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Nota da Autora

Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Contato
Copyright © 2021 Diane Bergher

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Revisão: Camille Chiquetti


Preparação de texto: Julia Lollo
Capa e design gráfico: Layce Design
Diagramação: Layce Design

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição Digital | Criado no Brasil.


“O amor não vê com os olhos, mas com o coração.”

- William Shakespeare
A necessidade de utilizar a licença poética se fez imprescindível para
que a narrativa tivesse situações coesas, as quais não seriam aceitáveis fora
do campo da literatura.
No entanto, apesar de não ter a intenção de ser fidedigna à História, fui
beber de acontecimentos e lugares reais para compor o enredo, sempre
mesclando-os aos elementos fantasiados pela imaginação.
Este livro contém cenas de sexo e algumas cenas de violência devido ao
período da História em que se passa.
Damas do Romance desejam boas-vindas a você, que se propôs a viajar
rumo ao Brasil do Segundo Império. Não deixe também de se aventurar a
conhecer nossas outras coleções, cujas histórias foram pensadas para tocar
os corações das mais românticas.

Diane Bergher
Rio de Janeiro, 1862.

O luto com que vinham lidando há meses e a ausência de um irmão que


pudesse assumir o controle da herança as deixavam apreensivas quanto ao
futuro. Duas mulheres solteiras jamais poderiam administrar uma herança,
esse era o pensamento do Barão de Santa Cruz, e a razão para que nomeasse
um tutor para as filhas. E somado ao pensamento retrógrado do falecido pai,
a legislação não as protegia, relegando-as a um limbo que as fazia se sentir
um estorvo quando tinham plenas capacidades de tocarem suas vidas sem
nenhum homem para dizer-lhes o que deveriam fazer ou deixar de fazer.
— O que diz a carta? – Lúcia, a mais jovem das Alencar, encarou a irmã
esperando por notícias do tal tutor que o pai lhes nomeou em testamento.
Isadora e Lúcia eram diferentes tanto em aparência quanto em
personalidade. Lúcia era mais sonhadora e mais passional, enquanto Isadora
se mostrava mais realista e racional. No entanto, ambas dividiam o
pensamento acerca da abolição da escravatura como um gosto em comum,
gosto este que fora uma das principais causas de divergências com o pai
meses antes de ele morrer devido aos pulmões fracos que tinha.
— Sobre a vinda do primo para o Brasil. Ele deve chegar nos próximos
meses, a julgar que a carta foi despachada um pouco antes de sua partida de
Lisboa – avisou Isadora.
— E isso é bom? – perguntou Lúcia assim que se sentou ao lado da irmã
no confortável estofado com forro de veludo.
A casa da cidade dos Alencar tinha a fama de ser a mais luxuosa das
Laranjeiras e o belo jardim ao estilo francês servia de inspiração para quem
desejava ficar mais próximo à Corte sem perder o contato com a natureza.
Aliás, o Barão de Santa Cruz havia escolhido a região para fugir do aperto
do Centro da Cidade, com seus casarios emendados uns nos outros e suas
ruelas estreitas.
— Por um lado é bom – afirmou a mais velha —, finalmente teremos o
representante legal dos negócios do papai e as decisões serão tomadas.
Nossas fazendas não podem esperar e já não sei mais o que posso fazer para
manter os negócios andando. Mas, por outro lado, seremos submetidas
também às decisões de um homem desconhecido.
E se tinha algo que agradava à Isadora durante os meses em que se
responsabilizou pela administração dos bens era a liberdade que jamais
tivera por ter nascido mulher em um mundo que privilegiava apenas quem
não usava saias. Sim, sua liberdade era saborosa demais para que lhe
tirassem.
— Mas papai confiava nele, caso contrário, não o teria nomeado –
refletiu Lúcia.
— Um primo que não via há mais de vinte anos?! Não sei se podemos
chamar isso de um perfeito julgamento de confiança. Mas é nossa realidade
e me sinto culpada pelo fato de nossa sorte depender de um estranho, que
pode sim ser um oportunista – explicou ao lembrar que deveria ter aceitado
uma das muitas ofertas de casamento que recebera logo depois do término
de seu noivado. Mas o ressentimento a fizera declinar cada uma dessas
ofertas, levando o pai à infeliz decisão de nomear um estranho, embora
aparentado distante, para o posto de tutor das filhas. E desse estranho
julgamento, ela apenas guardava ressentimentos, pois não conseguia
entender os motivos que levaram o pai a confiar mais em um estranho do
que em suas filhas.
Isadora se levantou, dobrou a carta e a guardou no bolso interno de seu
vestido. Era uma mulher elegante, no auge do vigor físico, mas considerada
passada da hora de se casar, culta e refinada em demasia para os padrões da
Corte brasileira, cujo intelecto a fazia ser ao mesmo tempo admirada e
odiada. E havia quem dissesse que ela era uma péssima influência para a
irmã.
— Para onde vai, Dora? – perguntou Lúcia enquanto a irmã ajeitava o
chapéu de cetim no alto da cabeça, que a deixava com a aparência ainda
mais intocada: um sonho inalcançável para a maioria dos cavalheiros
afoitos por uma noiva rica.
— Vou ter com Doutor Estevão Antunes – respondeu sem desviar os
olhos do espelho. — Nosso advogado haverá de nos indicar uma solução,
pois não penso ter minha vida decidida por um estranho que teve a audácia
de me propor casamento por meio de uma carta.
Lúcia arregalou os olhos e levou as mãos à boca, estava chocada.
— O primo lhe propôs casamento? – ela soltou, incrédula.
— Com direito à chantagem, minha irmã. – Isadora se aproximou da
irmã e a segurou pelas mãos. — Eu nos coloquei nessa situação por
rechaçar todos os pedidos de casamento que recebi, e me recuso a me casar
com um homem que teve a audácia de me chantagear usando você.
— Eu?
— Sim! Você, minha irmã! – Isadora confirmou.
— Se eu não me casar com ele, não permitirá que você se case – ela
explicou. — E talvez ele coloque os olhos de cobiça em você, querida.
Jamais permitirei que seus sonhos sejam desfeitos porque um estranho quer
colocar a mão na fortuna que papai nos deixou.
— Mas ele pode fazer isso?
— Claro que sim! Ele controla nossos dotes, minha querida. – Isadora
abraçou a irmã com carinho. — Infelizmente, papai lhe deu amplos poderes
para atuar de acordo com sua vontade, e não a nossa. Mas não se preocupe
que encontrarei uma solução.
E com essa promessa, as irmãs se despediram.

As rodas de ferro provocavam um barulho irritante quando batiam no


chão de cascalho. Isadora massageou as têmporas assim que pisou na rua,
havia chegado ao seu destino. A elegante placa de bronze exibia o nome do
advogado, a quem confiara sua vida e a de sua irmã, mas que pouco
conseguira fazer até então por elas.
— Pretendo não demorar com Doutor Antunes, Malaquias. Por favor,
retorne dentro de uma hora com a carruagem.
Isadora se apressou para entrar no edifício que sediava vários escritórios
e abaixou a cabeça para que não a reconhecessem. Suas visitas ali sempre
se tornavam motivo de mexerico por dias a fio, e tudo porque ela e o
advogado dividiam um passado em comum, que não era nada agradável.
— Seja bem-vinda, minha cara – disse o advogado quando a viu na
porta. Por uma coincidência, ele saiu de sua sala para deixar instruções para
o assistente e a encontrou no caminho. — Pode deixar, Magalhães –
dispensou o jovem e se aproximou de Isadora para cumprimentá-la de
acordo com a etiqueta, fazendo uma reverência apenas para não inflamar
ainda mais os mexericos, ao observar o súbito interesse do assistente. Não
era de bom tom que uma dama solteira o visitasse sem acompanhante, mas
ao se tratar de Isadora Alencar, a etiqueta se tornava um acessório
dispensável.
— Espero que tenha notícias, meu amigo – disse ela, aceitando o braço
do advogado para ser pajeada até o gabinete dele.
— Nada tenho de novo para apresentar para a senhorita – adiantou antes
de criar falsas expectativas. Conheciam-se há anos e sabia que a amiga
preferia a objetividade às firulas ditas para amenizar notícias desagradáveis.
Ele ofereceu assento a ela e, logo em seguida, se acomodou na cadeira
que ficava atrás de sua mesa de trabalho.
— Pois eu tenho! – a herdeira do Barão de Santa Cruz soltou enquanto
mostrava a carta. — É do nosso tutor. É questão de alguns meses para que
ele desembarque na Corte conforme o desejo de papai, presumo. Mas já
adianto que não pretendo me submeter às ordens de um estranho.
— E por acaso há algum homem a quem a senhorita pretende se
submeter? – Antunes esticou os lábios em um sorriso presunçoso, usando os
cotovelos para se apoiar no tampo da mesa feito de pau-brasil.
— Não seja um piadista, Estevão. – Eram amigos e ela decidiu que
poderiam dispensar a formalidade. — Deve existir alguma solução para
nosso caso, e de preferência uma que seja a mais rápida possível.
— Há apenas uma que pode ser tão rápida quanto o caso exige, Dora –
ele também dispensou a formalidade —, o casamento. O pleito judicial pela
sua emancipação pode ser longo e até lá terá que se submeter às decisões do
tutor, então não o recomendo diante da pressa com que quer se livrar do
cavalheiro em questão.
Isadora sorriu de nervoso, pois justamente o casamento de que tanto
fugiu nos últimos anos era a solução perfeita para seus problemas.
— Casamento não estava em meus planos – ela resmungou —, mas se
for a única solução para proteger minha irmã e nossa herança, que assim
seja.
— Está certa disso? – ele insistiu.
— Nunca estive tão certa de algo. Mas no caminho até aqui tive uma
ideia para um plano – disse ela, e Estevão a percebeu mais nervosa do que
tentava disfarçar.
— Não seria Isadora Alencar se não tivesse um plano. Sabe que a
admiro por ter tocado cada um dos negócios de seu pai, não sabe? – Ela fez
que sim. — E me casaria com você se não soubéssemos que acabaríamos
nos matando no primeiro mês de vida conjugal. Somos perfeitos como
parceiros de negócios, mas não como marido e mulher. E fingirmos um
casamento é arriscado quando pretende se livrar de um tutor que julga ser
um peso em sua vida.
— Concordo. – Ela abriu o leque para esconder o riso. — Nosso
casamento seria uma catástrofe.
— Mas seria o mais natural a acontecer, já que nossos noivos se
apaixonaram e decidiram nos abandonar – comentou ele.
— Não me recorde daquele traste, Estevão. Sabemos que foi seu amigo,
mas me iludiu como outro jamais conseguiu – ela refutou a lembrança
porque a irritava. De certo modo, foi a traição do noivo que a colocou na
situação que estava.
— Mas diga, qual é o plano? – exigiu ele.
— Um casamento arranjado – contou ela, mais empolgada.
— Como um contrato?
— Algo assim. Se as famílias reais costumam se casar por contratos, por
que eu não posso? – Fez uma pausa. — Embora prefira usar os termos
corretos – ela abaixou o leque e o encarou com os olhos verdes arregalados,
que sempre impressionavam os desavisados —, vou comprar um marido.
— E por acaso deve estar pensando que eu sei onde se vendem maridos.
– Estevão soltou uma lufada de ar. Negociar com Isadora Alencar era como
flertar com o próprio demônio, e um dos mais traiçoeiros, pois tinha os
traços tão belos que ofuscavam qualquer desavisado.
— Faça um anúncio no jornal, Estevão – ela sugeriu, impaciente por ele
não ter a praticidade necessária para resolver o infeliz impasse que a
submeteria à autoridade de um desconhecido.
— Não está falando sério? – Ele se sobressaltou na cadeira pela surpresa
de ser procurado para encontrar um marido da noite para o dia enquanto ela
se mantinha impassível, como se fosse o Imperador presidindo a abertura
dos trabalhos legislativos.
— Claro que estou! Faça o anúncio e sabatine os candidatos, tenho
alguns requisitos a preencher, além de um acordo pré-nupcial que deverá
ser perfeito para não levantar qualquer questionamento jurídico acerca de
sua validade. Se o problema é ser uma mulher solteira, devo mudar meu
estado civil o quanto antes – decretou ela. — Faço isso para recuperar o
controle de nossa herança e assim proteger o futuro de minha irmã.
— Devo alertá-la de que a tutela do tal desconhecido permanecerá em
relação à Senhorita Lúcia até que se case – ele a avisou. — A não ser que
deseje que eu encontre um marido de aluguel para ela também.
Marido de aluguel? Não soou muito bem aos ouvidos de Isadora, além
de que a fazia se sentir uma trapaceira.
— Claro que não! – negou com veemência. — Lúcia é muito romântica
para compreender os melindres de negócios do tipo – asseverou.
E para todos os efeitos, o casamento teria que ser legítimo, sem qualquer
desconfiança quanto a sua validade, para que o maldito primo vindo de
Portugal não tivesse motivos para tentar anulá-lo.
— Uma disputa judicial poderá ser dispendiosa e demorada – ele a
alertou, interrompendo-a em seus pensamentos.
— A enviarei para um convento, caso nenhum pretendente lhe aprouver
– decidiu —, mas é claro que não a obrigarei a nada. A decisão sempre será
de minha irmã. – Isadora se levantou e alisou as mangas do vestido de cetim
preto que usava em respeito ao luto do pai. — Eu conto com sua
competência para cuidar de tudo, Estevão. O quanto antes.
Algumas semanas depois.

O barulho do raspar da ponta da pena no papel quebrava o silêncio


sepulcral para lembrá-los de que não se tratava de um velório, mas sim de
um casamento, mesmo que tivesse sido do tipo arranjado, e não o resultado
de uma corte formal, como a etiqueta social recomendava.
Rodrigo Paiva de Vasconcelos acabava de assinar o documento, um
acordo pré-nupcial detalhado em mais de vinte páginas, que o ligava para
sempre ao destino de Isadora Alencar, sem direito a arrependimentos, diga-
se de passagem. Mas era o casamento com a rica herdeira do Barão de
Santa Cruz ou a sarjeta a que fora arremessado pelo pai por ousar pensar
diferente; como se o desejo de se tornar médico para salvar vidas não fosse
mais importante do que plantar e colher café.
A sacristia da pequena capela era apertada, tinha cheiro de mofo e
sequer combinava com a beleza da noiva, que merecia um rico altar
decorado e muitos convidados para admirá-la em seu vestido de noiva
importado da Europa. No entanto, sequer o vestido ela tivera tempo de
mandar buscar devido à rapidez com que as negociações aconteceram, e
não, obviamente, pela falta de recursos.
E uma verdade precisava ser dita: Isadora não precisava da alta costura
para impressionar.
Rodrigo ainda se lembrava do dia em que fora apresentado à noiva do
irmão mais velho e de como os olhos verdes dela o deixaram intrigado, tão
enigmáticos quanto os de um felino arisco. Mas na ocasião ele era apenas
um garoto que mal sabia o que fazer com uma mulher para compreender a
sorte que o irmão havia dispensado ao rechaçá-la semanas antes do
casamento.
Isadora Alencar era linda, atraente e com um chicote no lugar da língua.
Não era mulher para qualquer homem e isso ela deixou muito claro nos
anos que devotou à solteirice, dispensando cada um dos pretendentes que o
barão lhe arranjara. Era o que chamavam de “moça-velha”, mesmo que sua
aparência atestasse o contrário.
Seria estranho o seu súbito interesse em conseguir um marido, caso
Estevão Antunes não tivesse sido muito claro ao explicar os motivos: a
mais rica herdeira da Corte precisava se casar para se livrar da ingerência de
um tutor impertinente; portanto, tão desesperada estava que anunciou a
procura de marido no Jornal do Comércio. Tamanha foi a surpresa quando
Rodrigo descobriu quem era a pretendente, e o fato de ela ser a ex-
prometida do irmão não chegou a ser um problema quando os agiotas lhe
perseguiam para cobrar os empréstimos que fizera ao longo dos meses que
viveu na Corte por sua conta e risco.
Além do mais, ele precisava de dinheiro para terminar os estudos se
quisesse se formar médico. Um ideal maior estava em jogo para que o
orgulho o impedisse de fazer o que fosse preciso: no caso, se casar com o
“desafio de saias”.
Era assim que a chamavam na Corte. Um desafio que jamais fora
superado por qualquer cavalheiro. Isadora Alencar era uma dama exigente,
de brios delicados e com uma fortuna que a tornava o melhor partido não
fosse o nariz arrebitado que sempre exigia o impossível. Só havia uma
palavra para descrevê-la: esnobismo.
A primogênita do Barão de Santa Cruz se virou e a constatação de que
bastava o padre casá-los para que ela se tornasse sua esposa o deixou com a
boca seca. Rodrigo aceitou a pena da mão de Isadora e o leve roçar de
dedos o despertou para pensamentos nada apropriados para se manter na
presença de um padre. E de um advogado que não estava nada feliz com o
casamento de sua cliente. Mas Isadora sempre fora o sonho de qualquer
jovem, e ficar indiferente a ela não era uma opção plausível quando
estavam prestes a se casar, sequer poderia fingir que ela não lhe interessava.
— Espero que tenha tomado a decisão correta – Estevão disse para
Isadora enquanto Rodrigo assinava o acordo pré-nupcial. — Se tivéssemos
mais tempo, talvez, eu pudesse ter encontrado outro candidato a marido. –
Ele se preocupava com o fato de que o futuro marido de sua melhor amiga
era irmão daquele que a abandonou poucas semanas antes do casamento.
Ela se empertigou e alisou as mangas de seu vestido de tafetá cinza
antes de olhar para o advogado. Sua irmã se aproximou e a apoiou,
pegando-a pela mão. Elas haviam abandonado o luto completo em razão
das bodas, mas decidiram manter o meio-luto por mais algumas semanas
em respeito à memória do pai.
— Eu sei que fez o melhor que pôde diante das circunstâncias nada
favoráveis que lhe apresentei. – Isadora havia se conformado com o marido
que o advogado conseguira, mesmo ele sendo oito anos mais jovem e cuja
fama de farrista corria pelas ruas da Corte como vento; no entanto, era o
fato de ele ter sido quase seu cunhado que a deixou um pouco queixosa e a
fez considerar a ideia de não se casar.
Mas sem tempo para que seus caprichos fossem atendidos, aceitou-o
sem perda de tempo, e assim se tornaria a esposa do filho libertino do
Conde de Itararé. E de um jeito torto cumpria com o que o pai havia
planejado para ela quando a apresentou para a família Paiva de
Vasconcelos.
Rodrigo deveria ter por volta de quatorze anos quando Isadora fora
pedida em casamento por seu irmão. E de lá para cá muitas coisas haviam
mudado, precisava ser justa, principalmente sua aparência. Ele havia
adquirido alguns centímetros a mais, o maxilar estava mais acentuado e o
corpo havia ganhado os músculos de alguém que gostava de se exercitar ao
ar livre. Era um homem em pleno vigor da juventude e cuja disposição a
deixava alarmada quando pensava nos deveres conjugais que o casamento
traria.
— Ao menos ele tem ótima aparência – comentou Lúcia sem pensar
muito no que estava falando. Mas assim era sua irmã, romântica demais
para enxergar corações onde não existiam.
— E tem praticamente sua idade – rosnou Isadora enquanto tentava se
conformar com o fato de que estava se casando com um homem jovem
demais e que talvez ele não pudesse lhe ser fiel. Se até os mais velhos, às
vezes, costumavam dar suas puladas de cerca, era muito provável que os
mais moços fizessem o mesmo, com até mais frequência.
— Não pretendo me casar sem amor – retrucou Lúcia, interrompendo as
divagações da irmã quanto à virilidade do futuro marido —, e você sabe
disso muito bem. Mas ele é bonito, Dora, e tem todos os dentes – insistiu
—, muito melhor do que se casar com um homem que tem a idade para ser
seu pai – ponderou —, como o caso do tutor.
— Tanto sei que concordei que precisa se recolher no Convento das
Carmelitas até que eu consiga nos livrar da maldita tutela – explicou
Isadora, não fazendo caso dos comentários da irmã quanto à beleza do
noivo.
Estevão havia se responsabilizado em levá-la até um convento em São
Paulo e ambos partiriam logo após o casamento e de maneira discreta, para
não chamar a atenção. Não queriam que ninguém ficasse sabendo de seu
paradeiro para que o primo do falecido pai não a forçasse a um casamento
enquanto Isadora estivesse brigando na justiça para que a tutela fosse
desfeita. Na verdade, seria Rodrigo o autor do litígio, o que foi uma das
condições para que se cassassem.
— Está assinado! – Rodrigo se voltou para a noiva e estendeu o braço
para que ela se enganchasse a ele.
O padre começou a falar, mas nenhum deles conseguiu prestar muita
atenção. Tantas coisas lhes passavam pela mente que as palavras do
representante de Deus se tornavam ecos que se perdiam entre os tijolos e
argamassas da simplória capela. O que eles sabiam, no entanto, era que um
precisava do outro para resolver os problemas que os cercavam, e nesse
ponto eles se completavam muito bem, pois um era a chave para ter acesso
ao dinheiro do outro. E se pudesse existir respeito entre eles, tudo sairia
melhor do que o planejado. Isadora pagaria as dívidas dele com os agiotas e
seu dote garantiria que Rodrigo pudesse concluir os estudos, enquanto o
sobrenome dele daria a ela a segurança e o respeito que apenas uma mulher
casada teria.
Sim, era um ajuste perfeito, em que ambos seriam beneficiados se
pudessem conviver com as diferenças. Isadora se esforçaria para se tornar a
Senhora Paiva de Vasconcelos. E Rodrigo, bem, ele tentaria se manter
indiferente ao charme da esposa, como se pudesse realmente controlar os
instintos masculinos ao se casar com a tentação em forma de mulher.
A sorte foi lançada quando o padre os declarou marido e mulher.

