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Marco no fotojornalimo brasileiro: a

seca no Ceará é documentada com


fotografias
12 de julho de 2015

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J.A. Correia. Secca de 1877-78, 1877-1878. Ceará / Acervo FBN

Segundo o trabalho “Imagens da Seca de 1877-78 – Uma contribuição


para o conhecimento do fotojornalismo na imprensa brasileira”, dos
pesquisadores Joaquim Marçal Ferreira de Andrade e Rosângela
Logatto, a publicação de fotos de vítimas da maior seca nordestina do
século XIX foi uma das iniciativas pioneiras da imprensa brasileira na
utilização de fotografias como documentos comprobatórios de um fato
(Anais da Biblioteca Nacional, vol 114, de 1994, p.71-83).

Para denunciar a tragédia, o chargista português Rafael Bordalo Pinheiro


(1846 – 1905) publicou, em 20 de julho de 1878, em uma ilustração da
revista O Besouro, duas fotos que fazem parte de um conjunto de 14
registros fotográficos de vítimas da seca ocorrida entre 1877 e 1878.
Porém, não foi dado crédito para o autor das fotos, Joaquim Antônio
Correia, cujo ateliê ficava em Fortaleza, no Ceará.

Link para O Besouro de 20 de julho de 1878, ano I, n.16

Esse conjunto de fotografias pertence, atualmente, ao acervo da


Biblioteca Nacional. São imagens chocantes, em formato de cartes de
visite, e retratam crianças, homens e mulheres desnutridos e
maltrapilhos, de aparência doentia, e, muitas vezes, as fotos, feitas em
estúdio, trazem textos rimados que se referem à miséria.

Acessando o link para as fotografias de Joaquim Antônio Correia sobre a


seca nordestina de 1877/1878 disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o
leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes
a elas.

A publicação da ilustração litográfica das duas fotos sendo seguradas por


um esqueleto vestindo paletó, sob o título “Páginas tristes – Scenas e
aspectos do Ceará (para S. Majestade, o Sr. Governo e os Senhores
Fornecedores verem)”, tinha o objetivo de reforçar denúncias feitas pelo
escritor e jornalista José do Patrocínio (1853 – 1905) em artigos
publicados no periódico de texto Gazeta de Notícias. Patrocínio fazia, na
época, a cobertura jornalística da seca com o principal objetivo de
acompanhar a aplicação dos recursos governamentais em seu
combate. Partiu em 10 de maio de 1878 e retornou ao Rio de Janeiro, em
12 de agosto do mesmo ano. As matérias foram publicadas, na
coluna Folhetim, na primeira página da Gazeta de Notícias, sob o título
“Viagem ao Norte” (1).

Mas só o texto não era suficiente. Então, Patrocínio enviou as fotos para
a redação da revista O Besouro, para a qual já havia mandado, antes da
viagem, o artigo “Sermão de Lágrimas” (O Besouro, edição de 4 de maio
de 1878 ), em que tratava, com preocupação, a seca e a situação dos
retirantes.

A publicação da ilustração com as fotos de Joaquim Antônio Correia, na


revista O Besouro, foi um verdadeiro “anticartão de visita, veemente
panfleto que denuncia uma realidade que muitos membros da corte se
negavam a enxergar”(“Imagens da Seca de 1877-78 – Uma contribuição
para o conhecimento do fotojornalismo na imprensa brasileira”).

Abaixo, está reproduzido o texto publicado no O Besouro, na página


seguinte à ilustração com as fotografias:

“O Ceará

O nosso amigo José do Patrocínio, em viagem por aquela provincia,


enviou-nos as duas photographias por que foram feitos os desenhos da
nossa primeira página.

São dois verdadeiros quadros de fome e miséria. E´ n´aquelle estado que


os retirantes chegam á capital, aonde quasi sempre morrem, apezar dos
apregoados soccorros, que segundo informações exactas são distribuídos
de maneira improficua.

A nossa estampa da primeira pagina é uma prova cabal áquelles que


accusavam de exageração, a pintura que se fazia do estado da infeliz
província.

Repare o governo e repare o povo, na nossa estampa, que é a cópia fiel


da desgraça da população cearense.

Continuaremos a reproduzir o que o nosso distincto collega nos enviar a


tal respeito.”

Uma curiosidade: também dessa viagem ao norte do país originou-se o


romance de José do Patrocinio, Os Retirantes, publicado na Gazeta de
Notícias, em estilo de folhetim, entre 29 de junho e 10 de dezembro de
1879.

(1) – Links para os artigos escritos por José do Patrocínio sob o título
“Viagem ao Norte”.
Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 1º
de junho de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 6


de junho de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 20


de julho de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 23


de julho de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 3


de agosto de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 15


de agosto de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 22


de agosto de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de


30 de agosto de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 7


de setembro de 1878.

Coluna Folhetim, “Viagem ao Norte”, Gazeta de Notícias, edição de 12


de setembro de 1878.

Breve cronologia de Joaquim Antônio Correia (18? – ?)


1874 – Até este ano, o nome de Joaquim Antônio Correia apareceia no
cadastro de contribuintes como dono de uma casa comercial
especializada em produtos manufaturados fora da província,que ficava
na rua da Palma , nº 17.

