recessivo das décadas perdidas, 0 que levou o pais _mergulhar no desemprego (MARICATO, 2008, p. 31) 1 Nesse sentido, o medo se torna um produto da cidade no atual estigio do desenvolvimento do capital, capaz de movimentar montantes considerdveis, a partir da indistria da seguranga (armas, seguraneas privados, carros blindados, cameras etc.) A relagdo desigual entre as, classes, além da subordinacao dos trabalhadores as relagdes sociais, capitalistas, gera uma forma ainda mais sofisticada e muito contempo- rranea de obter lucro. Assim como os demais investimentos da cidade, também a indistria da seguranca se desenvolve de forma localizada, apenas em alguns territérios, Pelo menos no que se refere A indils- tria legal da seguranga, j& que nas favelas, conta-se com uma segu- ranga informal, ilegal e insegura, do qual siio expresso, os grupos criminosos armados, sejam os tradicionais grupos ligados ao trafico de drogas, sejam os contempordneos grupos criminosos milicianos. Naturaliza-se o desenvolvimento desigual da cidade em todos os aspectos, desde a ocupacio dos territérios, passando pela distribui¢ao dos equipamentos e servigos até a seguranga. Nesse sentido, como afirma Maricato (2008),a modernizacao da sociedade brasileira nao acontece no ritmo esperado de superacio do arcaico; a0 contratio, recria novas formas de atraso, dos quais sio exemplos a produgao do medo ¢ os grupos criminosos armados. Segundo Gramsci 0 que se chama de “opinio publica” esta estreitamente ligado a hegemonia politica, ou seja, € 0 ponto de contato entre a "a sociedade civil" e a “sociedade politica’, entee © consenso e & forga. O Estado, quando quer iniciar uma agéo pouco popular, evia preventivamente a opinigo pablica adequada, ou Soja, organiza e centraliza certos elementos da sociedade civil (@RAMSCI, 2000, v3, p. 265). Nesse contexto, os moradores das favelas invisibilizados passam aser visibilizados, mesmo que de forma genérica, homogeneizadora, estereotipada e representativa. Os “invisiveis’ tornam-se “visiveis’, pelo medo que produzem nos moradores da cidade formal. Visibilidade que am nndo se dé pela sua conformacio de sujeito, mas pelo lugar de “classe perigosa’, que passa a ocupar na organizagao social, tendo por base a repressio ea negacio de direitos. Segundo Pedrazzini: [Nas grandes cidades, 0s bairros pobres sio estigmatizados seus habitantes considerados como grupos birbatos equi pados para atacar o eidadio honesto, Essas representagoe sociais negativas, presentes em todas as cidades do mundo, foram reconstruidas sob o plano coneeitual nos wltimos vinte anos, especialmente através da midia, do cinema e dos pesquisadores, contribuindo para a elaboragio de politcas piiblicas que envolvem os setores de seguranga, policiamento ce urbanismo (PEDRAZZINI, 2008, p. 100) A representagao construida sobre amplos segmentos da classe trabalhadora, a partir do processo de criminalizacio da pobreza e dos, pobres, ganha maior destaque nas duas tltimas décadas reforgando o hiato construido pelo desenvolvimento desigual e combinado do capital. Nesse sentido, apesar de residirem em sua maioria, na favela, amplos segmentos dos trabathadores circulam e trabalham nos demais territérios da cidade, sem, contudo, fazer parte como sujeitos do seu processo de ordenamento, As necessidades dos segmentos subalternizados, assim como seus desejos, séo incorporadas de forma parcial e também subalterni- zadas no ordenamento da cidade. A definigao de espacos, nao apenas de moradia, mas de cultura, lazer ete,, sio marcados pelo processo contraditério das relagées sociais, reforgando um apartheid urbano. Se no inicio do processo de ocupacao das terras, ainda no periodo colonial, a terra valia pelo seu valor de uso, com a vida material se impondo ao resto da vida