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VI Encontro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica

06 a 08 de julho de 2019, Florianópolis (SC)

Grupo de Trabalho 03: ENSINO DE SOCIOLOGIA NAS MODALIDADES


DIFERENCIADAS DE ENSINO

A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Elisangela de Lima Cunha e Queiroz (UFCE/FUNDAJ) 1


Maria de Lourdes Paz UFCE/FUNDAJ)2
Cátia Wanderley Lubambo (Fundaj) 3
Resumo

O artigo traz os primeiros resultados do estudo que explora a prática do ensino de


Sociologia na Educação de Jovens e Adultos (Eja), numa perspectiva de valorização
tanto da disciplina quanto da modalidade de ensino. O objetivo é realçar a
importância da sociologia no currículo da educação básica, especificamente na Eja,
construindo um quadro de reflexões sobre as demandas e especificidades para uma
prática pedagógica mais adequada e consecutiva. Este esforço foi baseado na
análise de textos de Florestan Fernandes, Simone Meucci, Cristiano Bodart e
Amurabi Oliveira e na experiência de 5 anos como docente desta disciplina nesta
modalidade de ensino. Considerando os elementos institucionais de referência,
foram utilizados os documentos normativos do MEC e da Secretaria de Educação de
Pernambuco, assim como o depoimento da coordenadora da Unidade de Educação
de Jovens e Adultos da Gerência Regional de Educação da Mata Centro em Vitória
de Santo Antão - PE. A metodologia adotada foi a análise de conteúdo e o resultado
encontrado constituirá um segmento da dissertação de mestrado intitulada: “A
transposição didática dos conteúdos de Sociologia na Educação de Jovens e
Adultos: uma proposta interdisciplinar”, no âmbito da rede nacional do
PROFSOCIO/FUNDAJ.

Palavras-chave: Sociologia Escolar. Ensino de Sociologia. Eja. Pernambuco.

1
Mestranda em Sociologia pelo Mestrado Profissional em Sociologia em Rede Nacional (Profsocio)
Fundaj/UFCE e bolsista CAPES. Email:elimacunha@gmail.com
2
Mestranda em Sociologia pelo Mestrado Profissional em Sociologia em Rede Nacional (Profsocio)
Fundaj/UFCE e bolsista CAPES. Email: lourdinhapaz@gmail.com
3
Pesquisadora Titular da Fundação Joaquim Nabuco
1- Introdução

O presente artigo analisa os primeiros resultados de uma pesquisa sobre o


ensino de Sociologia na Educação de Jovens e Adultos. Este, objetiva
especificamente, investigar a importância atribuída à Sociologia na Eja pelos atores
responsáveis por sua organização fora do ambiente escolar. Conforme o primeiro
objetivo da pesquisa a investigação se dará nesta primeira etapa com a
coordenadora da Unidades da Educação de Jovens e Adultos e Idosos (UEJAI) da
Gerência Regional de Educação (GRE) da Mata Centro em Vitória de Santo Antão -
PE.

Nosso objeto de estudo, o ensino da sociologia, se insere no campo da


sociologia escolar. A rede estadual de ensino de Pernambuco, nosso locuss de
pesquisa, atualmente referencia a estrutura de organização dos conteúdos como
componente curricular, os estudantes comumente identificam como matéria e os
professores geralmente por disciplina. É a partir desse último conceito que o
presente artigo pretende construir sua investigação. Utilizaremos para este fim a
definição de Chervel (1990) segundo a qual “A disciplina é aquilo que se ensina e
ponto final”. A opção por este conceito demonstra a nossa partilha na idéia da
importância da prática pedagógica no tocante ao campo de investigação que
envolve as disciplinas escolares. Em seu estudo: “História das disciplinas escolares:
reflexões sobre um campo de pesquisa” Chervel já apontava uma tendência entre os
docentes em favor de uma história da sua própria disciplina.

