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Do complexo rural aos complexos agroindustri: Introdugio (© tema central deste capitulo & o processo hist6rico de passagem © elemento fundamental desse proceso desenvolvimento do mercado interno no capitalismo, Resumidamente, “o proceso fundamental da criago do mercado interno (quer dizer, do desenvolvimento da produgdo mercantile do capitalismo) & a di social do trabalho. Apéia-se cm que da agricultura se separam, um apés outro, diferentes tipos de transformagio das matérias-primas (¢ diferentes operagées dessa transformagio) e formam-se ramos industriais com existéncia prépria, que trocam seus produtos (que agora ji sto mercadoriasy por produtos da agricultura, Dessa mancira, a prépria agricultura se transforma em indkistria (quer dizer, em produgio de mereadorias) ¢ nela se opera idéntico processo de especializagio" (Lenin, 1974: 54), isto Lenin foi o primeiro autor que, no grande debate realizado no final do século passado, separou claramente o problema tedrico-abstrato (1) Teabatho em co-autoria com Angela Kageyama. Publicado originalmente como material ddteo para os eursos do Instituto de Economia UNICAMP em 1987, da realizagao do problema hist6rico-conereto dos mercados.” Para ele, 0 desenvolvimento do capitalismo mao precisava de um prévio mereado intemo. Na verdade, os mereados vio sendo criados & medida que proprio capitalismo se desenvolve, pela ampliagio da divisfio social do trabalho na sociedade, € nese proceso de crescimento ganha importincia o consumo dos bens intermedidrios necessérios & expansio da propria produgio capit Como colocar a questio do desenvolvimento do capital no eampo dentro desse contexto? Mais especificamente, que transformagées ovorrem na agricultura no modo capitalista de produgie? O principio geral é 0 mesmo: um aprofundamento da divisio social do trabalho. Foi a partir da proletarizagio do camponés a da destruigao de sua economia natural que se criaram as bases para o desenvolvimento do modo capitalista de produgao, processo sintetizado por Marx (1971, v. 1: 404) os s -guintes termos: “O fundamental de toda divisio do trabalho desenvolvida © processada através da troca de mercadorias & © campo. Pode-se dizer que toda a hist6rica econdmica da sociedade se resume na dindmica dessa antitese (...)." Conelui mais adiante: “O modo de produgio capitalista completa a ruptura dos lagos primitives que no comeco uniam a agricultura ¢ a manufatura. Mas, a0 mo tempo, cria as condigées materiais para uma sintese nova, superior, para @ unizo da agricultura e da inddstria, na base das estruturas que se desenvolveram em mitua oposigio.” “Com a preponderancia cada vez. mator da populagzo urbana que se amontoa nos grandes centros, a produgio capitalista, de um lado, concentra a forga motriz histériea da sociedade e, do outro, perturba o interedimbio material entre homem e a terra, isto é, a volta A terra dos elementos do solo consumidos peto ser humano (...). violando assim a eterna condigio natural de fertilidade permanente do solo (...). Mas, 20 destruir as condigdes naturais que mantém aquele interedmbio, eria a (2) Para uma sintese diditica desse debate. ver Miglin (1981), em ecpeciat capitulo 11 A nova dindmica da agriewlura brasileira 3 necessidade de restauré-lo sistematicamente, como lei reguladora da produgio ¢ em forma adequada ao desenvolvimento integral do homem” (Marx, 1971, v. 1: 578). Na verdade, a separagio cidade-campo nto é senfo a forma aparente que assume o proprio desenvolvimento capitalista da agricultura centendido num sentido amplo. Em seu inicio, o artesanato doméstico era um complemento das atividades de familia camponesa; 0 desenvolvimento do mereado interno no capitalismo destréi num primeiro momento essa harmonia para recrié-la posteriormente, nao mais com base nas condligdes naturais em que ela ocorria, mas sob condigdes fabrieadas, produzidas pelo préprio homem. Siio, portanto, dois processos: um de destruigo da economia natural, pela retirada progressiva dos vérios componentes que asseguravam a “harmonia” da produgdo assentada na relagio Homem- Natureza (e suas contradigées); © 0 outro, de uma nova sintese, de monia” ~ também permeada por novas contradigaes ~ baseada no conhecimento e no controle cada vez maior da Natureza © na possibilidade da reprodugio artificial das condigées naturals da produgdo ageieola. A esta pars industrializagdo da agricultura. recomposigiio de uma outra “ gem se denomina “A separagio da cidade/campo s6 se da por inteiro quando a inddstria se muda para a cidade; a reunificago, quando 0 préprio campo se converte numa fébrica, Quando isso ocorre, & agricultura entendida ‘como um ‘setor autonomo” desaparece; ou melhor, converte-se num ramo da prépria indiistria (..)” (Graziano da Silva, 1981: 43) 0 longo processo de transformagio da base téenica ~ chamado de modemizagia — culmina, pois, na prépria industrializacdo da agricultura. Esse processo representa na verdade a subordinagdo da Natureza a0 capital que, gradativamente, liberta 0 processo de produgao agropecuaria das condigées naturais dadas, passando a fabricé-las sempre que se fizerem necessérias. Assim, se faltar chuva, irriga-se; se no houver solos suticientemente férteis, aduba-se; se_ocorre responde-se com defensivos quimicos ou biolégicos; ¢ se houver ameagas ds inundagées, estario previstas formas de drenngem pragus © dongs, 4 José Graziano da Silva “A produgio agropecuaria deixa, assim, de ser uma esperan sabor das forgas da Natureza para se converter numa certeza sob 0 comando do capital.” “O que interessa realgar aqui 6 que a agricultura se industrializa esse processo, isto & toma-se um setor subordinado ao capital, integrado grande produgao industrial. Dito de outra maneira, a agricultura se transforma num ramo de aplicagao do capital em geral e, de-modo particular, do capital industrial que Ihe vende insumos e compra as mereadorias ai produzidas” (Graziano da Silva, 1981: 44), Note-se que no se est atividades agropecuérias propriamente ditas a um “sistema de miquinas” mas sim a sua integragdo a grande indtistria. E fundamental assinalar que © conceito de industrializagdo da agricultura nio deve ser reduzido apenas a alteragdes na forma de produgao decorrente da maior integragio industrial que apenas A grande mudanga da dinémica agricola verificada no Brasil desde w séculu XIX até hyje nav € sais que um caso concrete dk proceso geral, que adquite aqui os contornos especificos jé referidos: is aos CATs complexos nn (3) Ver, a respeito, Nepoteoni (1981), em especial o capitulo 8 (As méqui A nova dindmica da agricultura brasileira 5 Em