social, como afirma Santos (2007),a partir do processo de urbanizago tem-se a mereantilizagio do solo. A terra nao vale apenas pelo seu valor de uso, mas essencialmente pelo seu valor de troca. Na medida em que ao solo urbano vao se agregando Mt outros valores ligados,em sua maioria, melhoria da condigéo de vida € a0 bem-estar dos sujeitos que podem usufruir de bens e servigos, ‘mais mercantilizadas se tornam as relagdes sociais na cidade, agra- vando o fosso originario do sistema produtivo, As identidades, representag6es, sentidos e simbolos, dos terri- trios também alimentam o poder. Na anilise dos espagos popu- lares, sojam das favelas ou dos subuirbios, a constituigao de distintos poderes se evidencia no ordenamento territorial embasado em orga- nizagGes legaise ilegais, Além do poder do Estado, geralmente eviden- ciado pelo seu brago armado — a policia,e das instituigées pablicas (escolas, postos eassisténcia social) também se formam poderes nao legais, que acabam por ordenar os territrios com mais efetividade do que o préprio poder legal do Estado, Nesse sentido, identifica-se has espagos populares, o poder das igrejas evangélicas, dos centras sociais, do jogo de bicho, de grupos criminosos armados, de organi- ages sociais entre outros. Vale destacar que dos poderes citados acima, apenas os Centros Sociais néo so encontrados em freas de maior poder econdmico; todos os demais estao presentes em quase todas as partes da cidade, porém com intensidade e poder distinto.Os grupos criminosos armados se concentram territorialmente nas favelas, mesmo que sua ago se desdobre e atinja bairros de classe média e alta da cidade, em especial coma venda de drogas no varejo. Da mesma forma identifica bairros nobres a presenca das igrejas evangélicas e do jogo do bicho, porém sem nenhum poder de ordenamento espacial, como o exercido nas favelas e na regio metropolitana do Rio de Janeiro, 0s poderes que se constituem na cidade, de forma distinta nos, diferentes territ6rios, evidenciam o desenvolvimento da cidade. A cidade ilegal se distancia cada vez. mais da cidade legal, mantendo 6 fosso existente entre entes de uma mesma produgao social. Como afirma Maricato (2008), é impossivel definir os espacos, indepen- dente da sociedade que os produzem: “De fato, ele (o ambiente cons- truido) reflete as relagdes sociais além de participar ativamente de nos us sua reprodugdo. Nesse sentido, é objeto e agente de permanéncias e de mudangas sociais” (Ibid, p. 50) Aconstituigao desigual da cidade, além de produto inerente a logica de organizagao social capitalista, também reflete o crescimento néo planejado das cidades, o que resulta na cidade fragmentada. Odiscurso do universal se contrapée a pritica focal cidade, Como afirma lanni (2004, p. 107): “as erescentes diversidades sociais estdo acompanhadas de crescentes desigualdades sociais”. A partir do discurso universalista, que aparentemente trata os desiguais de forma igual, constitui-se um imaginario da cidade, que se evidencia na constituigio real do espago urbano. O discurso ‘universalista homogeneiza e generaliza a cidade, assim como os espacos populares. A cidade passa a ser vista a partir de dois polos centrais; de um lado, os bairros centrais de classe média e alta, de outro, os bairros pobres. Nessa leitura da realidade social, todos os pobres so iguais, assim como todos os seus espagos de moradia e sua forma de sociabilidade. Nao se admite diferencas, a homogenei- zacio caracteriza a pobreza ea favela. Porém, com a gradativa ocupagao das favelas pelos grupos crimi- rnosos armados, comeca-se a diferenciar a pobreza. Os pobres dos subir- bios nao se identificam com os pobres da favela e em certa medida, recebem por parte do poder pablico tratamento diferenciado, com © maior investimento em