Por sua vez, Florestan Fernandes (1954) já introduz seu texto emblemático no
primeiro Congresso brasileiro de Sociologia ponderando que:

a questão nem mereceria ser discutida, se somente pudesse se encarada à


luz dos interesses profissionais dos sociólogos, por mais nobre louváveis
que fossem os seus fundamentos ou os efeitos que deles poderiam advir”
(Fernandes, 1954, p. 89).

Florestan Fernandes militava e congregava os educadores brasileiros a


militarem sobre a inclusão da sociologia no ensino secundário brasileiro não para
satisfação de seus próprios interesses mas, por reconhecer a importância dessa
disciplina e os benefícios para a escola e a sociedade brasileira com a inclusão dela
no ensino básico de nosso país. Esse texto é a inspiração de nosso estudo que,
dentre outros objetivos se propõe a colaborar com as discussões que levem a
reflexão na perspectiva de estabilização da disciplina de sociologia no currículo, na
valorização da Eja enquanto modalidade de ensino e no reconhecimento da
importância da disciplina de Sociologia no ensino básico brasileiro especificamente
na educação de nossos jovens e adultos.

Através da história geral das disciplinas o artigo realizará uma


contextualização histórica da disciplina escolar Sociologia buscando evidenciar a
importância desta no currículo do ensino médio com foco na Eja, realizará também
uma contextualização histórica da Eja no Brasil e sua recente normatização
enquanto modalidade de ensino.

A necessidade de investigação da importância de uma disciplina revela a


preocupação dos estudiosos com a sua estabilidade e afirmação no currículo. No
caso da sociologia essa preocupação deve-se a sua intermitência no ensino básico
brasileiro. A investigação sobre a importância desta na Eja deve-se principalmente
ao recente encontro de ambas no ensino médio brasileiro e a um recorrente histórico
de descontinuidade das mesmas em nosso cenário educacional.

A análise das percepções e concepções dos atores educativos das


instituições responsáveis pela gestão, normatização e organização curricular da
educação de jovens e adultos evidenciará como a mensuração dessa importância se
refletirá na prática através da legitimação da disciplina e da modalidade de ensino e
a consequente valorização de ambas pelos atores envolvidos.

2. A Sociologia

A sociologia enquanto é uma ciência relativamente nova em comparação a


muitas outras que são milenares. É conseqüência direta das grandes
transformações ocorridas na Europa no final do século XVII e início do século XVIII.
Tendo sua origem influenciada pelas ideias do Iluminismo, pelas consequências da
Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Surge para estudar e explicar
eventos e aspectos de uma nova forma de organização social que áreas das
ciências humanas como a Filosofia, a História, o Direito e a Psicologia não davam
mais conta por si só de explicar.
Com sua gênese no Positivismo de August Comte, sua institucionalização
promovida pelas ações de Durkheim, sua profissionalização a partir de Marx Weber
e sua popularização a partir de Karl Mark segundo Meucci (2006, p.8) ela aparece
pela primeira vez no cenário brasileiro a partir da década de vinte do século passado
nas Escolas Normais aqui em Pernambuco com professor Gilberto Freyre.
Na década seguinte, em 1931, com reforma Francisco Campos 4, o ensino da
sociologia é ampliado para além das escolas normais e logo em seguida surgem os
primeiros cursos de graduação em Ciências Sociais: Primeiro na Escola Livre de
Sociologia em 1933, logo depois na recém criada Universidade de São Paulo em
1934 e no ano seguinte na Universidade do Distrito Federal.
Faz necessário neste momento esclarecer que a Sociologia se consolidará
nas grades curriculares das faculdades e universidades brasileiras com os cursos de
Ciências Sociais enquanto que a Sociologia enquanto disciplina da escola básica
brasileira terá presença inconstante nos currículos brasileiros estando sua
permanência subordinada a modelos políticos ideológicos e seus respectivos
projetos de sociedade. Fernandes (1954,p.94) diz que “neste particular a situação
brasileira é verdadeiramente caótica (...) demonstra que a posição da sociologia no
sistema educacional brasileiro oscila de maneira irregular ao sabor de inspirações
ideológicas do momento”
Na década de 1940 a Sociologia escolar sofre o seu primeiro ataque. Em
1942, a Reforma Campanema 5 decretou o fim da obrigatoriedade dessa disciplina na
escola secundária brasileira. Com o Golpe Militar em 1964 a disciplina é retirada do
currículo e substituída pela disciplina Moral e Cívica.
Apenas trinta anos depois, ela volta às mesas de discussões com a
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBN 9394/96. Em
seu artigo 36, que versa sobre o Ensino Médio, o terceiro parágrafo do inciso
primeiro coloca o domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia como
necessários ao exercício da cidadania preconizando assim, sua reinserção no