linhas gerais, a dindmica do complexo rural era determinada pelas fluuagées do comércio exterior. Mas a produgio agricola para exportagio ocupava apenas parte dos meios de produgio disponivei (recursos naturais, mio-de-obra eserava e bens de capital) sendo a outra parte destinada & produgo de bens de consumo para a populagao local ¢ dos préprios bens de produgiio. No interior das fazendas produziam-se nio 86 as mereadorias agricolas para exportagio mas _ também manufaturas, equipamentos simples para produgdo, transportes ¢ habitagio. Em outros termos, a divisto social do trabalho era incipiente, as atividades agricolas e manufatureiras encontravam-se ligadas, grande parte dos bens produzidos s6 tinha valor de uso, no se destinando ao mercado. O mercado interno praticamente inexistia, A crise do complexo rural € © surgimento do novo complexo cafeciro paulista ~ = significaram 0 desenvolvimento do mercado de trabalho ¢ a constituigio do mercado interno. Foi um longo processo que ganhou impulso a partir de 1850, acelerou-se apés a grande crise de 1929 com a orienta a economia no sentido da industrializagZo e se consolidou nos anos 50 ‘com a intemnalizagio do setor industrial produtor de bens de capital & insumos bisicos (D1). A partir dai completa-se o proceso geral de industrializagio ¢ sc inicia 0 processo espeeifico de industrializagdo da agricultura, qual seja, o de montagem do Dy agricola ¢ o do proletariade rural, que responderiio pelo fornecimento de capital ¢ forga de trabalho, respectivamente, para a nova dindmica da acumulaga0 de capital no campo. O novo centro dinfmico da economia ~a indstria e a vida urbana a condicionar suas imultineo ao proceso de substituigao de importagées — impde suns demandas ao setor agricaln e pass: transformagées, que vio conduzindo ao dominio dos complexos, agroindustriais, ‘A partir da crise dos complexos rurais e da mudanga dos deierminantes da dinamica da agricultura ~ que fundamentalmente passam do mercado extemo para 0 mercado interno ~ no se pode mais falar num Gnico determinante, nem numa tinica dindmica geral, nem num \inico “setor agricola”. A agricultura brasileira hoe € uma estrutura complexa, heterogénea e multideterminada. $6 se pode entendé-Ia a partir de seus va iados segmentos conatitutivos (como 05 CAIs, por exemplo), 6 José Graciano da Silva com suas dindmicas especificas e interligadas aos setores industrinis fornecedores de insumos e processadores de produtos agricolas.* E importante assinalar que no proceso de desarticulagio do complexo rural e constituigio dos CAs a agricultura perde sua regulagao geral, 9 que era dada pelo mereado externo/mereado interno. E isso mpc uma participagao cada vez maior do Estado no sentido de formular poltticas especificas para cada complexo agroindustrial, com um duplo ‘objetivo. Primeiro, de restabelecer uma regulagio geral, na medida em que o Estado passa a definir os principais parimetros para a rentabilidade dos capitais empregados nesses distintos ramos. Segundo, como érbitro das contradigdes que se intemalizam nesses novos complexos, como, por exemplo, a fixagio de pregos e margens dos produtos intermedisrios, a fiscalizagio da competi¢ao oligopélica, o estabelecimento de cotas (especialmente no caso das exportagées) etc. Isso se reflete, por exemplo, na composigao do Governo, que apropriado no apenas pela burguesia ‘enquanto classe proprietaria dos meios de produgio, mas por lobbies de interes corporativizagdo (ou privatizagao) do proprio aparelho de Estado, pectficos deste ou daquele setor, tendendo a uma 1.1 A decomposigio do complexo rural (1850/1945) Nesta segiio procuramos idemtificar os principais mecanismos que resultaram na decomposigao do complexo rural a partir de 1850, ano em que se profbe efetivamente o trifico negreiro € se implanta e Lei de Terras no Brasil. Como se apontou rural era a sua incipiente di nteriormente, 0 que caraeterizava © complexo isdo do trabalho. As fazendas, para produzir (4) E interessante notar que, mesmo em termos contibeis,o setor agricola passou a significar apenas um agregade macroccondmico sem muita utiidade analitea. Ou sje, nfo ¢ a partir do “todo” que se definem as alfquotas, mas, ao contrério, & @ partir da somatia contibil(e até certo pontoarbitrria) das partes que se define o odo. Assim, por ‘exemplo, a Conta Agricultura no Orgamento Geral da Unido ¢ obtda a partir da definigio do subsidio ao wigo, ao agticar € a0 alcool, das necessidades de formagio dos estonves reguladores de carne outros produtos, das imponagdes de ete, te A nova dindmica da agricultura brasileira 7 um determinado produto, tinham que produzir todos os bens intermedidrios € os meios de producto necessérios, ¢ ainda assegurar a reprodugao da propria forga de trabalho ocupada nessas atividades. O complexo rural internalizava nas fazendas um “departamento” de produgio de meios de produgao (insumos, méquinas ¢ equipamentos), mas “um D; assentado em bases artesanais” (para usar a terminologia de Rangel) com o ferreiro, o earpinteiro, 0 pedreiro, © mecanico, o domador de animais, 0 seleiro, ete. A dinfmica do complexo rural ert muito simples. Havia geralmente apenas um produto de valor comercial em todo 0 circuito produtivo: cra 0 produto destinado ao mercado externo. Se seu prego estivesse “hom”, os recursos da fazenda (homens, animais de trabalho, terras) eram realocados de modo a incrementar a produgao de exporta Se © prego no mercado internacional cafsse, esses recursos eram deslocados para as atividades intemnas, destinadas basicamente a subsisténcia da forga de trabalho e & reprodugio das condigées mat da unidade produtiva, Em outras palavras: $6 tavia © mercado externa, dado que as atividades que deveriam resultar na formagio do mercado interno estavam “internalizadas” no fmbito do préprio complexe mim (Paim, 1957), passo fundamental que desencadeou a crise do complexo rural foi a transigio (forgada pelos capitais internacionais) para o trabalho livre, a partir da suspensio efetiva do trifico negreiro depois de 1850. [Nessa época o café era nosso produto fundamental de exportagio, Na verdade, a agricultura brasileira era o café. Nas varias regides cafeciras do pais, todavia, essa transigo para o trabalho livre dew resultados inteiramente diversos, como explica Cano (197). No Rio de Janeiro, os velhos eafezais foram liquidados. No Nordeste, a transigio et quase que formal, uma vez que os antigos eseravos permanec’ proprledades como “moradores de cundigio". Eur Minas Ge Espitito Santo, a transigZo levou ao estabelecimento das relagées de 1s madlalidavles (meia, texea, ete.) ¢ A constituictio de um grande contingeme