Rodrigo ajudou a esposa a desembarcar da carruagem e a pajeou até o


palacete em que passaria a morar em sua companhia e que era dela, assim
como o dinheiro que o manteria na faculdade. Poderia ser humilhante se
não estivesse convicto de que era para uma boa causa.
E não era uma mansão qualquer, mas a única em estilo georgiano do Rio
de Janeiro, com uma fachada construída em simetrias perfeitas e decoradas
por altas janelas distribuídas ao longo de dois pavimentos, que serviam
como uma elegante moldura para o pórtico central que se debruçava sobre o
jardim em uma escadaria luxuosa, com dois leões esculpidos em granito
guardando a entrada. Quando avistada do portão, a impressionante
edificação, com suas palmeiras imperais flamulando como bandeiras
decorativas, impressionava qualquer um. Diziam que parte do material
usado para o acabamento e para a decoração havia vindo de Sintra.
Isadora havia permanecido calada todo o trajeto da capela até ali;
despedir-se da irmã a abalou profundamente e ele não ousou importuná-la
para se transformar em mais um estorvo quando o que ela precisava era de
um homem que fosse a solução de seus problemas. Eles teriam tempo para
se conhecerem melhor, estava certo de que sim.
Ao entrarem, foram apresentados aos criados, e Rodrigo ficou surpreso
quando descobriu que a casa era mantida por assalariados, embora ainda
fossem escravizados. Por óbvio que algumas coisas lhe ficaram claras;
Isadora não era uma escravocrata como o pai e isso justificava a urgência de
se casar com qualquer cavalheiro que aceitasse que ela administrasse os
bens herdados, mesmo que apenas na prática ele lhe desse liberdade de
decisão, pois no papel seria ele quem avalizaria o que havia feito. Ela
poderia mantê-los com dignidade, mas não detinha poderes para alforriá-
los, essa era uma das questões que a levaram a anunciar a procura por um
marido.
— A única coisa que lhe peço, senhor – ela se voltou para ele e o
encarou —, é que respeite os criados e os trate com dignidade, em especial
às mulheres que servem esta casa.
Rodrigo deixou a ofensa passar. Não era o momento, sequer o lugar,
para confrontá-la por ela o ter julgado um aproveitador de mulheres
indefesas. Além do mais, essa era Isadora, a mulher que falava o que
precisava, sem rodeios, e que não se intimidava pela presença masculina.
Ela apenas estava preocupada com a segurança das mulheres que viviam
embaixo do seu teto ao colocar dentro de casa um homem. Era fato que os
mestiços existiam em razão dos muitos casos que os senhores mantinham
com suas escravizadas.
— Podemos servir o jantar, sinhá? – perguntou uma das criadas, cuja tez
enrugada passava ao seu interlocutor a confiança de uma mulher que já
viveu e serviu muito.
— Por favor, Brásia – Isadora concordou. — Apenas nos dê um tempo
para nos assear. – As últimas tratativas para o casamento e a escolha por
uma capela distante do Centro da Cidade os ocupou em demasia mesmo
que tivessem saído cedo de casa.
Rodrigo curvou as sobrancelhas e cruzou os braços para observá-la em
seu hábitat natural. Sempre impecável nos gestos e assertiva em suas
colocações, o que o deixava cada vez mais encantado. Ele sempre soube
que Isadora era muito mais do que falavam a seu respeito.
— Não se preocupe, senhor – ela exigiu a atenção dele —, logo seus
pertences serão levados aos seus aposentos. – Ele não gostou muito da
referência de que iriam dormir separados. E novamente evitou contrariá-la,
seguindo-a em silêncio pelas escadas que davam acesso ao andar superior.
Isadora então parou e se voltou para ele quando alcançaram o que ele julgou
ser a porta de seus aposentos. — Aqui ficam meus aposentos, os seus estão
do outro lado do corredor – explicou, apontando o dedo. — Nos vemos
daqui meia hora para o jantar. Achei por bem servi-lo na sala de jantar
principal para que os criados se acostumem com seu novo senhor. – E então
lhe deu as costas, sempre ereta e elegante.
Rodrigo chegou a colocar a mão na maçaneta da porta cujos aposentos
foram destinados a ele como se fosse um mero hóspede e não o marido, mas
não era de seu feitio se deixar mandar como se fosse um gatinho em busca
do carinho da madame. Bem, ele tinha uma dona, disso não cabia discussão,
já que havia se vendido. Mas um mínimo de dignidade pretendia manter.
— Isadora – a chamou pelo primeiro nome e ela se empertigou.
— Sim? – retrucou ela. — Há algo que lhe falta e que posso ajudá-lo?
— Para começar, não me chame por senhor ou coisa do tipo, pelo amor
de Deus! – Ele gesticulou. — Soa como se fôssemos estranhos e não
marido e mulher. Ademais, nos conhecemos há anos, embora não nos
falemos nesse tempo todo.
— Infelizmente, as circunstâncias que nos ligam são deveras
inapropriadas – ela comentou impassível, mas se retesou quando o marido
reduziu a distância que os separava; e para isso bastou dar meio passo.
Rodrigo era intimidante, disso ela não tinha dúvidas, com uns vinte
centímetros a mais que ela e ombros largos que poderiam esmagá-la contra
a parede. Mas o mais impertinente foi constatar que ela não se oporia caso
ele quisesse fazer algo do tipo. Já havia passado da idade de conhecer
intimamente um homem, e agora que tinha um marido ao menos
conquistara a chance de descobrir os mistérios que envolviam os
relacionamentos e a razão para que as amigas mais próximas costumassem
suspirar quando lembravam dos maridos. Até mesmo as que não haviam se
casado por amor nutriam a estranha mania de suspirar pelos cantos,
contrariando as teorias de Lúcia, que dizia que suspiravam por amor.
Rodrigo não fez caso do comentário ácido da esposa e deslizou os dedos
pelo rosto dela, demorando-se um pouco mais nos lábios, que se arqueavam
com perfeição para se tornar um atrativo e tanto em uma mulher.
— Por que não me quer em seus aposentos? – Foi direto e ela quase
perdeu o fôlego quando ele a encarou com os olhos de um predador ávido
para abocanhar sua presa.
— Nos reencontramos outro dia, senhor... quer dizer, Rodrigo. E você
está tão diferente – soltou entre uma lufada e outra de ar que deixava
escapar na tentativa de se manter controlada.
— Você quer dizer que eu era mais... digamos... um garoto. Mas eu
cresci como pode atestar – ele se exibiu e ela jurou que cresceu alguns
centímetros a mais ao estufar o peito como um pombo —, tenho plena
capacidade física para cumprir com meus deveres conjugais neste
casamento... digamos... um pouco extravagante – arranhou a garganta.
Isadora não resistiu e deslizou os olhos até a altura da braguilha. Ele
percebeu o interesse dela e se divertiu com o atrevimento que se misturava
ao acanhamento conforme o rosto de traços delicados e perfeitos ficava
corado.
— É melhor que você se recolha. Haverá momento mais propício para
tratarmos desse assunto em específico. – A verdade é que Isadora não
estava preparada para essa parte do casamento, que envolvia corpos
entrelaçados, e principalmente quando havia se casado com um notório
libertino.
— Mas é de bom tom consumarmos o casamento – ele a lembrou.
— Não discordo... Porém, peço um pouco de paciência de sua parte. Sei
que é jovem e jovens costumam ser apressados, mas... – Bem, ela não sabia
o que usar como argumento. E Rodrigo sorriu com malícia quando percebeu
que a esposa se julgava muito velha, mas era atraente e linda em uma
intensidade que o pênis dele latejava dentro da calça apenas de a olhar.
E quando se deram conta estavam tão próximos que, por reflexo,
Isadora espalmou as mãos no peito dele, deixando-o que a abraçasse pela
cintura.
— Temos que começar de algum lugar, Dora. – Ela gostou do seu
apelido saindo dos lábios dele. — Quem sabe por um beijo.
Não foi um pedido de permissão. E que estúpida ela foi em imaginar
que um libertino contumaz pediria permissão para algo do tipo. Rodrigo
abaixou a cabeça e a tocou nos lábios com os seus, roçando levemente a
língua na pele sedosa para que ela o recebesse.
E senhor! Ela tinha gosto do paraíso perdido. Levemente ácido para
lembrar das dificuldades que enfrentou para chegar até ali, mas
deliciosamente doce para que ele jamais quisesse partir.
Mas precisava se afastar, e lutou contra a vontade de empurrá-la para
uma cama e tomá-la como esposa, conforme era seu direito.
Isadora soltou um suspiro longo e entrecortado em razão da respiração
pesada; o peito subia e descia diante da expectativa do porvir. Havia sido
seu primeiro beijo, ao menos um que o cavalheiro se atreveu a usar a
língua.
— Podemos ir com calma – ele disse e a trouxe de volta para o mundo
dos vivos, no qual havia se casado com um homem mais jovem para se
livrar de um grande problema. — Vou gostar de seduzir a mulher que já é
minha. – E deu as costas a ela para se embrenhar dentro do quarto que ele
esperava ser provisório, deixando-a afetada e com o coração pulando como
os batuques que animavam as noites de festejo nas senzalas.
— Se me permite o atrevimento, sinhá, se casou com um homem que
impressiona – Jerusa falou enquanto terminava o penteado de Isadora.
Aliás, a criada não havia parado de tagarelar desde que chegou para ajudá-
la e alguns comentários ultrapassavam aquilo que entendia como discrição.
— Rodrigo é um Paiva de Vasconcelos, e sabe-se que são conhecidos
pela beleza – comentou seca.
— Ah, mas não me refiro apenas aos dotes físicos, sinhá! – prosseguiu
Jerusa, empolgada com o diálogo. — O sinhô Rodrigo, além de jovem e
viril, é um homem bom.
Isadora se remexeu na cadeira e fitou a jovem mucama, um pouco
contrariada pelo comentário dela a ter feito reviver cada uma das sensações
que o beijo dele lhe imprimiu no corpo.
— Eu precisava me casar, como sabe – explanou com o intuito de se
livrar dos arrepios que a percorriam de cima a baixo. — Para o bem de
minha irmã e de cada um de vocês que vivem nesta casa. Com a tutela, não
tenho poderes para alforriá-los. Claro que não preciso mencionar que o
salário que pago a vocês poderia ser cancelado com a chegada do tutor.
— Claro que não precisa! – Jerusa a ajudou a fechar o colar de pérolas.
— Somos gratos pelo que faz por nós. E queremos ser livres. Mas também
queremos que seja feliz, sinhá! É uma boa alma e o que o outro moço fez,
abandoná-la no altar, não se faz para gente boa como a sinhá.
— São irmãos! – Isadora soltou uma risada nervosa e gesticulou no ar.
— Meu marido e o traste são irmãos.
— Desconfiamos pelo sobrenome, embora tivéssemos apostado que
poderia ser um primo – comentou a criada.
— Rodrigo é o caçula do Conde de Itararé. Mas não posso me queixar,
não é? – Ela levantou da cadeira e conferiu a aparência no espelho. —
Assumi o risco quando decidi usar um anúncio de jornal para encontrar um
marido.
— Um herói, foi isso que a sinhá encontrou. – Jerusa segurava a escova
de cabelo contra o peito e suspirava como uma tola que acreditava em amor
à primeira vista. Talvez ali estivesse o motivo para ela e Lúcia serem tão
próximas.
Isadora sacudiu a cabeça enquanto se lembrava do beijo que o marido
lhe deu minutos antes. Rodrigo era atrevido e já havia demonstrado que não
aceitaria ser julgado pelos atos do irmão. Ela gostou disso e se sentiu menos
culpada por trazê-lo para sua vida. Temia que o sogro a julgasse vingativa
ao se aproveitar da necessidade do filho para propor acordo tão
impertinente. Duvidava que o meticuloso conde se contentaria com tal
esposa para o filho, cuja idade ultrapassava a do marido. Aliás, ele havia
proposto o absurdo na tentativa de compensá-los pelo casamento frustrado;
sim, o Conde de Itararé propôs que Rodrigo se casasse com Lúcia, o que
deixava claro que a julgava muito velha para seu caçula.
Fosse como fosse, ela simplesmente fez o que precisava ser feito. E foi
uma coincidência que o cavalheiro que se interessou na proposta
matrimonial fosse membro da família que a humilhou anos antes.
E se bem ela reparou, Rodrigo não se sentia mais parte dos Paiva de
Vasconcelos. Tão logo, não haveria que se preocupar com isso quando já
tinha tanto para cuidar e decidir.
— Estou bem para nosso primeiro jantar? – perguntou enquanto
borrifava seu perfume preferido no pescoço.
— Sinhô Rodrigo vai ficar maravilhado quando a ver! – exclamou a
criada.
— Não exagere, Jerusa. – Isadora tentou contê-la na empolgação.
Preferia encarar a vida com menos emoção para evitar desilusões; não
permitiria que a fizessem sofrer de novo.
— É fato que é linda – retrucou a garota, contrariada. — Não me faça
repetir o sermão que eu e a sinhazinha Lúcia costumamos lhe dar, de que
ser rechaçada pelo noivo não pode ditar sua vida. Bem sabemos que ele a
trocou por uma dama, cuja futilidade a tornava perfeita para um homem
covarde.
— Só falta dizer que o irmão dele é um homem valente, além de viril,
por desposar o “desafio de saias”. – Isadora revirou os olhos ao lembrar de
que seu gênio difícil costumava ser um problema para o ex-noivo.
— Pois digo que tem que ser muito homem para ter uma mulher como a
senhora ao lado – confirmou Jerusa. — Linda, inteligente e com a coragem
que faltava no fujão.
Isadora não conseguiu evitar a diversão que a abraçou e riu com vontade
do exagero de Jerusa.
— Bem, é melhor não o deixar esperando. – Puxou uma mecha de
cabelo do penteado para que caísse por cima do ombro e pegou o xale que
Jerusa lhe entregou.
Isadora queria impressionar o marido e o mero pensamento a deixava
agitada e ansiosa para reencontrá-lo.
— Irei trocar os lençóis e separar sua camisola para a noite de núpcias –
avisou, assim do nada, o que fez com que Isadora se retesasse e soltasse um
suspiro longo e profundo.
A noite de núpcias andava povoando suas ideias desde que ele a beijara.
Não poderia esconder que o desejo lhe corria pelas veias para que se
lembrasse de que era mulher e que estava casada, finalmente, contrariando a
própria promessa de viver em celibato.