4
.Decreto N. 21.241 - de 4 de abril de 1932.
5
A reforma Campanema nome em homenagem a Gustavo Capanema que esteve à frente do
Ministério da Educação durante o governo Getúlio Vargas, entre 1934 e 1945 foi uma série de Leis
Orgânicas de Ensino que regulamentou, estruturou , reformou, criou e modificou aspectos do ensino
industrial, comercial e secundário brasileiros.
currículo obrigatório. Entretanto, três anos depois, o então presidente Fernando
Henrique Cardoso vetou em 1999 o projeto do deputado Padre Roque (PT-PR), que
alterava o artigo 36 propondo novamente a obrigatoriedade. O presidente usou
como argumento o ônus aos estados na criação de cargos para contratação de
pessoal para atuar na docência dessas disciplinas e a pouca oferta de pessoas com
formação específica para atuarem em tais cargos.
O veto de um então presidente sociólogo gerou um incômodo na sociedade
científica mostrando o fosso existente ente a Sociologia estudada na academia e a
Sociologia escolar. Mais que diferenciação da nomenclatura faz se necessário a
diferenciação entre a Sociologia enquanto ciência sua especificidade no contexto
brasileiro e sua caracterização enquanto disciplina sociologia escolar, pois “[...} o
ensino de sociologia no nível secundário começou antes da criação de cursos
superiores , desde sempre a relação entre os conteúdos de um nível a outro não foi
imediata. (Moraes. 2017 pag. 27), e que não há uma transposição imediata entre
aquilo que se faz na academia para aquilo que se faz no plano escolar (Moraes.
2017 p. 21). Ficando evidente que a chamada Sociologia escolar tem ficado na
retaguarda necessitando, portanto, de ações normativas que colaborassem em sua
estabilização e não apenas apontasse as dificuldades como justificativa para sua
não efetivação.
É Apenas em 2006, através do parecer 38 do Conselho Nacional de
Educação que o discurso da obrigatoriedade da disciplina é legitimado. Em 2008
com a Lei 11.684/08 a obrigatoriedade e novamente reinstituída.
A partir deste marco, os sistemas estaduais de ensino começaram a se
organizar para se adequar a esse novo cenário. Pernambuco foi célere na resposta
a essa demanda e ainda em 20066 promoveu a realização de um concurso público
com a disponibilização de vagas para lecionar essa disciplina em uma área aqui
denominada na época de: Disciplinas Pedagógicas. De acordo com o edital essas
vagas poderiam ser preenchidas por profissionais das Ciências Sociais e de
diversas áreas das chamadas ciências humanas dentre eles História e Pedagogia.
Em nível federal, importantes ações normativas do MEC como a inserção da
sociologia no Programa Nacional do Livro didático em 2011 e a formulação das