equipamentos piblicos. Assim passa-se a diferenciar os “bons” pobres, moradores dos subuirbios, dos “maus” pobres moradores das favelas. E dentro da prépria favela também se estratificam os moradores, jé que o mesmo territério abriga dife- rentes segmentos da classe trabalhadora, Constr6i-se o mito da cidade ideal, simbolo do progresso eda desen- volvimento, produto mercantilizado do desenvolvimento do capital Constitui-se assim a cidade empresa contempordnea, em que a unidade politico territorial deve se adaptar ao processo de globalizacao em curso, elevando-se ao nivel das megacidades mundiais. Essa passa a ser onorte condutor da politica urbana das iltimas décadas nas grandes ada de desenvolvimento da 16 cidades brasileiras, que se evidenciam na cidade do Rio de Janeiro. Accidade empresa, foco de investimentos nacionais e internacionais, tem que ser preparada para a recepcao de megaeventos esportivos — como € 0 caso da Copa do Mundo e das Olimpiadas — e deve seguir 0s padres internacionais de civilidade e de ordenamento territorial ce adaptar de forma definitiva os inadaptados urbanos. Diante da inviabilidade de remover todos os pobres das Areas eentrais da cidade, vio se constituindo novas estratégias contempordneas de apas- sivamento social, 14 quea convivéncia 6 obrigatoria, que seja sob deter- minadas diretrizes. Nesse sentido, o poder puiblico vem sendo eficaz na construgiio de um ordenamento urbano que privilegia a construgiode nnovas moradias, despoluindo um pouco a paisagem urbana, do qual é exemplo o Programa de Aceleragdo para o Crescimento" eo Programa Minha Casa Minha Vida", ambos do Governo Federal. Qutro exemplo emblematico so as UPPs, desenvolvidas como politica de seguranca pelo governo do estado do Rio de Janeiro. 58, oPrograma de Accleragio do Crescimento (PAC), um programa do governo federal, langado em 2007, que previa para os quatro anos seguintes investimentos de infraestrutura nas dreas de babitagho,saneamento e transporte, prioritaria- ‘mente, Além dessas areas também previa recursos para estimular 0 erédito © financiamentos,além de melhorias na érea ambiental, desonerago tributaris «© medidas fiscas de longo prazo.Dispontvel em: www.brasilgoubr\pac. Acesso em 19 mal, 2012, 40 Programa Minha Casa Minha Vida, faz parte do PAC 2, naugurado pelo ‘overno em 2010. Além desse programa, 0 PAC 2 propée investimento nos seguintes projets: energia, cidade melhor, comunidade cidads, agua eluz para todos. Disponivel em: www brasil ovbr\pac. Acesso em: 19 mal. 2012, aw Essas agdes vio ao encontro da necessidade de preparar o ambiente urbano para a recepedo dos megaeventos esportivos™, que vém sendo amplamente debatidos, por conta de suas consequéncias discrimina- torias e excludentes, aos quais estio sendo submetidos os moradores, pobres da cidade do Rio de Janeiro. Os megaeventos séo uma forma contempordnea de imprimir o ritmo da cidade empresa, apontando para ‘um processo de urbanizagdo que, como ocorreu historicamente, priv lea osricos eo capital, intensificando a segregacio territorial e social Apreparacio das cidades para os megaeventos tem se baseado em quatro pontos centrais, a saber 4. Naabertura irrestrita ao capital financeiro para as reformas de adaptagio da cidade; 2, Na intensificagio da especulagao imobilidria, Nas favelas pact- ficadas, o aluguel subiu drasticamente, assim como nos bairros nobres do entorno das favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro; 3. Na intensificag2o da expulsto dos moradores pobres das areas mais valorizadas da cidade, o que acontece de forma violenta, arbitréria com a derrubada de casas sem mesmo os moradores retirarem seus méveis e utensilios e com indenizagoes irrisorias; 4, Na intensificagio da repressio aos movimentos sociais e aos pobres como estratégia