Rodrigo mastigava o pedaço de assado que lhe serviram com uma


sofisticação que lhe lembrava a cozinha francesa enquanto pensava que a
arrumação da mesa era a mais luxuosa se estivessem em Londres ou em
Paris, mas que não o permitia ficar mais próximo da esposa, que a propósito
estava tão bela que ele não conseguia mais disfarçar o fascínio. Isadora era
um deleite para seus olhos, sofisticada e charmosa mesmo quando a cor
opaca do vestido de luto tinha a pretensão de tirar seu brilho.
Inferno! Ele havia se casado por interesse sem contar com a sorte de que
desposaria a mulher que costumava povoar seus sonhos de adolescente.
Isadora Alencar debutou quando ele tinha pouco mais de quatorze anos, se
sua memória ainda era capaz de lembrar de detalhes tão precisos quanto
datas e apresentações. E ela foi a sensação dos salões, não apenas pelo seu
rico dote, mas pela sua beleza impressionante. Os cabelos castanhos
contrastavam com os olhos verdes, não um verde qualquer, mas um verde
vivo e brilhante, tanto é que diziam quase cegar quem os fitasse. O rosto era
fino, em formato oval, harmonizado por sobrancelhas que se arqueavam
seguindo o contorno dos cílios fartos. A cintura fina valorizava os seios
fartos, e os braços longos costumavam lembrar a delicadeza de uma
bailarina habilidosa quando os estendia para executar um minueto. Ela era o
sonho de qualquer garoto que estava começando a descobrir os prazeres da
carne e não poderia ser diferente com Rodrigo. Sempre julgou o irmão um
tolo por rechaçá-la, mas se surpreendeu quando a identidade da noiva lhe
foi revelada por Estevão Antunes.
E se em algum momento considerou a ideia de desistir do acordo
proposto, a identidade da noiva se tornou um incentivo extra.
Rodrigo queria conhecê-la melhor e precisava se aproximar sem
delongas; por isso se levantou e caminhou para o outro lado da mesa que,
contando por alto, deveria acomodar umas vintes pessoas, e depositou o
prato e o copo quando lá chegou.
Isadora o fitou por cima do copo, intrigada com o comportamento do
marido, mas ainda mais atraída pelo seu jeito despojado e inquieto. Rodrigo
havia dispensado a casaca e o lenço do pescoço, o que o deixava mais viril;
talvez em outro não combinasse o estilo desleixado, mas nele, ah, o homem
conseguia ficar ainda mais atraente.
— Estamos muito longe um do outro – disse ele enquanto puxava a
cadeira para se sentar. — Para que seja possível conversar, precisamos
quase gritar – argumentou.
— Eu pensei que se sentiria melhor aqui – ela gesticulou para se referir
à sala de jantar principal, cujo ambiente espaçoso e com janelas altas lhe
dariam a privacidade que julgou que ele merecia —, não quero impor minha
presença.
Tsc, tsc. Ele bateu os dedos na mesa, inquieto.
— Você é minha esposa – soltou ele —, esposas não impõem presença,
mas fazem companhia – Isadora girou a cabeça para fitá-lo —, eu quero sua
companhia, Dora – explicou diante da confusão dela. — Ao menos para
quebrarmos o barulho dos talheres na louça com uma conversa aprazível.
Não precisa ser nada muito sofisticado.
Isadora corrigiu a postura e limpou a boca com o cantinho do
guardanapo de linho.
— Estava pensando que assim que suas provas terminarem, seria de
bom tom oferecermos um baile. – Ela tentou encontrar um assunto para que
pudessem engatar uma conversa. Não lhe cairiam os dedos se fosse
simpática. — Para que eu seja apresentada como a Senhora Paiva de
Vasconcelos. – Isadora tremeu ao pronunciar o seu novo sobrenome, pois
isso a fazia se lembrar da fuga de Tadeu.
Rodrigo percebeu o mal-estar e depositou sua mão sobre a dela.
— Eu não sou meu irmão – constatou caso ela nutrisse reflexões do tipo.
— E deveria se sentir orgulhosa por finalmente fazer parte da família a que
foi prometida, mas não me espanto se admitir que teria me feito usar seu
sobrenome se isso fosse legalmente possível. Eu a entendo muito bem. –
Ele sorriu e beijou a mão dela. — Daremos o baile, vai ser um prazer
apresentá-la como minha esposa. E agradeço a preocupação com meus
estudos.
— É o mínimo que posso fazer. – Ela evitou o olhar dele, Rodrigo a
olhava como se pudesse enxergá-la através dos tecidos que a cobriam e a
mantinham intacta de um mundo nem sempre justo com as mulheres. — A
mesada que combinamos estará disponível todo dia cinco. Basta encontrar o
contador. Mas se precisar mais, não hesite em me procurar.
— Não estava me referindo ao dinheiro quando sugeri que devíamos
conversar sobre trivialidades. – Ele a observou de canto depois de
abocanhar uma generosa porção de pão. — Eu quero conhecê-la melhor.
Saber do que gosta de ler ou de fazer no tempo livre.
— Acredito que não vá se animar com os meus gostos. – Ela sorriu e foi
o primeiro sorriso genuíno que lhe deu, o que o deixou encantado. — Todos
dizem que costumo ser enfadonha.
— Porque não me ouviram descrever os músculos de um corpo
dissecado – ele brincou. — Formamos uma dupla perfeita, a julgar pelos
nossos gostos. Mas se não estou enganado, você costumava gostar de
cavalgar. – Rodrigo lembrava dos passeios que ela costumava fazer com o
irmão em Itararé.
— Continua sendo meu passatempo favorito, embora a equitação tenha
se tornado mais uma lembrança do que uma prática.
— Vamos mudar isso. – Ele ergueu o garfo no ar e apontou para a
esposa. — Quem sabe uma temporada na fazenda depois que o ano letivo
terminar?!
— Não sei se é apropriado, Rodrigo. – Ela temia a presença do tutor. —
Não gostaria de me ausentar da Corte quando o primo de meu pai está
prestes a chegar.
— Esse tutor a preocupa, não é?
— Não vou negar o óbvio, ainda mais quando ele foi o motivo para que
me casasse com você.
— Um Paiva de Vasconcelos! – Ele foi debochado, mas ela não fez caso
a ponto de se ofender.
— Bem, eu tenho motivos para me sentir desconfortável com o seu
sobrenome. – E ele sabia que sim, por isso evitou retrucar. Mas estava
confiante de que com o tempo a má impressão desapareceria, bastava ela
lhe dar uma chance para provar que era diferente do irmão. — O que você
gosta de comer? A cozinheira pode preparar seus pratos favoritos –
prosseguiu diante do silêncio dele.
— Não quero causar transtornos à rotina da casa – ele ponderou. — A
propósito, meus horários são desajustados e nem sempre conseguirei
retornar a tempo do jantar. Principalmente nesta fase de provas finais.
— Não tem problema – foi solícita. Era estranho o quanto ela sentia
vontade de agradá-lo, como se precisasse recompensá-lo pelo favor de
aceitar se casar com uma herdeira desesperada. — Vou instruir a cozinheira
para deixar uma refeição preparada e que seja servida assim que você
chegar.
— Você vai me mimar, Dora. – Ele piscou para ela.
— Apenas quero que se sinta à vontade. Reconheço as renúncias que fez
para se casar comigo. É jovem e tinha muito a viver antes de se casar.
— Você me recompensou muito bem. – Ele teria dito mais, mas foi
interrompido pela chegada das criadas que traziam a sobremesa.
E então o silêncio voltou a se impor entre eles. Para desgosto de
Rodrigo. Ele precisava admitir que o casamento não se mostrou uma opção
agradável, mas a expectativa que nutria de desvendar as camadas mais
escondidas de Isadora o fazia se sentir vivo, como há tempo não acontecia.
Isadora limpou a boca com o guardanapo assim que terminou de comer
seu pedaço de pudim e o jeito com que fazia isso o deixava excitado,
bastava fechar os olhos para lembrar da sedosidade dos lábios dela contra
os seus. E o gosto, senhor! Isadora tinha gosto de pecado.
— O dia foi exaustivo – ele sabia que sim, já que precisou se despedir
da irmã que tanto adorava —, se me der licença vou me recolher mais cedo.
Rodrigo se apressou para ajudá-la a se levantar. Quando ele se
posicionou atrás dela de modo que pudesse puxar a cadeira para lhe dar
espaço, a imagem do pescoço fino e elegante, com a veia que pulsava no
ritmo de sua respiração, o jogou para dentro de uma espécie de transe, que o
deixou muito aguçado pelo cheiro de verbena que ela exalava no ar
conforme se mexia. Ah, se Isadora pudesse ter consciência do quanto o
afetava com um leve movimento, não pensaria em se recolher mais cedo.
Afinal, se tratava da noite de núpcias e de seu marido, não de um convidado
qualquer que ela estava dispensando.
Ela ergueu a barra do vestido para evitar se enrolar, mas a presença do
marido às suas costas a desconcertou e teria caído se ele não a sustentasse
pela cintura.
— Ohhh... – ela deixou escapar quando encontrou os olhos dele.
— Você é tão linda – ele a elogiou, suas bocas estavam tão próximas
que bastava descer um pouquinho mais para beijá-la.
E a beijou, porque não costumava passar vontade.
Isadora não o repeliu e passou os braços pelo pescoço do marido como
se fosse a coisa mais simples e fácil a ser feita. E era, ela pensou quando se
sentiu confortável com o calor dele. Rodrigo tinha um cheiro fresco, que
lembrava a relva molhada pela chuva. E tinha lábios que incendiavam seu
juízo.
A mera lembrança de que o corpo dele poderia voltar a se colar ao dela
mais tarde a fez considerar a noite de núpcias. E talvez, muito
provavelmente, aliás, o marido seria carinhoso em sua primeira vez. Isso a
encorajou a adiantar o que precisava ser feito sem demora. Espalmando as
mãos pelos ombros dele, o encarou em busca de ar depois que as bocas se
separaram.
— Eu o espero em meus aposentos, se puder me dar alguns minutos –
finalmente disse.
Rodrigo piscou algumas vezes, talvez estivesse irritado pelo jeito brusco
com que ela interrompeu o beijo, mas o sangue corria na direção do pênis
para que nada além do corpo de Isadora ele pudesse desejar.
— Não! Sou eu quem a aguarda em meus aposentos, cara esposa. – Suas
palavras foram quase um rosnado que a confundiu, empurradas pelo
orgulho ferido. Ele deslizou as mãos pelas costas dela, lentamente, até
conseguir se afastar. Ela se sentiu vazia e isso a assustou. — Eu a
aguardarei ansiosamente.
Parada diante da mesa, Isadora o viu se afastar como uma sombra
poderosa que ela não sabia se era seguro deixar se alastrar pela casa. Ela
passou as mãos pelos braços, queria que o calor dele ficasse para sempre
com ela.
Em sua vida.
Rodrigo se levantou da cama de supetão e em passadas largas e pesadas
alcançou as janelas, afastou as cortinas e abriu as venezianas em busca de ar
puro. Se sentia enclausurado naquele quarto, cujas paredes o impediam de
tocá-la.
Era o inferno ter que controlar os próprios instintos para que a esposa
pudesse ter tempo para se acostumar com a ideia de que estavam casados.
Isadora era linda quando mais jovem, uma beleza intocada e pura; mas
os anos a deixaram mais atraente e voluptuosa, talvez fosse a segurança que
demonstrava que a deixasse mais sensual. Era como o uísque: quanto mais
velha, mais deliciosa e mais interessante.
Uma fera enjaulada, era assim que ele se sentia.
E a culpa era única e exclusivamente dele, por ter recusado o convite
que ela lhe fez.
Mas arrependimento não combinava muito com um homem que queria
fazer a diferença, a ponto de não se importar com a fortuna que perdeu por
não obedecer às ordens do pai.
Bem, Rodrigo não costumava se arrepender até refutar um convite de
Isadora Alencar. Não de uma mulher qualquer, mas da esposa, porque se
deixou justificar pelo orgulho.
Aliás, orgulho era um sentimento inútil e tão desnecessário a ponto de
afastá-lo do que ele mais desejava. E naquele momento ele a queria, queria
a sua esposa.
Apesar de frustrado pelo arrependimento, o desejo que sentia pela
esposa era mais forte e isso o fez tomar uma decisão. Sim, ele iria até ela,
mesmo que o julgasse um homem sem palavra. E, por Deus, ela tinha um
motivo muito forte para desconfiar de seu caráter, afinal, em suas veias
corria o sangue dos Paiva de Vasconcelos. Por óbvio que ele não se
esforçou muito para provar o contrário quando passou os anos de faculdade
levando uma vida desregrada, se revezando de lá para cá entre as camas de
bordéis e de viúvas dispostas.
Já que a má fama o precedia, talvez a esposa não se surpreendesse se o
encontrasse na porta de seus aposentos.
E foi exatamente isso que ele fez, sem pensar muito para não deixar que
o cavalheirismo o impedisse de ter o que queria, no caso, a esposa em seus
braços.
Ao abrir a porta, a encontrou do outro lado do corredor: uma tentação
que esperava se esconder embaixo da seda fina.
Isadora mordeu o lábio inferior e espremeu as pontas do penhoar entre
os dedos, estava nervosa. E o fato de ele estar sem camisa a deixou
ofegante. Jamais havia visto um homem quase nu, muito menos um que era
perfeito. E tão jovem. Mas na diferença de idade ela não queria se ater, não
quando precisava consumar o casamento antes que o tutor tivesse a chance
de pensar em anulá-lo. Ela deslizou os olhos dos lábios que lhe provocavam
fagulhas de fogo até o abdômen definido, descendo um pouco mais até a
altura da braguilha para se frustrar por ter encontrado tecido.
Senhor! O desejo que sentia era indecente, mas impossível de evitar.
— Pensei no que disse – ela soltou, a voz saía fraquinha diante da
surpresa que foi encontrá-lo sem precisar bater em sua porta. — Que temos
que consumar o casamento... e seria muito pertinente que acontecesse em
minha cama, para que tenhamos a prova nos lençóis de que...
Rodrigo não a deixou terminar a frase e a empurrou para dentro do
quarto dela, enlaçando-a pela cintura com medo de que ela pudesse mudar
de ideia. E mais um rechaço estava fora de cogitação.
Isadora sentiu o tempo congelar quando o tocou com as mãos no tórax
nu, e o fogo se alastrou pela pele para lhe consumir a alma.
Estava perdida.
— Sim, precisamos consumar o casamento – disse ele com os olhos
presos nos dela, estavam tão próximos que ela podia sentir o hálito morno
dele. — Não porque exista o risco de uma anulação, mas porque eu a desejo
– e então afundou os dedos nos cabelos dela e os esparramou. — Por Deus,
mulher, como a desejo, como a desejei durante anos. – Ele jamais a havia
visto com os cabelos soltos, o coração até tremia pela constatação de que
estava diante da mulher mais linda do mundo.
Tomado por uma emoção profunda, quase tóxica e que não o deixava
pensar com clareza, a suspendeu nos braços. Isadora soltou um gritinho, de
pura empolgação, o que o deixou afoito. Ela o envolveu pelo pescoço e o
deixou que a levasse até a cama. Ninguém, absolutamente nenhum homem
a olhava com tanta intensidade, como se nada além dela lhe fizesse sentido
na vida.
E quando ele a depositou no colchão, ambos sabiam que não havia mais
como evitar o que estavam sentindo.
— Eu não sei o que devo fazer – confessou, sentia-se quente, confusa e
inquieta.
— Você só precisa confiar em mim – Rodrigo afirmou enquanto as
mãos apertavam o rosto dela —, no seu marido. – Ele abaixou a cabeça e
trouxe a boca dela para perto da sua, provando que a decência não poderia
ser páreo para a paixão. Um beijo escandaloso, pensou ela, ao se abrir para
acomodar a língua dele, enquanto ele afastava as pernas com a outra mão
livre. A surpreendeu o fato de que os braços se movimentavam para abraçá-
lo, sem muito esforço, como se ela tivesse sido criada para ser dele. — Você
é tão linda – a elogiou quando conseguiu se afastar da boca que parecia ter
sido pintada pelos deuses de tão perfeita que era. — Quero tocá-la em todas
as partes. Quero fazer amor com você. – Ela sorriu ao ouvir palavra tão
poética e o mundo dele congelou quando sentiu o amor retumbar dentro
dele. — Pode confiar em mim? – exigiu uma resposta.
— Posso – ela disse, estoica, embora a voz tenha saído tremida em
razão dos beijos que eram espalhados em seu pescoço. Mas foi quando ele a
suspendeu pelas nádegas para puxar para cima a camisola que a ideia de
que estava arruinada se tornou uma constatação. Ela não seria mais a
mesma Isadora na manhã seguinte, e se isso deveria acontecer, então, que
acontecesse para que se tornasse inesquecível. — O passado não pode ser
mudado e o amanhã a Deus pertence, Rodrigo. – Ele soltou um resmungo
em concordância, porque estava muito ocupado explorando o corpo da
esposa. — Então me faça sua mulher.
Isadora não saberia dizer se o havia irritado quando ele ergueu a cabeça
e a fitou. Talvez ele a considerasse uma tola por falar o que falou; afinal, e a
julgar pelo que falavam, Rodrigo costumava ser versado na arte do prazer
sexual e ela, bem, ela era uma solteirona, cuja fama de amargurada a
acompanhava desde que fora largada pelo noivo, que por uma coincidência
impressionante, daquelas jamais previstas, era o irmão dele.
— Você não vai se arrepender de confiar em mim – ele prometeu e
voltou a beijá-la enquanto as mãos a acariciavam em busca de partes
descobertas de seu corpo. Nada mais o impediria de tocá-la, pele contra
pele.
Rodrigo estava atônito em ter a mulher que permeou seus sonhos
eróticos, linda, quente e totalmente disposta em se tornar sua realidade. A
abraçou com carinho para que se sentisse preciosa. E a coragem com que o
encarava era muito além do que esperou encontrar.
— Me ensinaram que não devo me mexer – ela resmungou entre um
beijo e outro —, que o homem é quem deve fazer o que tem que fazer...
mas, por Deus, eu não consigo permanecer quieta se continuar me tocando
desse jeito. – Ele havia descido com os beijos e agora chupava um seio
como se estivesse degustando um grão de uva, empenhado em sugar todo o
suco. O atrito das nervuras da língua na ponta do mamilo fazia com que o
corpo feminino ondulasse de prazer.
Primeiro, ele ergueu os olhos; depois, se afastou do seio para conseguir
falar. Um simples ato que lhe custou parte do juízo, pois precisava admitir
que a tocar estava se tornando um vício delicioso.
— Você deve fazer o que sentir vontade – a incentivou. — Não lute
contra o que sente, Dora. Não vou fazer amor sozinho, isso é fato. E mesmo
que a tenham ensinado que não deve se mexer embaixo de mim, eu exijo
que se mexa, não apenas embaixo como em cima.
— Em cima? De que jeito? – Ela ficou espantada e ele esticou os lábios
em um sorriso que a desarmou. Isadora agora sabia muito bem como era o
sorriso de um libertino.
— Aos poucos vou ensinar a você que podemos fazer amor do jeito que
quisermos, e que existem muitas posições para praticarmos. O mais
importante, no entanto, é que você pode e deve sentir prazer comigo. – Ele
a beijou no queixo, as mãos a acariciavam entre as coxas, sempre subindo,
até que roçou na ponta do clitóris e ela soltou um gritinho. — É disso que
falo, Dora. Do prazer que você deve sentir.
— Eu senti cócegas – ela mentiu. Ainda não estava segura de que uma
mulher direita pudesse sentir prazer.
Rodrigo a fitou com a sobrancelha arqueada. E o sorriso libertino que a
encantou desapareceu para dar lugar às feições de um homem seguro e
poderoso.
— Então não estou fazendo certo – ele avisou para, logo em seguida,
engatinhar de modo a alcançar a barriga dela. Ali deixou alguns beijos e a
fez sentir cócegas. — Isso são cócegas, Dora. – Ela riu ao ouvir seu apelido
e, ao se apoiar nos cotovelos, se alarmou quando percebeu que ele iria
despi-la. — Há muito pano entre nós, querida.
— Oh meu Deus! O que você está fazendo? – Isadora tentou se cobrir,
não queria que o marido enxergasse suas partes íntimas, mas impedir um
homem obstinado era o mesmo que enxugar gelo.
— Vou mostrar o que é sentir prazer, esposa – respondeu ele, afundando
a cabeça entre as coxas dela.
Isadora respirou fundo e prendeu o ar nos pulmões na tentativa de não
perder o controle. Mas foi impossível, porque as ricocheteadas da língua
dele na parte mais sensível de seu corpo a deixaram à beira de um colapso
nervoso, sem qualquer exagero. Os espasmos corriam livremente pelo
corpo, a pele ficava aquecida e os pensamentos estavam confusos. Em
algum segundo, entre uma lambida e outra, as mãos dele subiram para
massagear os seios. E foi ali que ela parou de lutar contra o que sentia e
entregou-se ao prazer.
Sim, agora ela sabia o que era prazer.
— Você tem gosto de pecado, Isadora. – Rodrigo a beijou de novo na
barriga e desceu da cama para se livrar da calça. — Sempre foi o meu
pecado. – Isadora não resistiu e abriu os olhos para espiar. Ele era lindo, em
todas as partes. Não a assustou quando ele se virou e a virilidade entrou em
seu campo de visão. — Um dia você vai retribuir – ele avisou ao notar o
olhar ávido dela sobre seu membro.
Isadora era inteligente e entendeu muito bem o que ele quis dizer.
— Não é decente – reclamou.
— Mas é prazeroso – retrucou ele, colocando-se sobre o corpo dela. —
Sexo é mais do que fazer bebês, esposa. É sobre um tocar o outro para a
satisfação recíproca. – Rodrigo encaixou a ponta do pênis na entrada,
aquele lugarzinho apertado que ele sempre sonhou em tocar. Um dia talvez
ele confessasse que fez sexo com outras pensando nela. — Mas agora pode
doer um pouco, apenas no início, se tiver paciência.
Ela estava tão úmida pelo prazer que ele proporcionou com a boca que
deslizar para dentro dela era apenas uma questão de confiança. Com beijos
e carícias, os estímulos a faziam relaxar, e o aconchego dos braços dele a
conduziu a um novo arrebatamento.
Rodrigo a fazia se sentir no lugar certo. Não havia medo ou desespero,
não era errado fazer parte do corpo dele, não era assustador se entregar para
se tornar mulher de um homem mais jovem, mesmo que não fosse o mais
aceito socialmente.
E quando conseguiu encaixar o pênis por completo, ele abafou os
gemidos dela com um beijo. Deixou-a que se acostumasse com seu
tamanho e só voltou a se movimentar quando teve certeza de que ela queria
o mesmo que ele: prazer.
— Rodrigo! – ela o chamou. — Faça algo, por favor, faça algo –
implorou quando a excitação a deixou desnorteada. — É tão intenso, é
como se eu perdesse o controle do meu corpo.
— Porque você é minha, Dora. Minha mulher! – explicou ele de um
jeito amoroso que a deixou confiante para que não lutasse contra o que
sentia.
Mas mal sabia ela que Rodrigo também já não suportava se conter, a
ponto de perder o controle. Anos de fantasia se perdiam em meio aos
gemidos mais perfeitos que ele teve o privilégio de ouvir. Ah, se ela
soubesse o quanto ele a desejou em silêncio, o quanto a procurou em outras.
E ali estavam eles, despojados de tudo, explorando um ao outro, ela sendo
feita dele de acordo com os planos divinos.
Porque a única explicação para a doce coincidência que a trouxe até ele
era sobrenatural.
Isadora sentia cada estocada como um martelo que lapidava seu prazer.
Ela poderia ficar assim com ele para sempre, sendo empurrada para sentir
mais e mais, e quando tudo terminasse, poderiam começar de novo.
Ele recuou de repente, para seu desapontamento. E quando ela percebeu
que fez de propósito, usou as pernas para trazê-lo de volta. Isadora amava
quando o sentia deslizar dentro dela, rijo e macio, abrindo caminho,
vencendo a resistência da carne que abraçava o pênis para impedi-lo que a
deixasse tão cedo.
E senhor! Até poucos minutos atrás sequer poderia prever que o desejo
pudesse conduzi-la a algo tão arrebatador e mágico. Não era decente. Claro
que não! Mas era inevitável sentir tudo que estava sentindo. Admitir que
estava gostando era vergonhoso, não foi educada para os prazeres
mundanos, mesmo que fosse com o marido. Mas ela queria, como ela
queria...
E para sua total consternação, não conseguia se sentir culpada por
querer mais, muito mais.
— Jesus! – ele urrou, quase um grito que poderia acordar os criados
caso não estivessem sozinhos no segundo piso. — Vem comigo, Dora! Vem
comigo! – ele pediu, mas aos ouvidos dela foi uma exigência.
Rodrigo voltou a tocar na penugem que tentava esconder o paraíso que
ele conquistou e procurou pelo clitóris para massageá-lo. Com a mão
espalmada pelo monte de vênus, o polegar roçando levemente no brotinho,
foi impossível não gozar dentro dela enquanto se beijavam em uma união
completa.
Eram homem e mulher, finalmente. Muito além de marido e esposa.
E então Isadora jurou que o tempo havia congelado, que o mundo não
era mais o mesmo. Ondas de prazer a abraçavam para que a fizesse buscá-
lo, em todas as partes.
Um jovem e libertino a ensinou sobre prazer de forma escandalosa.
— O que foi? – ele perguntou quando se sentiu apto a manter um
diálogo e sem parecer um tolo apaixonado diante da mulher mais incrível
que cruzou seu caminho. — Ainda acha que o prazer pode se comparar às
cócegas?
Ela negou com a cabeça.
— Mas continuo achando tudo muito indecente – revelou.
Ele saiu de cima dela e abriu um meio sorriso sensual que a desarmou.
Os olhos estavam sonolentos, ela pôde perceber. E quando ele se
espreguiçou ao lado dela era como se estivesse diante de um gatinho
preguiçoso, embora leão combinasse muito mais com seu porte majestoso.
Isadora sorriu com a comparação atrevida a que chegou e deslizou a ponta
do indicador pelos contornos do maxilar dele.
— Decência não constava no rol de exigências a ser preenchido pelos
candidatos a marido – ele soltou com um ar travesso que enfeitou suas
feições duras e esticou o braço para trazê-la para junto dele.
Os raios de Sol entravam sorrateiramente entre as frestas das venezianas
para avisá-la de que um novo dia já acontecia lá fora. O canto das cotovias
que gorgolejavam ao redor das palmeiras reais do jardim a enchiam de um
sentimento de paz que há muito não acontecia.
Isadora costumava ser prática demais para se deixar inebriar pela
preguiça de uma manhã fresca.
Mas verdade fosse dita, ela já não era mais a mesma Isadora do dia
anterior, quando o acordo de casamento e a despedida forçada da irmã a
deixaram alarmada em demasia.
Ela estava casa. E com um devasso.
Corou ao mero pensamento do que haviam feito na noite anterior, como
se o prazer que ele impusera ao seu corpo pudesse justificar sua vergonha.
Sim, deveria, mas como Rodrigo mesmo lhe disse, eram marido e mulher, e
a cumplicidade deveria romper com as amarras que os impediam de sentir o
que desejavam.
E ele tinha lábia para convencê-la de que o que fizeram não era errado a
ponto de repetirem mais uma vez. Sim, ele a esgotou em um nível que ela
adormeceu enrolada ao corpo dele, sem sequer um lençol para separá-los.
Bastou a ela relembrar a experiência que o corpo se arrepiou. Ela
esticou o braço à procura do marido e ao não o encontrar ficou desapontada.
Mas era melhor assim, que ele tivesse voltado para a própria cama, de modo
que ela não se acostumasse com a presença dele. Precisavam manter um
certo distanciamento para o bem do acordo que haviam estabelecido.
Não seria uma noite de prazer que mudaria o fato de que ela comprou
um marido.
— Bom dia, sinhá! – Jerusa a cumprimentou, como fazia toda manhã,
arrastando os chinelos entre as tábuas do assoalho e afastando as cortinas
para que a luz do Sol entrasse.
Isadora se sentou na cama e apertou os olhos para se proteger da
claridade e percebeu que nem tudo estava diferente, afinal.
— A julgar pela claridade, eu dormi além do que costumo – comentou.
— Sim! – concordou a jovem. — Sinhô Rodrigo, no entanto, madrugou
porque precisava estar logo cedo na Santa Casa de Misericórdia.
— Meu marido é muito ocupado. – Isadora massageou as têmporas ao
lembrar do vigor do marido. Senhor! Ela se sentia esgotada, apesar de
relaxada, mas provavelmente ele estivesse acostumado a dormir pouco em
razão da profissão que escolhera. — O que foi, Jerusa? – perguntou ao
perceber que a criada a olhava com segundas intenções, como se estivesse
sorrindo com os olhos.
— Nada!
— Não pense sandices – a alertou antes que as perguntas começassem a
sair da boca da garota sem qualquer bom senso. — Espero que o meu
marido tenha sido atendido em suas necessidades. – Ela deveria ter
despertado antes para oferecer companhia, era o mínimo que poderia fazer.
Sabia que o casamento havia sido apressado e o fato de que eles eram
praticamente desconhecidos pela ausência da corte não a impediu de
prometer que se esforçaria para deixá-lo confortável; ele merecia tal
distinção por ter aceitado o acordo sem exigir muito em troca. — Faço
questão de que o Senhor Rodrigo se sinta como se estivesse em sua própria
casa. – E ela ainda se preocupava com o fato de que iriam morar na casa
que era dela e não dele, como de praxe. Suas amigas haviam se mudado
para a casa da família do marido e não o contrário, como acontecia com ela
e Rodrigo. E, provavelmente, isso seria mais um mexerico que se somaria à
sua muito popular e comentada reputação.
— Sinhô Rodrigo não é um desses cavalheiros que costumavam cortejar
a sinhá – avisou Jerusa. — É um homem prático que gosta das coisas do seu
jeito.
Isadora se arrastou para a borda da cama e aceitou os chinelos que
Jerusa posicionou aos seus pés.
— O que quer dizer? – perguntou curiosa.
— Ele tomou café na cozinha porque estava atrasado – contou. — Mas,
por favor, não o repreenda por isso. O pobre homem estava atrasado para
assumir seu turno na Santa Casa de Misericórdia. Eu acho que o sinhô leva
muito a sério os estudos.
E levava, disso não poderia duvidar. Rodrigo fez uma única exigência
para que se casassem; na verdade, foram duas: que as dívidas fossem
saldadas com os agiotas e que lhe fornecesse meios para terminar os
estudos.
— Não devíamos... – Não poderia falar sobre as intimidades que
mantiveram aos empregados, mesmo que Jerusa fosse a mais íntima deles
por lhe servir no quarto. — Enfim, me esqueci de que ele tem
responsabilidades para atender se quiser se formar médico – argumentou
enquanto se afastava da cama para se aproximar da mesa, onde a bandeja
com um delicioso café da manhã a esperava. E, por Deus, ela estava
faminta.
— A noite foi como a sinhá queria – Jerusa disse ao enxergar o sangue
nos lençóis brancos —, logo faço subir a arrumadeira.
Isadora não fez caso das palavras, embora se ressentisse por ter que
deixar que os empregados fofocassem acerca de sua noite de núpcias. Mas
era necessário para que tivessem testemunhas de que o casamento havia
sido consumado.
— O que é isso? – perguntou ao ver um envelope ao lado da bandeja. O
selo era do Conde de Bonfim.
— Correspondência que chegou hoje cedo – respondeu Jerusa ao se
aproximar da mesa para servir o café de sua senhora.
Isadora rompeu rapidamente o lacre e passou os olhos pela elegante
caligrafia. O amigo do pai lhe informava que um navio vindo de Lisboa
havia atracado no porto de Salvador e que de lá partiria para o Rio de
Janeiro.
— Não são notícias boas, sinhá? – perguntou Jerusa diante do silêncio
que abateu sua senhora.
— O Conde de Bonfim avisa muito prestativamente que Romero de
Freitas está embarcado no navio que atracou em Salvador há
aproximadamente um mês.
— E o que isso significa, sinhá? Não sei quem é esse tal de Romero de
Freitas, mas o nome é pomposo, como o dos fidalgos que desembarcaram
com a família real.
— Que nosso tutor está prestes a desembarcar no Rio de Janeiro a
qualquer momento, a julgar pelos dias que se passaram desde a data de
expedição da missiva – explicou.
Jerusa levou a mão ao coração.
— Graças ao bom Deus que a sinhá se casou e que sinhazinha já partiu.
– Ela se benzeu fazendo o sinal da cruz.
— Esperávamos que teríamos mais tempo e que Estevão pudesse
retornar de São Paulo antes da chegada do tutor – lamentou Isadora, a
agitação lhe corria por entre as entranhas. — Por favor, separe um vestido,
Jerusa.
— Mas a senhora pretende sair?! – exclamou ela com os olhos
arregados. — No dia seguinte ao seu casamento?!
— Me casei para ter mais liberdade de ir e vir – explicou Isadora, com a
xícara de porcelana encostada nos lábios.
— Uma mulher direita não sai no dia seguinte ao casamento – a advertiu
Jerusa, em vão, ela sabia, porque conhecia muito bem a patroa. Nada, muito
menos um casamento a impediria de cuidar dos interesses da família.
Isadora revirou os olhos ao se lembrar de que uma mulher direita
também não gritava com o marido quando ele estivesse posicionado bem no
meio de suas pernas. E precisou se esforçar para não rir.
— Eu preciso me encontrar com Danilo Magalhães – avisou. — É o
assistente de Estevão Antunes – explicou. — Preciso de sua ajuda para
requerer judicialmente a tutela de Lúcia.
— Sinhazinha não estaria em melhores mãos. Doutor Antunes é amigo
de longa data e um homem direito.
— Não poderia confiar a segurança de Lúcia a outra pessoa. Mas me
assusta o fato de que terei que confiar na habilidade de um recém-formado.
Embora trabalhem juntos, Danilo Magalhães não é como Estevão, em que
confio de olhos fechados, mas se o próprio me indicou, quem sou eu para
duvidar de sua capacidade? Mas sejamos justas de que não tenho muita
escolha. Lúcia sempre será a prioridade. – Ela sorveu mais um gole de café.
— Por favor, separe um dos vestidos cinza-claros. Pode ser aquele mais
discreto com a saia lisa.
— Pensei que agora casada pudesse voltar a usar seus vestidos, sinhá!
O comentário fez Isadora lembrar do pedido de Rodrigo, um pouco
antes de ela cair em sono profundo, em que ele exigiu que ela abandonasse
o luto, e uma agitação a tomou de cima a baixo, mas o mais impertinente foi
sentir comichões entre as pernas. E agora ela sabia que estava excitada.
— É melhor optar pela discrição, Jerusa! Então, por favor, separe o
modelo que pedi – ratificou sua decisão —, mas deixo por sua conta a
escolha de um vestido colorido, que pretendo usá-lo assim que retornarmos.
Acredito que meu marido mereça ter a distinção de ser o primeiro a me ver
sem o luto. – Jerusa lhe deu as costas para cumprir as ordens, satisfeita com
a empolgação da patroa. — Ah, mais uma coisa, você irá comigo, a fim de
evitar mexericos. – Ela não abusaria da boa sorte e uma acompanhante
poderia aplacar o furor das línguas maldosas.