6
Portaria Conjunta SARE/SEDUC n.º 037, de 24/11/2005.
Orientações7 e Diretrizes Curriculares Nacionais8 continuam a ser editadas.
Novamente a Secretaria de Educação de Pernambuco se mostra sensível a
importância da sociologia no currículo e é pioneira na elaboração de documentos
norteadores do currículo como as Orientações Teórico Metodológicas (OTMs) e Os
Parâmetros da Educação básica de Pernambuco ambos incluindo a disciplina de
sociologia e com um volume especificamente para a Eja.
Enquanto muitos sistemas de ensino ainda estavam se adequando, menos
de uma década depois da volta da obrigatoriedade vem outro golpe e a
obrigatoriedade da disciplina no ensino médio é novamente revogada. A partir da
Medida Provisória 746 de 2016 que normatizava a chamada Reforma do Ensino
Médio foi novamente retirada a obrigatoriedade do ensino da Sociologia no ensino
básico nacional. Esse é último golpe sofrido pela Sociologia e colabora com o
cenário de instabilidade vivenciado historicamente pela disciplina e os processos de
desvalorização reiniciam.
Histórico e momento de incerteza e instabilidade semelhante vivencia a
Educação de Jovens e Adultos.

3. Educação de Jovens e Adultos – Eja

Regulamentada enquanto Modalidade de Ensino pelo LDBN 9394/96 a


Educação de Jovens e Adultos está presente no cenário educacional brasileiro
desde a época da colônia. Formal ou informalmente; na maioria das vezes com foco
apenas na alfabetização; com diversas nomenclaturas; sendo efetivada por projetos
e programas ou como ação isolada de igrejas, ONGs e determinados grupos; como
iniciativa de governos estaduais sendo finalmente inclusa no final do século passado
na educação básica. Toda essa instabilidade histórica demonstra às exigências da
sociedade perante a necessidade de abstração do não letrado para melhor
adaptação em uma sociedade cada vez mais letrada e a não priorização do Estado
em oferecer a seus cidadãos adultos o acesso à educação de qualidade com a
oferta regular, mas com respostas pontuais e paliativas a essas demandas.

7
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ciências humanas e suas tecnologias.
Sociologia. Brasília: Ministério da Educação, 2006. (Orientações curriculares para o ensino médio; volume 3.
A análise da Eja no Brasil partindo dos contextos históricos nos ajuda
compreender os caudalosos caminhos percorridos por esta modalidade, seu
encontro com a Sociologia no final da primeira década deste século e suas
semelhanças nos processos de luta e resistência no ensino básico do nosso país.
Ainda no Brasil colônia a catequização feita pelos Jesuítas era estendida aos
indígenas adultos com quem os padres aprendiam o idioma a fim de ter mais
condições de continuar os processos de catequização com as crianças.
Caracterizada como não intencional e informal já antecipava a comprovação das
idéias de Paulo Freire de que todos sempre temos algo a ensinar e algo aprender.
Durante as Reformas Pombalinas9 a educação popular não foi contemplada fato que
provocou um retrocesso mesmo em relação ao período dos Jesuítas fazendo
aumentar consideravelmente o número de analfabetos nesse período.
Com chegada da família real na época do império foi promulgada a Lei
Saraiva10 que mesmo de caráter eleitoral teve conseqüências na Educação de
Jovens e Adultos pois, esta impedia os votos para analfabetos. Uma opção do
governo por excluir essa parcela da população em vez de resolver atacar o
problema do analfabetismo.
Depois desse período há um grande hiato de estudos e dados sobre a
Educação de Jovens e Adultos no Brasil. a questão reaparece nas primeiras
décadas do século seguinte. Mais especificamente no ano 1915 Abner Brito
anunciava a criação de seu método de desanalfabetização denunciando um índice
alarmante de 80% de analfabetos mas, de acordo com Braga e Mazzeu (2017) esse
índice era de 66%. O combate ao analfabetismo sempre foi um dos pilares da Eja
em nosso país.
Dez anos depois formam criadas escolas noturnas de ensino primário para
adultos pelo governo federal a exemplo das criadas anos antes no Rio de Janeiro.
Entre 1934 e 1936 com a promulgação da Constituição da República Nova surge o
primeiro Plano Nacional de Educação que obrigava a gratuidade do ensino primário
integral estendido aos adultos.