de pequenas propriedades dedicadas & produgio de géncros alimenticios para a atividade urbana da regio ¢ para o pareeria em sua 8 José Graziano da Silva nto da Capital Federal. em Sao Paulo, particularmente no Oeste do estado, a partir de 1870, que encontraremos um novo regime de trabalho ~ 0 colonato — a partir da incorporacio das unidades familiares de imigrantes. O novo sistema, que foi denominado de complexo eafeciro paulista por Wilson Cano, nio era nem monocultor nem latifundistio. O colono, que era um trabalhador assalariado temporitio (na época da colhcita), produzia parte de sua propria subsisténcia na roga familiar a0 ‘mesmo tempo em que gerava excedentes de produlos.alimenticios comercializiveis na propria regifio, Dessa mancira, 0 complexo cafeciro, a0 contririo do complexo rural, criow um amplo mereado para bens- salirio e permitiu que Fosse ampliada substancialmente a divisio social do trabalho. A prépria atividade agricola da fazenda do café se especializou: 0 desmatamento ¢ 0 plantio do cafezal (inclusive os viveiros) passaram a ser atividades separadas, realizadas pelos “fubricantes” de fazendas de café. Eram grandes proprietirios comereiantes de terras que, por forga de suas ligagdes privilegiadas na estrutura politica local, dedicavam-se A apropriago da “tenda do fundador” nas atividades agropecuérias. Todavia, era ainda muito ipiente a divisio do trabalho (especializagJo) que o complexo cafeciro permitia no interior das préprias atividades agricolas, pois continuava “intemalizada” a produgio dos insumos © meios de produgdo: esterco, serraria, criago de animais de trabalho, construgio de casas de moradia, estradas, como também a reprodugo de parte significativa da prépria forga de trabalho representada pela familia do colono. Mais importante que isso foi a demanda urbana que o complexo ‘cafeciro engendrou, como bem mostra Cano. As necessidades eunniciais € financeiras para a comercializagio ¢ a expansio das. atividades agricolas, a necessidade crescente de novos meios de transporte com 0 deslocamento da produgio de café do Oeste, bem como a necessidade de novas méquinas ¢ novos equipamentos (de beneficiamento, por exemplo) © de outros insumos (sacos de juta, por exemplo) fizeram com que 0 ‘complexo cafeeiro engendrasse fora da fazenda de café atividades complementares como os bancos, as estiadas de fex1u, a Fil etc., atividades que foram, em grande medida, finan excedentes acumulados pelos préprios fazendeiras de café A nova dindmica da agricultra brasileira 9 Mas por que isso nflo ocorren no fimbito do complexo rural que também dispunha de excedentes? Porque apenas com o surgimento do complex cafeciro paulista criaram-se as novas oportunidades de investimento resultantes da ampliagdo da divisdo social do trabalho ~ ou, da separagio cidade/campo — no bojo da qual se implementou um processo de substituigio de importagdes. Aproveitou-se assim uma “oportunidade histériea” ~ conjugando a disponibilidade de excedentes com a oportunidade de novas inversdes que 0 complexo cafeciro gerou. A “raziio econdmica” disso foi bem precisada por Rangel (apud Paim, 1957: 11): somente ocorre “um aumento da divisdo social do trabalho quando, no ato de tentar a substituigdo de importa procura de fatores liberados pelo setor exportador ¢, om conseqiiéncia, retira fatores antes empregados cm ambito natural”. Em outras palavras, a expanstio das atividades “nio-agricolas” engendradas no scio do complexo cafeeiro paulista ndo podia mais ser satisfeita internamente nas proprias fazendas, obrigando a um aprofundamento da divisiio do trabalho ¢ "delegando" novas fungées ts cidades. Hstabeleceu-se assim, a partir do complexo caleeiro paulista, uma mudanga fundamental, com a passagem de uma economia rural fechada e asventada em bases naturais para uma economia aberta e um mercado interno que comegava a estruturar-se a partir das indéstrias montadas nas cidades, mas ainda voltadas & demanda dos segimentos da propria agricultura, Dat Rangel insistir que o processo de substituigo de importagdes que se seguiu foi fruto da industrializagio no 0 contrério, como muitas vezes se diz. Os elementos dindmicos, os agentes causais, foram as mudangas operadas no scio do complexo cafeeiro, que deram origem & industrializagio brasileira; a possibilidade de substituir importagGes ajudou, permitindo estimular 0 proceso por dos mecanismos cambiais. 8, a economia suscita a mei Vale a pena assinalar que a “oportunidade histérica” no se colocaria mais como alternativa para os outros complexos rurais a partir do momento em que Sio Paulo se consolida como nucleo dinamico do proceso de industrializagio. A divisio regional do trabalho que se cstabelece a partir dat implica a definigéo do uma “periferia” que so cexplica basicamente em fungio de seu “atraso histérico” em rela nico, até que se altere o padrao de acumulagio. Como explica 10 José Graziano da Sibva Cano (1985), antes do processo de integrago do mercado nacional 0 ital comercial dominava o padrdo de acumulagao nas diversas células exportadoras regionais, 0 que no consegue ser rompido no momento em {que se deflagra a industrializagao, Essa “periferia” nao consegue competir ‘com a economia de Sio Paulo, de base capitalista mais avangada, porque seu préprio desenvolvimento histérico havia sido duplamente problemético: sua integrago 20 mereado internacional na fase primério- exporiadora era débil e as relagdes capitaistas de produgo nio haviam se instalado, ou sua existéncia era ainda precétia, Perdida a “oportunidade histériea” de uma industrializagao auténoma, a “periferia” id manter seu atraso relativo ao longo de todo 0 periodo da industrializagio. Persiste assim © espago comandado pelo capital mereantil até que © potencial de acumulagao do capital industrial leve-o a invadir aquele espago © a concentragio c a centralizagiio forcem a expulsio do capital mereantil para sua érbita especifica, De forma andloga, a modemizago agricola da “periferia” 6 problemética: dada a desigualdade na origem (pelo maior avango do complexo cafeciro paulista), as regides periféricas ~ basicamente Norte e Nordeste, Minas Gerais ¢ parte do Centro-Ueste ~ no conseguem atingir © grau de modernizacao da agricultura paulista ou sulina. Apesar do ritmo acelerado de incorporago do progresso técnico, tas regides niio elevam proporcionalmente os niveis de produtividade, alargando as disparidades regionais. O esforgo de modernizagio empreendido pelas regiées periféricas nao ¢ suficiente nem para clevar sua participagio no produto agricola nacional nem para reduzir os contrastes regionais de produtividade, Esse esforgo no é proporcionalmente recompensado Porque a base de acumulagiio mais ampla, a magnitude e a concentragao do capital © © avango das relagécs socinin capitalistas das regides desenvolvidas propiciam efeitos de “ressondncia” que aumentam seu potencial de crescimento, enquanto na periferia essa base € muito mais estreita e precéria, bloqueando a propria difusio dos efeitos da modernizagio.