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SOCIOLOGIA NO ENSINO MILITAR.

AS IDAS E VINDAS DE UMA CIÊNCIA


SOCIAL NA FORMAÇÃO DE OFICIAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO1.

GOMES, Wellington Ferreira2


Departamento de Ciências Sociais PUC-Rio(http://www.cis.puc-rio.br/)

Uma ciência que hesita em esquecer seus fundadores está perdida.


É característico de uma ciência, em seus primeiros estágios ... ser ao mesmo tempo
ambiciosamente profunda em seus objetivos e trivial no manejo dos detalhes.
Porém, aproximar-se muito de uma teoria verdadeira e dominar sua aplicação exata,
são duas coisas bem diversas, como nos ensina a História da Ciência. Tudo quanto há
de importante já foi dito por alguém que, no entanto, não o descobriu.

Alfred North Whitehead


The Organization of Thought

RESUMO

O presente trabalho tem a intenção de apresentar a evolução histórica da sociologia no ensino


militar brasileiro, isto é, suas idas e vindas nas escolas militares, analisando a linha traçada de
sua institucionalização como disciplina num ambiente acadêmico-militar de formação de
oficiais de carreira do Exército Brasileiro. Busca apresentar, ainda, o conhecimento das
políticas de inserção da sociologia na educação militar por parte da elite do Exército, que
vigoraram em diferentes períodos de nossa história e contextualizadas com a conjuntura
política e social de cada momento histórico. Adverte-se que o presente trabalho está em
andamento e não tem o propósito de esgotar o tema, considerando que há grandes
possibilidades de pesquisa sobre a sociologia no ensino militar do Exército ou nos demais
estabelecimentos de ensino das Forças Armadas do Brasil.

Palavras-chave: Ensino de Sociologia-Brasil. Ensino Militar. Escolas Militares.

ABSTRACT

The paper present intends to present the historical evolution of sociology in brazilian military
education, that is, its comings and goings in military schools, analyzing the line drawn from its
institutionalization as a discipline in an academic-military environment for the training of
career officers of the Brazilian Army. It also seeks to present the knowledge of the policies of
insertion of sociology in military education by the elite of the Army, which were in force in
different periods of our history and contextualized with the political and social conjuncture of
each historical moment. It is warned that the present work is in progress and does not intend to
exhaust the subject, considering that there are great possibilities of research on sociology in
military education of the Army or in other educational institutions of the Armed Forces of
Brazil .

Keywords: Teaching Sociology-Brazil. Military Education. Military Schools.

1
Este artigo faz parte de uma pesquisa em desenvolvimento no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
2
Mestrando em Ciências Sociais pela PUC-Rio; professor da Cadeira de Sociologia na Academia Militar das
Agulhas Negras.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca apresentar a evolução histórica da sociologia no ensino
militar brasileiro, analisando a trajetória de sua institucionalização como disciplina num
ambiente acadêmico-militar de formação continuada 3 de oficiais de carreira do Exército
Brasileiro. Neste trabalho, buscou-se também o conhecimento das políticas de inserção do
ensino da sociologia nas escolas do Exército por parte da elite militar, nos diferentes períodos
históricos do Brasil e contextualizadas com a conjuntura política e social de cada momento.
O interesse pela pesquisa originou-se da leitura e análise de trabalhos acadêmicos que se
dedicam, exclusivamente, sobre a evolução da sociologia no ensino civil, no contexto da
educação brasileira. Fruto disso, verificou-se a completa ausência do estudo desta ciência social
no ensino militar, apenas fazendo menção, na maioria dos trabalhos, da Reforma Benjamin
Constant, de 1890, que implanta a sociologia nas escolas militares, assim sendo, o
desenvolvimento de uma disciplina acadêmica no ambiente militar, como a sociologia, merecia
ser pesquisado a fim de conhecer a sua história dentro da História do Exército Brasileiro.
Para melhor elucidação deste trabalho, o artigo foi organizado em quatro partes: na
primeira, foram apresentadas a origem das primeiras manifestações do ensino de sociologia nas
escolas militares do Exército; na segunda, tecem considerações relativas ao longo e árduo
caminho da primeira fase de institucionalização da sociologia no ensino militar; na terceira
parte, a pesquisa se desdobra em duas vertentes, a primeira se debruça no estudo da sociologia
na Escola Militar do Realengo, e outra na Escola de Comando e Estado-Maior; na quarta parte,
foram analisados os dados referentes à implantação da sociologia na formação de oficiais do
Exército, do século XXI. Por fim, nas considerações finais, apontam algumas percepções sobre
o tema e a necessidade de aprofundamento e fortalecimento das pesquisas relacionadas à
educação militar.