9
Reformas de caráter despótico promovidos pelo Marquês de Pombal.
10
A Lei Saraiva, Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881, foi a lei que instituiu, pela primeira vez,
o Título de Eleitor, proibiu o voto de analfabetos e adotou eleições diretas para todos os cargos eletivos
do Império brasileiro: senadores, deputados à Assembléia Geral, membros das Assembléias
Legislativas Provinciais, vereadores e juízes de paz.
Foi a partir da década de 40 que a Educação de Jovens e Adultos começou a
se firmar como tema de política educacional. Em 1945 a Educação de Adultos torna-
se oficial. Em 1947 foi lançada a campanha de Educação de Adolescentes e Adultos
que incluíram em 1952 as Missões Rurais e em 1958 a Campanha de Erradicação
do Analfabetismo. De acordo com Pierro, Joia e Ribeiro:

A Campanha de 1947 deu também lugar à instauração no Brasil de um


campo de reflexão pedagógica em torno do analfabetismo e suas
conseqüências psicossociais; entretanto, ela não chegou a produzir
nenhuma proposta metodológica específica para a alfabetização de
adultos,nem um paradigma pedagógico próprio para essa modalidade de
ensino. (PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p.60)

A partir da década de 1960 com o auxílio da igreja católica surge o MEB


Movimento de Educação de Base e os Movimentos de Educação Popular (CPCs)
dirigidos pela União Nacional de Estudantes (UNE). Esses movimentos visavam a
alfabetização dos adultos através da utilização dos métodos de Paulo Freire11. Em
oposição direta a estes movimentos e para dar uma resposta às demandas sociais o
governo militar começa ainda nessa década os preparativos para o MOBRAL que foi
instituído oficialmente em 1970. No ano seguinte é promulgada a Lei Federal
5692/71 que flexibilizou a escolaridade básica obrigatória possibilitando a
organização em cursos supletivos, centros de ensino a distância dentre outros. Com
o declínio do Mobral é ainda na década de oitenta com a promulgação da
Constituição Federal e a obrigatoriedade que a educação de Jovens e adultos
ganhará novo fôlego.
A década de 90 inicia a consolidação das ações realizadas na década
anterior. No ano de 1990 a Conferência Mundial em Jonthien na Tailândia aprovou
a Declaração Mundial sobre Educação para Todos dando destaque a Educação de
jovens e Adultos. A Declaração de Jonthien deu destaque à Educação de Jovens e
Adultos, incluindo metas relativas à redução de taxas de analfabetismo, além da
expansão dos serviços de educação básica e capacitação aos jovens e adultos, com
avaliação sobre seus impactos sociais. (PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p.60)
Apesar deste ano ter sido declarado o ano da alfabetização essa década
não conseguiu consolidar a legitimação da Educação de Jovens e Adultos. Aqui no

11
O “Método Paulo Freire” possui fundamentação humanista ao vislumbrar na educação um ato
criador, a medida em que proporciona ao indivíduo formação política, autonomia, consciência crítica e
capacidade de decisão.
Brasil foi extinta a Fundação Educar que coordenava as ações do Mobral, em
contrapartida é lançado o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC)
que durou apenas um ano. Em 1991 um pequeno retrocesso com a declaração do
MEC de que não atuaria mais na EJA. Em 1995 foi lançada a Campanha
Alfabetização Solidária desta vez em parceria com Organizações não
Governamentais.
O ano de 1996 é marcado pela emenda a Constituição suprimiu a
obrigatoriedade de ensino fundamental mantendo apenas a oferta gratuita pela
criação do FUNDEF e pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBN 9.3094/96). A lei 9.394 aprovada em dezembro de 1996 diz no
artigo 37 que “A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não
tiveram acesso ou oportunidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
própria”. Ao tornar-se uma política de estado enquanto modalidade educacional a
Educação de Jovens e Adultos é fortalecida.
A primeira década do novo século foi um período importante para a Educação
de Jovens e Adultos com a promulgação das Diretrizes Nacionais para a Educação
de Jovens e Adultos, através do Parecer CNE/CEB 11/2000. Este passa a ser o
documento normativo mais importante para a Eja, buscando propor uma educação
reparadora, equalizadora e qualificadora. A partir desse ano há uma intensificação
das ações não apenas para a alfabetização mas, para a educação de jovens e
adultos. Ainda neste ano é criada a Secretaria de Educação Continuada
Alfabetização e Diversidade (SECAD)12. Nesse mesmo ano é lançado o Programa
Brasil Alfabetizado voltado exclusivamente para a Alfabetização de Jovens Adultos e
Idosos.
Em 2006 foI lançado pela SECAD o PROEJA (Programa Nacional de
Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos). Em 2009 a Resolução CD/FNDE Nº 51/2009, que
dispõe sobre o Programa Nacional do Livro Didático para Educação de Jovens e
Adultos (PNLD EJA) e em 2011 o PRONATEC que é um programa de acesso ao

