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TEXTOS COMPLEMENTARES

10. EM DEFESA DO DETERMINISMO


Quais são os fundamentos apresentados para negar o
livre-arbítrio?
O termo «livre-arbítrio» tem conotações tão diversas que me vejo obrigado a defini-lo
antes de explicar porque é que nós não o temos. Construo livre-arbítrio do modo que
penso que a maior parte das pessoas o fazem: no momento em que tens de decidir entre
alternativas, tens livre-arbítrio, se pudesses ter escolhido de outro modo. Posto mais
tecnicamente, se pudesses voltar atrás no disco da tua vida até ao momento em que
fizeste uma escolha, com todos os aspetos do universo configurados identicamente, o
livre-arbítrio significaria que a tua escolha poderia ter sido diferente.
Apesar de não podermos realmente fazer girar de novo esse disco, esta espécie de
livre-arbítrio é excluída simples e decisivamente pelas leis da física. O teu cérebro e corpo,
os veículos que fazem «escolhas», são compostos de moléculas e o arranjo dessas
moléculas é inteiramente determinado pelos teus genes e pelo teu ambiente circundante.
As tuas decisões resultam de impulsos elétricos de base molecular e de substâncias
químicas transmitidas de uma célula do cérebro para outra. Essas moléculas têm de
obedecer às leis da física, desse modo os resultados (outputs) do nosso cérebro – as
nossas «escolhas» – são ditadas por essas leis. (É possível, embora improvável, que o
indeterminismo da física quântica possa modificar um pouco o comportamento, mas tais
efeitos aleatórios não podem fazer parte do livre-arbítrio.) E deliberar acerca das nossas
escolhas por antecipação não ajuda na matéria porque a deliberação também reflete a
atividade cerebral que tem de obedecer às leis da física.
Asseverar que nós podemos escolher livremente entre alternativas é afirmar, então, que
de alguma maneira nós podemos sair da estrutura física do nosso cérebro e mudar o seu
funcionamento. Isso é impossível. Tal como o resultado (output) de um programa de
computador, somente uma escolha é fisicamente possível: aquela que tu fizeste. Como tal,
o ónus da prova fica do lado daqueles que argumentam que podes fazer escolhas
alternativas, porque corresponde a afirmar que os nossos cérebros, únicos entre todas as
formas de matéria, estão isentos das leis da física por uma fantasmática vontade não
física, que pode redirigir as nossas próprias moléculas. […]
A minha afirmação de que o livre-arbítrio, como acima definido, é uma ilusão implica
uma previ– são: a nossa sensação de que controlamos as nossas ações pode algumas
vezes estar desligada das próprias ações. Experiências recentes em ciência cognitiva
mostram que alguns atos deliberativos ocorrem antes de atingirem a nossa consciência
(digitar ou conduzir, por exemplo), enquanto em outros casos o scanning do cérebro pode
predizer as nossas escolhas alguns segundos antes de nós termos consciência de as
termos feito. Adicionalmente, a estimulação do cérebro, ou experiências psicológicas
inteligentes podem aumentar ou diminuir significativamente a nossa sensação de controlo
sobre as nossas próprias escolhas.

Então quais são as consequências de se perceber que o determinismo físico nega a nossa
capacidade para escolher livremente? Bem, o niilismo não é opção: nós humanos somos
constituídos, através da evolução ou de outro qualquer modo, para acreditarmos que
podemos escolher. O que fica seriamente afetada é a nossa ideia de responsabilidade

Do Outro Lado do Espelho 10


© Raiz Editora, 2021
TEXTOS COMPLEMENTARES

moral, a qual deve ser descartada ao mesmo tempo que a ideia de livre-arbítrio. Se o facto
de agirmos bem ou mal é predeterminado em vez de ser mais do que uma real escolha,
então não há responsabilidade moral – apenas ações que magoam ou ajudam os outros.
Essa descoberta não deve mudar seriamente o modo como punimos ou recompensamos
as pessoas, porque continuamos a precisar de proteger a sociedade de crimi nosos, e a
observar que a punição ou a recompensa podem alterar os cérebros de outras pessoas,
funcionando como inibidores ou estimulantes. O que devemos descartar é a ideia de
punição como retribuição, que repousa na falsa noção de que as pessoas podem escolher
proceder mal.
Jerry A. Coyne, «You Don't Have Free Will», in The Chronicle of Higher Education, 2012, acedido a
24.11.2019, em https://www.chronicle.com/article/Jerry-A-Coyne-You-Dont-Have/131165
(tradução livre do inglês).

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