Um homem não deveria se casar em época de exames finais. Muito


menos com uma mulher tão linda.
Era isso que Rodrigo pensava enquanto aguardava a próxima inquirição
do professor. Ele e os colegas de turma estavam ao redor de um cadáver e o
professor lhes citava os nomes dos órgãos ou músculos e eles deveriam
indicar.
— Você não deveria estar aqui – disse Afonso, seu colega mais próximo
e companheiro de farra. — Eu não estaria aqui se tivesse me casado com
Isadora Alencar.
— Isadora Paiva de Vasconcelos – Rodrigo o corrigiu. — E só me casei
porque pretendia continuar frequentando as aulas, devo lembrá-lo.
— Mesmo assim, Rodrigo. Estamos falando do “desafio de saias”. A
Corte não fala de outra coisa desde ontem.
— As notícias correm muito rápido na Corte – debochou Rodrigo.
— Estão até dizendo que o Conde de Itararé vai perdoá-lo.
Rodrigo girou o pescoço e fitou o amigo, estava incrédulo com o fato de
como as pessoas costumavam aumentar as notícias, aliás, em uma
proporção que lhe causava pavor.
— Duvido de que o fato de me casar com a prometida de Tadeu possa
fazer meu pai me perdoar. Ele me quer à frente das fazendas de café, e
talvez ocupando uma cadeira no Senado – sussurrou quando percebeu os
olhos do professor sobre eles. — Como se tudo que meu irmão rechaçou
tivesse que ser aceito por mim.
— Eis a questão – Afonso ponderou e, então, Rodrigo se agitou com a
insinuação. — Isadora Alencar, que dizer, Isadora Paiva de Vasconcelos, foi
a noiva do seu irmão, logo...
— Não termine a frase – proibiu Rodrigo, carrancudo —, e espero que
meu pai não nutra qualquer esperança de que vou assumir os negócios, e
muito menos de que vou virar um senador barrigudo só porque me casei
com a filha do seu compadre. Foi uma coincidência, uma mera coincidência
que eu tenha lido aquele anúncio no jornal.
— Ah – Afonso coçou a cabeça com a ponta da pena —, as pessoas, ou
a maioria das delas, não sabem que ela anunciou que estava à procura de
um marido no Jornal do Comércio. Logo...
Rodrigo estava começando a se irritar com as ponderações, mas havia
um fundo de verdade e isso o alarmou.
— Logo, meu pai voltará a me perturbar – previu inconformado. — Eu
apenas quero ser médico, inferno!
E dormir na mesma cama da esposa, noite após noite, mas isso ele
preferiu não verbalizar. E mesmo que quisesse, não tinha tempo, porque o
professor exigiu a atenção. Mas, sinceramente, ele não pretendia ter que
explicar cada passo que havia dado para chegar à delicada situação de ser
marido de Isadora Alencar, mesmo que se tratasse de seu melhor amigo e
confidente. Rodrigo já tinha muito com o que lidar, incluindo a forte atração
que sentia por uma mulher que havia comprado um marido. Era um sujeito
prático demais para negar o óbvio.
Sim, era um tanto humilhante ocupar a posição de marido de aluguel,
como bem insinuou Estevão Antunes; mas por acaso a luxúria poderia ser
impedida pelo orgulho? Ele duvidava que não, mesmo que quisesse, bastava
ela sorrir ou piscar como se nada no mundo fosse capaz de despertar seu
interesse para que o sangue corresse e se concentrasse no pênis. E o
coração, ah, o coração parecia que só batia em razão de sua beleza.
Talvez estivesse apenas sob o efeito da empolgação de fazer amor com a
mulher que povoava suas fantasias sexuais desde que descobriu que o pênis
poderia ser usado para outras coisas mais impressionantes do que apenas
urinar. Talvez estivesse se apaixonando de verdade, ou sempre estivesse
apaixonado.
Ele não estava muito certo do que estava acontecendo.
Entre tantos questionamentos, no entanto, uma coisa era muito certa
para Rodrigo: Isadora era a paixão platônica que caiu em seu colo como um
presente do destino.
E ele não costumava desdenhar de duas coisas nesse mundo: de mulher
bonita e de presentes.
Era impossível tentar manter uma rotina quando seus pensamentos o
conduziam direto para o corpo tentador da esposa. E entre uma aula e outra,
a vontade de reencontrá-la falou mais forte e o fez negociar uma troca de
turno com Afonso.
O que ela havia feito durante o dia? Será que chegou a pensar nele?
As perguntas retumbavam na mente como marteladas insistentes que
ecoavam dentro de uma casa em reforma, tão irritantes, mas impossíveis de
serem evitadas. Assim como a reforma de uma casa, seu casamento
precisava acontecer.
Não poderia fugir da realidade para fingir que a esposa não o perturbava
além do que estava preparado.
Inferno! Era para ser um casamento por conveniência. Apenas isso. Ela
o financiaria para que concluísse sua formação em Medicina; em
contrapartida, ele a protegeria com seu sobrenome, garantindo a tão
sonhada liberdade para que gerisse seus negócios de acordo com sua
consciência.
Mas quis o destino que a esposa em questão não fosse apenas uma das
herdeiras mais ricas da Corte, como a mais tentadora; aquela que o fazia
gozar dormindo quando os sonhos o conduziam para o impossível em uma
época em que era muito imaturo para esperar que ela o notasse como
homem. Era irritante que o pensamento sempre o conduzisse à época em
que a desejava sem poder tocá-la.
E, meu Deus, como foi mágico tê-la nos braços, tocá-la na intimidade e
a provocar para o prazer.
Eis as razões para que Rodrigo tenha voltado para casa ávido para
reencontrá-la. No entanto, julgou por bem se assear; Isadora merecia sua
melhor versão e não a cansada de um longo dia de estudo e trabalho.
Rodrigo foi para perto do armário e escolheu o primeiro traje que
encontrou, uma calça preta e uma camisa de algodão. A ansiedade ainda
corria pelo corpo para que se apressasse e fosse encontrá-la. O banho
quente que lhe prepararam não conseguiu acalmá-lo para que não surgisse
diante da esposa como um morto de fome.
Riu com a comparação, pois era a mais apropriada para descrever seu
estado de espírito, um frenesi que se espalhava pelo corpo para lembrá-lo de
que estava casado com a dama mais desejada da Corte.
— Onde posso encontrar minha esposa? – perguntou ao encontrar uma
das criadas no corredor. Ele tinha acabado de bater na porta do quarto dela.
— O senhor pode encontrá-la na biblioteca, sinhô – disse a jovem
mestiça de olhar melancólico. — Ela costuma tomar chá e despachar os
assuntos das fazendas lá.
— Ela passa a tarde lá? – ele perguntou curioso acerca da rotina que a
esposa mantinha.
— Sim! Sinhá tem muito com o que se ocupar desde que o barão
faleceu.
Rodrigo agradeceu e seguiu o caminho indicado para chegar até a
biblioteca. O barulho do taco da bota no assolho de madeira servia de fundo
musical para o pulsar frenético do coração. Não lhe fugiu dos olhos a
percepção de que a casa era mantida com refinamento e elegância, cada
objeto e quadro havia sido escolhido a dedo para compor um ambiente
sofisticado e tudo era muito bem limpo e polido. Os criados usavam librés
engomados com esmero e mantinham uma postura de discrição que ele não
chegou a encontrar na casa do pai, ou em outra qualquer.
Desceu as escadas, atravessou a sala principal e, ao cruzar por dentro da
sala de jantar, alcançou as amplas portas com vitrais que homenageavam a
flora da Tijuca; era ali a biblioteca. Capturou pelo vidro um vislumbre do
pescoço elegante de sua mulher. Sorriu ao perceber que ela havia
abandonado o luto para agradá-lo.
Isadora estava debruçada sobre um grosso caderno com capa de couro,
os óculos pousados no nariz eram um charme a mais, como se a deixassem
mais elegante do que era. Ela levantou a cabeça e levou os dedos até a
armação de metal, de onde pendia uma correntinha de ouro, e os tirou do
rosto com a desenvoltura de quem havia ensaiado cada gesto para
impressionar.
Ah, e Rodrigo estava muito impressionado.
— Não pretendia atrapalhá-la. – Ele desencostou do batente da porta, de
onde a estudava em silêncio, e arriscou um comentário menos cerimonioso.
— Não atrapalha. Já estava terminando de conferir a contabilidade da
casa – ela disse e sorriu tímida —, mas fiquei surpresa em vê-lo já em casa.
— Cheguei cedo? – Ele a fitou em expectativa; tentando aprender a
decifrá-la.
— Não, não! – Ela gesticulou no ar ainda com a pena na mão. —
Chegou quando deveria chegar – foi prática e ele sorriu ao reconhecer os
trejeitos que a fizeram ser conhecida na Corte como o “desafio de saias” —,
o que quero dizer é que logo anoitecerá, então, me parece que chegou na
hora certa, embora eu considere cedo demais para um estudante de
Medicina. – Arqueou uma sobrancelha e o fitou com charme.
— E está certa – ele concordou —, deveria chegar apenas de
madrugada, pois deveria cumprir plantão na Santa Casa, mas troquei com
um colega, que foi generoso ao entender que sou recém-casado.
— Muito gentil da parte dele. – Ela se levantou e então Rodrigo pôde
ver a beleza que o luto escondeu. Isadora usava um vestido acinturado que
valorizava o colo e a cor, de um verde que não saberia nomear, realçava a
beleza dos olhos claros. Não era luxuoso como aqueles que costumava usar
nos salões de baile quando ainda os frequentava, mesmo assim a deixava
magnífica. Os cabelos estavam presos no alto da cabeça em um complexo
emaranhado de tranças finas e caracóis. — Eu abandonei o luto, como
pediu – avisou satisfeita com a boa impressão que havia deixado. O fato de
ser uma solteirona não a impediu de reconhecer o olhar de cobiça de um
homem. E modéstia à parte, os homens costumavam cobiçá-la.
— Eu percebi. – Ele arqueou o canto dos lábios em um sorriso cínico,
mas satisfeito em demasia por ter um de seus pedidos atendidos, era como
se em algum lugar naquele mundo intransponível que ela havia construído
para se defender dos homens existisse um cantinho para ele viver. — Você
está linda – a elogiou e a enlaçou pela cintura, tirando dela um gritinho ao
ser surpreendida.
Isadora espalmou as mãos no peito do marido, buscando amparo ao
sentir as pernas fracas. Rodrigo não costumava ser muito discreto nas
demonstrações de afeto e isso a deixava confusa, mas jamais arrependida de
se sentir parte do corpo dele. E o fato de apenas estar vestindo uma camisa
de algodão a deixou com a boca seca. Então ergueu a cabeça e buscou pelos
olhos dele enquanto os braços a apertavam contra ele.
Um beijo.
Era tudo o que ela queria.
E ao sentir o calor dos lábios dele arqueou o corpo, jogando a cabeça
para trás, e afastou os lábios para ter uma amostra do que era recebê-lo em
seu interior.
— Beijá-la é delicioso – ele sussurrou sem desgrudar dos lábios dela. —
Seus lábios são minha perdição, Dora.
— Não escureceu ainda para que... – Ela ficou sem jeito pela pouca
vergonha, lhe ensinaram que não era direito se entregar a um homem,
mesmo ele sendo seu marido, em plena luz do dia e quando os criados
pudessem flagrá-los. Como senhora da casa, deveria dar bom exemplo para
que o decoro e a moral não se perdessem.
Rodrigo se afastou da boca dela, mas a manteve grudada ao corpo dele.
Se a deixasse ir se arrependeria, pois sabia que Isadora inventaria uma
desculpa para impedi-lo de possuí-la.
— Não há momento mais certo para a paixão do que quando sentirmos
vontade – ele disse —, e pode acontecer em qualquer lugar.
— Os criados... – ela gemeu quando sentiu os lábios dele na pele do
pescoço, o toque possessivo das mãos grandes em seus seios.
— Não devem ser um problema. Somos casados, Dora. E se isso não
nos der certa liberdade, é melhor não termos criados.
Rodrigo a empurrou contra a mesa e a ergueu para acomodá-la no tampo
de madeira polida, colocando-se no meio das pernas assim que conseguiu
levantar as várias camadas de panos que o impediam de dar prazer à esposa.
Isadora tentou contê-lo, mas o desejo que sentia, por mais que beirasse à
indecência e fosse contra tudo que lhe incutiram em anos de treinamento
para se portar com classe e refinamento, não a deixava se afastar dos braços
do marido.
Ela o queria, por mais vergonhoso que fosse.
E simplesmente aceitou que beijar ao entardecer era melhor do que ao
meio-dia, pois o risco para que lhes importunassem era menor quando todos
sabiam que gostava de ficar sozinha quando estava conferindo os cadernos
de despesas.
— Rodrigo – ela o chamou pelo nome para tentar encontrar a razão que
sempre a abandonava quando sentia o calor masculino em sua pele —, eu
mandei preparar um jantar especial para você... como retribuição pela
generosidade em se casar comigo.
— Você é mais deliciosa que qualquer prato – rosnou contra a boca dela.
— Além do mais, não podemos falar em generosidade quando você vai me
sustentar. E o que falar do prazer que compartilhamos? Não há riqueza no
mundo capaz de pagar pelo que tenho quando a sinto em meus braços.
— Mesmo assim... – ela tentou argumentar, mas os beijos não a
deixaram passar dos resmungos.
Rodrigo se afastou de repente para se ajoelhar e afundar a cabeça entre
as pernas dela. Isadora gritou, totalmente espantada com o atrevimento que
a imbuía a se portar com indecoro. Mas sua desenvoltura em convencê-la de
que o que faziam era certo a desarmou para que pudesse aproveitar o deleite
de ter os lábios dele colados na parte mais escondida do seu corpo.
— Eu deveria ter escolhido uma camisola – soltou ela.
— Facilitaria minha vida, mas não me traria a mesma satisfação, Dora.
– Um leve roçar da língua no clitóris a fez se sentir ofegante. — Eu gosto
de despi-la – explicou —, é como desembrulhar um presente.
— Me compara a um presente? – ela achou engraçado.
— O mais perfeito de todos eles – ele garantiu.
Isadora queria continuar o estranho diálogo, mas se perdeu quando o
prazer se avolumou dentro dela, tornando-a ávida para que lhe desse mais,
muito mais. Com os cotovelos servindo de apoio, ela escorregou em cima
da mesa, de modo que pudesse posicionar as pernas nos ombros dele. Dessa
vez, ela se esforçou para não fechar os olhos e o acompanhou enquanto a
chupava. Era erótico imaginar que ali cumpria o papel de banquete do
marido. A excitação a varreu de cima a baixo quando sentiu a língua dele
massagear toda a extensão da vulva.
E de repente o errado se tornava certo e a indecência que tanto a
preocupava cedia lugar à vontade incontrolável de sentir prazer, de chegar
ao orgasmo. Rodrigo havia sido muito atencioso quando a ensinou sobre as
sensações que um despertava no outro, com detalhes tão precisos que
apenas um médico era gabaritado para isso, embora devesse admitir que sua
experiência com o sexo oposto tivesse sido adquirida em outro lugar que
não os bancos acadêmicos.
Tal pensamento a deixou em êxtase, de que apenas ela tinha um marido
atencioso e que se preocupava com o prazer dela. Sim, porque se a
ensinaram diferente havia uma razão plausível para isso: os maridos não
eram como o dela. De jeito algum.
— Eu gosto de ver você assim – ele disse e, então, ela percebeu que a
boca dele estava a milímetros da dela.
— De que jeito? – ela perguntou, confusa e um pouco decepcionada por
ele deixar de beijá-la entre as pernas. E se isso não a colocava na posição de
devassa, o que viria a seguir com certeza a colocaria.
— Amolecida depois do prazer – ele sussurrou contra o ouvido dela e o
hálito morno a arrepiou. — Do prazer que eu dei a você, Dora. E que
somente eu posso dar. Porque você é minha – ao terminar de falar, ela
sentiu o pênis a penetrar e a carne se abrir para acomodá-lo —, apenas eu
conquistei o direito de possuí-la – reafirmou a posse sobre o corpo dela.
E, por Deus, que ficasse apenas no corpo, porque o coração ela
pretendia manter intacto. Era questão de honra. Como faria isso? Ela não
sabia.
— Faça algo – ela exigiu quando já não suportava mais, precisava
alcançar o alívio.
Isadora sentia o corpo escaldar à medida que ele estocava duro, e
quando ameaçava não retornar era dolorido. Não saberia dizer o tipo de
poder que ele tinha sobre ela para que a dominasse apenas com beijos e
toques.
A ela, o “desafio de saias”. Aquela a que todos não conseguiam dobrar,
que jamais implorava.
— O que você quer, Dora? – ele perguntou com o pênis apenas
encaixado na entrada, o corpo cobrindo o dela em uma harmonia perfeita,
homem e mulher moldando-se para se tornarem apenas um.
— Eu quero você... – resmungou, puxando-o pelo colarinho para ainda
mais perto dela. — Que inferno! Você sabe o que quero – esbravejou,
porque não pretendia descer tão baixo na indecência a ponto de verbalizar o
desejo que sentia.
Rodrigo se aproximou da boca dela e puxou o lábio inferior com os
dentes enquanto os dedos massageavam a ponta dos mamilos. Entre uma
carícia e outra, o corpete descera para deixar à mostra o que costumava
mantê-lo com os olhos presos nos bailes: os seios fartos da mulher dos seus
sonhos.
Por reflexo, Isadora empurrou o quadril para baixo em busca da
penetração, mas ele fugiu e ela fincou as unhas nos ombros, arranhando-o
no processo.
— Diga o quer e terá o prazer que busca – ele insistiu com a voz
enrouquecida pelo deleite de tê-la embaixo dele, com as pernas abertas,
corada e clamando por prazer.
Ah, como Rodrigo amava a sensação de plenitude de oferecer prazer a
uma mulher. Sempre apreciou o ato carnal, mas com Isadora o que sentia
era potencializado pela fantasia que sempre permeou seus sonhos mais
íntimos, aqueles mantidos na escuridão da noite porque era errado. Sim, era
errado desejar a noiva do irmão.
E então o inesperado aconteceu.
— Eu quero você dentro de mim... – ela tremia embaixo dele e ele não
sabia dizer se de tesão ou de raiva por ter sido confrontada. Obviamente que
preferia acreditar que era por prazer —, até o fim.
— Boa garota. – Ele a beijou em seguida e deslizou lentamente para
dentro dela, provocando-a para o arrebatamento que ele queria que
conquistassem juntos. Nem antes, nem depois.
Isadora foi tomada pelo frenesi da impaciência, e o descontrole a que
fora submetida a transformava em uma estranha devassa que apenas queria
ter suas vontades atendidas, as mais mundanas delas.
Rodrigo inclinou um pouco o tórax e com as mãos a ergueu pelas
nádegas, o que aprofundou a penetração. Ela podia senti-lo dentro dela,
preenchendo todo o espaço, batendo lá no fundo... exigindo dela muito mais
que um homem teve a impertinência de acreditar que conquistaria.
Mas era de Rodrigo de que se tratava, o jovem Paiva de Vasconcelos
que não conhecia limites para ter e fazer o que quisesse. E ela o temia por
isso em certa medida, mas impedi-lo já estava fora de cogitação.
A promessa de prazer não permitia as ponderações que sua mente
prática estava acostumada a tecer para se fazer compreender em um mundo
dominado por ideias masculinas. Jamais poderia ser aquela irritante e
inflexível Isadora quando estivesse nos braços dele.
— Ai meu Deus – ela quase gritou quando os lábios dele beijaram os
seios.
— Por Deus, mulher, você é a minha perdição – ele retrucou e a beijou,
sempre estocando firme até que não restasse mais nada dentro dele.
Era loucura o que estavam vivendo, aquela atração incontrolável o
deixava à beira de um colapso ao mero pensamento que a tinha por esposa.
Mas não viver a sorte que tivera era ainda mais loucura.
Ele respirava pesado, ainda sobre o corpo dela, apreciando a gentileza
dos dedos femininos nas costas enquanto ouvia a respiração entrecortada
por gemidos. Daria a vida para ficar ali para sempre.
Mas sabia que era desconfortável para ela.
— E agora? – Isadora perguntou quando os olhos dele encontraram os
dela. — Não podemos ser vistos tão descompostos.
Rodrigo a estudou por alguns segundos. O elegante penteado havia sido
arruinado e o outrora impressionante emaranhado de tranças e caracóis mais
parecia um ninho de passarinho. O corpete estava descosturado na altura do
decote devido à força que usou na ânsia de possuí-la.
E apesar da descompostura, ela continuava a mais perfeita das damas.
— Você está linda – disse embriagado dela. Isadora era como um vinho
de safra especial, que quanto mais se bebia, mais se queria beber.
Ela sorriu e piscou algumas vezes.
— Não minta, Senhor Rodrigo! Sabemos que posso estar qualquer
coisa, menos linda.
— Pois insisto – ele teimou. — Está descomposta? Claro que sim! Está
com o vestido rasgado? Claro que sim! E com o penteado arruinado, sem
quaisquer dúvidas.
— Oh!!!! – soltou preocupada.
— Mas continua linda, porque sempre foi linda. E quanto mais o tempo
passa, mais linda fica. – E a beijou, deslizando as mãos por baixo das costas
dela para que se sentisse mais confortável; não pretendia sair de dentro dela
tão cedo.
Ah, se a mesa pudesse falar...
— Consegui comida! – Rodrigo comemorou com um sorriso enfeitando
suas feições assim que surgiu na linha de visão da esposa; com uma mão ele
segurava a bandeja e com a outra, passava o trinco na fechadura.
Isadora fechou os olhos para tentar afastar os pensamentos luxuriosos
que a atingiram quando os olhos deslizaram por dentro da camisa aberta. O
marido a havia levado até seu quarto e fizeram amor mais uma vez,
dispensando os empregados que batiam em sua porta para saber o paradeiro
da sinhá. Entretidos um no outro, perderam o jantar, e para não abusar da
boa vontade, Rodrigo os dispensou para que pudessem dormir mais cedo.
Mas a fome lhes chegou na madrugada com tanta intensidade que
Rodrigo decidiu se aventurar em uma expedição pela cozinha.
— Poderíamos ter acordado uma das criadas – ela comentou enquanto
se sentava na cama, tomando o cuidado de se cobrir. Era tão íntimo ficar
nua na frente de um homem, mesmo que ele fosse seu marido e tivesse
direito sobre seu corpo.
— E correr o risco de afugentá-la para o outro lado do corredor? – Ele
se referia aos aposentos que eram dela, não deles. — Jamais!
Isadora esticou o pescoço para enxergar o que ele fazia. Rodrigo havia
tirado alguns livros e cadernos de cima da mesa e distribuía os pratos e
talheres com eficiência, sem deixar a desejar se comparado ao mais
habilidoso dos garçons.
— Sua excursão à cozinha foi proveitosa – ela o elogiou ao sentir a boca
salivar tamanha era a sua fome. — Estou faminta.
— Então venha! – Ele se empertigou e estendeu o braço para convidá-
la. — É minha convidada especial.
Isadora sorriu, mas foi um sorriso tímido, que revelava muito mais do
que ela pretendia demonstrar ao marido. E Rodrigo soube sem muito
esforço que ela estava envergonhada com a própria nudez. Então se
aproximou da cama e se sentou de frente para ela, afundando os dedos no
rosto para trazê-la até seus lábios.
— Depois de tudo que fizemos ainda sente vergonha de mim? – ele a
questionou em tom divertido.
— É mais forte do que eu – Isadora confessou. — Fui educada para ser
recatada. Aliás, nós, mulheres, somos educadas para agirmos com recato e
moderação. E assim que fechou a porta para ir atrás de comida, me
questionei o que poderia pensar de mim depois de me entregar a você com
tanta empolgação. – Ela evitou o olhar dele, deslizando os olhos para a
barra do lençol que segurava com força entre os dedos. — Eu não deveria
ter gritado.
— Seus gritos de prazer são como música para os meus ouvidos – ele
explicou e a tocou no queixo com a ponta dos dedos de modo que ela
voltasse a encará-lo. — Somos marido e mulher, e isso nos torna cúmplices
para que o que acontece entre quatro paredes seja nosso segredo. Vamos até
a mesa para comer, Dora.
— Quem sabe você possa me ajudar com o vestido – sugeriu.
Rodrigo sacudiu a cabeça para negar.
— Não vou ter tanto trabalho agora para depois acabarmos tirando tudo
de novo.
— Então é melhor eu ir até meus aposentos para buscar meu penhorar. –
Olhou para o chemise rasgado e largado no chão, poderia usá-lo se ele não o
tivesse arruinado.
Rodrigo a acompanhou com os olhos e se levantou para tirar a camisa
que usava.
— Venha! – ordenou. — Pode usar a minha camisa se precisa tanto se
esconder de mim.
— Não é que eu precise me esconder de você. – Ela esticou as pernas
para fora da cama, encorajada com a solução que ele havia encontrado para
que se sentisse mais confortável. — Tenho pouco a esconder de você depois
desta noite, mas não nos custa manter a decência à mesa.
Rodrigo sacudiu a cabeça e se posicionou atrás dela, deixando beijinhos
na nuca e nos ombros quando ela ergueu os cabelos para que pudesse passar
a camisa por seus braços. Estavam de frente para um espelho e o reflexo
dela usando sua roupa o deixou louco de tesão.
— Você fica linda usando minha camisa – ele sussurrou e ela apertou as
coxas, uma contra a outra, para conter um espasmo de excitação.
— Quantas vezes você aguenta fazer amor em uma só noite? – Isadora
perguntou ao notar a rigidez dele contra seu traseiro.
— Nunca fiz tantas vezes – ele admitiu —, mas estou ansioso para
descobrir até onde posso chegar com você. – Ela tingiu o rosto de vermelho
e o corpo foi tomado por uma sensação que agora ela sabia ser de desejo,
desejo pelo marido. — Mas primeiro devemos comer, Dora. – Ele deslizou
os dedos pelos braços para prendê-la contra ele e a empurrou até a mesa.
Isadora aceitou os mimos e deixou que ele a servisse. Comeram em
silêncio e quando satisfeitos, ele serviu vinho aos dois para brindarem o
acordo que haviam feito.
— O primo do meu pai pode chegar a qualquer momento – ela precisava
alertá-lo.
— O tutor? – Ele relaxou na cadeira e esticou as pernas.
— Sim, o tutor! – ela confirmou. — Precisei ir ao Centro para tratar
disso com o advogado – avisou e ele se retesou. — É melhor que saiba por
mim do que pela boca de outro. Não quero que pense que eu o desafiei
saindo de casa um dia após nosso casamento, mas foi necessário.
— Que eu saiba, o Doutor Antunes está escoltando sua irmã até São
Paulo – ele comentou à espera de uma explicação. Não que se sentisse
despeitado, afinal, o casamento deles era diferente e havia prometido
liberdade a ela. Mas queria saber com quem se encontrara, para protegê-la,
se fosse o caso.
— Fui tratar com o assistente de Doutor Antunes, Danilo Magalhães.
Não podemos esperar para ajuizarmos a ação que contestará a tutela de
Lúcia. Me casei com você e me libertei, mas Lúcia não. E temo por sua
felicidade.
Rodrigo se curvou sobre a mesa e roçou o rosto dela com o dorso da
mão.
— Vamos lutar juntos para proteger Lúcia – prometeu. — Conheço
Magalhães o suficiente para saber que foi a escolha certa na ausência de
Antunes. Dizem que tem um futuro brilhante.
— Mas não é Estevão – ela deixou escapar, olhando para o vazio.
A reação dele foi de ciúme ao ouvi-la chamando o advogado pelo
primeiro nome. Havia confiança entre eles, e isso lhe ficou claro assim que
tivera a primeira reunião com o advogado, mas se deparar com o fato de
que ela talvez pudesse amá-lo mexeu com seus brios. Corriam boatos de
que eles mantinham um caso, e há quem alimentasse a esperança de que o
bem-sucedido causídico poderia a surpreender com um pedido de
casamento. Que não veio mesmo quando ela mais precisava de um.
— Magalhães é bom, eu garanto – ele a cortou nas reflexões —, e você
tem a mim, o seu marido.
Isadora o fitou e aceitou o copo de vinho que ele lhe alcançava. Rodrigo
a fazia se sentir cheia de vida, não tinha como negar que a atração que
tinham era tão forte que os mantinha unidos como casal. No entanto, a
confiança precisava ser lapidada com o tempo e ele tinha os próprios
problemas para resolver para ainda se preocupar com os dela.
— O que foi? – Rodrigo insistiu ao notá-la distante emocionalmente. —
Nosso casamento é recente, sabemos que sim – levantou-se e foi para perto
da janela —, mal tivemos tempo de nos acostumar um com o outro, mas
não se esqueça de que você não me prometeu um casamento comum.
Estava ciente de tudo quando a aceitei como esposa e quero participar de
sua vida, quero ser útil, Dora. – Ele se apoiou no batente da janela e inalou
o ar úmido da madrugada.
Isadora também se levantou e foi até o marido, tocando-o nas costas
com a ponta dos dedos. Ao sentir as unhas deslizarem pela pele, a agitação
o fez se virar e a encontrar.
— Não quero importuná-lo além do que combinamos – explicou ela. —
Você já fez muito por mim ao aceitar o acordo para se tornar meu marido.
Rodrigo passou as mãos pelos cabelos e soltou uma lufada de ar que a
atingiu como se fosse um sopro de irritação. Sim, ele estava irritado, mas
não com ela, e sim com ele, que não conseguia ser claro o suficiente para
esclarecer que ela lhe importava. Isadora ofuscava seu raciocínio a ponto de
confundi-lo quanto ao que sentia. Sabia que antes de possuí-la era paixão
que sentia, mas agora era mais, tinha que ser mais.
— Você não entende que é minha mulher independentemente do acordo
pré-nupcial – confessou e ela estendeu o braço para espalmar a mão no
peito dele, a eletricidade pulou dele para ela e os problemas quase
desapareceram novamente. — Eu quero... eu preciso cuidar de você, Dora.
Rodrigo lhe parecia surreal com as estrelas às costas servindo como
pano de fundo, um daqueles mitos gregos que lhe ensinaram quando mais
jovem, talvez Hércules tivesse sido tão belo quanto ele. Os cabelos
castanho-claros se enrolavam nas pontas e uma mecha caía pela testa, uma
pequena cicatriz no lado direito do queixo era o lembrete de que era
humano e poderia se machucar.
— Eu aprecio sua preocupação – deixou escapar o que o coração sentia,
por mais que depois pudesse se arrepender.
Rodrigo a enlaçou pela cintura e encostou sua testa na dela.
— Me conte o que mais a preocupa – exigiu ele.
— Preciso viajar para Santa Cruz o quanto antes – começou a relatar o
problema mais urgente a ser resolvido depois da tutela. — Nosso capataz
me convoca para que vá resolver contratempos com os vizinhos.
Rodrigo a levou até a cama e se sentou com ela no colo.
— Que tipo de contratempos? – perguntou, dessa vez em tom sério.
— Com escravizado, Rodrigo! Santa Cruz e até nossas outras fazendas
acolhem escravizados fugitivos.
— Seu pai nunca foi uma abolicionista – disse ele, mas se arrependeu ao
notar que a esposa fazia esforço para se livrar dos braços dele. — Espere!
Me deixe terminar, por favor – ela relaxou —, mas você é uma
abolicionista, ao contrário do barão.
— Uma das razões para que brigássemos tanto, depois, é claro, do tema
casamento. Papai me castigou, a mim e a Lúcia, mais a mim, devo ser justa,
por não aceitar qualquer um dos pedidos de casamento que recebi depois de
Tadeu, ao nos nomear um tutor. Ele sabia que iríamos alforriar os
escravizados.
— E como pretende manter as lavouras?
— Eu tenho ideias, que não vêm ao caso no momento. – Não queria que
o marido debochasse de suas ideias pouco ortodoxas, principalmente
porque era mulher.
— Eu quero saber – exigiu.
— Eu pretendo contratar os alforriados. E se mesmo assim não
conseguir a mão de obra necessária, posso requisitá-la em outros países.
Enfim, é uma longa história e lhe conto em outro momento. O mais
importante é que desde que papai morreu, nossas fazendas recebem pretos,
na maioria fugitivos, e por isso os outros barões querem o meu pescoço
servido em uma bandeja.
Rodrigo se levantou de repente e a força que usou quase a arremessou
contra a cômoda; felizmente, ele a firmou contra ele e evitou que se
machucasse. No entanto, a olhou como se quisesse devorá-la, e não no
sentido luxurioso.
— E você pretende viajar para Santa Cruz com esse cenário pouco
apropriado? – Rodrigo estava nervoso.
— Preciso ir! E sinto muito que tenha que me ausentar logo após o
casamento, mas é da minha gente que se trata – ela tentou explicar diante da
exasperação do marido.
— Se trata de minha esposa em perigo, pelo amor de Deus! – Ele lhe
deu as costas. — Uma coisa é alforriar escravos ou pagá-los como tem feito
aqui – gesticulou —, outra bem diferente é se meter com os escravocratas.
— Eu só quero ajudar!
Ele se virou e a encarou com o maxilar cerrado e os olhos que eram
duas esferas negras, como se toda a raiva e o medo que estava sentindo
pudesse se manifestar por meio das pupilas dilatadas.
— Mas vai ajudar protegida! – Apontou o dedo na direção dela. — Por
mim.
— Não entendi – ela falou e voltou a se sentar na cama. Rodrigo a
desnorteava a um nível que não conseguia sequer prever suas reações. E
Isadora era muito boa em interpretar as pessoas; a todas elas, homens e
mulheres, crianças ou velhos, até se casar e ter suas certezas questionadas
para virar seu mundo do avesso.
— Sou seu marido e vou com você – ele foi firme. — Se alguém deve
enfrentá-los, que seja eu.
— Mas o acordo não foi esse – ela o lembrou, confusa —, você apenas
deveria assinar.
— Quero fazer mais. – Ele se ajoelhou diante dela e deslizou a mão pela
nuca. — Eu posso fazer mais como seu marido.
— E a faculdade? A Santa Casa? Por Deus, Rodrigo, você está em fase
de exames finais...
Rodrigo a calou com um beijo, que a amoleceu a ponto de esquecer a
linha de raciocínio que pretendia seguir para convencê-lo de que tudo
ficaria bem. Ela não poderia deixá-lo cruzar a fronteira que a mantinha
segura, não poderia levar consigo seu coração.
— Me dê apenas dois dias para resolver as coisas e vamos para Santa
Cruz.
— Rodrigo... – ela soltou quando ele a levou para o centro da cama e se
colocou em cima dela, raspando o pênis contra sua pélvis. — Não devemos
fazer isso depois de termos discutido.
— Não me impeça de protegê-la, Dora, muito menos de amá-la. – Ele
raspou a barba pelo pescoço dela. — E não discutimos, que fique claro.
Ele queria protegê-la.
Isadora despertou no dia seguinte com a mente absorvida pelas
lembranças da noite de amor que passou nos braços do marido. Sorria ao
mero pensamento de que ele queria protegê-la a qualquer custo, mesmo que
precisasse comprometer seu desempenho nos estudos. Ela sabia o quanto se
tornar médico lhe era importante.
Jamais outro fez tanto por ela ou a considerou tanto para que interesses
pessoais fossem deixados de lado. Nunca havia sido sequer prioridade do
pai, que não fez mais do que lhe esfregar no nariz qualquer cavalheiro
disposto a se casar por dinheiro.
Mas agora parecia ter se convertido na prioridade do marido.
Fizeram amor até quase o amanhecer, e quando as horas do ponteiro do
relógio os alertou de que precisavam voltar para a vida real e o cansaço a
abraçava como um aconchego aprazível, Rodrigo a pegou no colo e a levou
até os aposentos do outro lado do corredor. A sonolência não a deixou
entender muito além do que uma despedida e o aviso de que precisava se
ausentar mais do que gostaria, mas que era para o bem da viagem que
fariam em breve.
Isadora decidiu dar a Rodrigo um voto de confiança e concordou com a
ideia de que fosse apresentado aos outros cafeicultores como seu marido. A
urgência com que precisavam lidar com a questão das implicâncias dos
donos das fazendas vizinhas adiantou a visita que deveria ser feita apenas
quando a questão da tutela tivesse sido solucionada, ou no mínimo
controlada, para garantir a segurança de Lúcia.
Teriam que lidar com o imprevisto, por mais desconfortável que fosse.
E precisava admitir que viajar na companhia do marido não lhe parecia
um fardo; ao contrário, poderiam estreitar os laços e até se conhecer melhor.
Se ele quisesse o mesmo que ela, era óbvio.
Um sacolejo a despertou das lembranças e ponderações quando o coche
passou em cima de algo, não saberia dizer do que. Espiou pela janelinha e
os prédios descascados que viu a confortaram, já estavam perto do Centro.
Para sua surpresa, o marido enviara um mensageiro para lhe dizer que
deveria encontrá-lo no Centro da cidade. O mais surpreendente, no entanto,
foi que havia sido ele quem marcara a reunião com Danilo Magalhães.
Isadora desconfiava de que o marido sempre daria um jeito de surpreendê-
la, era uma caixinha de surpresas.
— Obrigada, Malaquias! – ela agradeceu quando o cocheiro da família a
ajudou a desembarcar. Precisou segurar o chapéu com a mão para que não
voasse devido ao vento forte. Mas não se queixava, ao menos a ventania
havia levado embora o mormaço que estavam sendo os dias de novembro.
Isadora alisou a saia e ajeitou o lenço no decote. Com a ventania, ele
havia se desprendido, e uma mulher honesta não deveria mostrar tanta pele
em plena luz do dia. Malaquias lhe entregou a bolsinha que havia esquecido
na carruagem e, quando estava prestes a subir o primeiro degrau que dava
acesso ao gabinete dos advogados, o encontrou. Rodrigo sorriu em resposta
e a puxou para um abraço, colando sua boca na dela.
— Rodrigo! – ela conseguiu chamá-lo mesmo com os lábios grudados
um no outro. — Não estamos em casa.
Ele se afastou para o bem do decoro.
— Eu sei que não, mas senti saudade – respondeu e ofereceu o braço
para a esposa.
— Não pode esperar até chegarmos em casa? – perguntou com um
sorriso que se abria para transformar o dia dele.
— Não vou para casa com você – avisou e a empolgação dela murchou.
— Preciso compensar os dias que ficaremos fora, Dora.
— Mas você precisa descansar.
— Estou acostumado a emendar os dias nas noites e dessa vez vai ser
por uma boa causa.
Isadora não pretendia bancar a esposa chata e apenas concordou com a
cabeça.
— Por que marcou aqui? – o questionou quando a porta do escritório
apareceu em sua linha de visão. Haviam subido os degraus e logo bateriam
à porta para serem atendidos.
— Precisamos assinar a papelada para Magalhães não ser surpreendido
caso o tutor chegue enquanto estivermos fora da Corte.
— Mas isso poderíamos ter feito em casa – ela o lembrou, cada vez
mais curiosa.
— Claro que sim! Mas quero me inteirar de tudo antes de viajar; e como
estou sem tempo, é mais prático fazermos isso aqui no Centro do que eu ter
que ir até Laranjeiras no meio do meu plantão. Peço perdão se a tirei do
conforto.
— Imagine! – Ela sorriu tímida. — Não foi um incômodo. Eu que devo
agradecê-lo pela preocupação. – Pararam diante da porta e o encarou antes
de bater. — Você deveria voltar para casa para descansar.
— Eu vou, Dora. Mas provavelmente você estará dormindo quando eu
chegar.
— Antes de sair, então – ela sugeriu por ter compreendido que
compartilhavam o desejo de estarem juntos.
— Muito difícil. Devo sair antes do amanhecer.
— Você está certo de que ser médico é o que você quer? – Ela pôde ter
um vislumbre do que seria sua vida como médico: de pouco descanso e
muito trabalho.
Ele riu.
— Estou acostumado com essa rotina apressada e de pouco sono – ela
era a prova viva de que ele estava mais do que adaptado, já que passaram a
maior parte da noite fazendo amor e ele sequer parecia cansado, enquanto
ela havia perdido a hora do almoço de tanto que dormiu —, mas prometo
que irei passar pelos seus aposentos para me despedir.
— Obrigada! – ela agradeceu a deferência.
— A propósito, você está magnífica – Rodrigo a elogiou e o rubor
tomou seu rosto, mas não poderia negar que escolheu o conjunto de saia e
casaquinho vermelhos pensando nele —, me dê um beijo, Dora.
— Não podemos esperar para depois da reunião? – Ela olhou para os
lados, afinal, estavam em um edifício público e poderiam ser vistos aos
beijos.
— Por favor! – ele insistiu. — Sabemos que, ao cruzarmos esta porta,
uma pilha de problemas vai cair sobre nossas cabeças e sequer sabemos se
sairemos da reunião com vontade de nos beijar.
— Não seja dramático! – Ela riu. — Minha situação é deveras
complicada, mas mesmo o caos pode ser controlado.
— Não esperava menos de você. – Rodrigo a enlaçou pela cintura e a
beijou, deixando a paixão ditar o ritmo do beijo. E que falassem o que
quisessem. Eram marido e mulher e alguns benefícios deveriam existir.
Um arranhar de garganta os tirou do transe quase sexual em que haviam
entrado em razão de um simples beijo.
— Eu avisei – sussurrou uma Isadora envergonhada.
Rodrigo se virou e a cobriu com o corpo para preservá-la da exposição,
dando de cara com Danilo Magalhães.
— Meu escritório não é um bordel, Paiva de Vasconcelos – disse o
jovem advogado. — Eu me formei e sou muito sério quando estou a
serviço. Aliás, em breve você também se forma e postura profissional é
tudo para quem está começando.
— Do que ele está falando? – Isadora saiu de trás do marido e encarou o
advogado intrigada com o que tinha acabado de ouvir.
— Ele não está falando nada demais – Rodrigo se apressou para
interromper um possível diálogo da esposa com um de seus companheiros
de farra. — A propósito, sou eu quem deve exigir respeito com minha
esposa – exigiu, contrariado.
— Eu e o seu marido, Senhora Paiva de Vasconcelos, somos conhecidos
de longa data – explicou Magalhães, não fazendo caso do que o amigo
havia lhe dito.
— Decerto dos bordéis! – Isadora revirou os olhos. — Por Deus, não
bastasse um marido libertino, Estevão consegue me indicar um advogado
libertino. – Ela cruzou os braços e olhou de um para o outro, o que os fez se
sentirem desconfortáveis. Mas assim era ela: ágil nas conclusões e ainda
mais rápida para desarmá-los.
— Estevão Antunes não é o santo que acredita ser – Rodrigo retrucou,
passando as mãos pelos cabelos em razão do nervosismo que havia se
tornado latente à mera menção de seu melhor amigo. Obviamente que
Isadora teria um cavalheiro como confidente, e não outra dama como a
maioria das mulheres que conhecia. Sim, o ciúme era tamanho que apenas
faltava escorrer pelos olhos.
— Não é mesmo – confirmou Magalhães —, mas é um excelente
advogado.
— Como o senhor, presumo?! – Isadora empinou o nariz e desafiou o
jovem advogado. — Mas a diferença é que o senhor, Doutor Magalhães,
precisa ganhar muitas causas para se igualar a Estevão. – E assim ela pisava
no ego do jovem advogado sem misericórdia alguma. Rodrigo olhou para o
outro lado a fim de evitar o riso, mas era impossível quando a língua ferina
da esposa era o que de mais brilhante ela tinha. — Por que o meu marido
está rindo? – A atenção dela se voltou ao marido e ele deu de ombros.
— De nada em específico – esclareceu.
Isadora passou as mãos pela frente do casaquinho bordado e ajeitou o
chapéu de cetim na cabeça. Ela era charmosa e até Magalhães não
conseguiu evitar de admirá-la. Rodrigo o encarou com cara de quem não
estava gostando do interesse depositado em sua esposa. E o desconforto
quase o sufocou por constatar que não sabia lidar com o ciúme que ela lhe
despertava por ser quem era, a mulher que estava se infiltrando em seu
coração para talvez jamais partir.
— Vamos entrar logo – disse Magalhães —, afinal, temos muito que
discutir e organizar.
— Até que enfim – Isadora comentou. Sua postura ereta era de quem
havia nascido para ser servida, jamais para servir. Ela deu dois passos para a
direita, aproximando-se do marido para dar passagem ao advogado, de
modo que ele pudesse destrancar a porta.
Rodrigo deslizou a mão pelas costas dela e abaixou a cabeça para lhe
sussurrar.
— Quero que saiba que sou fiel a você. E que não pretendo voltar a
frequentar bordéis como Magalhães deu a entender.
Isadora se empertigou ainda mais e engoliu em seco. Não fizera questão
de incluir uma cláusula de fidelidade no acordo pré-nupcial, mas esperava
que o marido a respeitasse. Não que Estevão não tivesse sugerido algo do
tipo assim que o nome do candidato a marido lhe foi informado; mas era
muito humilhante para ela admitir em contrato que poderia ser traída.
— Você diz isso hoje – ela retrucou, girando levemente a cabeça para a
esquerda de modo que ele pudesse compreendê-la mesmo falando baixinho
—, mas daqui alguns anos talvez tudo mude e suas promessas não passem
de palavras que se perderam no tempo. Podemos estar empolgados com o
início do casamento e isso nos aproxima muito, Rodrigo, mas não devemos
esquecer o que nos fez casar. Nossas necessidades talvez possam ser um
fardo para o nosso casamento.
Rodrigo sentiu como se ela tivesse lhe dado um soco na boca do
estômago. Isadora sempre fora conhecida pela objetividade com que
encarava o mundo, sem romantismo ou ilusões que faziam a maioria das
mulheres se curvarem aos homens. Ela era a ventania que açoitava quem
estivesse em seu caminho. E não poupava sequer aqueles que a queriam
bem. Mas isso não a fazia menos interessantes aos olhos dele. Ao contrário,
era o que a fazia ser a empolgação que lhe faltava na vida.
E ele provaria que era o homem perfeito para fazê-la feliz. Desde que os
amigos não complicassem tudo, como fizera Magalhães.