1. GÊNESE DA SOCIOLOGIA NO ENSINO MILITAR


No Brasil, a evolução da sociologia tem sua iniciação, como ciência social, no contexto
da história da educação brasileira, a partir do período oitocentista e se distingue em três fases
sucessivas: a primeira, se estende da segunda metade do século XIX até o ano de 1928, fase esta
anterior ao ensino e à pesquisa dessa ciência no Brasil, onde predominaram correntes de
pensamento como o positivismo de Auguste Comte e o evolucionismo de Herbert Spencer,
cujas as obras nesse período são de natureza mais literária do que sociológica; a segunda fase

3
A formação continuada na educação militar significa que o oficial, durante a carreira, perpassa por diversas
escolas militares.
percorre do fim da década de 1920 até o ano de 1935, que corresponde à fase da introdução do
ensino de sociologia como disciplina nas instituições de ensino secundário e superior do país; e
a terceira envolve a combinação do ensino e da pesquisa acadêmica nas atividades
universitárias no Brasil, se estendendo desde 1936 até o momento presente(AZEVEDO, 1957).
Segundo Oliveira(1990), foi na primeira fase da sociologia no Brasil que a elite
intelectual brasileira acatou aquelas ideias da cultura ocidental e que veicularam uma filosofia
da história que possibilitava a integração do mundo moderno à visão científica, isto é, ao estado
positivo. Nesse contexto, verifica-se que as correntes de pensamento do século XIX também
chegaram às instituições militares brasileiras, conforme se observa no trecho a seguir de
Motta(2001, p. 146):
Sim, para o Exército o progressismo acenava, também, as suas bandeiras. Queria ele
ampliar-se e renovar-se. Fez-se analítico e crítico. O ‘bando de ideias novas’ que
Sílvio Romero viu adejando sobre o País penetrou nas escolas militares, sob a forma
do positivismo e do evolucionismo, empolgou lentes e alunos, inspirando novas
concepções de currículo e de programas de ensino, conduzindo a uma atitude de
crítica em face da realidade nacional. E, naturalmente, das escolas essas ideias
passaram para os quartéis, sensibilizando os oficiais jovens e lançando-os na ação
política. A um país inquieto e indagador corresponderia um exército ávido de
soluções novas, de novos rumos para a vida nacional.

Entretanto, segundo Motta(2001, p. 137), “até 1874, essa influência, se existiu, foi
superficial e esporádica, nunca chegando a marcar uma tendência nem a imprimir ao ambiente
escolar a sua feição”. Sobre isso, o general Paula Cidade (1961) comenta que a literatura dos
alunos era ampla e diversificada quanto ao seu conteúdo, isto é, lia-se e escrevia desde poesias,
romances, assuntos militares até pensamentos filosóficos de diferentes vertentes cuja produção,
elaborada pelos alunos, era publicada em periódicos literários4, promovidos por eles próprios.
Por sua vez, Pinto(2016, p. 53) destaca que o número de professores positivistas na
Escola Militar na década de 1880 eram poucos, registrando-se um percentual de “13% do corpo
docente em 1881 e 16% em 1886”. Sodré(2010, p. 215) comenta, nesse sentido, que “a
influência do positivismo no espírito democrático da oficialidade do Exército foi mínima [...] [e
a] acusação de que o positivismo ‘viciou horrivelmente o ensino em nossas escolas militares’,
[...] carece, em todos os pontos de fundamento”.
Acredita-se, embora não se possa precisar com exatidão, que se deram os primeiros
ensinamentos de sociologia na formação do oficial do Exército Brasileiro, mesmo carregada de
conotações filosóficas e desprovida de conhecimento experimental, a partir de 1874, ano em