® (5) Ver, arespeta, Kageyama (19863). Anova dindmica da agriculura brasileira n ‘Assim, permanece um clevado grau de heterogeneidade na agricultura, obviamente impedindo que se generalize para todas as regides € para todos 0s produtos a mesma varidvel (ou conjunto de varidveis) determinante da dinamica, Dada a importineia do complexo cafeeiro paulista, tanto no processo de industrializagio como na configuragio da agricultura capitalista no Brasil, esse serd o caso tratado a seguir, Evidentemente, a ies apresenta periodizagoes © formas proprias, 0 que demanda outros estudos espectticos, evolugo no complexo rural A lenta decomposigao do complexo rural iniciada em 1850, com a lei de terras e a proibigtio do trafico, termina um século depois, com a implantago do D, em buses industriais modernas. Ao longo do proceso vio se separando, gradativamente, novas atividades que constituiram novos setores a partir do complexo rural: * 0 periodo 1850/90 caracteriza-se pela gradativa redugao do trabalho eseravo e a introdugo do trabalho livre nas fazendas de café do Oeste paulista, © resultado final é a constituigiio de um novo complexo ~ 0 cafeciro — que mantém ainda internalizada (em bases artesanais) a produgiio de meios de produgd0 para as fazendas de café (casas, equipamentos, animais de trabalho, etc.) e de parte da forga de trabalho (a roga de subsisténcia do colono). Todavia algumas atividades jé se separam do complexo cafeciro, quebrando aquela rigida estrutura autarqu cria-se um sctor independente de formadores de fazendas de café; separam-se também alguns pequenos produtores de alimentos ¢ de pequenas inddstrias rurais (principalmente aguardente) para abastecimento das cidades e vilas que se formavam; desenvolve-se a produgio de algodio com base nas relagdes de parceria ¢ articulada na indiistria txtil, que j4 nasce como grande indiistria em 1880; ¢ criam-se atividades manufatureiras nas cidades (oficinas de reparo, manufawuras de lougas, chapéus © yutius bens de consumo nilo- duriveis); a do complexo rural © 0 periodo de 1890 a 1930 constitui 0 auge do complexo cafeeiro, ames da grande crise. Ampliam-se as atividades tipicamente urbanas ¢ outros setores comegam a emergir do complexo cafeciro: cria-se um setor 12 José Graziano daa Silva artesanal de méquinas ¢ equipamentos agricolas fora das fazendas de café para produgdo de sccadores, despolpadoras, penciras, enxadas, arados ctc.; aumentam as oficinas de reparo © manutengo; estabelecem-se as primeiras agroinddstrias (distintas das inddstrias rurais, que eram um ‘mero prolongamento das atividades agricolas propriamente ditas) de dleos vogetais, agiicar € alcool; consolida-se a indiistria téxtil como a primeira grande indistria nacional; ¢ se inicia a substituigao de importagdes de uma ampla gama de bens de consumo “leves"; * 0 periodo 1930/60 ¢ a fase de integragio dos mercados nacionais (de alimentos, de trabalho © de muatérias-primas, terminando com a constituigao do Dy industrial a partir de meados dos anos 50, na chamada fase da industrializagio pesada. Ao longo desses 30 anos, o complex eafeeiro, que abrira espaco para a industrializagio, vé esse processo ganhar um dinamismo prdprio pelas novas possibilidades que se abriram com a substituigto de importagdes. E foi principalmente © eafé que financiou esse processo por meio dos mecanismos de dilerenciagao cambial que protegiam as indtistrias nascentes do pais, & custa de um confisco estabelecido sobre 0 prego da saca exporiada, A partir da formagio de mercados nacionais para os principais produtos agricolas ¢ para a forga de trabalho e da constituigdo do Dy em bases a agricultura brasileira inicia sua propria 1.2 As formas tradicionais do crescimento agricola Até 0 terceiro quartel do século XIX, a economia natural teve um grande peso no nosso processo de crescimento econ6mico: entre 1806 ¢ 1850 a populagio brasileira cresceu 127%, enquanto © valor real das ‘exportagdes aumemtava apenas cerea de 30% (Paim, 1Y9/: 42), Isto quer dizer que a populagdo crescia “mas a incapacidade do pais para importar doterminava que intimeras ntividades do consumo fossem atribui produgao direta”, no ambito da economia natural, A nova dindmica da agriculwra brasileira B ‘A partir de 1870, com a franea expansio do comércio exterior € © conseqiiente aumento da capacidade para importar, o complexo rural sofreu um processo de abertura © reajustamento que significou a desagregagio da economia natural, Para se ter idéia da intensidade desse processo de abertura, basta comparar erescimento relativo das exportagdes no periodo de 1850 a 1889 com o dado acima referido para a primeira metade do século XIX: entre 1850 € 1889 as exportagdes brasileiras cresceram 440%, ao passo que 0 incremento demogréfico foi 86% (Paim, 1957: 43). Nessa nova fase a economia brasileira passou por um profundo proceso de reajustamento, com a formagdo de estabelecimentos industriais e © inicio do desenvolvimento do mercado intemo, paralclamente 8 especializagio das fazendas nos produtos de exportagdo & A substituigio da miio-de-obra escrava pelos colonos. Aprofundavaese a so social do trabalho, com a sepa ampo-cidade e agricultura- indiistria, A dindmica do crescimento agricola, entre 1850 ¢ a crise de 1929, 6 ainda marcadamente influenciada pelos movimentos do mercado externo. A despeito do erescimento do mercado interno propiclado pelo inicio da o ¢ pela substituigio do escravo pelo trabalhador livre, os produtos exportéveis (notadamente 0 café €, com menor peso, 0 jear ¢ © algodio) ainda comandavam o ritmo de incorporagao das novas terras agricolas e as flutuagdes da renda agricola como um todo, Como observam Villela & Suzigan (1975: 38), “o crescimento da economia brasileira, pelo menos até o final dos anos 20, dependia basicamente da expansio da produgao agricola, Lsta representava cerca de 80% do total do valor adicionado pela agricultura e inddstria e, em grande parte (68% em 1907 © 36% em 1919 © 1939), era destinada & exportagio. Até pouco tempo antes da Primeira Guerra Mundial, 0 Pai importava cerca de 13% do consumo aparente de produtos agricolas”, Ao mesmo tempo em que programa de sustentagio do café contribufa para acentuar a monocultura cafecira, as crises periddicas do comércio exterior favoreciam