12
Era um órgão componente da estrutura administrativa do Ministério da Educação (MEC).Sua principal função
era articular junto as três secretarias do MEC responsáveis por gerir a educação formal (SEB – Secretaria de
Educação Básica, Setec – Secretaria de Educação Tecnológica e Secretaria do Ensino Superior – SESU políticas
públicas voltadas a ampliação do acesso a educação a todos os cidadãos, levando-se em conta especificidades
de gênero, idade, raça e etnia, etc.
ensino técnico nas modalidades concomitante e subsequente com encaminhamento
a vagas de empregos.
Essa cronologia demonstra a descontinuidade e a timidez dos projetos e
programas voltados para a educação dos jovens adultos e idosos que só ganharam
o status de política pública no início deste século. A contextualização histórica é
importante, todavia no ano seguinte ao das comemorações dos cinquenta anos de
Pedagogia do Oprimido o que se faz necessário é a análise do contexto
epistemológico.
Os contextos epistemológicos para qual viramos nosso olhar são aqueles que
apontam para a Eja enquanto demanda dos Direitos Humanos que analisam a
variedade de atores e situações nessa modalidade de ensino sendo impossível
singularizá-las é que Vera Masagão Ribeiro tem chamando de EJAs, no plural. Um
exemplo dessa pluralidade é que a educação de Jovens e Adultos tem a cada dia
menos adultos. Há uma preocupação com a saída cada vez mais cedo dos jovens
do ensino médio regular para as turmas de EJA. Esse fenômeno Carmen Brunell
conceituou como juvenilização e que para Pierro, Joia e Ribeiro tem uma explicação:

As conhecidas deficiências do sistema escolar regular público são,sem


dúvida, responsáveis por parte da demanda do público mais jovem sobre os
programas de ensino supletivo. (PIERRO; JOIA; RIBEIRO, 2001, p.60)

No Nordeste 40% dos estudantes apresenta defasagem de anos, entretanto,


estudos recentes tema adotado o conceito sociológico e em vez do conceito etário
como fazem as análises preocupadas apenas com números. Análises que
privilegiam estudar a permanência em detrimento de evasão e também colaboram
na quebra de paradigmas da Eja. Como sugerido por Haddad é necessário a busca
de novos caminhos na Educação de Jovens e Adultos. Nesses novos caminhos a
nosso ver a disciplina sociologia tem um papel muito importante.
Atualmente a extinção da SECADI e da Comissão Nacional de Alfabetização
e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), com a interrupção na distribuição de
livros didáticos e a falta de diretrizes para a Eja na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) compõem o cenário de incerteza e desvalorização por parte do governo
Federal para com a Educação de Jovens e Adultos.
4. A Referência Empírica: Depoimentos da Gestora da Pasta de Eja na Gerencia
Regional de Educação da Mata Centro em Vitória de Santo Antão -PE

A constatação da importância da sociologia na escola média brasileira tem


sido crescente, a notar pela estabilidade que a disciplina vem adquirindo no cenário
e das discussões currículo do ensino médio e na Eja.
Florestan Fernandes (1954), em sua defesa da permanência da disciplina de
Sociologia na grade curricular, ressaltou sua importância por seu caráter formativo
do ensino secundário.