4
Revista Sociedade Phenix Litterária, Revista do Club Acadêmico, Revista Família Acadêmica, dentre outras.
que o então Capitão de Estado-Maior de 1ª Classe Benjamin Constant5, adepto nessa época do
positivismo em sua vertente filosófica e religiosa, inicia suas atividades como professor
interino na Escola Militar da Praia Vermelha(MOTTA, 2001; PINTO, 2016; BRASIL, 1874).
Foi na fase em que Benjamin Constant esteve como professor da escola militar que este
não limitou-se apenas a ensinar a matemática por meio de fórmulas algébricas, passou também
a ensinar aos cadetes sobre as leis que regem uma sociedade e os princípios da estática e
dinâmica social(MOTTA, 2001). Para isso, Benjamin Constant segue os mesmos passos de seu
mentor, Auguste Comte, que antes de tudo era um experto em matemática e nas ciências físicas,
“interessado em arquitetar hipóteses baseadas nas generalizações que partiam de fatos ou de
leis empíricas. O domínio da física era [...] o fundamento do sistema total de especulações
humanas”(TORRES, 1943, p. 21).
As aulas do professor interino de matemática Benjamin Constant, para as turmas de
cadetes do 1º ano, eram realizadas mediante ponderações filosóficas sobre as ciências
consideradas positivas e, dentre estas, sobre a sociologia, conduzidas por uma sequência de
saberes científicos, segundo o modelo positivista, que iniciava na matemática e terminava na
sociologia, conforme se observa no roteiro a seguir elaborado por Motta(2001, p. 155, grifo
nosso):
1. Definição e conceituação da Geometria Analítica. Para isso:
2. Posição da Geometria Analítica no conjunto da Ciência Matemática. Para isso:
3. Definição, conceituação e posição da Matemática no conjunto das ciências
positivas. Para isso:
4. Conceito de ciência positiva, lei dos três estados. E como conseqüência:
5. Classificação das ciências; as sete ciências positivas, os seus conteúdos e métodos
próprios. Entre as ciências:
6. Sociologia, a Estática e a Dinâmica sociais.

Do apurado nessa investigação, pressupõe-se, inicialmente, que o positivismo nas


escolas do Exército Brasileiro teve influência superficial nos alunos, atuando sobre estes de
forma lenta e progressiva, tendo como porta de entrada a matemática e a física, isso porque,
estas disciplinas eram as ciências mais empregadas na formação de artilheiros e engenheiros da
Escola Militar do Largo de São Francisco; pressupõe-se, também, que as primeiras
manifestações sociológicas, carregadas de propósitos doutrinários positivistas, na educação
militar brasileira se atribuem à Benjamin Constant a partir de 1874. Caracterizando-se, assim, o
Dr. Benjamin Constant como o precursor da sociologia na formação do oficial do Exército
Brasileiro.