de “limpeza social”. No caminho dessa reflexao identifica-se que os megaeventos 0 apenas mais uma das estratégias contemporaneas de revigorar 0 capi- talismo e preparar as cidades para a especulacio, 55. Sio considerados megaeventos sediados no Brasil, que comecam com, Jornada Mundial da Juventude em 2013, passando por eventos esportivos rmundiais como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olimpicos de 2016, Esses eventos foram analisados na esteira do legado pouco positivo deixado pelos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro em 2007, no qual se eriow uma expec ‘ativa por mudangas estruturantes que favorecessem a populagéo das periferias da cidade, o que acabou por ndo se coneretizar us Como afirma Santos: Légicas individuais necessitam de uma inteligéneia geral, « essa intoligéncia geral nio pode ser confiada aos Estados porque estes podem decidir atender aos reclames das popu ages, Entio sio esses governos globais representados pelo Fundo Monetario Internacional, pelo Banco Mundial, pelos bbancos internacionais regionais, como o BID, pelo consenso dde Washington, pelas universidades centrals produtoras de Ideas de globalizagdo e pelas universidades subalternas que aceitam reproduzi-las (SANTOS, 2007, p. 19) As determinagées mais contempordneas da urbanizagio em processo incluem desde agées violentas e repressoras por parte do Estado para seu controle, a criminalizagio da pobreza, a criagio de mecanismos de aceitagao da logica da cidade empresa, integrando de forma subal- ternizada as cidades dos paises de capitalismo tardio a légica mundial, slobalizada. Como afirma Harvey (2006, p. 65) 0 “eapitalismo cria espacos novos para a acumulagao", de forma continua e incessante. Segundo Santos: CCabe lembrar que & economia ea sociedade, a produgio e as condigdes de produgdo, o capital eo trabalho, a mercadoria eo Iucro,o pauperismo e a propriedade privada capitalistarepro- dduzem-se reciprocamente. O pauperismo néo se produz do nada, mas da pauperizaréo. 0 desemprego eo subemprego sio _manifestagées dos Naxos e refluxos dos clos dos negacios. A riséria, a pobreza e a ignordneia, em geral, so ingredientes ddesses processos (SANTOS, 2008, p. 112. Acidade que, na logica da mereantilizagio, nio é considerada como ‘um direito de todos, sendo construfda.a partir da ordem estabelecida ena perspectiva de manutengdo do status quo, agrava as expressoes dda questao social, Nesse sentido, a vida urbana passa a ser expresso de processos contraditérios, conflitos eencontros, entre os diferentes ue segmentos de classe. Segundo Lefebvre (2001, p. 25): “esboga-se uma estratégia global’, que impée produtos a de consumo, impondo valor de troca a cidade e seus equipamentos. Notadamente, os segmentos da classe trabalhadora constroem cestratégias para a garantia de sua existéncia, que passam necessaria- mente pela construcio de sociabilidades construidas no cotidiano, jerem consumidos e formas OS SUJEITOS DOS TERRITORIOS SEGREGADOS: FRAGOES DA CLASSE TRABALHADORA NA FAVELA No século XIX, Marx e Engels (1997) definem como classes essen- ciais do modo de producdo capitalista, a burguesia e o proletariado. [A primeira se caracteriza por ser dona dos meios de producao e do dinheiro ea segunda por ser dona da forca de trabalho, evidenciandoa contradigéo basica da relagio capital x trabalho na sociedade de class. Como vemos na tradigao marxista, a definigao de classe pressupde sua insergo na produgso, da renda gerada pela venda de mercadorias eda consciéncia que se gera a partir das relagdes sociais de producao nas suas mnltiplas determinagées, como ideologia, cultura, politica ete. Além de se referirem as classes essenciais, em algumas obras Marx (2001) e Engels (1997; 2009), discorrem sobre as fragées** que 16, As fragdes