— Vou deixá-los a sós – avisou Magalhães antes de sair e fechar a porta.


Finalmente o amigo tivera o bom senso de deixá-los a sós para que
pudessem conversar por alguns minutos. Apesar de proveitosa a reunião e
de ter cumprido com seu objetivo, que era entender a complicada situação
das Alencar diante da herança cheia de imbróglios que o barão lhes deixara,
Rodrigo estava inquieto e preocupado com o que ela estava pensando dele.
— Posso lhe dar carona até a Santa Casa – Isadora falou enquanto se
levantava, o olhar preso na pintura a óleo indicava que não estava disposta a
dialogar. — Não quero que se prejudique em razão dos problemas de minha
família.
Rodrigo se sentiu cansado de repente. Parecia que o que haviam
conquistado enquanto casal escorria pelos dedos sem que ele pudesse fazer
algo para que ela não se afastasse.
Talvez ele nunca seria bom o bastante para ela. Ao menos não fora da
cama.
Isadora poderia ser uma mulher cuja valentia a colocava em um patamar
que não permitia aos demais que sentissem pena, mas não deixava de ter
sido ferida por homens que vieram antes dele; primeiro pelo noivo, que a
abandonou para ficar com outra, e, por fim, pelo pai, que não titubeou em
lhe nomear um tutor.
— Você não me prejudica – ele assegurou, tomando a decisão de acabar
com o mal-estar que um comentário impertinente havia provocado. E então
reduziu os poucos metros que os separavam e a puxou contra ele. — Por
Deus, Dora, eu apenas quero ficar com você, fazer parte de sua vida.
— Você não precisa! – Negou com a cabeça e evitou os olhos dele,
talvez porque soubesse que se o encarasse estaria perdida, a paixão
arrefeceria a desconfiança que a mantinha na zona de conforto e acabariam
um nos braços do outro. — Não faz parte do acordo que se envolva tanto
nas minhas questões.
— Não importa o que acordamos – ele insistiu —, e sim o que sentimos.
– Pegou a mão dela e levou ao seu peito, beijando-a na testa. — Quero ser
seu marido em todos os sentidos e não apenas quando precisa de minha
assinatura.
— Tem certeza? – Ela arriscou levantar o olhar e quase perdeu o fôlego
quando os olhos castanho-claros a capturaram em um lampejo de desejo. O
mesmo desejo que a fazia implorar pelo toque dele, que a fazia gritar pelo
corpo dele colado ao dela.
— Jamais estive tão certo na vida – ele respondeu de modo sério, os
olhos a estudando com a perspicácia de um homem que havia nascido para
realizar grandes feitos; e o mais importante deles já havia conquistado: se
casar com a mulher que sempre buscou em todas.
— Não minta – ela sorriu sem querer sorrir e relaxou nos braços dele
enquanto se distraía brincando com a lapela do paletó dele. — Penso eu que
sua maior certeza sempre foi a Medicina.
— Até você chegar – ele a interrompeu, mas decidiu ainda não lhe
contar sobre o quanto ela o perturbou desde os primeiros anos da
adolescência.
Isadora soltou um longo suspiro e voltou a erguer a cabeça para fitá-lo,
permitindo-se confiar mais uma vez em outro homem. E ao sentir a calidez
dos lábios dele sobre os dela, o sentimento de apreensão diante do que
julgou perigoso cedeu lugar ao mais primitivo e brutal desejo de ser sua
mulher.
Era assim que Rodrigo a fazia se sentir: tão somente uma mulher.
Jamais a herdeira rica ou o impertinente “desafio de saias”.
Não havia incerteza, muito menos medo em relação às consequências;
havia apenas desejo e paixão, sentimentos tão mundanos e que beiravam à
indecência, mas que os aproximavam com mais força do que um acordo de
colaboração mútua.
— Eu posso aceitar a ajuda do meu marido – ela decidiu quando se
afastou da boca dele.
— Não vai se arrepender – ele comemorou, suspendendo-a no ar para
rodopiarem.
Ela sabia que ele não desistiria dela, embora se esforçasse para
encontrar justificativas que lhe provassem o oposto.
Rodrigo estava esgotado e sequer as inúmeras xícaras de café que havia
bebido durante o dia o deixaram alerta para encarar horas de plantão na
Santa Casa. Ele precisava fazer caber cinco dias em dois.
Mas valeria a pena, sabia que sim, porque logo a teria em seus braços.
Já era madrugada quando pisou em casa. Passou pela cozinha para
comer alguma coisa e subiu em seguida para os aposentos para tentar
descansar pelas horas que conseguisse; não poderia se dar ao luxo de perder
tempo, pois logo teria que sair novamente para mais uma rodada de
sabatinas e trabalho na Santa Casa. Se asseou com a água que encontrou na
bacia e trocou de roupa.
Se casar em uma época em que mal conseguia tempo para dormir não
era o mais indicado, especialmente quando lembrava da mulher tentadora
que havia conseguido como esposa.
Mas era sua realidade. E equilibrar a Faculdade de Medicina com o
casamento exigia um ânimo quase sobrenatural.
Ao olhar para a cama o coração saltou no peito. A queria ao lado dele,
para preencher o vazio da cama e de sua vida. Tentou se deitar, mas rolou
tanto que saltou da cama como se ela tivesse espinhos. Se esforçou para
aquietar a tormenta de sentimentos que o atingia olhando pela janela, mas
sequer a beleza de uma noite estrelada conseguiu aplacar o desejo que
sentia pela esposa.
Era apenas questão de fechar os olhos para que sua mente fosse invadida
pelo delicioso deleite de possuí-la como parte de seu corpo, e o que mais
queria era se fundir a ela e esquecer todas as inconveniências de um
casamento arranjado para salvá-lo da ruína.
Riu ao se lembrar de que havia se casado para que os problemas
financeiros fossem resolvidos. E foram, não era justo que não reconhecesse
que a fortuna de Isadora o livrara das ameaças dos agiotas, mas foi ingênuo
ao acreditar que o coração não seria atingido, ainda mais quando a esposa
que o comprou era a mulher que mais admirava, aquela que o deixava
ansioso e com a boca seca apenas em dividir o mesmo ambiente.
Rodrigo não era o tipo de homem que se prendia aos próprios
sentimentos, embora reconhecesse que a noiva do irmão mexia com sua
libido; obviamente que guardar os sentimentos trancafiados era a melhor
estratégia quando a paixão por uma mulher inalcançável pudesse fazê-lo
motivo de chacota. A diferença de idade não era um problema para ele,
nunca foi, mas para ela poderia ser, e, na prática, criou um distanciamento
que não os possibilitou uma aproximação.
Ao menos até que as dificuldades os unissem em prol de um objetivo
em comum.
Talvez tivesse menosprezado seu coração caprichoso ao acreditar que o
casamento com Isadora pudesse ser harmonioso pelo simples fato de que
havia um negócio entre eles. De outra banda, estava mais do que
conformado que agiu com ingenuidade, afinal, havia se casado com o
“desafio de saias”, não com uma dama comum.
Fosse como fosse, estavam casados de acordo com todos os protocolos
para que um casamento fosse considerado legítimo. E isso o colocava na
posição de marido, o que lhe dava alguns direitos, os quais ele não queria
invocar para se impor, principalmente na cama dela.
A hesitação o fazia um escravo dos próprios receios, de que se cruzasse
o corredor e a encontrasse, jamais conseguiria retornar para a própria cama,
aquela em que ela o havia colocado.
Inferno!
Rodrigo precisava decidir o que fazer antes que acabasse preso naquela
teia impiedosa de indecisão. Justo ele que jamais havia se deixado motivar
por dúvidas quando havia muito para experimentar da vida.
Girou o corpo sobre os calcanhares descalços e foi para perto da mesa
para beber água. Ele precisava vê-la, mesmo que lhe custasse o juízo ter que
retornar para a solidão de uma cama vazia.
Sem perder mais tempo, de modo que a consciência não o fizesse mudar
de ideia, abriu a porta e atravessou o corredor. Abriu um sorriso de
satisfação quando encontrou a porta apenas encostada e entrou
sorrateiramente para não a despertar.
Isadora havia deixado uma vela acesa para iluminar os passos dele, de
propósito. E embora ele não soubesse disso, o coração dele acelerou quando
capturou um vislumbre dos cabelos castanhos esparramados nos
travesseiros. O peito subia e descia pela respiração profunda que apenas o
sono tranquilo era capaz de produzir, os cílios se curvavam para encontrar
as sobrancelhas, de tão longos que eram, e os lábios, de tão corados,
lembravam um botão de rosa vermelha desabrochando aos primeiros raios
da primavera.
Ah, se Rodrigo tivesse as habilidades de um artista, faria questão de
eternizar cena tão perfeita em uma tela, que ele guardaria a sete chaves para
que fosse um tesouro apenas dele.
Ele se sentou com cuidado na cama e o movimento do colchão
afundando a trouxe para perto dele. Roçou a ponta do indicador nos arcos
dos lábios superiores e brincou com uma mecha perfumada de cabelo.
Isadora era a imagem do que havia de mais precioso.
— Eu não queria acordá-la – ele disse quando os olhos verdes brilharam
diante dele. Uma beleza etérea que deveria ser só dele.
— Eu esperei por você – ela sussurrou em resposta. — Você prometeu
que viria me ver mesmo que fosse tarde.
— Mas sem acordá-la – ele explicou.
— Mas não seria a mesma coisa.
Rodrigo abaixou a cabeça e roçou os lábios nos delas, esfregando a
ponta do nariz no dela enquanto absorvia o perfume de verbena em uma
tentativa de que ela pudesse ir com ele para a cama, ao menos o seu cheiro
queria levar consigo, cítrico e refrescante.
— Depois de amanhã vamos partir para Santa Cruz – ela fez que sim
com a cabeça —, e não devo mais retornar para casa até lá. Por isso, se
puder organizar minha bagagem e passar pela Santa Casa para me buscar,
agradeço.
— Claro que posso! Os criados desta casa também o servem, devo
lembrá-lo – ela sorriu, colocando as mãos embaixo da bochecha. — Você
comeu? Já dormiu?
— Encontrei comida quente no fogão e agradeço o cuidado.
— Não precisa agradecer quando tem feito tanto por mim.
— Preciso sim! – ele teimou. — Mas ainda não dormi.
Isadora levantou a cabeça tentando descobrir que horas eram e a
imagem do pescoço esguio que terminava no colo o enfeitiçou. A camisola
fina não escondia muito, e mesmo na penumbra ele podia ver a ponta dos
mamilos dela, fazendo com que todo o sangue corresse até o meio das
pernas para manter a ereção.
— É muito tarde, Rodrigo! Tão tarde que logo vai amanhecer – ela
comentou.
— Eu sei – ele confirmou —, logo preciso sair de novo. – Beijou-a
novamente, trazendo-a para perto dele e envolvendo-a na prisão que seus
braços tentavam impor ao corpo dela. Se separar quando só precisava dela
para descansar o deixava cansado, ainda mais cansado. — Apenas passei
por aqui para deixar um beijo.
A muito custo ele a libertou do aperto e se afastou da cama, o coração
batendo forte no peito era o indício de que a esposa já era parte dele, de sua
alma.
Isadora abriu os olhos ao sentir a ausência do calor dele e soltou um
longo suspiro em busca de coragem para dizer o que seu coração queria.
— Não vá – pediu ela, a voz estava tremida, reflexo dos espasmos que o
beijo havia provocado em seu corpo. Isadora ainda podia senti-lo e não
permitiria que seus receios ou mesmo seu orgulho a impedisse de tê-lo ao
seu lado.
Rodrigo congelou enquanto segurava na maçaneta e girou a cabeça para
encontrá-la sentada segurando os lençóis na altura do pescoço.
— Está certa de que me quer aqui com você? – perguntou para ter
certeza de que não estava sendo vítima de uma ilusão. — Dessa vez eu não
posso me atrasar, Dora.
Ela sacudiu a cabeça em concordância, se sentindo frágil como nunca,
mas mesmo assim corajosa para aceitar que precisava dele.
— Até quando você tiver que sair – propôs. — Quero sua companhia
para dormir – esclareceu. — Não precisamos fazer amor. Seria injusto
quando é de descanso que você precisa.
Isadora se deitou e arrastou o corpo para o outro lado da cama,
acomodando-se de costas para ele.
Rodrigo largou a maçaneta e se apressou para se juntar a ela embaixo
dos lençóis. Ao senti-la contra o peito, o perfume o embriagando para que
relaxasse, entregou-se à deliciosa sensação de apenas dormir abraçado com
a esposa.
— Por Deus, Jerusa, ande rápido com isso! – Isadora pisava duro em
direção à carruagem, a impaciência a mantendo em alerta para que nada
saísse fora do planejado.
— Lembro muito bem que não era do agrado de sinhá viajar para Santa
Cruz – disse a criada enquanto a seguia. — A pressa se deve à companhia
de Sinhô Rodrigo, não é?
Isadora interrompeu o passo assim que alcançou a carruagem e olhou
para Jerusa, estava espantada por ter deixado transparecer algo que deveria
permanecer em segredo.
Era seu segredo o fato de que estava tão ansiosa para reencontrar o
marido.
Na noite anterior ela adormeceu colada ao corpo cálido dele,
entregando-se ao aconchego de dividir a cama com um homem, ao mesmo
tempo que se sentia protegida de qualquer mal que pudesse atingi-la.
Apenas dormiram encaixados como se fossem uma concha. Jamais esperou
que pudesse encontrar em um casamento arranjado, além de apressado, o
porto seguro do qual estava desacreditada ser merecedora. Tanto é que tinha
medo de se perder se tudo desse errado.
Sim, pois havia uma chance muito real de que a paixão que ele dizia
sentir por ela esfriasse e nada mais restasse para uni-los além de um acordo,
que verdade fosse dita, era frágil considerando que foi baseado na
necessidade dele em ser financiado para que concluísse os estudos. Esperto
e dedicado como era, logo seria um médico bem-sucedido; aliás, um
brilhante e jovem médico cuja esposa pudesse se tornar um estorvo. E os
herdeiros? Senhor, ela sequer estava confiante de que poderia lhe dar filhos.
A falta de confiança era resultado do que costumava ouvir pela boca de
pessoas que não se importavam e julgavam que solteironas não tinham
sentimentos. Passou anos ouvindo desaforos, como o de que os homens
preferiam as mais jovens pois sabiam que tinham mais chances de lhes
darem filhos, e tentando fazer de conta que não se importava. E em uma
época em que Rodrigo não existia em sua vida isso realmente não lhe
importava, mas agora tudo parecia ter crescido dentro dela para se
transformar em um monstro que a perseguia e a fazia ter os piores
pensamentos.
— De certa forma, meu marido é a razão de minha ansiedade, mas não
pelos motivos que pensa. – Isadora corrigiu a postura. — É fato que poderei
contar com o apoio de um cavalheiro que conhece muito bem como pensa a
nobreza do café. Afinal, é filho de um deles, cujos cafezais lhe
possibilitaram a compra de um título de conde.
— Se a senhora insiste em tentar se enganar, o que posso fazer? – Jerusa
deu de ombros, abusada como sempre, e pegou a bolsinha das mãos da
patroa. — Mas, com todo respeito, não pode enganar a mim, sinhá! Dizem
que os olhos são o espelho da alma e os seus, sinhá, brilham muito à mera
menção do nome do Sinhô Rodrigo.
Isadora evitou rebater algo que já estava consolidado na mente de uma
garota romântica, como uma constatação, e apenas aceitou a ajuda de
Malaquias para embarcar.
— E a bagagem do meu marido? – perguntou assim que se sentou no
banco de couro. Isadora havia cuidado da bagagem dele com esmero, talvez
para compensar a falta que ele estava lhe fazendo.
— Malaquias trouxe o baú assim que a senhora terminou de organizar.
Está ao lado do da senhora, fique tranquila – avisou Jerusa e estendeu uma
cesta de vime. — Margarida preparou uma cesta com quitutes. Sinhô
Rodrigo decerto não teve tempo de comer direito. O pobre sequer veio para
casa esta noite. As arrumadeiras encontraram sua cama sem uma dobra fora
do lugar.
— Obrigada, Jerusa! – Isadora agradeceu e depositou a cesta aos pés.
— Podemos partir, sinhá? – Malaquias perguntou e ela confirmou com
um aceno de cabeça.
— Jerusa, qualquer problema, por favor, despache um mensageiro até
Doutor Magalhães. Deixamos uma procuração para que ele atue em nosso
nome. Temo que o tutor desembarque antes de nosso retorno e possa criar
embaraços.
Jerusa pegou as mãos de sua senhora e as beijou. As Alencar eram boas
patroas, justas e com um coração que não via diferença na cor de pele.
— Vá com Deus, sinhá! Estamos orando pela sinhá e pela sinhazinha.
Malaquias fechou a portinhola e Isadora ficou acenando pela janela.