a diversificago da produgZo agricola para o mercado interno. “Mas foi s6 depois da débdcle dos programas de sustentagao do café, em fins de 1929, seguida da depiessay econdmica, que se deram as mais industrial 4 José Graziano da Silva importantes modificagdes nas tendéncias ¢ estrutura da produgdo agricola no Brasil. A Tabela 1 ilustra a grande mudanga na composigdo do valor da produgao nesse periodo. Em 1907 cerca de dois tergos da produgio agricola foram destinados ao mercado externo mas jd em 1919 e: parcela se reduzia pela metade (cerca dle 36%). Paralelamente observa-se nos primeiros 20 anos do século XX uma quadruplicagio do valor da produgio industrial intema, que passa a suprir mais de 70% do mercado intemo em 1919. Em 1939 0 valor da produgio industrial jé ultrapassado significativamente o da produgio agricola. Por outro lado, 0 café, que do comeco do século até 0 trignio 1930/33 representava mais de 60% das exporiagies brasileiras, cai para 48% entre 1934/39 © para 32,5% das exportagdes entre 194045. shela t Valor de produgio, exportagdes importagbes do Brasil em 1907, 1919 ¢ 1939. (valores em 1.000 contos de réis¢ porcemtagens) Valores 190719191939. ‘Valor aa peng agree 7.170616 11.706 Exportaglo de produtossgricolas 795 1.655 4.290 ‘% da produgao agricola exportada 619361367 Valor da produgao industrial T2989 17479 Importagio de produtos industriais 590 Lies 4425 ‘Se deimportagies industria! consumo aparente 446 260 202. Font: Villela & desde 0 inicio do sécuilo a produgto agricola para o mercado interno vinha crescendo modestamente, em fungio das crises do café, com destaque para 0 urroz ¢ 0 eharque, © que se refletiu em répida queda das importagdes desses dois produtos. © erescimento do mercado interno nstalacdo dos mi hos refletiam-se num erescimemto acclerado das 3 de trigo em grio. importa Na verdade. até a década de 30 0 determinant: mais forte da dindmica da agricultura do mereado interno ainda estava preso as flutuagdes do mercado externo para 0 café. Até 1929 0 café ainda ‘A nove dindmica da agriculura brasileira 1s representava quase metade do valor da produgao agricola do pats, caindo para cerca de 16% desse valor no perfodo 1939/45 (ver Tabela 2). ‘Tuhela 2 ‘Composigio do valor da produgio agecola, 1925/29 a 1930/43. Brasil em poreentagens) médias dos periodos Prods SoG TOSS Algodion Anroz Cacau Cana-de-agdear Feijao Fam Mandioea Mitho Trigo Outros oat ir 1091000 Fonte: Villela & Soaigan (1075: 171) Comparando a composigio da produgdo a de 1925/29 com 1939/43 nota-se um processo de diversificagio agricola mais equilibrado, ganhando peso 0 algodio (gracas ao notdvel crescimento dessa cultura em, bases capitalistas no estado de So Paulo) e algumas culturas de mercado interno (alimentos), Em 1925/29 0 café respondia por 71,7% das exportagdes brasileiras, enquanto © algodao participava com apenas 2,1%%; entre 1935 © 1939 a participagio do café caia para 47.1% © a do algodiio aumentava para 18,6%. Esse movimento de diversificagio da produgZo agricola - pelo crescimento da produgio interna de alimentos ¢ matérias-primas ~ deu-se multaneamente a uma queda das exporugdes de cafe, en conseqiiéncia, da capacidade para importar. Paralelamente, a necessidade do constanter desvalorizagdes cambiais ¢ controle da, merrada rl divisas favoreceu a industrializagio, fazendo com que os efeitos negatives da 16 José Graziano da Silva depressio fossem menos agudos sobre a produgdo industrial do que sobre a produgio agricola. Com isso, a expans industrializago tornou-se © estimulo 2 agricultura de mereado interno, ‘cujo erescimento prossegue em bases firmes apés a depressio dos anos 30, ao Jado da queda continuada das lavouras de exportagao. Pela Tabela 3 verifica-se que na de 20 a produgio de culturas para mercado interno cresceu cerca de 16%; na déeada de 30, quase 26% c, entre 1940 € 1947, quase 37%. As culturas de exportacio tiveram sua produgio fisica aumentada em 95% na década de 20, 19% na década de 30 ¢ uma iminuicio de 14% no periodo 1940/47. jo do mercado interno provocada pela “Tabela3 Indices de produto real do ser agricola 192047, Brasil indices de quantidade de Laspeyres. 1939-100). Caltoras de Matiriasprimas — Culturas de Produgio Anos mercado arauso—_exportagio animal inno industri ederivados 1520 764 ¥ 1925 702 498 1930 938 821 1931 818 619 1932 BAL 1933 349 1938 1935 1936 106.3 1937 09.2 1938 1064 m9 100.0 1940 1017 oat 10433 wag 1062 1933, 1049 1944 1017 193 oso 1946 u37 1947, 1156 Pome” Vila & Surigan (19730123), (6) Ver Villela & Surigan (1975, cap. 6), ultura Brasileira v A nove dindmica da ag Assim, a ruptura representada pela crise de 1929/33, ao mudar os, determinantes da dinimica da economia nacional ~ que passam a residir nna capacidade produtiva interna -, comeca a mudar também a dinamica da agricultura, a partir do mercado interno criado pela urbanizagao. Paralelamente, a oferta de alimentos vai deixando de ser exclusivamente dependente dos excedentes da pequena produgtio, embora ainda basicamente dependesse dela, Como parte dese movimento, as antigas | mereantil vo se formas de subordinagao do sistema econdmico ao capi rompendo, dando lugar a uma vagarosa metamorfose do capital, com 0 industrial saltando & frente. A agricultura, no entanto, permanccia atrelada Aquelas velhas formas em vastas regides do pais (como o Norte ¢ 0 Nordeste). A agricultura paulista, dnica para a qual a crise transformou-se em clemento dinamico, ai um salto de diversificagao na década de 30 (em special algodio e agicar), saindo renovada da crise. Mas, excetuando a cafeicultura e a cotonicultura em Sao Paulo, em que se incorporaram algumas methorias téenicas, o resto da agricultura continuava a crescer nos moldes tradicionalmente extensivos. 