sio caracterizadas pelos stints scessos que os segmentos que constituem ume classe, possuem no que se refere a insergio nas relagbes produ tivaseaoacesso cultural eeducacional A burguesiapode ser caracterizada como Industral, fnancera, latifunditia, comercial ete, mesmo que na fase capita lista monopolist, algumas frag6es se inseriam em diferentes ramos produtivos. ‘Assim também se diferenciam of trabalhadores, que podem ser divididos em Aistintasfragdes, como os operarios, trabalhadores do ramo de servigos, taba Ihadores desempregados ete, No caso dos trabalhadores, aém da forma como se inserem nas relagdes de produ, ou sea, do ugar que acupam no sistema produtivo e de sus remuneragio, também é fator importante na diferenciagio entre as fragdes, oacesso a bens cultura (educacdo, cultura strict sensu et). 20 essas classes desenvolvem, demonstrando que nao séo homogéneas. esse sentido, o desafio para uma analise dialética da realidade social consiste em identificar, nos distintos momentos do desenvolvimento capitalista, as fragGes de classe que se forjam, Considerando que o reordenamento espacial e urbano ¢ fruto das relagdes sociais de produedo identifica-se, que nao apenas os territ6- ios so constitufdos a partir das necessidades, demandas e conflitos entre as classes, mas também, novos segmentos de classe. Na perspectiva de compreender os moradores das favelas como um segmento da classe trabalhadora, torna-se relevantea analise de alguns elementos do seu cotidiano, das formas de sociabilidade por eles cons- trufdas, assim como, suas estratégias de sobrevivencia e o lugar que ocupam no ordenamento do capital, Entende-se que os moradores de favela como parte da classe trabalhadora, esto inseridos de forma distinta nas relagdes sociais de producao, como trabalhadores formais e:informais, como exército industrial de reserva e como lumpemprole- tariado, sendo esse iltimo uma parte infima dos moradores da favela, representados em especial pelos dependentes quimicos de crack”, Nesse sentido, busca-se compreender os moradores de favela como um segmento da superpopulagao relativa, caracterizado como exército industrial de reserva, mais especificamente como superpo- pulagio relativaestagnada, Para Marx (2001) a superpopulacio rela- tiva se divide em flutuante, latente e estagnada, que segundo o autor, se caracterizam da seguinte forma: [Nos centros da indistria moderna, fabricas, manufaturas, usinas siderirgicas © minas ete, 0s trabalhadores sio ora repelidos, ora extraidos em quantidade maior, de modo que no seu conjunto, aumenta o nimero dos empregados, embora fem proporgio que decresce com 0 aumento da eseala da producéo. Aiasuperpopulacdo assume a forma flutuante. (..) 7. Os uswarias de crack, em especial as que se encontram em fase svangada ds Adependéncia, passam a perambular pelas ruas sem nenhuma accitagéo de qual: ‘quer tipo de regra socal, m Quando a produgio capitalista se apodera da agrieultura ou rela vai penetrando, diminui, & medida que se acumula 0 capital que nela funciona, a procura absoluta da populacio ‘rabalhadora rural. Dé-se uma repulsio de trabalhadores, {que nao é contrabalangada por maior atragao, como ocorre na indistria nio-agricola, Por isso, parte da populagio rural encontra-se sempre na iminéncia de transferinse para as fileiras do proletariado urbano ou da manufaturaenaespreita de circunstineias favoréveis a essa transferéncia (manufatura ‘aqui significa todas as indistrias néo-agefcolas). Esta fuindo sempre esse manancial de superpopulagéo relativa. Mas, seu ‘Muxo constante para as eidades pressupée no préprio campo ‘uma populagio supérflua sempre latente, cuja dimensio s6 se torna visivel quando, em situagées excepeionais, se abrem todas as comportas dos eanais de drenagem. (..) Aterceira