5
Em 1873, Benjamim Constant é aprovado no concurso para o lugar de repetidor (professor substituto de lente
catedrático) da 1ª Cadeira (Matemática) do 1º Ano da Escola Militar, iniciando sua atividade como professor a
partir de 1874. (MENDES, 1937).
2. UM LONGO CAMINHO PARA INSTITUCIONALIZAÇÃO
A ideia do ensino de sociologia, como disciplina, entra oficialmente na discussão para a
grade curricular da Escola Militar da Praia Vermelha, a partir da autorização do Ministro da
Guerra, conselheiro Tomás Coelho de Almeida, em 1888 6 , de constituir comissão de
elaboração do novo regulamento do ensino militar, comissão esta em que Benjamin Constant
era membro e tenta propor o ensino da sociologia como uma das ciências a serem estudadas na
formação do oficial do Exército. Entretanto, no regulamento aprovado, em 1889, pelo
Imperador D. Pedro II, o plano de ensino não contemplava as sugestões apresentadas por
Benjamin Constant(MENDES, 1937).
Assim sendo, os planos de Benjamin Constant de influenciar nas áreas do ensino militar,
de acordo com a doutrinação positivista, foram postos de lado. Para ele, seria necessário
aguardar mais um ano e a queda do Império para pôr em prática seu pensamento pedagógico de
origem comtiana.
Passado o antigo regime, Benjamim Constant já como Ministro da Guerra da República
dos Estados Unidos do Brasil e no posto de general de brigada, propõe e institui em 1890, o
ensino de sociologia como disciplina acadêmica do novo regulamento das escolas militares. O
novo estatuto de educação militar do Exército ficou reconhecido na historiografia brasileira
como a Reforma Benjamim Constant 7 (AZEVEDO, 1957; MACHADO, 1987, MENDES,
1937).
Nesse regulamento, Benjamim Constant transfere seu pensamento positivista para o
ensino militar, destacando saberes e conhecimentos científicos necessários à formação do
oficial do Exército, seguindo uma ordem hierárquica de classificação enciclopédica das
ciências que os prepararia para o exercício dos deveres de um cidadão-armado (MOTTA,
2001).
A institucionalização do ensino de sociologia como disciplina nas escolas militares8,
ainda no século XIX, foi sem dúvida um marco histórico na educação brasileira. Contudo,
trouxe à tona diversas questões relativas ao estudo dessa disciplina no ambiente
acadêmico-militar tais como, se havia um conteúdo programático dessa ciência, se existia
professores preparados para a docência nesta nova área do saber científico e, acredita-se ser o
mais relevante, se as escolas militares verdadeiramente conseguiram implementar o ensino

6
O novo regulamento foi autorizado pela Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888 e aprovado pelo Decreto nº
10.203, de 9 de março de 1889.
7
Decreto nº 330, de 12 de abril de 1890, que reorganiza o ensino nas escolas do exército.
8
Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890, regulamenta a educação primária e secundária no Distrito Federal.
dessa ciência na sua grade curricular, levando-se em consideração dois óbices conjugados e
subsequentes para a sua implementação: primeiro, é a exoneração de Benjamin Constant da
chefia da Pasta do Ministério da Guerra em 1890; e o segundo óbice é a sua saída do Governo
Provisório, por motivo de saúde própria, seguida de sua morte em 1891.
A fim de responder parcialmente estes questionamentos, verificou-se que Benjamin
Constant após deixar o cargo de Ministro da Guerra e assumir uma nova pasta do governo
provisório republicano, a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos, se dedicou à instrução educacional do país.
Para isso, implantou uma reforma nas disciplinas do ensino público aos moldes do
regulamento do ensino militar, incluindo a “sociologia e a moral” como ciências a serem
ministradas nos últimos anos das escolas secundárias, nas escolas normais e no ensino superior
(MACHADO, 1987). Entretanto, Azevedo (1956, p. 354) relata que “essa reforma [no ensino
público] ou não foi posta em prática ou, no que dizia respeito ao ensino secundário e normal, foi
abandonada depois de alterações essenciais”.
Porém, no que se refere ao ensino militar, verifica-se que a implantação e a
implementação da disciplina de sociologia, instituída pela reforma de Benjamin Constant,
seguiu uma trajetória diferente do ensino público.
Conforme os dados nos relatórios do Ministério de Estado dos Negócios da Guerra, no
período de 1891 a 1898, verificou-se que a cadeira de sociologia na Escola Militar da Capital
Federal seguiu pari passu com a mesma disciplina na Escola Militar do Estado do Rio Grande
do Sul9. Criada em 1890, a cadeira de sociologia deveria ter sido ministrada para os alunos no
segundo período do 4º ano do curso geral do ano seguinte, no entanto, há indícios de que as
aulas iniciais remontam ao ano de 1893 nas escolas militares da Praia Vermelha e de Porto
Alegre (BRASIL, 1891, 1892, 1893).
Nesse ano de 1893, as aulas ministradas de sociologia foram interrompidas nos dois
estabelecimentos de ensino, sobre isso, o General Costallat fez constar em seu relatório que “a
abertura das aulas [...] começaram as do 2" período a funcionar no dia 1 de Setembro, sendo,
infelizmente, os trabalhos suspensos a 6 [de setembro]”. Tal fato, deve-se a dois episódios: a
Revolta da Armada (1893-94) na Baía de Guanabara, e o conflito militar da Revolução
Federalista (1893-95) no Rio Grande do Sul, movimentos estes que vieram a ter como
consequência a consolidação da República do Brasil, sob a presidência do Marechal Floriano
Peixoto.