13. A transigao no pés-guerra: a modernizagdo da agricultura © crescimento com base no aumento das areas cultivadas perdurou até o final da década de 60, aproveitando-se das fronteiras préximas aos polos mais urbanizados do Centro-Sul. Entre 1930 ¢ 1950, a Grea de lavouras aumentou 6.356 mil hectares no Brasil; entre 1950 © 190U cresceu 9.017 mil hectares ¢, na deeada de 6U, mais de 3.272 mil hectares de lavouras foram incorporados. O estado do Parand, que em pava com 7.1% da drea de lavouras do pas, aumentou sua para 12,0% em 1960 e 13,9% em 1970, contribuindo com 3.360 mil hectares adicionais de lavouras nese periodo (0 que corresponde a cerca de 23% do aumento total da drea de lavouras do pais). Contribuiram sobremaneira para que a expansio da fronteira se cfetivasse com tal rapidez. no perfodo a ampliagao da infra-estrutura de 18 José Graziano da Sitva transportes c o aumento da oferta interna de veiculos motorizados’ (0 que ndo deixa de ser um aspecto importante da “internalizagaio do Dy para agricultura”), f verdade que o cresclmonte ‘agricola, ‘ainda que: apoiado fundamentalmente na expansio da rea cultivada_e em formas tradicionais de tecnologia, lentamenteincorporava—_algumas transformagées. Do lado da produgio, 0 fato mais importante de 1930 a 1950 foi a diversificagio de produtos e, especialmente, a passagem da Enfase do mercado externo para o mercado interno; do lado da cireulaczo, 6 clemento crucial foi a integrago do mercado nacional, viabilizada em grande medida pelo desenvolvimento da rede de transportes (na década de 50 em especial o transporte rodovirio). Quanto as formas de produ, as mudangas parecem ter sido mais lentas. Até 1960 quase 70% do pessoal ccupado na agricultura ainda era mio-de-obra familiar e de parceiros, agregados e outras formas tradicionais; entre 1940 e 1950 0 niimero de tratores utilizados na agricultura brasileira eresceu de apenas 3.380 unidades para 8.372 unidades, mas na década de 50 verifiea-se um grande salto, chegando a 1960 com 61.345 tratores utilizados nos estabelecimentos agropecusrios. Mas até esse ano a oferta interna de tratores era nula, dependendo inteiramente das importagSes. Entre 1950 e 1960 foram importados 82.684 tratores (de rodas), mas j4 em 1964 a produedo interna supria 90% da oferta, erescendo para 99% em 1970. N: década de 60 as importagdes caem para 13.553 unidades e a produgdo interna atinge 88,925 unidades. Em resumo, durante a década de 60 a produeao interna de tratores foi responsivel por cerea de 87% da ofert total de tratores de roda no pats A partir do pés-guerra, a0 lado do crescimento extensivo da produgio a agriculiura hnsiloien implementews de forma mais decisiva — especialmente do ponto de vista da al — um processo de ‘modemizagdo de sua base técnica, © termo modemizagdo tem tido uma utilizagio muito ampla, referindo-se ora as transformagées capitalistas na base técnica da produgio ora a passagem de uma agricultura “natural” para uma que (1) Ver Samncesinyi (1981). A nove dindmica da agricultura brasileira 10 utiliza insumos fabricados industrialmente. Neste texto 0 termo modernizagio sera utilizado para designar o processo de transformagao na base técnica da produgio agropecudtia no pés-guerra a partir das importagées de tratores e fertilizantes mum esforgo de aumentar a produtividade. Embora do lado da produgio os determinantes da dindmica da agricultura tivessem sido deslocados para 0 mercado interno, do ponto de vista das transformagées de sua base técnica ela ainda permanecia atrelada ao mercado externo, pois sua modernizagio dependia da capacidade para importar miquinas © insumos, Ao. cont primérdios do complexo rural, que tinha sua produgao de equipamentos, rudimentares ¢ de insumos intematizada e seu mercado final no exterior, nesse “periodo de transi¢o” a agricultura internaliza em grande medida seus mercados de destino, mas passa a depender do exterior ~ ¢ portanto io dos das exportagées, da capacidade de endividamento externo e das politicas comerciais © eambial ~ para importar miiquinas e insumos. Em outras palavras, a tendén * produrir se internalizava gradativamente em fungio das exigéncias do mercado nacional, mas os instrumentos nocessirins para produzir — on seja, 0 “como” produzir — ainda dependiam das iniciativas individuais c pioneiras das produtores. Hoje pode-se dizer que a forma de produzir é imposta por instincias externas & unidade produtiva (como os pacotes teenoldgicos difundidos a partir da economia norte nao sobreviver no mercado, umericana), que se vé compelida a adoté-ta sob pena de A preocupagio governamental com o aumento da produtividade agricola com auxilio de tecnicas modemas de cultivo data do segundo periodo Vargas, quando se reconhece a necessidade de montar uma santos © miquinas agricolas. As condigSes para atingir esse propésito eram contudolimitadas, especialmente no caso das miquinas, A partir de 1953 ocomeu uma considerivel substituigdo de importagio de fertitizantes (em particul fosfatos), mas as importagdes ainda permancciam elevadas, favore: por um sistema de taxas miltiplas de cambio que perdurou ate 1961 20 José Grasiano da Silva S6 com 0 Plano de Metas, do periodo Kubitschek, foi possivel realizar a meta para fertilizantes, tendo a produgio nacional sido consideravelmente fortalecida. Quanto & maquinaria agricola, a indistria nacional teve um “arrangue extremamente lento” na segunda metade dos ‘anos 50, s6 vindo a consolidar-se de fato a partir de meados da década seguinte (Stolcke, 1986). Nos anos 50, portanto, tem infcio um processo de modernizacdio da agricultura que, embora considerivel, no. podia deslanchar completamente devido as dificuldades de internalizagio do Dy. Como observa Verena Stolcke, apesar do destocamento do centro dinamico da economia do café para a indiistria, o setor cafeeiro nao perdeu sua proeminéneia econémica e¢ politica de imediato: “de fato, a industrializagao por substituigo de importagdes dependia grandementc, em seus recursos, das cambiais obtidas com o café e, nos anos 50, a participagZo do produto nas ganhos do coméreio exterior mais uma vez aumentou notavelmente” (Stolcke, 1986:176). © processo de modemizagio, ao mesmo tempo em que mercantilizagao intra-sctorial da agricultura, promove a substituigao de elementos internos do complexo rural por compras extra-setoriais (méquinas ¢ insumos), abrindo espago para a etiagdo de indiistria de bens de capital ¢ insumos para a agricultura, como se verd mais adiante. Mas enquanto depende da importagiio dos elementos de sua nova base 16e ‘a modernizago vé-se restringida pela capacidade de importar, 0 qui sua vez, dificulta 0 desenvolvimento pleno das ligagdes intersctor “para a frente”, isto é, da agricultura como fornecedora dem primas para a agroinddstria. Embora desde 0 inicio da industrializagio brasileira a agroindsstria — notadamente a téxtil ¢ a alimentar — tenha tido unr pesu selevante, 96 a partic da inermalizagay do Dy & que ele deslanchard de forma definitiva. Na Tabela 4 sio apresentados alguns dados sobre a modernizagao agricola no perfodo de transig2o (1950/60), onde se destaca o aumento do isn de tratores em relagia & fea total recenseada. Na verdade, de todo 0 perfodo 1940/80 & na década de 50 que se observa a maior varia relativa da drea média por trator: ha uma queda de 27.737 hectares para Anova dindmica da agricultura brasileira 21 4.073 hectares por trator, ou seja, um deeréscimo rel no atingida em nenhuma outra década, Mas, como jai re 0 de 85%, cifra altamos, isto se deveu a um