O ensino secundário é formativo por excelência; ele não deve visar a


acumulação enciclopédica de conhecimento, mas a formação do espírito
dos que os recebe. Tornando-se assim, mais importante a maneira pela
qual os conhecimentos são transmitidos , que o conteúdo da transmissão”
(Fernandes, 1954,p.95)

Esta vertente da função e contribuição já é bastante discutida e aceita


principalmente pelo senso comum, entretanto, Cavalcante e Silva in Bodart (2018)
trazem uma outra perspectiva para essa visão sobre a função da Sociologia:

Entre as várias problematizações, as atribuições sobre a “função” dessa


área do conhecimento no ensino médio suscitam nuances que vão muito
alem da conclamada justificativa de “necessidade de formação para o
exercício da cidadania”. Tais definições, mesmo não sendo equivocadas ,
reduzem a complexidade da função pedagógica (e por que não dizer
política) da sociologia no Ensino Médio. (Bodart.2018,p. 21)

Essas novas discussões, já bastante encaminhadas, ganham maior


repercussão e são extremamente necessárias quando colocadas sob a ótica do
encontro da sociologia com a Eja. Isso porque, a priori os estudantes da Eja, em sua
grande maioria já exercem de fato sua cidadania em muitas situações que vão além
do exercício do voto. Esse exercício perpassa pela realização espontânea de uma
leitura crítica da sociedade na qual atuam principalmente através do trabalho, da
compreensão das limitações de uma cidadania regulada por questões étnicas,
sociais, religiosas e de gênero. Ainda a reflexão acerca dos seus diferentes direitos
e deveres enquanto cidadãos e principalmente mudanças atitudinais na vida
cotidiana de estudante trabalhador ao mesmo tempo em que é trabalhador
estudante.
A ampliação desse olhar revela uma oportunidade de despertar para
construção de um conhecimento a partir de novos saberes, mais maduros,
experimentados. A importância e função da Sociologia, enquanto disciplina escolar
na Eja, ficam assim revestidas de uma “observação crítica” que agrega um realismo
único e merecedor de consideração epistemológica.

[...] pensarmos nessas novas dinâmicas e seu impacto tanto na sociedade


quanto na educação torna se necessário para a manutenção e o
amadurecimento da própria disciplina Sociologia e o modo como ela é
trabalhada em diferentes lugares e espaços educacionais (Bodart, 2018, p.
22)

Como referência empírica, pesquisa incluiu o depoimento da coordenadora da


Unidade da Educação de Jovens e Adultos e Idosos (UEJAI) da Gerência Regional
de Educação (GRE) da Mata Centro em Vitória de Santo Antão - PE que respondeu
a seguinte questão: Qual a importância da disciplina de sociologia na Educação de
jovens e Adultos?
Na interpretação das respostas, utilizamos a análise de conteúdo de Bauer e
Gaskel (2015), pois concordamos com ele que “os textos, do mesmo modo que as
falas, referem-se aos pensamentos, sentimentos, memórias, planos e discussões
de pessoas e algumas vezes nos dizem mais do que os seus autores imaginam”
(BAUER E GASKEL.2015,p.182).
A entrevistada tem uma história de atuação de a docência, de integração em
equipes técnicas e pedagógicas em torno de projetos voltados para a Educação de
Jovens e Adultos, e também de participação e coordenação de Fóruns estaduais e
regionais de Educação de Jovens e Adultos