9
Pelo Regulamento Benjamin Constant são três as escolas militares: uma no Rio de Janeiro, outra em Porto
Alegre, e a terceira em Fortaleza, sendo esta última reduzida a um curso preparatório.
A grade curricular das escolas militares prevista na reforma de 1890, onde se insere a
cadeira de sociologia e moral, perdurou até o ano de 189710, quando então a Lei nº 463, de 25 de
novembro de 189711, que autorizava o Governo a reorganizar seus estabelecimentos militares
de ensino, põem fim ao primeiro ciclo de estudos de sociologia nas escolas militares brasileiras.
Do primeiro ao segundo ato legislativo, o ensino de sociologia e moral perfaz um total de sete
anos de existência na legislação brasileira, entretanto, na prática, teve uma vida útil de mais ou
menos três anos efetivos até a sua cessação nos bancos escolares do Exército(BRASIL, 1897,
1898).
As razões que levaram a elite militar do Exército a suprimir do currículo das escolas
militares a sociologia podem estar ligados a dois fatores inter-relacionados. No primeiro, o
comando do Ministério da Guerra sentiu a necessidade do Exército Brasileiro se adequar à
evolução da ciência e arte da guerra do final do século XIX, para isso, era prioritário reformas
em diversas repartições da instituição, uma delas foi o ensino das escolas militares, a qual havia
programas de ensino eminentemente teóricos, de pouca importância à instrução militar. O
segundo fator era o ambiente da Escola Militar da Praia Vermelha que se tornou um espaço
social de mobilização política, onde a atmosfera cientificista favoreceu o surgimento de
movimentos de insubordinação e indisciplina por parte da mocidade militar(BRASIL, 1895,
1896, 1897).
A reforma das escolas militares de Benjamin Constant, do período de 1890 a 1897,
compreende a 1ª fase institucional do ensino da sociologia na formação do oficial do Exército, a
qual pode-se denominá-la de fase teórico-filosófica, face aos constantes apelos da elite militar
ao governo central, desde 1895, por reforma do ensino nas escolas militares, cujos programas
curriculares, segundo os relatórios ministeriais da pasta da Guerra daquele período, eram
eminentemente teóricos e filosóficos.

3. DOUTRINA CONTRA DOUTRINA


A Revolução de 1930 veio a dar fim à tradicional política do café com leite e início ao
regime autoritário de Getúlio Vargas. A partir de julho de 1934 até novembro de 1937, tem
início o segundo período governamental de Getúlio, num quadro político de
democracia-constitucional. Nesse período, surgem duas correntes ideológicas que começam a
se estruturar no país: os comunistas e os integralistas(FREIXINHO, 1997).

10
Os dados dos relatórios ministeriais confirmam a regularidade do ensino e a aprovação dos cadetes nos
respectivos anos.
11
Por esta lei, o Congresso Nacional autoriza à União reduzir os estudos teóricos e ampliar os práticos.
A corrente dos militares conservadores, que representavam a maioria entre os oficiais do
Exército, queixava-se da influência externa na instituição que a contaminava por meio de
conflitos políticos. Essa contaminação dividia a instituição em diversas facções políticas,
comprometia a disciplina e a sua própria existência como instituição do Estado. Em face dessa
situação, era necessário o “isolamento do Exército, sua imunização contra a política, isto é,
contra o contágio de qualquer tipo de conflito externo”(CARVALHO, 2006, p. 79).