1877 - Estabeleceu como fotógrafo na rua Formosa, n° 31. Atuou como


retratista por não menos de dez anos e foi contemporâneo de Agio Pio,
do prussiano Carlos Frederico Reeckell, do dinamarquês Niels Olsen
(1843 – 1911) associado ao austríaco Constantino Barza, do francês
Baubrier e de Francisco Brandão, dentre outros.
O Cearense, 28 de janeiro de 1877

1878 – Defendeu-se da acusação de comercializar indevidamente


retratos que produzia de moças de família e ameaçou pendurar de cabeça
para baixo os retratos de seus devedores (O Cearense, 12 de maio de
1878).

Em maio, conheceu o escritor José do Patrocínio (1853 – 1905), que


havia ido para o Ceará para conhecer mais de perto a tragédia da seca.
Voltando para o Rio de Janeiro, publicou duas fotos da seca no Ceará de
autoria de Correia, na revista O Besouro, de 20 de julho de 1878, do
chargista português Rafael Bordallo Pinheiro (1846 – 1905). Foi uma
das iniciativas pioneiras da imprensa brasileira na utilização de
fotografias como documentos comprobatórios de um fato. Foi um marco
na história do fotojornalismo brasileiro.
A publicação da ilustração litográfica das duas fotos sendo seguradas por
um esqueleto vestindo paletó, sob o título “Páginas tristes – Scenas e
aspectos do Ceará (para S. Majestade, o Sr. Governo e os Senhores
Fornecedores verem)”, tinha o objetivo de reforçar denúncias feitas por
do Patrocínio em artigos publicados no periódico de texto Gazeta de
Notícias. Patrocínio fazia, na época, a cobertura jornalística da seca com
o principal objetivo de acompanhar a aplicação dos recursos
governamentais em seu combate. Partiu em 10 de maio de 1878 e
retornou ao Rio de Janeiro, em 12 de agosto do mesmo ano. As matérias
foram publicadas, na coluna Folhetim, na primeira página da Gazeta de
Notícias, sob o título “Viagem ao Norte”. Mas só o texto não era
suficiente. Então, Patrocínio enviou as fotos para a redação da
revista O Besouro, para a qual já havia mandado, antes da viagem, o
artigo “Sermão de Lágrimas” (O Besouro, edição de 4 de maio de
1878 ), em que tratava, com preocupação, a seca e a situação dos
retirantes.

1881 – Seu estúdio fotográfico dispunha de um grande sortimento de


quadros de gosto…máquinas de 4 objetivas…e tudo por preço tão
diminuto que admira.

O Cearense, 15 de março de 1881


1883 / 1884 – Antes da assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888,
Fortaleza, em 24 de maio de 1883, tornou-se a primeira capital brasileira
a libertar todos os escravizados. No ano seguinte, em 25 de março de
1884, o Ceará passou a ser o primeiro estado brasileiro a extinguir a
escravidão. Correia documentou os líderes da luta escravagista em fotos
chamadas de Retratos Libertadores e, em 1883, as comercializava.

O Libertador, 9 de maio de 1883 / História da fotografia no Ceará do


século XIX

1885 – Correia anunciou que havia adquirido, em Paris, uma nova


máquina para retratos instantâneos (O Cearense, de 28 de julho de 1885,
última coluna).

1886 – Anunciava que em seu estabelecimento fotográfico tirava-


se retratos pelos processos mais aperfeiçoados (O Libertador, 8 de
junho de 1886, última coluna).

1892 – Provavelmente continuou trabalhando como fotógrafo até este


ano.

Em 29 de dezembro, inaugurou a primeira fábrica de louças do Ceará, no


Boulevard da Conceição (A República, 28 de dezembro de 1892, quarta
coluna).

1893 – Anunciou a venda de seu estúdio fotográfico:


“Joaquim Antonio Correia vende a sua fotografia constando de boas
lentes, drogas, punsas, etc. A tratar: Rua Formosa, nº 31″ (A República,
30 de maio de 1893). Residia na rua Floriano Peixoto, nº 95.

Fontes:

ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de; LOGATTO,


Rosângela. Imagens da Seca de 1877-78 – Uma contribuição para o
conhecimento do fotojornalismo na imprensa brasileira. Anais da
Biblioteca Nacional, vol 114, de 1994, p. 71-83.

BEZERRA, Ari Leite. História da fotografia no Ceará do século XIX.


Edição do autor, 2019.

Fundação Palmares

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos


e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto
Moreira Salles, 2002. 408 p., il. p&b.

Link para o artigo 500 mil mortos: a tragédia esquecida que dizimou
brasileiros durante 3 anos no século 19, de Camilla Veras Mota, Camila
Costa e Cecilia Tombesi publicada no site da BBC, em 18 de junho de
2021, com as fotografias de Joaquim Antonio Corrêa.*

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

*Esse link foi acrescentado no artigo em 19 de junho de 2021.

**Essa breve cronologia foi inserida em 19 de abril de 2022.

Galeria de Joaquim Antonio Corrêa


Análise de
documento Brasil, Ceará, fotografia, fotojornalismo, história, Joaquim Antônio
Correia, Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, José do Patrocínio (1853 -
1905), Nordeste, O Besouro (revista), Rafael Bordalo Pinheiro (1846 -
1905), Rosângela Logatto, seca 5 Comentários

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