Já fazia alguns minutos que Malaquias a havia deixado sozinha na


carruagem e foi ao encontro do marido na Santa Casa de Misericórdia. E
sua impaciência era tanta que estava cogitando a ideia de ir atrás dos dois.
Isadora batia a ponta das unhas na parede de madeira irritada com o
atraso. Não era uma viagem longa até Santa Cruz, mas o estado precário das
estradas dificultava o trajeto ao ponto de exigir um pernoite em uma
estalagem. Espiou diversas vezes entre as cortinas de veludo, contou as
estampas de seu elegante vestido de viagem, mas nada conseguia fazê-la
não se sentir como se estivesse sentada em um formigueiro.
E se ele tivesse desistido de acompanhá-la?
Não seria uma novidade ao se tratar de um Paiva de Vasconcelos, cuja
palavra empenhada tinha o mesmo valor de uma miragem. Mas seria ainda
mais decepcionante se Rodrigo a abandonasse a sua própria sorte depois de
ter implorado por confiança.
Determinada a dar um basta àquela agonia da espera, Isadora arrastou
o traseiro na direção da portinhola. Iria atrás dele antes que acabasse
abrindo um buraco na parede de tanto que arranhava o verniz. Levou um
susto quando ouviu o rangido das dobradiças.
— Perdão pelo atraso. – Rodrigo entrava de costas, o reconheceu pela
voz e pelo porte avantajado. — Não poderia viajar sem ao menos me livrar
do cheiro de uma noite difícil no hospital. – Ele se acomodou na poltrona
oposta à de Isadora e sorriu quando a viu. — Você é a visão do paraíso
depois de passar a noite tentando salvar a vida de um pobre homem que foi
baleado em um duelo, cara esposa.
Isadora amoleceu diante da justificativa que ele lhe dava sem ela
sequer exigir.
— Duelo? – Ela arqueou uma sobrancelha, fitando-o de soslaio
enquanto puxava o leque de dentro da bolsinha para se abanar. — Não sabia
que duelos eram permitidos no Brasil.
— E não são! – respondeu Rodrigo. — Mas costumam acontecer com
mais frequência do que as notícias dão conta.
— E o pobre homem sobreviveu? – Ela ficou curiosa.
— A bala atravessou o baço e se alojou muito próximo do estômago.
Foi uma cirurgia muito delicada – ele explicou. Isadora fechou o leque e
levou a mão à boca, consternada com a pouca sorte do homem. — Mas não
pretendo importuná-la com minhas descrições exasperantes sobre o trajeto
do projetil dentro do corpo do cavalheiro.
— Gosto de saber sobre seu trabalho – ela afirmou.
— É a primeira mulher que não se abala e que demonstra interesse.
— Não sei por que o espanto quando sabemos que as mulheres
praticavam a cura em tempos remotos. Talvez um dia voltem a praticá-la
sem se preocuparem tanto com a decência.
— Decência! – Rodrigo revirou os olhos. — Há tantas coisas que são
indecentes e mesmo assim gostamos de praticar, não é, Dora? – Ele piscou e
ela corou. A carruagem deu um solavanco e Isadora foi arremessada para o
banco oposto, bem no colo do marido, que fez questão de puxá-la para que
se acomodasse de frente para ele, uma perna de cada lado. — Eis um
motivo para viajar como seu acompanhante – disse. — Quem garantiria que
não se machucasse?
Isadora levantou a cabeça e encontrou os olhos dele presos nela, e foi
ali que se perdeu na própria luxúria. Incapaz de controlar o incêndio que a
consumiu, passou os braços pelo pescoço do marido e buscou os lábios dele
como se fosse a própria Afrodite encarnada, talvez comparável a uma
cortesã treinada para atender aos caprichos de homens ávidos por diversão.
A virilidade roçava contra uma das coxas, as camadas de anáguas e saias
não conseguiam amenizar a dureza que ela queria que estivesse dentro dela,
e então ao mero pensamento de que bastava levantar as saias e abrir a
braguilha para tê-lo a fez gemer enquanto ainda estava grudada na boca
dele.
Jesus! Havia sentido a falta dele, claro que sim! Mas também havia
estudado cada passo que dariam a partir dali, para planejar uma viagem
agradável, repleta de boa conversa, para que pudessem se conhecer melhor.
E não que devessem aproveitar o tempo ocioso para a prática da devassidão.
Confissão.
Era disso que ela precisava para expurgar de sua mente os pensamentos
mais impuros. Se bem lembrava dos ensinamentos do catecismo, casamento
não era um passe livre para a fornicação.
Mesmo que ela achasse curioso o fato de que ao homem era dada a
liberdade de conhecer muitas mulheres na intimidade e que uma simples
confissão os purificava para que conquistassem seu lugar no céu, enquanto
a elas, bem, a elas era quase um decreto de morte, pois se livrar do estigma
do pecado era impossível quando Eva era quem havia sucumbido à
serpente.
Ela precisava saber o que ele pensava a respeito, para descargo de
consciência. E então interrompeu o beijo, mas não se afastou muito da boca
dele para fazer isso.
— Me diga, Rodrigo! O que pensa sobre marido e mulher sentirem
isso. – Ela não sabia como expor seu pensamento sem se sentir
envergonhada.
— Sentirem o quê? – Ele mordeu o lábio inferior dela enquanto as
mãos se empenhavam em abrir os botões nas costas. Até hoje não entendia
o porquê precisavam apertar tanto o maldito objeto de tortura feminina.
Além do mais, ele a preferia ao natural, sem qualquer efeito que pudesse
esconder sua beleza.
— Vontade de fazer amor o tempo todo – ela completou, encorajada
pelos beijos que ele espalhava em seu pescoço.
— E por que não seria normal? Eu diria que é o esperado para recém-
casados – ele resmungou enquanto roçava a barba por fazer na pele macia
do pescoço. Mais um pouquinho de empenho conseguiria afrouxar o
espartilho.
— Mas você é um daqueles homens que chamam de libertinos, que
vivem como se as regras não lhes importassem – ela se queixou, como se ao
dar voz à razão pudesse espantar o pecado de seu corpo.
— E por acaso as regras da decência importam quando estamos
sozinhos, Dora? – Rodrigo segurou o rosto dela e a buscou com os olhos,
ele fervia por dentro e o pênis estava tão duro que poderia muito bem furar
o tecido que o mantinha preso e domado. — Somos casados justamente
para fornicar – foi direto dessa vez —, fornicar com as bênçãos do criador.
— Não use o nome de Deus em vão. É blasfêmia – ela o repreendeu,
mas aceitou o beijo dele como se fosse a água de que precisava para não
morrer de sede.
— Não falei nada demais – ele discordou com veemência dessa vez,
enquanto estava com a boca no seio que acabara de libertar do corpete do
vestido. — Se fornicar fosse realmente um ato indigno, Deus não teria
permitido que seus filhos precisassem fornicar para terem os próprios
filhos, não acha?
— Mas é apenas para conceber os filhos... – Ela não conseguia evitar
de sentir prazer com a atenção que recebia nos seios.
— Vamos conceber vários se este for o problema – ele se apressou a
dizer.
— Não é bem sobre os filhos a que me refiro. – Ela ainda estava
confusa, cada vez mais dividida entre fazer o certo e se entregar a ele,
embora soubesse que o corpo já o havia escolhido.
— E sobre o que é então toda essa conversa estranha?
— Não é conversa estranha.
Rodrigo levantou a cabeça e a fitou antes de falar.
— Eu não a entendo! Quem a ensinou tantas tolices sobre o ato sexual?
— Bem, não aprendi muita coisa, como bem sabe – ela ficou tímida
—, mas no catecismo...
— Por Deus, ainda bem que fugi do catecismo!
— Por isso é tão...
— Libertino? Eu sei que sou! – a interrompeu. — Mas a razão é outra
para acreditar no que acredito, querida. – Ele a beijou. — Eu acredito na
ciência, só para começar. Mas isso eu posso explicar em outro momento,
porque, pelo amor de Deus, eu só quero você. Agora. – Rodrigo a puxou
contra ele e a devorou com a boca, deslizando as mãos pelas costas em
direção ao traseiro. Ao tocar nas coxas, começou a levantar as várias
camadas de saias até alcançar a parte da anatomia que havia sido feita para
recebê-lo. — Pecado, Dora, seria se você negasse o que temos – explicou.
— Está tão molhada que vai deslizar muito fácil.
— Eu passei o dia querendo isso – confessou ela. — Não pode ser
normal!
— Sentir desejo pelo marido? Claro que é normal!
— Não sei se posso confiar em seu julgamento, claramente prejudicado
pela sua vida pregressa – ela resmungou.
— Pois eis um motivo muito plausível para confiar em meu
julgamento. Eu sei do que falo, mas garanto que jamais foi tão perfeito do
que é com você.
Isadora tremeu ao ouvir o elogio, sentindo o impacto do que era ser
mulher de um homem determinado a aprisionar sua alma com a dele. E meu
Deus! Ele era íntegro em sua libertinagem, transparente para não negar que
tivera outras, mas que a preferia.
Encantado pela imagem do prazer que se impregnava em cada detalhe
do rosto dela, Rodrigo pegou a mão de Isadora e a conduziu até a braguilha,
para que ela pudesse descobri-lo.
— Não tenha medo, Dora. Você pode me tocar como eu a toco – a
incentivou. — Não pretendo desmerecê-la diante de um padre por me tocar.
– A curiosidade a venceu, e como se os dedos tivessem ganhado autonomia,
começou a desabotoar a braguilha e, ao libertar o membro, o segurou com
delicadeza, temendo machucá-lo. — Não vai me machucar – ele garantiu ao
ler seus pensamentos por meio da perturbação que lhe marcava as feições,
mas também havia excitação e isso a deixava irresistível, o melhor desafio
que havia enfrentado na vida. — E agora você pode conduzi-lo ao seu
centro e ditar o ritmo do prazer que deseja sentir. Sou seu, só seu e para
sempre, do jeito que quiser.
— Rodrigoooo – ela deixou o nome dele escorrer pelos lábios como
uma cantiga tocada em uma lira mágica, a música dos deuses feita para
seduzir.
— Isso – ele continuava a incentivando conforme a carne se abria para
recebê-lo, deixando-a ditar o ritmo do encaixe.
E quando sentiu que estava com toda a extensão do membro dentro
dela, empurrou contra o quadril e a fez suplicar por mais.
Isadora se contorcia em busca do orgasmo, esfregando a vulva na
virilidade que pulsava como se fosse uma barra de ferro aquecida em brasa,
mas que ao contrário de queimar para machucar, a fazia se viciar na
deliciosa sensação de plenitude que lhe proporcionava.
Rodrigo a beijou enquanto a segurava pela nuca, mantendo-a firme em
seu colo. E quando as estocadas se tornaram velozes e duras, os gritos já
não puderam ser abafados. E o jorro saiu quente e viscoso, inundando-a de
uma promessa de muitos filhos.
Ela puxou o ar pelos pulmões e tirou o chapéu que, naquela altura,
estava apenas preso por um grampo, jogando-o para qualquer canto da
carruagem, para logo em seguida depositar a cabeça no ombro dele,
saciada.
— Como pode duvidar de que o que temos não é algo divino? –
Rodrigo deixou escapar a magnífica percepção de que o sexo com a mulher
certa era divino. E sequer as indagações da esposa poderiam convencê-lo do
contrário.
A Lua já surgia, ainda tímida pelos raios de Sol que teimavam em pintar
de laranja o horizonte. A algazarra dos passarinhos à procura de abrigo para
passar a noite os envolvia na paz da presença um do outro, como se
estivessem sendo abraçados pelas bênçãos do criador.
Rodrigo a observava com o canto dos olhos enquanto ela acompanhava
a paisagem mudar na velocidade do embalo das rodas da carruagem pela
janelinha, que se tornava mais verde à medida que os extensos cafezais se
tornavam mais comuns. Ele apreciava ficar parado estudando-a enquanto
sua alma era tomada de um afeto potente, mas tê-la nos braços, sem
quaisquer dúvidas, era a plenitude que sempre almejou alcançar.
Isadora virou a cabeça e o fitou.
— Estamos chegando na estalagem onde falei que poderíamos pernoitar
– ela explicou enquanto vestia delicadamente as luvas tecidas em um crochê
minucioso.
— É você quem manda, esposa! – Rodrigo colocou as mãos na nuca e
esticou as pernas, abrindo um sorriso sensual que a fez se sentir viva em
partes que deveriam ficar quietas. Não era o momento para desejá-lo
quando o que mais fizeram durante todo o trajeto até ali foi se tocarem.
— Como está meu cabelo? – ela arriscou provocar sua opinião. — Mas
seja honesto, não quero ser motivo para mexericos quando
desembarcarmos.
Rodrigo sacudiu a cabeça e desencostou para apoiar os cotovelos nas
coxas musculosas.
— Você está linda, embora... eu diria... um pouco amassada – disse ele,
com honestidade.
— Culpa sua.
Ele deu de ombros.
— Quem poderia julgá-la depois de horas dentro de uma carruagem
apertada, pelo amor de Deus?! – Ele a beijou na bochecha.
E teria a puxado contra ele para um beijo na boca se não tivessem sido
interrompidos pelas batidas na portinhola. A carruagem estava parada e mal
haviam percebido.
Rodrigo se adiantou e desembarcou antes para ajudar a esposa a descer
com segurança. Enquanto estivesse ao lado dela não deixaria que outro a
tocasse, mesmo que fosse um homem que a conhecia desde criança e a
tratava com muito respeito.
— Que estranho! – Isadora soltou ao encarar a casa de vigas e estume.
— Os Pereiras venderam a estalagem pelo visto. Mas não os julgo se
fizeram isso, a Senhora Pereira já estava muito velha e com dores nas
juntas. Era muito serviço para uma mulher velha e doente.
Rodrigo apenas a ouviu, sem tecer qualquer comentário, pois não
costumava se hospedar na estalagem.
— A Senhora Pereira ficou viúva, sinhá. – Malaquias a olhou com o
chapéu na mão em respeito ao falecido.
— Pobre mulher! Espero que não esteja passando por dificuldades
financeiras.
— O novo proprietário falou que ela foi viver com um sobrinho lá pelas
bandas das Gerais – contou Malaquias. Isadora piscou algumas vezes ao
encarar a nova placa do estabelecimento. — Sinhô Rodrigo – Malaquias
exigiu a atenção do marido da patroa —, o senhor poderia dar uma olhada
na pata de um dos cavalos? Ele começou a mancar um pouco antes de
pararmos.
— Malaquias, meu marido estuda para ser médico de gente e não de
animais – Isadora o repreendeu, preocupada que o marido pudesse se
ofender.
— Não há problema algum em dar uma olhada na pata do cavalo,
Isadora – Rodrigo respondeu. — Cavalos são seres vivos, assim como os
humanos, embora algumas diferenças existam. – Ele se aproximou da
esposa. — Vá na minha frente. Logo eu a alcanço.
— Tudo bem! Posso adiantar a negociação com o estalajadeiro – ela se
comprometeu.
— Faça isso, Dora. – E a beijou na testa.
Eles se separaram e Rodrigo seguiu Malaquias. Havia uma lasca de
pedregulho enfiada na parte mole da pata do cavalo e isso provavelmente
estava causando muita dor ao animal.
— O animal não pode seguir viagem com a pata neste estado – afirmou
Rodrigo. — Talvez consigamos substituí-lo e ao chegarmos em Santa Cruz
enviamos alguém de volta para fazer a troca dos cavalos.
— Vou verificar com o novo dono da estalagem. Se fosse o Senhor
Pereira, com certeza aceitaria nos ajudar.
— Faça isso e ofereça mais dinheiro se for o caso – Rodrigo instruiu e
limpou as mãos em uma toalha que Malaquias lhe ofereceu. Considerou a
ideia de amarrar o lenço no pescoço antes de encontrar Isadora, mas
estavam no meio do nada e a ausência de um lenço não a faria passar
vergonha.
Ao pisar na estalagem, não gostou dos olhos direcionados para a esposa
como se ela fosse um pedaço de carne assada. Não havia muitos homens ali,
mas não lhe pareceram pessoas de bem. Sentiu os pelos do corpo
arrepiarem quando a ouviu se defender.
— O senhor não pode se recusar a nos receber porque sou mulher. –
Isadora empinou o nariz e colocou as mãos na cintura, uma de cada lado. —
O Senhor Pereira sempre nos recebeu.
O sujeito atrás do balcão era baixinho e tinha o rosto encardido, a barba
farta e pouco cuidada não lhe conferia credibilidade. Ele se apoiou no
balcão com um cotovelo e olhou na direção dos outros homens que bebiam
em canecas de barro.
— A madame quer um quarto. O que acham, rapazes, de um de vocês
dividirem com ela? – ele insinuou gorgolejando como pato.
A Rodrigo sempre irritou que os homens tratassem uma mulher como se
fosse um objeto para ser apalpado e descartado. Era um libertino e disso
não cabia dúvida, mas jamais tratou com desdém qualquer uma das
mulheres com quem se relacionou. No entanto, ao ouvir que a sua esposa
estava sendo humilhada, a raiva bateu na cabeça para que nada além do que
o baixinho ele pudesse enxergar.
— A madame em questão tem marido – ele falou alto e todos giraram a
cabeça para descobrir quem era o marido da beldade mandona que havia
pisado na estalagem.
Com passadas largas, Rodrigo a alcançou e se colou ao seu lado,
deslizando a mão pelas costas para que se sentisse segura.
— Que tipo de marido é o senhor para enviar a mulher para negociar?
Um frangote que saiu dos cueiros outro dia! – O baixinho o fuzilou com os
olhos e a afronta não poderia passar.
Tomado pelo desrespeito que fazia os músculos se contraírem e os olhos
quase sangrarem, Rodrigo se debruçou em cima do balcão e agarrou o
colarinho do homem, suspendendo-o no ar.
— O tipo que odeia metidos como o senhor – quase cuspiu na cara do
estalajadeiro.
Isadora se sobressaltou e tocou no braço do marido a fim de evitar que
matasse o homem por sufocamento.
— Meu marido é um médico – ela mentiu para impressionar, até porque
faltava pouco para Rodrigo se tornar um médico formado. — E não um
assassino, infelizmente! – Não conseguiu impedir o sarcasmo. — Mas nos
aceitará ou não como hóspedes? – perguntou com pouca convicção, pois
não estava segura de que deveriam pernoitar em um lugar que não lembrava
mais a agradável e limpa estalagem dos Pereira.
— Vou aceitar – o estalajadeiro respondeu quando Rodrigo fez sinal de
que iria pegá-lo novamente pelo cangote. — Mas só temos uma cama vaga
num quarto coletivo.
Isadora buscou o marido com os olhos.
— Não entendo – ela disse baixinho. — Na época dos Pereira, os
quartos eram individuais.
Rodrigo a pegou pela mão.
— Deve existir um quarto individual – mencionou encarando o
estalajadeiro com tanta fúria que ele puxou o colarinho com a ponta do
dedo. — Como pedido de desculpas pela ofensa à minha esposa, com
certeza o senhor vai dar um jeito de nos acomodar.
— Tem o meu quarto, mas...
— Perfeito! – completou Rodrigo, fazendo questão de interrompê-lo.
Isadora apertou a mão do marido para chamar a sua atenção.
— Rodrigo, eu acho que não devemos...
Ele abaixou a cabeça para que pudesse falar sem que os ouvissem.
— É melhor dormirmos aqui – avisou. — A pata do cavalo está muito
machucada e ainda temos que conseguir outro animal para substitui-lo.
— Vai custar mais caro – o estalajadeiro falou e Rodrigo se virou na
direção dele com os dedos coçando de vontade de atingir um soco no seu
nariz torto; talvez o endireitasse com a força do impacto.
— Não importa quanto vai custar – retrucou irritado —, desde que o
senhor aprenda a ficar em seu devido lugar. E jamais ouse a voltar a
perturbar minha esposa.
— O senhor fala como se fosse o próprio imperador – um dos homens
sentados gritou chamando a atenção de Rodrigo, que se voltou de imediato
para ele.
— Quase isso – esclareceu Rodrigo, em alto e bom tom. — Sou Rodrigo
Paiva de Vasconcelos, já devem ter ouvido falar do Conde de Itararé. – Um
sorriso de satisfação contornou suas feições endurecidas pela raiva que o
fizeram sentir por mexer com Isadora ao ler o medo gravado no rosto de
cada um deles. — O conde é meu pai.
O estalajadeiro saiu de trás do balcão limpando as mãos no avental que
usava para cumprimentar Rodrigo.
— O filho “doutô" do Sinhô conde – soltou ele. — Por que não falou
antes? – Estendeu a mão para cumprimentar.
Isadora abriu o leque para disfarçar a súbita vontade de gargalhar.
Rodrigo atuava com tanta excelência em seu desdém que ficou com pena do
pobre homem que se esforçava para agradá-lo.
O estalajadeiro gritou para chamar a esposa e começou a dar ordens para
que tudo ficasse a contento do filho do Conde de Itararé.
— O que mais a senhora do filho do Conde de Itararé precisa? – ele não
parava de falar no Conde de Itararé.
Rodrigo olhou para Isadora à espera de que ela dissesse o que desejava.
— Um banho quente – disse ela e o estalajadeiro sumiu como um raio
para os fundos. — Não sabia que a influência do seu pai chegava até nestas
bandas – comentou curiosa.
— Adolfo Paiva de Vasconcelos não tem limites – ele falou contrariado
por ter que se valer da influência do pai para ser respeitado. Mas era isso ou
colocar a esposa em risco.

