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Pecequilo 2017
Pecequilo 2017
2017v24n38p339
Resumo: Desde o fim da Guerra Fria, a política interna e externa dos Estados
Unidos apresenta tendências de polarização política e fragmentação partidária,
que colocam em xeque a continuidade de consensos sobre a agenda doméstica
e as relações internacionais. Neste contexto, exacerba-se a transformação social
e econômica originada ainda nos anos 1970 que indica o rearranjo de formas
políticas em um país cada vez mais dividido. Neste quadro, fenômenos como
a ascensão dos neoconservadores, a polarização programática dos partidos, a
renovação e a continuidade, sobrepõem-se. O objetivo do artigo é compreender
e discutir estas dinâmicas, apontando suas principais características no século
XXI e de que forma as mesmas levaram à eleição de Donald J. Trump como
presidente dos Estados Unidos.
Abstract: Since the end of the Cold War, United States internal and external
policies are presenting trends of poltical polarization and party fragmentation,
that put into check the continuity of consensus in the domestic agenda and
international relations. In this context, the social and economic transformation
that begun in the 1970s still is heightened which points to the reconfiguration
of political forces in a country which is getting more and more divided. In this
framework, phenomenon such as the rise of neoconservatives, the polarization
of partidary projects, renewal and continuity, overlap. The goal of the article
is to understand and debate this dynamics, presenting the main characteristics
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Revista Esboços, Florianópolis, v. 24, n. 38, p. 339-359, dez. 2017. 340
of the XXI century and how it led to the election of Donald J. Trump as the
President of the US.
Introdução
Em 08 de Novembro de 2016, a confirmação da vitória do candidato
republicano Donald J. Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos,
foi apresentada midiaticamente como uma surpresa. Entretanto, a confirmação
da ascensão de Trump não pode ser classificada como atípica ou inesperada,
uma vez que as pesquisas de opinião pública apontavam um empate técnico
entre o republicano e a candidata democrata Hillary Clinton poucos dias antes
do pleito. Tal empate ocorria nos chamados “estados de batalha” (battleground
ou swing states no original), cuja tradição de alternar votos entre os dois
partidos majoritários, democrata e republicano, torna-os decisivos na corrida
eleitoral2. As previsões de vitória poderiam ir para qualquer um dos candidatos,
e a possibilidades de Trump eram concretas.
A expectativa democrata era de que a ofensiva final do partido liderada
pelo Presidente Barack Obama nestes estados, nos quais se incluíam Flórida,
Pensilvânia, Michigan e Ohio3, pudesse manter o domínio conquistado em
2008 e 2012. Entretanto, esta tendência não se manteve em 2016 e Clinton não
foi capaz de conquistar estes votos chave, o que selou sua derrota no Colégio
Eleitoral. Neste Colégio, Trump conquistou 306 de 538 votos, enquanto Clinton
ficou com 232. Contudo, no voto popular Clinton conquistou 48,5% dos votos,
quase 3 milhões a mais do que seu adversário.
Paradoxalmente, o candidato que mais criticou o “sistema de
Washington” foi o que mais dele se beneficiou. Repetia-se, sem todas as
controvérsias e acusações de fraude, o cenário das eleições presidenciais de
2000 que apresentaram esta distorção: vitória do candidato republicano George
W. Bush no Colégio Eleitoral e vitória do democrata Al Gore no voto popular.
Até o século XXI, esta disparidade voto popular-voto eleitoral ocorrera pela
última vez em 1888. Agora, em quinze anos, pela segunda vez a distorção
existia, indicando que a mobilização das bases partidárias nos estados de
batalha demonstra-se mais essencial do que uma mobilização popular ampla
nos estados maiores.
Repetiu-se, também, o silêncio relativo da população que preferiu sair
às ruas para protestar contra a figura pessoal de Trump (com cartazes “não é
meu presidente”) e não contra o mecanismo disfuncional que priva as urnas
de sua voz. Com isso, em Janeiro de 2017, Trump assumiu a Casa Branca de
forma legal e legítima, sendo considerado um “ponto fora da curva”. Entretanto,
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mais do que uma eleição atípica, a ascensão de Trump pode ser vista como
uma trajetória esperada de um país imerso em contradições sociais, políticas
e econômicas a mais de três décadas. Uma observação atenta da agenda de
campanha de Trump (e mesmo da dinâmica de democrata), indica elementos
de continuidade com discursos prévios anti-globalização, isolacionistas,
racistas e xenófobos que se reproduzem na política estadunidense desde o fim
da Guerra Fria.
Diante deste cenário, é preciso compreender o porquê do fenômeno
Trump, examinando a evolução republicana e democrata no pós-1989, o
choque entre a incapacidade de renovação e a proposta de renovação agressiva
na política que emergem desta evolução e as contradições da Era Obama
(2009/2016). Por fim, apresentam-se algumas perspectivas e consequências da
presidência republicana, com base em uma breve avaliação de seus primeiros
seis meses.
Considerações Finais
Desde o fim da Guerra Fria os Estados Unidos são um país dividido,
que expõem cada vez mais explicitamente contradições cujas origens datam
das transformações sociais, políticas e econômicas que se desenrolam desde os
anos 1970. Essas transformações provocam oscilações eleitorais e demandas
polarizadas de parte da população que tem sido absorvidas pelos partidos de
maneira diferente e com diversos graus de eficiência. No legislativo, a vantagem
tem sido majoritariamente republicana, mesmo no senado que apresenta fases
de equilíbrio, e no executivo, à exceção do período Obama, a dinâmica também
os favorece.
Se Trump reverterá todas as políticas domésticas de Obama ou se não
conseguirá permanece em aberto, mas as primeiras sinalizações no campo
dos direitos civis, sociais e meio ambiente indicam que o sucesso tem sido
razoável. O mesmo se aplica a questões internacionais. A retórica e a prática
parecem caminhar no sentido de trazer prejuízos à liderança norte-americana,
baixando sua eficiência pelo unilateralismo e belicismo como em W. Bush.
Mas, em termos abrangentes, permanece em debate se representa uma quebra
definitiva do Consenso da Guerra Fria quanto à hegemonia liberal. As medidas
pontuais de Trump contra aliados e o multilateralismo poderão representar uma
desconstrução hegemônica mais ampla?
Classificar Trump como neoconservador, conservador ou um carona
(free rider) do Partido Republicano indica que o atual presidente poderia se
inserir com mais facilidade no terceiro nível. A instrumentalização de Trump de
ambos os discursos, e sua síntese no que foi definido no texto como renovação
agressiva, revelam a eficiência de um político carismático e assessores de
marketing, que souberam captar a insatisfação de parte do eleitorado, identificar
os pontos fracos dos democratas e atuar pragmaticamente para ganhar a eleição
nos estados de batalha. O discurso demagógico anti-política e anti-sistema
foi muito bem explorado por Trump e sua figura de empresário e outsider
(lembrando que Clinton em 1992 e Obama em 2008 fizeram o mesmo). No
sistema estadunidense, o voto popular importa pouco quantitativamente, e sim
qualitativamente, e os republicanos conseguem explorar esta dinâmica melhor
que os democratas.
Nenhum movimento político é homogêneo, seja o neoconservador, a
esquerda do Partido Democrata, ou o centro conservador e liberal de ambos
os partidos. Não há um ponto fora da curva, mas sim mudanças e adaptações
a novas conjunturas políticas, sociais e econômicas, com maior ou menor
eficiência. Trump apenas soube ser eficiente e responder com críticas e soluções
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Notas
Recebido em 06/04/2017
Aprovado em 22/09/2017