movimento de incentivo as importagdes de tratores, que se efetuou sobre uma base muito restrita, © que em termos s provocou grande mudanga, Pode-se salientar, para contrapor-se a isso, a absoluta do nimero de tratores nas décadas de 60 € 70, ja com base na produgio interna: 104.525 © 157.243 novas unidades respectivamente, em comparagio aos 52.973 tratores incorporados ma dgcada de 50, Quanto ao uso de insumos, 0 tinico dado disponivel & sobre fertifizantes, mo ano de 1960: apenas 13,2% dos aigropecusrios utilizavam algum tipo de adubagio (qui ‘orginica),indicando 0 restrito grau de modernizagio desse ponto de vista. estabelecimentos ica cfou processo de modemizagao reflete-se na clevago do consumo ltura, que indica a erescente dependéncia da agricultura de compras industriais para a produgio de suas mercadorias. intermedifrio na agri ‘Tabela d [Niimero de hectares nor tatore porcentagem de estabelecimentas agropecuirios que ullizm ferilzanes, Brasil 1940, 1950 ¢ 1960 Tndieador 1940 1950, 1960 Tieetares de area total por ator 38407737 SCT ‘estabclecimentos com usode ferilizantes nud. nd. 132 Fonte: Censos Agrolas © consumo imermedidtio € © valor de tades os insumos que entram no proceso de producio (excetuando a forga de trabalho). Inclui as despesas com sementes, defensivos, fertilizantes, rages medicamentos para animais, aluguel de méquinas, embalagens e outros itens que possam ser considerados matérias-primas ou produtivos. \sumos 22 © aumento da participagio do consumo intermedidrio no valor bruto da produgao significa que esta depende cada vez mais de compras (intea e intersetoriais) para que possa se efetivar. Em outras palavras, 0 processo de produzir se torna cada vez mais complexo, mais dependente da produgio de outros setores da economia, mais intensivo no uso de capital fixo e circulante. A participagdo do consumo intermedidrio no valor da produgio pode entio ser vista como um indicador-sintese do processo de modemizagio: quanto mais complexa a base técnica da produgo, com a utilizagio erescente de insumos (quimicos, fisicos © biolégicos), maior tende a ser a proporgio do consumo intermedisrio na producio. Tabela 5 na agricultura, como % do valor bruto da produgio ‘Brasil 1939780 Consumo interme To ‘Gonsunno itermodiario 7 Tadices VP (em) (1939=100) @ o) © @ 1939 Be Toe 1949 laa 108 1954 int BLS 1959 16 P00 1965 1808 1968 2a 2108 1970 30.l 276 2123 1975 3a 2646 1980 387. 2077. Fontes Ga) Ribeivo & Ghovenver (1980), com base nas Contes Nacional (b) Ider, com base na revisio das Contas Nacionaise pesquisa de ‘campo da FGV. () Kageyama (1864) (@) Nos anos de 1959 e 1970 considerou-seo dado da série mais recente Isso pode ser visto claramente na Tabela 5, onde 0 consumo intermedidrio. esta expresso como porcentagem do valor bruto da produgdo agropecudria. De menos de 15%, em 1949, ele passa a representar 23,5% na metade dos anos 60, saltando para quase 40% em. 1980. Nore-se que a Intensificagio do erescimento do consumo A nova dindmica da agriculura brasileira 23 intermedisirio na agricultura dé-se a partir de meados dos anos 60, fase que denominamos de “industrializacto da agricultura”. Entre 1959 e 1965 0 indice passa de 131,5 para 180.8, principalmente porque a bas cem 1959 6 ainda pequena (17,1%, na média dos dois valores). J4 a part de 1965 nota-se um erescimento mais firme do indice, mesmo a partir de tuma base maior. E nesse periodo que a “industrializagio do campo” deslancha, ji sobre uma base suficientemente ampla, com efeitos, qualitativamente mais complexos sobre o processo de produgio agricola, 14. A internalizagio do D, ea industrializa novo padriio agricola, 1965/85, da agricultura: 0 Viirios autores jf se referiram a um novo padrlo de dinamica da agricultura que emerge em meados da década de 60 no Brasil Bemardo Sor), por exemplo, centrando o enfogue na constituigio do complexo agroindustrial ¢ nos novos papéis do Estado no padrio agricola p6s-60, observa que a partir dessa década ha uma quebra nos mecanismos de integragio da agricultura no padrio de acumulagio industrial, que ira exigir uma reorganizaglo da agricultura a partir da intervengio do Estado dos novos grupos chamados a orientar a produgio a iaeio. Agora a dinfmica da agricultura estard determinada pelo padrio de acumulagao industrial, centrado no desenvolvimento dos complexos agroindustriais, ¢ a agio do Estado nesse contexto orienta-se para a modemizagio da agricultura, visando integri-la a0 novo circuito produtivo liderado pela indiistria de insumos © processamento de materia-prima ¢ gerando as condigées infra-estruturais necessdrias & expansio do conjunto do setor. warfcola © a renovagio das estruturas de do Surge assim um novo padrio agricola, —orientado. fundamentalmente “para a integragdo vertical e para o ineremento da produgio através do aumento de produtividade, embora sem chegar a substituir totalmente o antigo padrao de expanso agricola. A produgaio tradicional nfo é, nem poderia ser, imediatamente substituida, como também se mantém o padrio de expansio horizontal através da ocupagao da fronteira, Esse tipo de expansio passa, porém, a adquirit um novo cardier na medida em que se di conjuntamente com a expansio vertical, 24 José Graziano da Silva isto 6, a expansio da fronteira passa a se integrar de forma crescente com 4 expansdio do complexo agroindusirial” (Sor, 1980: 69). Para Geraldo Milller, 0 fato mais importante que permite delimitar a década de 60 como um marco de um novo padrao agricola é a io do complexo agroindustrial (CAD) brasileiro a partir da negagao do predominio do complexo agro-comercial até entio existente A constituigio do CAT surge como produto da modernizagio; a partir da ‘a manutengdo © a expansio do CAL passam a constituir o principal vetor da modernizago da agriculura, A partir de 1964, no perfodo de “industrializagao expandida”, dois fatos importantes impactam a estrutura produtiva do CAI brasileiro: a diversificagio das exportagies (industria ¢ agroindustriais) ¢ a substituigdo localizada de importagdes de matérias- primas estratégicas (petr6leo, matérias-primas para fabricagio de papel e outras). expansdo das agroindtistrias processadoras como da internalizagio da ida, sse impacto produziu efeitos diretos no CAI, tanto do lado da produgio de parte considerdvel dos fertlizantes, herbicidas, fun; cos, Paralelamente, o choque Jom que © pats s© lance “a produgto de éleool vacinas para animais ¢ outros insumos qi do petrSleo de 1973 fae combustivel, produzindo um impacto descomunal na agroinckistria de agiicar e dleool e na agricultura” (Miller, 1986: 352). Essa interpretagdo poe em evidéncia duas idéias fundament de que a produgdo agricola passou a constituir um elo de um cadcia, negando por completo as antigas condigées do complexo rural fechado fem si mesmo ¢ em grande parte as do complexo agro-comercial prevalecente até 0s anos 60; e que o proceso de constituigdo do CAI ¢ da industrializacdo da agricultra, que & um momento mais avangado da modernizagio ~ 6 se péde efetivar a partir da implantagao da “indiistria do departamento fomecedor de miquinas ¢ para a agricultura”, isto é insumos para a agricultura A cstrutura © 0 crescimento do CAI na década de 70 podem ser apreciados pelos dados da Tabela 6, A nova dindmica da agriculoura brasileira 25 Tabela 6 steutura¢evolugo do CAL brasileira na dgeada de 70 Tniiswiapanca——Agrcalura ——_Agiodisra Car sgrcalura (a) o © wos Ta” oe teal tara taal gl To 93 wa a2 i ns. 17 AKL 58394862100 os 72 737 KO 4k t00 700. 