categoria de superpopulacio relativa, a estagnada, constituiparte do exéreitodetrabalhadoresema¢ao, mascom ‘ocupacdo totalmente irregular: Hla proporciona a0 capital reservatdrio inesgotavel de forea de trabalho disponivel. ‘Sua condigio de vida se situa abaixo do nivel médio normal da classe trabalhadora, ejustamente isso torna-a base ampla de ramos especializados de exploragio do capital. Duragio ima de trabalho e 0 minimo de salrio caracterizam sua cexisténcia. Conhecemos ja sua configuragio principal, sob o nome de trabalho a domicilio,(..) A superpopulagio esta: nada se amplia & medida que o incremento e a energia da acumulagio aumentam o ntimero dos trabalhadores supér- fluos (MARX, 2001, p. 745.747, grifo nosso) Nesse sentido, rechagamos a tese", defendida por Nun (1978;2000), de que no estigio do desenvolvimento capitalista do século XX exista 58, A tese defendida por Nun (1978) também € questionada por Kowarick (197 aquedefende quea formagio dos “bairros marginais” éconsequéncia do processo capitalista ¢ seus moradores se estruturam tendo por base as relagbes sociais capitalistas assim como os demais espagos da cidade, ma. uma parcela da classe trabalhadora que nao tenha funcdo na légica do desenvolvimento capitalista Partindo da andlise dos Grundrisse, Nun (1978; 2000), afirma que ‘nos paises de capitalismo tardio, como os situados na América Latina, ‘ capitalismo gera uma massa marginal de trabalhadores, que nao sao absorvidos de nenhuma forma pela economia capitalista. Segundo 0 autor: “foi precisamente para tematizar os efeitos nao-funcionais da superpopulacio relativa (os quais, de acordo com as circunstancias, podem ser afuncionais ou disfuncionais) que introduzi acategoria da massa marginal" (NUN, 2000, p. 46). Seguindo as reflexées de Nun (1978; 2000), identificamos que sua analise parte de alguns pressupostos, mas, essencialmente, parte da reflexo de que determinados segmentos da populacao nao conseguem, vvincular-se a légica de reprodugo do capital, nem como vendedores da forca de trabalho enem como consumidores. Também, nesse sentido, rrefutamos as andlises de Nun, por considerar que nio existe, na orga- nizagdo da sociabilidade capitalista, nenhum segmento populacional que ndo se conformea uma determinada funcionalidade. Certamente, alguns segmentos da classe trabalhadora ocupam fungo® subalter- nizada e aparentemente descartaveis, porém com algum sentido real nna logica de reprodugio do capital. 4. Para Nun (1978), a superpopulagio relativa deve ser analisada a partir de sua funeonalldade na lgca do sistema capitalist, Nesse caminko de andise, © autor distingue a superpopulagdo em funcional, afuncional ¢ disfuncional | superpopulagio funcional & aquela que gera um segmento maior do que 0 necessirio para um determinado momento produtive, mas ao mesmo tempo & condigio para que otrabalhador se desenvolva, como fama improdutiva dos trabalhadores produtivos. A superpopulacao afuncional tem funcio espectica e Aetermina em alguns momentos do desenvolvimento econdmicoe social do cap talismo, como consumidores deexcedentes ete. ea superpopilagio distuncional, rio tem nenhuma fungéo na lpia de desenvolvimento capitalist, seja como produtora de riqueza, consumidora, ou como exéreito de reserva, as Acxisténcia de segmentos populacionais nao inseridos no mercado de twabalho formal nioos coloca na 4 queas relagdes de produgio criam e reeriam formas de apropriagio no s6 da riqueza produzida, mas também da pobreza e da miséria Nesse sentido, a forma como o Estado desenvolve suas agbes pliblicas, em especial na constituigao e desenvolvimento de politicas publicas assistencialistas — e cada ver. mais privatizadas —, contribul para a reproducio da ideologia capitalista e para a acumulagio de hucro ‘Nao inseridos no mercado