Essa aproximação com Eja intensifica o reconhecimento da importância da


Sociologia nessa modalidade de ensino. Revela-se, por parte da entrevistada a
compreensão da importância da sociologia em função do argumento mais evocado
por estudiosos e docentes: a contribuição desta para formação de cidadãos.
Aparece ainda, de forma recorrente, a alusão ao desenvolvimento do pensamento
crítico e ao protagonismo dos estudantes na intervenção e para a transformação na
realidade da sociedade da qual esse estudante faz parte. No tocante a transposição
dos conteúdos, especificamente para a disciplina de Sociologia, a entrevistada
realça a valorização dos conhecimentos que os estudantes adultos já possuem.
Significa dizer que identificam-se associações diretas feitas com os objetivos
e metodologias utilizadas nos Ensino Médio regular ou nas escolas de Referência do
Ensino Médio e mesmo visões reducionistas e simplistas da importância e função da
sociologia e da EJA. Contudo, nossa concepção é de que visões centradas em
formação cidadã, no desenvolvimento da criticidade e no fomento do protagonismo,
que se adequem muito bem aos jovens, precisam ser ampliadas para atender às
especificidades de um público adulto, muito heterogêneo que já tem sua inserção
cidadã, seja ela bem ou mal formada.

O depoimento aqui coletado preliminarmente, apenas serve para conduzir a


elaboração de nossas hipóteses de achados que a pesquisa completa trará. Outros
elementos, certamente, surgirão como subsídios ao tema tratado.

5. Considerações Finais: Importância da sociologia na Educação de Jovens e


Adultos

Intermitência e descontinuidade são alguns aspectos que a Sociologia e EJA


partilham em seus percursos históricos no nosso país. Um olhar imediato tanto sobre
a EJA quanto sobre a sociologia escolar podem gerar análises superficiais
ocasionado assim conclusões limitadas e estereotipadas sobre a importância de
ambas na escola e na sociedade. Sobre o processo histórico de intermitência
enfrentado pela sociologia concordamos com (DIAZ, 2016 p.18) quando ela diz que
este “causa a invisibilidade desta no campo da Educação”. é reforçada em diversos
âmbitos e de diversas maneiras. No senso comum essa instabilidade pode levar a
percepções difusas de que esta é uma disciplina descartável que pode ser inserida
ou retirada do currículo e que, portanto a partir dessa análise teria pouca relevância
o currículo. No cotidiano escolar a carga horária menor, a distribuição da disciplina
como complemento de carga horária para professores de todas as áreas, a
escassez de formação continuada específica para esta disciplina nesta modalidade
de ensino
Os históricos similares de instabilidade no cenário educacional brasileiro
levaram a um quadro de invisibilidade e desvalorização da disciplina de sociologia e
da modalidade de ensino Educação de Jovens e Adultos. A Sociologia como
disciplina escolar, apesar do histórico de intermitência no ensino básico, tem como
objetivos a formação para a cidadania e a função de despertar o olhar crítico dos
estudantes acerca dos assuntos referentes à sociedade da qual ele faz parte. Por
sua vez a Educação de Jovens e Adultos em suas funções: reparadora,
equalizadora e qualificadora tem representado um espaço de resistência de sujeitos
que voltaram à escola após insucesso nesta e experiências diversas na sociedade a
qual compõem.

Resistentes e persistentes: Sociologia e EJA são importantes pois, colaboram


no aprimoramento do olhar crítico dos estudantes adultos sobre a sociedade da qual
fazem parte ainda alertam estes sobre as diversas formas de organização social
fortalecendo o respeito a diversidade e rompendo com qualquer forma de
etnocentrismo.

Também atuam na ressignificação de ideias, opiniões e conceitos por eles já


naturalizados, contribuindo assim para o reconhecimento destes enquanto atores
sociais empoderando-os e melhorando a forma como estes são vistos por si
mesmos, pela escola e pela própria sociedade. Esse empoderamento gera
consciência política em torno da compreensão de sua condição de cidadão em uma
compreensão de cidadania que ultrapassa o exercício do voto e da existência de
direitos e deveres e chega ao nível da participação.

6. Referências

ARROYO, Miguel G. Passageiros da noite: do trabalho para a EJA: itinerários


pelo direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes. 2017.
BAUER, Martim W e GASKELL, George. Pesquisa qualitativo com texto imagem
e som: Um manual prático.13.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
BODART, Cristiano das Neves (org). Sociologia Escolar: Ensino, Discussões e
Experiências. Porto Alegre: CirKula, 2018.
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