2.1 Sociologia na Escola Militar


Nesse contexto, o General Góes Monteiro, como Ministro da Guerra em 1934, executa
medidas que vão ao encontro dessa corrente de pensamento conservadora como, por exemplo, o
desenvolvimento de mecanismos internos visando à homogeneização ideológica dos oficiais,
procurando isolá-los contra doutrinas consideradas prejudiciais ao Exército e à Nação. Para isso,
o General Góes Monteiro estabelece um novo regulamento de ensino militar em março de 1934,
implantando o estudo da sociologia na grade curricular da Escola Militar do Realengo e nomeia
o capitão Severino Sombra 12 como professor desta disciplina, com o fim de impedir a
doutrinação comunista e desenvolver o pensamento integralista no seio da mocidade
militar(CARVALHO, 2006).
Sobre o ensino da sociologia na reforma de 1934 13 , Motta(2001, p. 291) nos dá o
entender que há certa continuidade da sociologia de Benjamin Constant, não certamente nos
termos positivistas, mas que a geração de militares dos anos 30 tem o entendimento “que o
estudo do ‘fato social’ deve figurar entre os elementos constitutivos da cultura geral da
oficialidade”. Contudo, segundo Motta(2001), a geração de militares dos anos 1930 toma as
devidas precauções para que o estudo da sociologia esteja “confinada em esquemas
doutrinários estreitos, rígidos, conservadores, com muitos apelos à ordem e muita desconfiança
no progresso.”
Em 1940, a sociologia volta a fazer parte da grade curricular de duas instituições de
ensino superior do Exército – a Escola Militar do Realengo e a Escola de Estado-Maior do
Exército –, por intermédio de novas regulamentações14, tendo à frente da pasta do Ministério da
Guerra o então General de Divisão Eurico Gaspar Dutra. Contudo, é na Escola Militar que a
sociologia perde seu status de disciplina acadêmica e entra como uma das matérias da cadeira

12
Além de Severino Sombra foram nomeados como professores de sociologia os militares Sérgio Marinho e
Octávio da Costa.
13
Ver Decreto nº 23.994, de 13 de Março de 1934, que aprova o regulamento da Escola Militar do Realengo.
14
Ver Decreto nº 5.543, de 25 de abril de 1940, que aprovou a primeira parte do regulamento da Escola Militar do
Realengo e o Decreto nº 6.656, de 30 de dezembro de 1940, que provou o regulamento da Escola de Estado-Maior
do exército.
de Direito, sendo ministrada no segundo ano de formação militar, visando “dar aos cadetes uma
impressão exata, porém sintética, dos principais assuntos desta aula”15. A vigência do estudo da
sociologia no estatuto da Escola Militar, mesmo na situação de matéria, também foi efêmera,
finalizando dois anos depois com a publicação de um novo regulamento da escola militar16.