Depois que a acomodou em um dos quartos e garantiu que ninguém a


importunasse, Rodrigo cuidou da pata do cavalo e negociou com um
morador local para que fosse bem cuidado. A notícias de que era o filho
“doutô” do Conde de Itararé varreu o vilarejo para que todos o tratassem
com deferência. E o fato de ser casado com a filha de outra figura ilustre da
região cafeeira o tornou o principal comentário. Obviamente que até ali
sabiam que Isadora havia sido noiva de Tadeu e o fato de ter sido desposada
pelo mais moço tornou-se uma curiosidade que mexia com a imaginação de
gente simples.
E naquela confusão de ditos pelos não ditos, acabou metido em uma
sucessão de consultas médicas que iam de unhas encravadas a crises de
gota. Provavelmente, Rodrigo havia perdido o jantar. E por mais jovem que
fosse e estivesse acostumado com rotinas muito intensas, ele estava
faminto.
Subiu as escadas de dois em dois degraus e quando alcançou o final do
corredor, onde ficava o cômodo que o estalajadeiro e a esposa ocupavam,
tirou a chave de dentro do bolso para destrancar a porta. Não confiava em
ninguém para deixar Isadora à mercê da própria sorte, principalmente
depois que constatou a lascívia no rosto de cada homem que a olhava com
segundas intenções.
Como, no entanto, controlar a lascívia quando era bonita demais para
não despertar segundas intenções? Por mais que o desagradasse, não podia
julgá-los quando passou a maior parte da juventude tentando não sentir
desejo pela mulher que havia sido prometida ao irmão.
A encontrou se banhando. E o seu corpo se acendeu quando se imaginou
com ela na apertada tina.
Isadora cantarolava uma cantiga de roda enquanto passava a bucha
vegetal pelos braços. O cabelo preso no alto da cabeça, mas de maneira
desarrumada, a deixava maravilhosamente atraente. A luz da lua cheia que
entrava pelas vidraças batia em sua pele para deixá-la mágica; não havia
melhor palavra para descrever sua beleza.
Claro que todo o sangue de Rodrigo se concentrou no pênis, porque
bastava colocar os olhos na mulher que mais queria no mundo para que o
desejo se tornasse praticamente uma obsessão.
Embasbacado com a miragem que enxergava, bateu no canto de uma
prateleira com o cotovelo, provocando um barulho que a fez notá-lo.
— Perdão! – ele disse envergonhado por ter invadido a sua privacidade;
deveria ter batido na porta antes. Abaixou o olhar para o chão a fim de não
a constranger. — Eu posso voltar mais tarde... depois que tenha terminado
de se banhar.
Rodrigo lhe deu as costas e ela se sentiu vazia.
Isadora não sabia dizer o que acontecia com ela por sempre esperar que
ele agisse sem se importar com as regras de decoro; sim, ela gostava da
versão libertina do marido e o fato de, pela primeira vez, se portar diferente,
a fez se sentir estranha.
Além do mais, ele não merecia ser expulso do quarto porque a
surpreendeu tomando banho depois de já a ter visto nua. O puritanismo
tinha limites até para ela, que foi educada para ser uma dama recatada.
— Não precisa sair, Rodrigo – avisou ela.
Ele se voltou para ela, as pernas o levando para perto da tina como se já
não tivesse qualquer ingerência sobre o corpo.
— Se eu ficar, não vou conseguir controlar minha vontade de me enfiar
dentro da tina com você – foi sincero. Ela sorriu de canto e os olhos
brilharam ao ter um pequeno vislumbre do marido que a fazia cometer
loucuras. E uma verdade era incontestável: a vida dela precisava da emoção
que Rodrigo trouxe consigo quando se casaram. — Então? – ele queria uma
resposta.
— Eu não me importo que fique. – Ela deu de ombros, fingindo
desinteresse, embora seu rosto já estivesse esquentando pela vergonha que
sentia por ser tão descarada.
— Dentro da tina? Com você? – ele insistiu e ela fez que não com a
cabeça, confundindo-o.
Rodrigo se aproximou e se ajoelhou para ficar na altura dos olhos dela.
— Não entendi! Quer que eu entre na tina com você ou não? – O dedo
polegar dele roçava no lábio inferior enquanto ela sentia o amolecimento a
envolver em uma gostosa sensação de aconchego.
— Por Deus, faz de propósito por saber que fico envergonhada em falar
sobre esses assuntos – ela reclamou fugindo do olhar dele.
— Não precisa ter vergonha, Dora. Somos casados e já temos
intimidade.
— Bem, temos intimidade, não nego – ela voltou a buscar os olhos dele
—, mas nosso casamento tem apenas alguns dias. E jamais deixei que me
vissem tomando banho, sequer Lúcia.
— Eis a razão para que eu me retirasse – explicou ele. — Sou doido por
você, Isadora, mas jamais pretendo impor minha presença.
— Mas eu quero que você fique.
— Então eu vou ficar.
Rodrigo se levantou e se afastou alguns metros para tirar a roupa.
Isadora evitou olhar para ele, temendo constrangê-lo, mas a curiosidade foi
maior e o espiou com o canto dos olhos.
— Deslize o corpo para frente – ele orientou quando retornou nu para
perto da tina. E, meu Deus, Isadora sentiu o impacto da beleza viril se
espalhar em ondas quentes pelo corpo. — Eu vou me acomodar atrás de
você – avisou.
Ela o obedeceu, e quando as costas encontraram o peito duro, o
pertencimento a envolveu para que o coração acelerasse em batidas
frenéticas. Rodrigo a beijou no ombro e depois no rosto.
— Você está bem? – perguntou para se certificar de que a haviam
tratado bem.
— Sim! A esposa do estalajadeiro foi atenciosa. Serviu o jantar e logo
em seguida providenciou a tina e água quente. Onde você estava?
— Resolvendo o problema com o cavalo, mas felizmente tudo foi
resolvido. Ser o filho “doutô” do Conde de Itararé e ter desposado a
primogênita do Barão de Santa Cruz nos trouxe algumas vantagens neste
fim de mundo.
— Seu pai me pareceu mais influente que o meu – ela retrucou.
— Porque, além de se meter na política, é o único conde da região; isso
é muito quando todos só conseguiram comprar o título de barão – ele disse
com certa amargura pelo pai ser o homem mais rico da região. — E
esperava o mesmo que eu.
— Eles sempre depositam altas expectativas – queixou-se Isadora. —
Veja o exemplo do meu pai, jamais se conformou em ter apenas mulheres
como herdeiras. Eu e Lúcia carregamos o fardo de sua frustração.
— Por isso o tutor – Rodrigo mencionou e ela fez que sim com a
cabeça.
— Aliado ao fato de que não aceitei me casar com o cavalheiro que ele
elegeu como genro. E foram vários, porque sempre foi muito obstinado para
não aceitar minhas recusas. Mas não é de mim que estávamos falando. E
sim de você, Rodrigo. – Isadora queria desvendá-lo, conhecer os detalhes
de sua personalidade.
— Meu pai colocou todas as expectativas em mim depois que meu
irmão se recusou a fazer suas vontades. – Ela se retesou à menção do ex-
noivo e ele percebeu. — Perdoe-me ao fazê-la lembrar daquele traste –
disse ele. — Tadeu errou ao fazer o que fez, não pense que não o desprezo
por isso, Isadora. Todos me conhecem como libertino, mas jamais enganei
uma mulher como ele fez com você. Tivesse enfrentado meu pai antes de
deixá-lo seguir com a ideia de um casamento entre nossas famílias. Que
tivesse fugido do país antes de pedi-la em casamento. Mas sempre se
comportou para ser o filho preferido e eis o resultado de tentar ser quem
nunca foi. E quando ele não estava mais lá, os olhos do meu pai se voltaram
para exigir que eu o substituísse quando apenas queria ser médico, como se
as pessoas pudessem ser substituídas com um simples piscar de olhos. Mas
meu pai esqueceu o principal: que eu jamais aceitaria me submeter. E tudo
virou uma grande confusão.
Isadora sentiu os olhos marejados. Tomada de um sentimento novo, que
a fazia se sentir uma pessoa diferente, menos amargurada, pegou os braços
do marido e os envolveu em torno do próprio corpo, a cabeça aconchegada
contra o pescoço.
— Eu o entendo – ela disse baixinho.
— Como suportou as cobranças do Barão de Santa Cruz para que se
casasse? – ele perguntou, mantendo-a dentro do abraço apertado.
— Obviamente ele me culpou pelo noivado fracassado. Porque a culpa
sempre será da mulher. Esbravejou pela casa e prometeu me deserdar. Mas
logo esqueceu e passou a me oferecer para qualquer cavalheiro que
estivesse disposto a aceitar uma noiva rica rejeitada. Eu carrego o estigma
do que o seu irmão me fez, e isso me desvalorizou no mercado matrimonial
– argumentou de maneira objetiva e com uma frieza que poderia assustar
quem não a conhecesse.
E mesmo que Rodrigo a conhecesse, não podia acreditar no que havia
escutado. Isadora Alencar era considerada o melhor partido da Corte e sua
beleza era assunto entre os cavalheiros.
— Você sempre foi a Joia da Corte.
— Não, nunca fui a Joia da Corte – ela discordou com veemência —,
mas o “desafio de saias”. A verdade é que a resistência a que me propus
para não me casar com qualquer cavalheiro fizera com que meu dote
subisse muito ao longo dos anos.
— Não me espanto com sua genialidade, cara esposa! – Ele riu com
vontade da esperteza dela.
— Não ria, Rodrigo. – Ela se virou de frente para ele, permanecendo
ajoelhada. — Nós mulheres não temos muito que esperar da vida, é de
praxe que os outros decidam nossos destinos sem nos consultar, mas
quando somos rechaçadas do jeito que fui, tudo piora em um nível que não
sei dizer de onde encontrei coragem para sair de casa.
— Mas saiu e mostrou ao mundo do que são feitas as mulheres – ele a
elogiou, agarrando-a firme pela cintura para trazê-la para o colo dele.
Isadora soltou um gritinho quando sentiu o pênis roçar na vulva. — Eu
quero muito fazer amor com você, Dora. Com a minha mulher.
Isadora empurrou o quadril para baixo e deleitou-se com a penetração,
jogando a cabeça para trás. Rodrigo abocanhou um seio e deixou que o
prazer o preenchesse para que todos os problemas fossem esquecidos.
E duas constatações se misturavam ao desejo que sentia.
A primeira delas era a de que preferia muito mais ser o marido do
“desafio de saias” do que o filho do Conde de Itararé.
E a segunda era a de que não haviam se encontrado por acaso. Eram
sobreviventes em um mundo que costumava ser implacável com aqueles
que pensavam diferente; e se porventura ousassem viver de acordo com
seus ideais, eram marginalizados sem que pudessem provar que o mundo
era mais complexo do que meia dúzia de regras feitas por pessoas que
sequer tinham a capacidade de amar.
Rodrigo poderia ser ainda jovem, mas os parcos anos lhe ensinaram uma
lição valiosa: a de que o amor podia ser impedido por interesses.
E Isadora lhe chegou para provar que a felicidade jamais poderia
acontecer sem amor.
A viagem do vilarejo até a Fazenda Santa Cruz foi mais rápida e menos
cansativa. Antes do meio-dia já estavam acomodados e Isadora despachava
documentos no gabinete que um dia foi de seu pai. Ela não fez questão de
mudar a decoração em respeito à sua memória. Embora ela e o pai mais
discordassem do que concordassem, ele era seu pai e entendia que era o seu
jeito de amá-la e protegê-la.
— Quantos fugitivos abrigamos em Santa Cruz dessa vez? – ela
perguntou para Josias, um mestiço que foi nomeado capataz no lugar
daquele que era braço direito do barão e que não a respeitava por ser
mulher.
— São dez no total: cinco crianças, três mulheres e dois homens –
explicou o capataz.
— Crianças? Salafrários! – esbravejou.
— O prejuízo é maior quando são crianças, sinhá – explicou Josias.
— Obviamente – ela lamentou. — Há toda uma vida produtiva pela
frente. Vamos mantê-los aqui até que os ânimos esfriem.
— Talvez o melhor seja que partam para o quilombo.
— Mas é arriscado com todos os capitães do mato buscando-os.
Somente em Santa Cruz estarão protegidos.
— Mas os barões podem querer vingar-se. E não podemos deixar que
nos descubram – aconselhou.
— Ao menos agora lhes dei um motivo. Não vou permitir que levem
crianças de volta para a senzala para que sejam castigadas como se não
fossem seres humanos. Sequer um cavalo merece tratamento brutal, Josias.
— Sinhá é uma boa alma – Josias a olhou com admiração segurando seu
chapéu contra o peito. Haviam crescido juntos e quando a baronesa não se
importou que as filhas recebessem lições ao lado do filho da cozinheira da
casa grande, as portas de uma vida melhor lhe foram abertas. Mas ainda
assim era um escravizado, apesar de ser letrado e ocupar importante posição
na administração de Santa Cruz.
— Mas sou mulher e isso me impossibilitou de resolver as coisas
definitivamente. Ao menos até agora.
— Sinhá se casou – constatou ele.
— Sim! Era me casar ou entregar nossos bens para um desconhecido. E
isso significava que teria de entregar a custódia de todos vocês a uma
pessoa que pode ser pior do que meu pai. Se meu pai nomeou esse primo
dentre tantos era porque compartilhavam a mesma visão de mundo
estagnada e opressora – queixou-se Isadora ao se levantar de trás da mesa.
— Aos poucos vou implementar as mudanças necessárias para que todos
vocês vivam com liberdade.
— Perdão pela intromissão, mas sinhá precisava se casar com um Paiva
de Vasconcelos depois do que um deles lhe fez? – Josias sentia carinho por
Isadora, que antes de ser tratada como sinhá por ter assumido o lugar da
falecida baronesa, era sua melhor amiga.
— Rodrigo não é como o Conde de Itararé – e esperava que não fosse
igual ao irmão mais velho que a abandonou, mas evitou mencionar tal fato.
— É um abolicionista. Estevão pesquisou sobre sua vida. Não cometeria o
equívoco de me casar com um escravocrata.
— Mesmo assim... – ele arranhou a garganta —, o moço é ainda tão
jovem.
Isadora se empertigou e puxou as mangas do vestido. Sentia respeito e
admiração por Josias, além de uma amizade profunda, mas não toleraria que
os julgasse quando todos ali dependiam de Rodrigo para que tivessem a
dignidade assegurada.
— Talvez não seja o marido ideal para uma solteirona como eu, mas
minha pessoa não pode ser mais importante do que a segurança de minha
irmã ou o bem-estar de vocês – sentenciou. — E eu estava sem tempo para
insistir na procura. Aliás, nem deveria estar aqui quando o primo de meu
pai está prestes a desembarcar no Rio.
— Sinto muito por chamá-la, mas temia que sem sinhá aqui as
retaliações pudessem ser piores – avisou Josias. — O antigo capataz tem
complicado minha vida.
— Mais um motivo para mantê-la longe de Santa Cruz. – Rodrigo
entrou pisando duro, estava irritado pelo rumo que a conversa da esposa
com o capataz havia tomado e não o agradou muito que o questionasse pela
idade. Na sua idade seu pai já estava casado com sua primeira esposa,
embora a esposa em questão fosse mais jovem que ele.
Isadora interceptou o marido colocando-se na frente dele e tocando-o
com a mão no peito. Tudo o que ela não queria era que se enfrentassem.
— Aproveitando que chegou – ela levantou o olhar e encarou o marido
—, quero apresentá-lo a Josias, o capataz de Santa Cruz e meu braço direito
na administração das outras. Eu e Josias crescemos juntos – explicou. —
Somos próximos em idade.
Rodrigo envolveu a mão da esposa na sua e olhou na direção do capataz
como se quisesse confrontá-lo para um duelo, no caso, de palavras. Mas
Josias sabia qual era seu lugar e desviou do olhar do marido da sinhá para
não a aborrecer.
— Talvez seja mais próximo de idade do que eu de você – ele foi
sarcástico de propósito —, mas no final será o meu sobrenome que a
protegerá.
Josias engoliu em seco e buscou a atenção de Isadora.
— Se não tivermos mais nada a tratar, peço licença, sinhá. – Ele se
curvou em uma reverência respeitosa.
Isadora aceitou que se retirasse e o capataz os deixou as sós.
— O que acontece com você, Rodrigo? O pobre Josias não merecia ser
tratado com tanta indiferença – ela reclamou da atitude do marido.
— Eu ouvi parte da conversa sem querer, pois a estava procurando para
lhe fazer um convite especial – explicou Rodrigo.
— E o que você ouviu? – ela o confrontou, afastando-se dele para ir
para perto de uma das janelas.
— O capataz tem dúvidas de que eu possa ser um bom marido para
você, não porque eu seja um Paiva de Vasconcelos, mas porque sou muito
novo.
Isadora deu as costas a ele e fixou o olhar na paisagem verde que se
descortinava em tons de pura harmonia e paz. No entanto, mesmo ali os
problemas a perseguiam para a lembrarem de que a felicidade jamais
poderia fazer parte de sua vida. Dizia-lhe o pai que se tivesse pensamentos
mais convencionais para uma mulher a vida lhe seria mais branda. E então
ela se conformou com o fato de que, por querer sempre o diferente, não
poderia ter sossego.
— Infelizmente nosso casamento será marcado pela diferença de idade –
ela deu de ombros —, sabemos que não é apenas Josias que assim pensa,
mas a maioria das pessoas que nos vê juntos.
— Se fosse o contrário não teria problemas – ele se queixou. — Isso se
chama hipocrisia.
— Não discordo de sua opinião, mas não posso mudar a cabeça das
pessoas, Rodrigo – ela o lembrou —, e o fato de você ser um Paiva de
Vasconcelos torna as coisas um pouco piores. Era esperado que minha gente
o tratasse com desconfiança. Não se esqueça de que era para eu ter me
casado com seu irmão, e depois do rechaço público que sofri me neguei a
me casar, o que coloca todos em uma posição temerária. Uma mulher
sozinha é considerada uma presa fácil, é assim que a maioria pensa e não
posso mudar isso.
— Vou provar que sou um homem diferente de meu pai e meu irmão,
embora ainda carregue o mesmo sobrenome. – Ele se aproximou dela e
depositou as mãos em cada lado de sua cintura.
— Não duvido disso! – ela concordou, aconchegando a cabeça no peito
dele.
— Não quero que enfrente qualquer um dos barões sem mim, Dora – ele
avisou. — é perigoso.
— Eles vão pensar duas vezes antes de voltar a agir, e se fizerem isso
será pelas minhas costas. Nós podemos não gostar, mas o fato de eu ser a
nora do Conde de Itararé os fará repensar antes de me atacar.
— Que assim seja! A porcaria do meu sobrenome tem que servir para
alguma coisa.
Isadora se virou para ficar de frente para o marido e o abraçou. Apesar
de alguns receios rondarem seus pensamentos, Rodrigo a fazia se sentir
protegida e sua sinceridade a deixava confortável para que pudesse dividir
seus problemas com um homem.
— Mas qual era o convite? – ela perguntou.
— Quer cavalgar comigo? – Ele abriu um sorriso que a deixou sem chão
tamanha foi a euforia que a atingiu.
— Eu e você?
— Sim! Faz tempo que não venho para a região e faz tempo que você
não cavalga. Por que não podemos unir o útil ao agradável, se aqui
estamos?
Isadora riu e aceitou o beijo do marido para apaziguar os torvelinhos
que a faziam se sentir excitada. Tocar em Rodrigo e não o beijar era o
mesmo que recusar a cocada feita pela melhor doceira de Santa Cruz:
impossível.
— Você estava rindo enquanto me beijava – ele soltou capturando os
olhos verdes em um lampejo de divertimento. — Exijo saber o motivo.
— Apenas me peguei pensando que seu beijo é tão irresistível quanto a
cocada da nossa cozinheira.
— Preciso provar essa cocada – ele esfregou o nariz no dela —, mas
duvido de que seja tão deliciosa quanto um beijo seu.
— Pois duvido de que não seja – ela o desafiou com o nariz arrebitado.
— Vamos cavalgar ou não?
— Bem, eu acho que posso relaxar um pouco. Todas as pendências mais
urgentes foram tratadas. Ao menos aquelas que não exigiram a assinatura
do meu digníssimo marido. – Isadora se sustentou no pescoço dele e jogou
a cabeça para trás. — Pensei que algumas alforrias podem sair antes de
retornarmos.
— Está certa disso? – Rodrigo perguntava, pois sabia que seria um
passo muito grande que ela daria. Substituir a mão de obra por outra mais
moderna em um país cuja economia era exclusivamente escravagista
exigiria não apenas dinheiro, como muita vontade de enfrentar a elite
escravocrata.
— Vamos começar devagar, por enquanto apenas alguns, para que os
barões não depositem toda sua frustração em Santa Cruz. E tão logo espero
que percebam que o Brasil precisa mudar e se convençam de que eu estou
certa.
— Faremos do seu jeito porque divido os mesmos anseios, mas não
quero que qualquer decisão a coloque em risco.
— Você está comigo, lembre-se.
— Sou jovem, estudo Medicina, mas ainda não tenho poderes mágicos
para mudar o mundo. E não se esqueça – ele a beijou na testa —, de que
meu pai pode ser o primeiro a despejar sua fúria sobre nós.
— Mas você é uma inspiração para mim. E não falo em razão de ter
concordado com o negócio que lhe propus, de colocar o aval de sua
assinatura abaixo das minhas decisões, mas por renunciar ao luxo para
buscar seu sonho.
— Sempre quis salvar vidas, Isadora. E de que me adiantaria o luxo que
o dinheiro do meu pai poderia me proporcionar se eu estivesse negando
minha essência? – ele refletiu, convicto de suas escolhas, e isso a deixou
encantada.
Isadora se colocou na ponta dos pés e o beijou na boca antes de se
desgrudar para que pudesse trocar de roupa.
— Eu o encontro nos estábulos daqui meia hora – avisou e saiu feliz, era
como se a vida lhe tivesse dado uma folga dos problemas.
Que ele não deveria estar em Santa Cruz quando sua carreira como
médico dependia das provas que precisava fazer, Rodrigo não tinha
dúvidas. No entanto, não se recriminava por estar prestes a cavalgar na
companhia da mais bela e desejada mulher da Corte, a sua esposa. Era fato
que não se era recém-casado muitas vezes na vida e aproveitaria o tempo
que teriam juntos como uma folga na agitação que eram os seus dias. E no
caso dele, pretendia que o casamento durasse por muitos anos, por tanto
tempo que não pensava sequer na possibilidade de desposar outra mulher.
— Demorei mais do que prometi, eu sei! – Isadora cruzou a porta dos
estábulos e os raios de sol às suas costas criaram a ilusão de que era um ser
sobrenatural, uma fada, de tão linda. — As criadas não haviam desfeito
minha bagagem e quando conseguiram foi apenas para constatar que um
traje de montaria não foi incluído. – Ela ergueu os braços para mostrar o
que estava vestindo, um traje mais discreto, mas ainda assim muito
volumoso para a prática da equitação. — Tive que improvisar – lamentou.
— Não está pensando em cavalgar em um terreno pedregoso vestida
assim?! – Rodrigo a estudou por alguns segundos para concluir que ela
estava vestida demais para que pudesse cavalgar com segurança.
— Talvez seja melhor eu não ir, mas você pode ir sozinho. – Ela não se
oporia se ele quisesse aproveitar a tarde de sol para conhecer a propriedade.
Não o impediria de viver porque esqueceu de incluir um traje de montaria
na bagagem.
Rodrigo avançou na direção dela e a puxou pela mão para dentro de
uma das baias, encurralando-a contra a parede de madeira.
— Que susto! – ela se queixou, espalmando as mãos no peito dele para
tentar se manter de pé. O susto a desestabilizou.
— Claro que vamos cavalgar. Ou vamos os dois ou também não vou –
ele assegurou e a beijou com paixão. Quando Rodrigo fazia isso era o
mesmo que impedir Isadora de pensar direito, tudo desaparecia de seu
campo de visão e todos os sentidos eram aguçados pela presença do marido,
que exigia que ela fosse apenas dele. — Mas a roupa não está muito
apropriada – disse. — Está vestida como se fosse receber a Imperatriz para
um chá da tarde. – Ele deslizou os lábios no pescoço dela enquanto as mãos
abriam os botões do vestido de veludo, que poderia servir muito bem para o
frio da Europa, mas não para as tardes de primavera do Brasil. — Talvez
para uma caminhada à meia-noite no Passeio Público.
— Sequer é decente fazer caminhada à meia-noite no Passeio Público –
ela o advertiu.
— Então para um encontro de damas no Carceler. – Ele parou de beijá-
la para se perder nos olhos dela. Ah, como Rodrigo adorava se deixar tocar
pelo verde dos olhos mágicos da esposa. — O que quero dizer é que está
vestida para qualquer coisa, menos para uma cavalgada no meio do mato.
E então ele puxou o corpete do vestido para baixo e um amontoado de
veludo se formou aos pés dela.
— Jesus amado! – ela soltou quando sentiu os lábios dele roçando nos
mamilos por cima do algodão do chemise. — Não vamos mais cavalgar?
— Claro que vamos! – ele garantiu. — Mas com menos panos.
— Ah, mas não vou! – Ela negou com a cabeça enquanto ele subia com
os beijos para convencê-la de que uma cavalgada era o que precisavam para
relaxar.
— Mesmo faltando uma parte do seu elegante traje, você ainda está com
mais pano que eu. – Ele estendeu os braços para mostrar que apenas estava
vestindo calça, camisa e botas. — E para onde vamos não há olhos para
fiscalizar a decência alheia. Eu prometo! – Estendeu a mão para convidá-la.
— Vamos, Dora! Confie em seu marido!
Isadora mordeu o lábio inferior enquanto deslizava os olhos pelo corpo
musculoso do marido. Ele era lindo, sem excessos ou ausências, viril e com
um viço que a fazia se sentir viva. Sim, ela queria viver, mesmo que ele não
se preocupasse muito com a decência.
— Você ainda vai ser minha perdição, Rodrigo Paiva de Vasconcelos.
— Você sempre foi a minha, Isadora Paiva de Vasconcelos – ele
retrucou e agarrou a mão dela quando a sentiu em sua palma. — Perturba
meus pensamentos há anos, devo avisá-la. – E montou no cavalo, esticando
o braço para ajudá-la a montar. — Vamos dividir a montaria, esposa. E vai
ser maravilhoso – prometeu.
Isadora estava perturbada com o que ele havia dito. A confissão de que
ela o perturbava há tempos a deixou com o coração batendo forte no peito.
Lembrava-se pouco de Rodrigo, mas o suficiente para saber que havia sido
um garoto cheio de vida e que costumava deixar o pai de cabelos em pé.
Era mais próximo da mãe do que do pai, e diziam que se orgulhavam da
promessa de que teriam um médico na família, não fosse o fato de que
Tadeu decidisse fugir para Portugal para viver ao lado da mulher que dizia
amar.
E que não era ela.
A diferença de idade os afastou sem que tivessem a chance de se
aproximarem de verdade, disso ela não tinha dúvidas. Mas talvez tenha sido
sua amargura em não aceitar que havia sido trocada que a cegou para quem
o marido era de verdade.
— Você está tão calada. – Rodrigo saltou do lombo do cavalo e estendeu
o braço para ajudá-la a desmontar.
Haviam cavalgado em um ritmo que a fizera se aconchegar no peito dele
para relaxar enquanto a brisa fresca batia no rosto. Foi ali que Isadora se
perdeu em pensamentos e começou a perceber que ele a havia notado como
mulher muito antes do anúncio do jornal no qual procurava
desesperadamente por um marido.
— Eu fiquei pensando sobre o que me falou – ela admitiu, usando um
tom tão baixinho que Rodrigo quase não a ouviu direito.
— Sobre o seu traje elegante para receber damas em uma tarde de
inverno, que realmente não acontece no Rio de Janeiro? – ele perguntou
enquanto a pousava no chão. Haviam chegado perto do riacho em que ela e
Lúcia costumavam fazer piqueniques quando eram crianças.
— Não! – Ela sacudiu a cabeça para reforçar a negação. — Sobre o fato
de eu perturbá-lo.
Rodrigo brincou com uma mecha de cabelo dela e sorriu feliz.
— É verdade, Dora! Você sempre esteve em meus pensamentos desde a
época que o bocó do Tadeu a pediu em casamento e a levou para Itararé
para exibi-la como um troféu. E mesmo depois que ele rompeu com o
compromisso, a cada vez que a revia na Corte meu coração costumava me
trair para fantasiar.
— Fantasiar o quê? – Ela o encarou com os olhos que brilhavam mais
do que dois diamantes, embora fosse mais apropriado compará-los a duas
esmeraldas, pela tonalidade que conseguiam atingir quando a felicidade a
envolvia. E, meu Deus, como Rodrigo amava quando ele era o motivo da
felicidade dela!
— Não posso dizer. – Ele se aproximou da orelha dela e o hálito mormo
a deixou ávida pelos lábios dele, provocando arrepios que a deixavam
pronta para recebê-lo, bastava o marido querer. — É muito indecente para
uma dama.
— Como se eu não estivesse acostumada com suas indecências. – Ela
riu com vontade.
Rodrigo se afastou e a puxou pela mão na direção do riacho, cujas águas
cristalinas eram um convite para o deleite. Alguns pardais já procuravam
abrigo entre as árvores e o colorido das penas dos tucanos tornava o lugar
mágico. Ele havia sentido falta da natureza, do cheiro de terra molhada e do
ar puro do campo. Não que não gostasse da agitação que era a vida na
Corte, talvez até fosse mais urbano do que o pai desejava, mas a
tranquilidade da vida no campo sempre seria seu refúgio para aquietar a
alma que queria demais e que não tinha paciência para esperar.
— Tenho uma proposta para fazer! – ele anunciou com o timbre de voz
alterado, que revelava que a vergonha não fazia parte do seu dicionário.
— Outra? – Isadora o fitou com o canto dos olhos enquanto se deixava
arrastar pelos pedregulhos em direção ao riacho. — Não sei se devo aceitar
outra proposta. A última que aceitei me converteu em uma mulher sem
qualquer pudor. – Ela levantou os braços no ar e depois girou sobre os
calcanhares para mostrar-se para o marido. — O senhor me arrastou nua
para um passeio!
— Você não está nua, Dora – ele discordou. — Eu diria que ainda tem
muito pano protegendo você de mim.
— Decerto, a proposta envolve perder mais panos. No caso, eu perder
panos! – Ele fez que sim e o sorriso maroto que abriu a deixou sem fôlego e
mais excitada.
— Obviamente! – Rodrigo tirou a camisa e abriu a braguilha.
— Rodrigo, não! – Isadora tentou impedi-lo, mas quando viu o membro
duro teve certeza de que estava perdida. — E se alguém nos surpreender? –
Fechou os olhos para tentar afastar a tentação da mente.
Mas ele estava muito determinado a isso para considerar os riscos que
nadar nus lhes traria.
Ela o ouviu mergulhar na água para ressurgir na superfície como se
fosse o próprio Poseidon.
Rodrigo passou as mãos pelos cabelos antes de falar.
— Vem aqui, Dora. Para eu contar para você o que eu costumava
fantasiar – e abriu o maldito sorriso que a desarmava. Quando Rodrigo
sorria daquele jeito, meio cínico e meio maroto, não havia obstinação que
conseguisse resistir —, mas sem roupas, porque não pode molhar sua roupa
debaixo.
— Fala como se a decência lhe preocupasse – ela reclamou, fazendo um
beicinho.
— Há limites até mesmo para um libertino como eu – ele deu de ombros
—, e preservar o corpo de minha esposa da cobiça alheia pode me evitar
transtornos.
— De que tipo de transtornos você se refere? – ela perguntou enquanto
desfazia os laços do espartilho, que ele já havia dado um jeito de afrouxar
porque dizia não ser saudável ficar enforcada pela barriga.
— Brigas, essas coisas... – ele gesticulou no ar —, não vou tolerar que a
desrespeitem, é isso – prometeu.
— Olhe para o outro lado – ela exigiu ao segurar o chemise na altura
dos seios.
— Por Deus, mulher, eu estava me referindo à cobiça dos outros
homens, não da minha – ele argumentou sem paciência quando a percebeu
envergonhada. — Sou seu marido, esqueceu?
— Tenho minhas dúvidas de que estou mais segura com você – ela
pensou alto. — Bem, eu sei que não vai me fazer mal, mas o fato de sua
cobiça ser permitida me expõe a um risco maior. – Isadora se aproximou
dele e se sentou numa pedra grande que tinha ali, girando o corpo para
colocar as pernas dentro da água.
— E do que você tem medo? – Ele agarrou o tornozelo dela e a fez
soltar um gritinho quando surgiu no meio das coxas dela, forte e viril.
— De entregar meu coração a você – admitiu porque estava
embasbacada com a beleza masculina dele. Os raios de Sol batiam nele para
deixar os cabelos mais claros nas pontas e as gotas de água brilhavam para
um tom diferente, como se tivessem sido salpicados por diamantes.
— Isso é um problema para você? – Ele a fez retornar para o agora
quando a beijou na coxa.
— Entregar meu coração não é o problema – ponderou —, mas que
você vá embora levando meu coração consigo é.
— Talvez isso não vá acontecer – ele elucidou, puxando-a para dentro
da água.
— Por que não aconteceria? Todos os homens parecem sentir
necessidade de viver novas aventuras. E eu, bem, você sabe o que nos faz
um casal diferente.
Rodrigo a segurou pela nuca e desfez o penteado que mantinha a mulher
selvagem presa dentro da fachada de dama impecável e a beijou na boca,
para logo em seguida se afastar.
— Porque faz muito tempo, desconfio, que entreguei meu coração para
você. E desconfio de mais... – ele recuperou o fôlego ao puxar o ar com
vontade —, desconfio de que estava procurando meu coração nos lugares
errados.
Isadora piscou algumas vezes, tentando assimilar as palavras que ele
havia dito. E apesar da mente querer perturbá-la com considerações
equivocadas sobre casamento e tudo que dizia respeito ao homem e à
mulher, era o amor que retumbou nas entrelinhas do que ele havia dito.
E, então, para evitar o óbvio, decidiu se agarrar ao assunto que a
colocou dentro do riacho, totalmente nua e com o membro do marido
roçando em sua barriga.
— Estou aqui com você, como queria. Agora deve me dizer cada uma
das suas fantasias – ela o desafiou.
— São deveras escandalosas... E indecentes. – Ele mordiscou o queixo
dela.
— Não esperaria outra coisa do meu marido.
— Isadora, minha Dora. – Ele a firmou pela cintura, trazendo-a para
perto dele como se precisasse tê-la colada, pele contra pele, quando lhe
dissesse cada uma das fantasias que a tornaram a mulher mais perfeita do
mundo. — Garotos costumam fantasiar muito com mulheres bonitas e
impossíveis – começou a contar. — E você era maravilhosa, além de
impossível. Um nível a mais no conceito do que é ser bonita. Mas muito
proibida por ser a noiva do meu irmão. Mas foi em você que eu pensei
quando tive meu primeiro orgasmo.
— Você pensou em mim quando se deitou pela primeira vez com uma
mulher? – Isadora arregalou os olhos.
— Isso aconteceu também – ele confirmou —, mas foi mais tarde. Meu
primeiro orgasmo veio com uma masturbação. – Ela o olhou intrigada. —
Masturbação é o nome, digamos... mais científico para o ato de nos
tocarmos intimamente.
— Ah, entendi! – Ela escondeu o rosto no ombro dele.
— E então eu me masturbei muitas vezes imaginando sua boca na
minha, minhas mãos na sua pele, o seu toque no meu corpo. – A voz de
Rodrigo se tornou mais rouca e quando deslizou os dedos pelos cabelos
dela para formar uma espécie de cordão para puxar a cabeça dela para trás,
tudo nele se tornou sensual, altamente letal, até seu olhar havia escurecido
dois tons. — Eu imaginei meu pau deslizando dentro de você.
Isadora dessa vez não piscou, não fugiu do olhar dele e não se chocou
com a palavra que ele havia escolhido para se referir à própria virilidade. E
não havia melhor expressão para descrever a dureza que era o membro dele
entre seus dedos. A audácia a envolveu para que as mãos deslizassem até o
membro dele e o acariciasse como se fosse a mais habilidosa das mulheres.
— Dessa maneira? – Ela apertou o membro e sustentou o olhar dele em
desafio. — É dessa maneira que você imaginou que eu o tocava?
Rodrigo soltou um gemido rouco que a arrepiou inteira. Ele a fazia se
sentir dona de seu próprio destino, a mulher que não permitiria que a
maltratassem, e que jamais entregaria o que não quisesse entregar. E, por
Deus, Isadora queria entregar-se apenas a ele, seu jovem e libertino marido.
— Exatamente assim – as sílabas saíam arrastadas da boca dele —, mas
minha imaginação falhou no quesito resultado. O que estou sentindo é
infinitamente mais incrível.
Rodrigo a suspendeu pelo traseiro para que ela passasse as pernas ao
redor do quadril dele, deslocando-se na direção da pedra para firmá-la. Ao
chegar lá, envolveu a mão dela dentro da sua e a ensinou a conduzi-lo até
sua entrada.
— Estar dentro de você é incomparável, Dora. É o lugar que nunca
quero deixar de estar – falou enquanto a hipnotizava com os olhos e
deslizou para dentro dela com facilidade, como se alguém em outro tempo
estivesse recitando os versos do feitiço para mantê-los unidos para sempre.
Isadora gemeu agarrando-o pelos ombros enquanto sua boca se movia
na direção dele. Beijaram-se enquanto se moviam em busca do prazer.
O pau dentro dela.
Duro.
Deliciosamente ardente.
Ela não conseguia pensar em outra coisa. No quanto ele mexia com seus
pensamentos a ponto de provocá-la para as mais impertinentes reflexões,
mas que faziam todo sentido.
Se ela pudesse guardar o que estavam sentindo, que sabia ser recíproco,
dentro de um pote de vidro para que servisse de lembrança para os dias
difíceis... Ah, seria tão perfeito.
As ondas de prazer a deixavam tonta, a paixão provocava faíscas mesmo
dentro da água.
Calor.
Desejo.
E muito prazer.
A mente embotada não conseguia segurá-la mais, era sua alma lutando
para se libertar das amarras de um mundo que não a deixava ser quem era.
E Rodrigo não tinha medo de ser seu par, ao contrário, ele a incitava a se
soltar, a gritar o desejo que sempre reprimiu, unindo-se a ela na satisfação
de serem verdadeiros: homem e mulher em busca de um mundo menos
complicado e mais verdadeiro.
— O amor só pode acontecer assim – ele disse depois que o clímax dele
encontrou o dela, exausto e ao mesmo tempo cheio de vida por se aliviar
dentro da mulher que fazia seu coração tremer com um mero sorriso. —
Homem e mulher se tocando para serem um só, sem amarras, sem medo de
se mostrarem. Eu me mostro para você, Dora, e quando você faz o mesmo,
fico orgulhoso de tê-la em meus braços, a minha mulher.
— E se a verdadeira Isadora o assustar?
— Jamais! – ele garantiu. — Porque somos feitos do mesmo material.
Você é minha outra metade. – Rodrigo voltou a beijá-la, sem coragem de
sair de dentro dela.
Os melhores momentos sempre costumavam passar rápido para se
tornarem lembranças doces a serem guardadas pela memória. E pensar
assim só não era pior do que não ter lembrança alguma como conforto nos
dias de solidão.
Era assim que Rodrigo se sentia, um misto de resignação e frustação.
Era melhor terem compartilhado um momento especial, embora muito
fugaz se comparado aos anseios do coração, do que nada terem
compartilhado.
Ele não era tão ingênuo, apesar de jovem, para acreditar que um
casamento pudesse ser feito apenas de momentos prazerosos. E no caso do
deles, havia tantas implicações para serem resolvidas que cada segundo que
tinham para se amarem era como uma dádiva.
Por mais que se entendessem quando estavam sozinhos, em um
emaranhado de corpos, as circunstâncias que os tornaram marido e mulher
pesavam sobre eles. Isadora comprou um marido que lhe desse liberdade, e
ele se vendeu por necessidade. Como iriam superar isso? Rodrigo não sabia.
Mas sabia que fechar os olhos, fingindo que não haviam se casado por
conveniência, poderia ser ainda mais perigoso.
Bastou Isadora pisar na casa grande e os criados lhe rodearem como se
fossem abelhas operárias, pedindo a ela que voltasse a ser a dama de brios
inabaláveis, disposta a sacrificar a própria felicidade em prol dos outros, a
rainha da colmeia que apenas devia fazer o que fosse preciso para o bem
comum.
E eis que Rodrigo foi relegado ao papel decorativo de marido.
Era assim que ele se sentia em Santa Cruz, não muito diferente de como
se sentiu no palacete das Laranjeiras. Era claro que não podia se queixar,
afinal, Isadora não lhe prometera mais quando ele aceitou a proposta de
casamento. Mas como convencer o coração de que tinham um acordo
quando queria mais? Muito mais do que um casamento de fachada para
iludir a sociedade e legitimar as decisões de uma mulher que havia nascido
para comandar um império.
Aliás, quantos anos os homens levariam para se convencerem de que
não eram melhores do que as mulheres? Sequer elas eram melhores do que
os homens. Eram todos humanos com defeitos e qualidades, uns mais
inteligentes e até mais ambiciosos que os outros para não se contentarem
com uma vida ditada por paradigmas hipócritas e opressores. E se um dia
isso viesse a acontecer, Rodrigo estava desconfiado de que se
arrependeriam de ter atrasado a evolução do mundo ao confiná-las dentro
de muros, e tudo para atender aos ideais de tolos que acreditavam que o
sexo frágil existia. Frágil era a cabeça de alguns inúteis por se julgarem
mais inteligentes do que elas. E o pior era que o tachavam de libertino por
justamente acreditar que as mulheres deveriam ser livres para escolherem
seus próprios destinos.
Por essas e outras que ele não poderia julgá-la por não permitir que ele
fosse mais do que um marido de aluguel. Graças a outros que chegaram
antes dele, Isadora havia se fechado e a desconfiança justificava cada uma
de suas ações, até mesmo sua insistência em mantê-los em aposentos
separados.
Porém, era justamente isso que o estava matando.
Rodrigo não suportava que ela estivesse tão próxima e ao mesmo tempo
tão distante, com duas portas e um corredor os separando como se não
tivessem se tornado íntimos para dividir uma cama, como se fosse uma
vergonha que os criados soubessem que marido e mulher dormiam juntos.
Obviamente que ele acatou sua decisão. E se recolheu para dar a ela o
espaço que precisava, tanto para resolver as pendências da fazenda quanto
do coração. Tentou abrir os livros de Medicina que trouxera consigo para
estudar, mas nada, absolutamente nada o distraíra a ponto de esquecê-la.
Obsessão era a melhor palavra para descrevê-la quando estavam
separados. Isadora era a obsessão que o tirava do prumo e que o fazia
duvidar dos próprios desígnios.
Cansado de forçar a mente a se prender no que não queria, fechou o
compêndio de anatomia de supetão e considerou a ideia de dar um passeio
noturno. Sequer haviam jantado juntos porque um assunto urgente a tirou de
casa e não fazia ideia para onde havia ido.
Ao chegar na varanda, a agitação incomum dos homens que faziam a
guarda o deixou afoito. Algo estava acontecendo e o pressentimento não era
dos melhores.
— Quem são eles? – perguntou para um dos guardas que estava
segurando um trabuco enquanto encarava dois homens montados.
— São capangas do Barão de Fogaça – respondeu.
— E o que estão fazendo aqui? – insistiu Rodrigo, forçando a mente
para lembrar se o conhecia. Mas devia se tratar de mais um dos barões do
café, cuja fortuna lhe garantiu um título nobiliárquico, mas não tão rico a
ponto de conseguir um título de maior importância como o de seu pai.
— O barão veio tirar satisfação com a sinhá sobre o desaparecimento
dos pretos da senzala de sua fazenda – respondeu.
Rodrigo sentiu os pelos do corpo se arrepiarem e não havia mais como
pensar diferente: Isadora estava em perigo.
E o havia afastado de propósito, ele desconfiava.
Que tolo ele foi em ficar lambendo as próprias feridas enquanto a esposa
se arriscava a salvar fugitivos.
Correu para alcançá-la, mas não a encontrou no gabinete em que
costumava despachar. Ao retornar, exigiu que o guarda lhe dissesse para
onde a sinhá havia ido.
— Estão na senzala, sinhô! – respondeu o homem sem desviar os olhos
dos dois brutamontes montados; e bastava um dar um passo para o lado
para a guerra ser declarada.
Rodrigo se apressou para chegar à senzala e a Lua alta no céu iluminou
seus passos como se tivesse sido providenciada para ajudá-lo. Logo avistou
as luzes das tochas penduradas nas paredes.
Como Isadora se atrevia a agir sem consultá-lo?! Era de sua segurança
que se tratava e não apenas dos fugitivos que ela deu abrigo.
Ele estava furioso, além de indignado, e cada pisada no chão era como
se os ecos dos tacos das botas ressoassem dentro dele para empurrá-lo
contra quem estivesse disposto a machucá-la.
Jamais havia sentido tanta fúria.
E quando viu o maldito Barão de Fogaça a segurando pelos braços, a
cegueira o tomou para que nada o impedisse de vingá-la. O que estava
sentindo não chegava sequer próximo do que o impertinente estalajadeiro o
fizera sentir.
Dessa vez ele seria capaz de matar.
E não seria o toque suave de Isadora que o impediria.
— Rodrigo! – ela o chamou quando o avistou saltando para cima do
Barão de Fogaça.
— Agora não, Isadora – ele a repreendeu, encarando seu adversário
como se fosse um deus vingador que não faria menos do que dizimar quem
se atreveu a tocar no que era seu.
Isadora nunca o havia visto tão nervoso, as veias saltavam no pescoço,
os nós dos dedos estavam tingidos de sangue. Ele havia quebrado o nariz do
barão. Foi a conclusão a que chegou olhando do marido para o homem com
o nariz ensanguentado.
— Faça algo, Josias! – ela ordenou antes que acabasse recebendo a
alcunha de esposa de condenado, deixando de ser lembrada como o
“desafio de saias”. — Não fique apenas olhando, por favor – implorou por
temer que Rodrigo acabasse se machucando. Fogaça não era conhecido pela
clemência com que tratava seus adversários.
— Me perdoe, sinhá! – disse Josias. — Seu marido apenas fez o que
tinha que ser feito. Retiro tudo o que falei do garoto. Ele tem o meu
respeito.
— Eu não sou um garoto – bradou Rodrigo enquanto encarava o barão e
se alguém não o segurasse, ele iria terminar o que tinha começado.
— Quem é você? – perguntou o Barão de Fogaça, um homem por volta
dos quarenta anos e que costumava frequentar as reuniões políticas do
Conde de Itararé. Rodrigo lembrou do seu bigode rabugento quando se
aproximou.
— Rodrigo Paiva de Vasconcelos – se apresentou.
— É o meu marido, senhor barão – ementou Isadora se colocando ao
lado de Rodrigo. Já que ninguém se mexeu, teria que ser ela a detê-lo.
— O que ele faz aqui, Isadora? – Rodrigo exigiu uma explicação, e não
lhe importava se estivessem sendo observados. Que inferno! Ela lhe devia
sim uma explicação.
— O Barão de Fogaça veio atrás de fugitivos de sua senzala, mas eu
expliquei que eles não estão aqui, nunca estiveram. Não é porque trato
minha gente bem que acredito que deva me meter nas senzalas dos outros. –
Isadora empinou o nariz e encarou o homem que a fitava com curiosidade.
— Além de linda, é ardilosa! – soltou o barão sem considerar que estava
flertando com a morte quando desprezou a presença de Rodrigo ao lado da
esposa. — Seu pai deve estar se revirando no túmulo. De que adianta tanta
beleza se não consegue ser a mulher que um homem precisa? Casar-se com
a senhora é como trazer o demônio para dentro de casa.
E aquilo foi a gota d’água para Rodrigo.
— Exijo respeito com minha esposa – grunhiu.
Que Isadora era linda e com gênio difícil todos sabiam, mas isso não
lhes dava o direito de menosprezá-la, como se uma mulher bonita tivesse
que ser apenas um bibelô para enfeitar uma casa.
— Você sabe com quem está falando? – O barão o confrontou.
— Claro que sei! – Rodrigo respondeu sem medo.
— Então deve saber que uma agressão à minha pessoa não vai passar
sem punição – retrucou. — Sou um homem com influência no Senado.
— Pois apresente uma denúncia formal contra mim, senhor barão –
Rodrigo o desafiou, erguendo o dedo em riste —, e eu apresento uma contra
o senhor. Invadiu a propriedade, importunando a todos em Santa Cruz como
se fosse o dono do mundo e não de meia dúzia de alqueires – ele fez de
propósito ao rebaixá-lo, comparando o poderio de seu sobrenome com o
dele —, e apesar de minha esposa ter dado sua palavra de que não
abrigamos os fugitivos, invadiu nossa senzala e a machucou.
— Eu não a machuquei – o barão negou.
— Eu vi as suas mãos nos braços da minha esposa. Prossiga com seus
despautérios e vamos ver a quem a justiça dará a razão.
— Você quebrou o meu nariz – reclamou tocando o nariz com a ponta
do indicador.
Rodrigo se agachou de modo a se aproximar do barão, que estava ainda
sentado no chão.
— Eu deveria ter cortado o seu pau fora, isso sim! – disse baixinho para
que não chegasse aos ouvidos da esposa. Josias mordeu os lábios para
conter o riso. — Se tiver amor ao pau que carrega dentro da calça, fique
longe de Isadora – o ameaçou. O Barão de Fogaça engoliu em seco e levou
a mão na altura da braguilha por reflexo. — Acompanhe o barão até o
portão, Josias. A ele e aos capangas que encontrei lá perto da casa grande.
— Pode deixar, sinhô – disse o capataz, satisfeito por saber que a sinhá
tinha a quem olhar por ela.
Rodrigo olhou para Isadora e passou as mãos pelos cabelos. Não lhe
importou que os tivesse sujado de sangue. Ele continuava furioso com ela e
não era bom que conversassem, por isso lhe deu as costas e saiu da senzala,
cansado.
— Rodrigo – Isadora o chamou e quando percebeu que não a atenderia,
começou a correr para alcançá-lo. — Rodrigo – voltou a chamá-lo.
Rodrigo interrompeu a caminhada e se voltou para ela, ainda sentindo o
impacto da raiva que se apoderou de sua alma quando a viu na mira de um
homem que queria machucá-la.
— Agora não, Isadora! – Ele não queria brigar e seu humor estava
péssimo para tentar ser suave com quem não merecia. E Isadora não
merecia, não quando desprezou a proteção do marido, que sim, havia se
casado por interesse, mas que a tinha em alta estima. Inferno! Ele a amava e
conter o amor dentro dele porque ela ainda não estava pronta o estava
matando.
— Para onde você vai? – Isadora sentiu um choque quando notou que
ele não tinha pegado a direção da casa grande.
— Preciso apenas caminhar – respondeu. — Não vou abandoná-la, se é
isso que teme. Temos um acordo, e apesar de eu não merecer sua confiança,
tenho palavra.