35. os 99 10. ‘Nous a) ots weirs do stor Mesinia; 3 subaioes da Quimica; umm subsatorde Prodaior ‘Alimentares (age) by Lavon, horiricabra, slvieuur, prdugo animal eextroqo vegeta 2} Nove stores agroindastiais (22 subseore) {Taxa geometrien al nos periodo, em porcentagem. ©pPartcipagio no ttal do CAT em eada ano, em valor. ome: Maller (1986: 357), ‘A Tabela 6 permite as seguintes conelusdes: * perfodo de “arranque” dos complexos pode ser localizado no inicio da «década de 70, quando as taxas de crescimento dos trés grandes setores do CAL ultrapassam 15% a0 ano €, considerando toda ad para agricultura foi 0 setor que mostrou o maior dinamismo; cada, a indhstria ‘+ a produso agropeeuiria propriamente dita teve uma participagio declinante no total do CAI, chegando a representar apenas 38% do valor total produzido pelo CAI, em 1980, indicando a perda do peso da agricultura (em sentido estrito) no total do s © por sua vez, a inckistria para a agricultura (Jratores, defensivos, fertilizantes, produtos veterinérios, ragées ete.) aumentou sua participago no CAI (de 9,3% para 12,7% do total entre 1970 ¢ 1980). m resumo, a estrutura e a evolugao do CAT na década de 70 refletem de forma clara a nova dinamica agricola do perfodo recente: uma dindmica que no pode mais ser apreendida s6 a partir dos mecanismos internos da prépria atividade agricola (como a propriedade da terra, a base técnica da produgio, a fronteira), nem a partir da segmentagao do 26 José Graziano da Silva mercado interno versus externo.* Trata-se agora de uma dinimica conjunta da inddstria para a agricultura-agricultura-agroinddstria, elemento que da unidade as diversas atividades dos complexos agroindustriais € que todas elas sio atividades do capital, com uma regulago macroecondmica mais geral. As ligagdes intereapitais no sio apenas t wanceiras. A compra de insumos pela agricultura, por exemplo, impie-se a principio como necessidade técnica, mas implica de imediato a necessidade de financiamento, Este nfo seri mais tarefa de agentes isolados (como era o comerciante-prestamista), © sim do sistema financeiro instalado, © qual se torna um pardmetro a soldar © movimento da agricultura com o movimento geral da economia. Em outros termos, a modemizagao da agricultura requer a existéncia de ido (concretizado inicialmente no SNCR) ilizada e, ao mesmo tempo, esse sistema passa a ser fundamental na soldagem dos CAls com o movimento global da acumulagio, nnieas, mas sobretudo Especificamente no que se refere a0 capital financeiro na dindmica da agricultura, o trabalho de Guilherme Delgado aponta os aspectos mais importantes. O corte adotado pelo autor na periodizagio do desenvolvimento agricola recente situa-se no final dos anos 60 ¢, particularmente, no ano de 1965, com a institucionalizagio do Sistema Nacional de Crédito Rural ~ SNCR. Aquele momento pode ser snvolvimento © a considerado como a ruptura do antigo estilo de de implantago de um novo padrdo agricola, resultado da conjugagio de alguns fatores fundamentais: a consolidagdo integrada com complexo agroindustrial © as mudangas na base técnica de produgio agricola comandadas pelo complexo; a intensa urbanizagio ¢ 0 répido crescimento do emprego nao-agricola, com pressoes sobre a demanda de produtos versificagio das exportagdes; ¢, a organizagio do SNCR e a politica de crédito rural como principal veiculo do projeto modernizador para a agricultura. agricolas; o crescimento ¢ a nalmente, (8) As indistrias do Dy para a agrcultura, por exemplo, fazem parte dos CARs mas poulem ter sua dindmica acoplada & pedpria agricultura(sementes ¢ mquinas) ou a outros es ¢ defensives, cuja dinimies deponde esiretamente da india quimiea). eins (case pico as fe A nova dindmica da agricultura hrasitetra 2 © conceito-chave por tris desse padrio mais recente de desenvolvimento da agricultura & 0 de integracdo de capitais, isto 6 0 proceso de “centralizagao de capitais industria, bancérios, agrarios ete., que por sua ver fundit-se-iam em sociedades andnimas, condominios, cooperativas rurais e, ainda, empresas de responsabilidade limitada, integradas verticalmente (agroindustri 0 objetivo da integragio & a busca da taxa média de lucro do conglomerado (...)” (Delgado, 1985: 143) ou agro-comercia Esse proceso traduziu conglomeragiio empresarial, por meio de fusdes, organizagio de holdings, cartéis ¢ trustes, entre grandes grupos econdmicos “dirigidos por uma espécie de cabega financeira que se cruza com os bancos e outras instituigdes financeiras do conglomerado, os quais imprimem diregio & aplicago dos capitais em distintos mereados” (Delgado, 1985: 130). E importante lembrar que um desses mereados — 0 de terras — passa a ter papel de destaque nese processo, ou scja, a propriedade da terra, ao permitir ganhos especulativos © ganhos de fundagio (nas novas dreas de fronteira incorporadas ao mercado), tornou- se um ativo alternativo para 0 grande capital. O resultado desse processo, conhecido como “territorializag " dados seguintes”” om da burguesia”, pore ser rado pelos, * considerando os maiores proprietarios rurais em cada estado do pais (0 0,1% maior, incluindo todas as propriedades de 10.000 hectares ow mais), destacam-se virias empresas industriais, financeiras_¢ comerciais, como por exemplo a Light Servigos de Eletricidade S.A., a Cia, Sidenirgica Belgo-Mineira, além das grandes reflorestadoras igadas a industria (Aractuz Celulose S.A., Florestas Kio Doce 5. Klabin Florestal); # seis das dex primeiras empresas privadas nacionais em 1985 sio também grandes proprietdrias de terras — to grandes a ponto de aparceer entre © 0.1% superior no estado onde esté instalada a propriedade, ou porter esta mais de 10.000 ha; (0) Ver Kageyama (1986:63-6)

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