3.2 Sociologia na Escola de Comando e Estado-Maior


Em contrapartida, na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército(ECEME) os
estudos sociológicos assumem posição de evidência e prestígio desde a década de 1930 até
meados dos anos 50, onde verifica-se, por intermédio de periódicos, a presença de militares
dessa escola em uma série de eventos, tais como, na assistência de conferências, a participação
de congressos nacionais e internacionais de sociologia. Tudo isto, para contribuir na preparação
cultural de oficiais de estado-maior sobre as principais questões políticas e sociais
contemporâneas no Brasil e no mundo. Nesse estabelecimento de ensino, verificam-se
professores e conferencistas de grande renome nas ciências sociais no Brasil do século XX
como, por exemplo, o sociólogo Gilberto Freyre.17
Por fim, Motta(2001, p. 291-92), observa que as modificações do ensino não passam de
“modismos daqueles tempos”, em que o interesse pelos estudos sociais é fruto dos
“acontecimentos mundiais” e da “inquietude intelectual que invadira o Brasil com a Revolução
de 1930”.
O período que vai de 1934 a 1956,18 marca a segunda fase de institucionalização do
ensino da sociologia na formação do oficial do EB, a qual denominaremos inicialmente de fase
das conferências, pois apesar da sociologia na Escola Militar do Realengo ter sido empregada
para fins doutrinários, isto é, o confronto do integralismo contra o comunismo, foi na ECEME
que a sociologia obteve melhor resultado. Nesta escola de formação de oficiais de estado-maior,
os estudos sociológicos por meio das conferências contribuíram positivamente na percepção e
compreensão do núcleo da elite militar sobre a realidade política e social do país, assim como
sobre a cultura do homem brasileiro, cujo um dos resultados foi a criação do Serviço Social do
Exército19 que teve por objetivo o estudo dos problemas sociais dos militares da instituição.

15
Ver Decreto nº 5.543, de 25 de abril de 1940.
16
Decreto nº 8.918, de 4 de março de 1942, que aprova a primeira parte do regulamento da Escola Militar.
17
Fruto da conferência proferida por Gilberto Freyre na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, rendeu a
publicação desta conferência, intitulada “Nação e Exército” de 1949.
18
Último registro confirmado de conferencistas de sociologia na ECEME foi dado pelo Coronel Sérgio Marinho
em 1956 (MARINHO, Sérgio. Aspectos de Sociologia. Conferências na ECEME. Bibliex Editora, 1959).
19
Ver o “Jornal do Dia”, de 16 de fevereiro de 1951, p. 3.
4. A SOCIOLOGIA DO TERRENO HUMANO
No Brasil, segundo o coronel Denis de Miranda(2016), a cadeira de sociologia no
presente século foi implantada a partir de 2015, na Academia Militar das Agulhas
Negras(AMAN), cuja finalidade é proporcionar aos militares atuarem no terreno humano,20
pois em face das incertezas do mundo pós-moderno são necessárias novas capacidades na
formação de oficiais do Exército Brasileiro, isto posto, é que a disciplina de sociologia foi
inserida no currículo dos cadetes da AMAN. Esta sociologia do terreno humano está sendo
muito explorada pelos exércitos de países ocidentais a fim de compreenderem sociedades locais
por meio de seus aspectos políticos, econômicos, psicossociais, culturais e religiosos que
tornaram-se imprescindíveis nos conflitos armados da atualidade.
De acordo com a investigação, as primeiras manifestações de novas mudanças no ensino
militar do Exército Brasileiro tem suas raízes em março de 2008, no “I Encontro de Itaipava21”
– com participação de integrantes do Sistema de Educação do EB –, onde o chefe do antigo
Departamento de Ensino e Pesquisa(DEP)22 determinou a elaboração de uma avaliação dos
impactos do Processo de Modernização de Ensino(PME), que teve início em 1996 23 . O
resultado desta avaliação estão contidos no documento “O processo de Modernização do
Ensino - diagnóstico, rumos e perspectivas”, de 2009, cuja conclusão deste documento é “que
havia a necessidade de um aprofundamento do processo em questão.” (FREIRE,
ALBUQUERQUE, MAGALHÃES, 2010, p. 110).
Fruto disso, os estudos para as modificações na formação de oficiais oriundos da
AMAN foram iniciados no primeiro semestre de 2010, em reuniões presididas pelo General de
Exército Rui Monarca da Silveira, chefe do Departamento de Educação e Cultura do Exército
(DECEx) à época, juntamente com a presença de generais de diversas diretorias do
Departamento e de diretores de estabelecimentos de ensino militar24.
Nesse contexto, foram elaboradas propostas de modificação na sistemática de formação
dos oficiais da linha de ensino militar bélica e encaminhadas, no segundo semestre de 2010, aos