formal de trabalho, os integrantes desse segmento populacional garantem sua existéncia de formas distintas, seja através de trabalhos informais, de politicas sociais ou da filantropia. Porém, de alguma forma se mantém vivos e ocupam uum lugar ou uma fungdo no desenvolvimento social e econémico,seja como produtores, como consumidores ¢/ou como justificativa para © processo de mercantilizago" do Estado. Refuta-se também.a nocao de que a populagio residente na favela se constitua como o lumpemproletariado contemporaneo. Classificar os moradores das favelas, esse modo, significaria a homogeneizacio 0 desconhecimento de sua estratificagéo interna. Além da conotacio preconceituosa eaté moralista do termolumpemproletariado quando usado em relagio a esses moradores da cidade, desconsiderando 0 processo de pauperismo" amplamente debatido por Marx (2001; 2006). ‘ondigio de disfuncionais ao sistema, ‘Como mercantlizagéo do Bstado compreende-se o processo de privatizagio ce tercerizagio des politica piblicase socias,fazendo com que estas se tornem "uma mereadoria a servigo da acumulacdo capitalist. Para saber mais sobre 0 assunto ver Behring e Boschett (2006) e Behring (2008). 1, Para Marx (2001, 2006), o pauperisme € 0 processo ao qualas diferentes frags da clase trabalhadoraestio submetides & contradigio capital x trabalho, express pela producio social da riqueza e sua apropriagio prvada, Mare dstingue opaupe: "ismo absoluto do pauperismo relativo,sendo o primeiro o processo que leva 0 trabalhador a néo garantir sua existéncia pela venda de sua forga de trabalho. 460 pauperismo reatvo, éconsiderado em relago a desigualdade da renda das classes, 20 crescimento do capital, ao processo de rebaixamento dos sari, garantindo apenas asobrevivéncia do trabalhador de forma aextraira maisali me Na obra “A ideologia Alema”, escrita entre 1845 ¢ 1846, Marx Engels fazem uma breve referéncia ao limpen, quando o define como subproletariado: A eseravatura continuou a ser a base de toda a produgio. Os plebeus, que se encontravam entre os cidadios livres ¢ os ceseravos, nunca conseguiram ser mais que um subproleta riado (Lumpen-proletariat) (MARX; ENGELS, 1979, p. 93). No “Manifesto do Partido Comunista’, escrito por Marx e Engels em 1848, os autores definem olumpemproletariado como: "o produto passivo da putrefacdo das camadas mais baixas da velha sociedade” (1997, p. 24). Marx trabalha com a categoria de lumpemproletariado em varias de suas obras, definindo-o, quase sempre, com uma cono- tacdo negativa: eseéria da sociedade, parte indtil da populacio que nndo tem lugar nas relagdes de produgio. Especificamente na obra ‘As Lutas de Classe na Franga’, escrita em 1850, Marx (1979) trata do himpen associando-o a degeneracao e a devassidao, Nos cumes da sociedad burguess, propagou-se odesenfreado agodamento de satisfazer os apetites malsdos e desordenados, que a cada passo entravam em choque com as proprias leis da Dburguesia, pois onde o prazer se torna erapuleux (devasso], confluem o dinheiro, olodo e o sangue, é que, por uma let natural, procura sua satisfagio a riqueza procedente do jogo. [A aristocracia financeira, tanto em seus métodos de aqui sigdo como nos seus prazeres, nio passa do renaseimento do lumpen-proletariado nas culminancias da sociedade burguesa As fragdes nao dominantes da burguesta francesa clamavam: Corrupcio! 0 povo gritava: A bas les grands voleurs! A bas les assassinost [Abaixo os ladravazes! Abaixo os assassinos!), quando, em 1847, nos paleos mais ilustres da sociedade Durguesa, se apresentavam publicamente os mesmos ‘quadros que em geral levam o lumpen-proletariado aos pros- ubulos, aos asilos, aos manicémios, aos wibunais, a0 presidio 0 patibulo (MARX, 1979, p.114). 2s.

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