20
“o Terreno Humano é definido como ‘o elemento do ambiente operacional que abrange os fatores culturais,
sociológicos, políticos e econômicos da população local’.” (PINHEIRO, 2012, p. 4)
21
O Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) promove, desde de 2008, encontros no distrito de
Itaipava, cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, nas instalações do Centro General Ernani Ayrosa - um centro de
convenções e hotel pertencente ao Exército Brasileiro. Participam destes eventos o Chefe do DECEx, bem como
diretores e comandantes de escolas militares e colégio militares.
22
A denominação atual deste antigo departamento é o Departamento de Educação e Cultura do Exército.
23
“O PME foi implementado pelo Grupo de Trabalho do Ensino Militar (GTEM), que elaborou o Documento nº
49, de 15 de julho de 1996, com título ‘Fundamentos para a Modernização do Ensino’” (FREIRE,
ALBUQUERQUE, MAGALHÃES, 2010, p. 109).
24
Programa “O profissional militar do século XXI”. Implantação da educação por competências na formação de
oficiais da linha de ensino bélica. (CEP, 2011).
órgãos de direção geral e direção setorial do Exército 25 . Isto posto, se produziram
sequencialmente uma série de atos normativos por meio do Comandante do Exército(Cmt Ex),
do Estado-Maior do Exército(EME) e do DECEx com o fito de regular e orientar as próximas
ações voltadas para a formação de oficiais de carreira, isto é, do ensino militar de cadetes da
AMAN.
Isto posto, pode-se pressupor que houve intenções por parte da elite militar do Exército
Brasileiro de inserir o ensino e a pesquisa da área de sociologia, dentre outras disciplinas, para
os cadetes da AMAN, a fim de contribuir para as Ciências Militares.
A conclusão parcial a que se chega sobre a sociologia na AMAN é que ela é fruto de
um Exército Brasileiro em processo de transformação, buscando na dinâmica social as razões
para o seu progresso sem, contudo, esquecer da ordem consolidada pelas tradições e costumes
militares que constituem a estrutura social das forças armadas. Face a isso, pode-se
caracterizar este momento de institucionalização da sociologia como sendo a fase
transformadora.26 Nesta fase, o estudo da sociologia incorpora a pesquisa científica ao ensino
acadêmico-militar, o que sugere uma nova mudança à disciplina de sociologia na formação de
oficiais de carreira da Instituição, isto é, um novo marco transformador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os resultados desta pesquisa, verifica-se que a historiografia da
sociologia na educação brasileira negligenciou ou mesmo ignorou a trajetória desta ciência
social no ensino superior militar. Verifica-se, também, que as tipologias de evolução
institucional da sociologia no ensino civil não atende aos mesmos critérios de evolução no
ensino militar. Isto posto, e de acordo com o processo histórico de institucionalização da
sociologia na formação continuada do oficial nas escolas militares do Exército Brasileiro,
fez-se necessário arbitrar nova tipologia de desenvolvimento desta disciplina na Instituição.
Verifica-se, ainda, que em todas as fases estabelecidas por este autor, isto é, da fase
teórico-filosófica no século XIX, a fase das conferências no século XX e no presente século
XXI a fase transformadora, a elite militar do Exército Brasileiro esteve presente em todas as
etapas de institucionalização da sociologia no ensino militar, sendo que as motivações desta

25
Órgãos de mais alto nível de tomada de decisão do Exército Brasileiro, chefiadas por generais do mais alto posto
militar.
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Referente à Diretriz do Processo de Transformação do Exército Brasileiro(DPTEB), 2010, que está em
andamento, e com previsão de até 2030 implementar uma série de mudanças na Instituição por meio de Vetores de
Transformação (VT), uma delas a da Educação, os quais compreenderão os estudos, os diagnósticos, as
concepções, os planejamentos, os processos, as ferramentas, os recursos humanos, as capacitações e os meios
necessários.
elite para com esta disciplina na educação de oficiais variam para cada época. Há que se
acrescentar que a investigação da sociologia na formação de oficiais do Exército não finaliza
com este trabalho, podendo envolver novas fontes bem como novos critérios que não foram
aqui abordados.

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