O marido a deixou.
Isadora não conseguia encontrar outra explicação para o sumiço de
Rodrigo. Deixou que se afastasse sem a chance de que pudessem conversar.
Retornou então para a casa grande para esperá-lo, mas os minutos se
tornaram horas e as horas ultrapassaram a madrugada sem que pudesse
sossegar. Não conseguiria dormir sem lhe explicar o que havia acontecido e
por isso decidiu aguardá-lo sentada na cadeira de balanço da varanda,
enrolada num xale enquanto observava o Sol tentando beijar a lua no
horizonte.
Contava uma preta velha que lhes serviu de babá há muitos anos,
quando Isadora e Lúcia eram meninas, que o Sol e a Lua foram seres
humanos um dia, um homem e uma mulher de tribos inimigas que ousaram
se apaixonar. Para evitar uma punição, tomaram uma poção e foram
transformados em astros para viverem no céu, mas sem jamais se tocarem.
Viver separados era o castigo, embora pudessem se ver rapidamente ao
amanhecer e ao entardecer.
Ela e Rodrigo, às vezes, se comportavam como o Sol e a Lua, pensou.
Desde que ficassem sozinhos, poderiam se tocar e se entender. O que nem
sempre poderia acontecer, porque as responsabilidades que cada um tinha
exigia deles um distanciamento que começava a incomodá-la.
— Sinhá madrugou hoje? – Terezinha, uma das ajudantes da cozinha, se
assustou com a sua presença na varanda.
— Sequer dormi – respondeu Isadora, tapando a boca para esconder um
bocejo. Ela se sentia cansada em um nível que não sabia explicar.
— Insônia, sinhá?
— Em razão das muitas preocupações que me rodeiam – confirmou. —
Logo vou me recolher, Terezinha. Peça que sirvam meu desjejum mais
tarde, por favor.
A moça fez que sim com a cabeça e pediu licença para se retirar. A lida
na fazenda começava cedo, e na cozinha da casa parecia começar ainda
mais cedo. Os galos sequer haviam cantado.
Isadora se levantou da cadeira de balanço e esticou o corpo na tentativa
de se sentir mais disposta. Talvez um banho lhe fizesse mais bem do que
apenas se deitar na cama. Ou simplesmente tivesse que ocupar a mente com
as contas da fazenda para esquecer o que a estava aporrinhando.
Ao se debruçar sobre a cerca de madeira, avistou um vulto cruzando o
portão que dava acesso ao jardim da casa grande. Era Rodrigo. E ela de
repente ficou agitada. Enrolou-se no xale como se fosse um escudo que a
protegeria dele. Mas se sentia aliviada por não ter sido abandonada como
estava desconfiada.
Rodrigo a notou parada no alto da varanda e apressou o passo para
alcançá-la. Não esperava encontrá-la fora da cama tão cedo, mas não ficou
surpreso, afinal, Isadora não era o tipo de mulher previsível.
— Bom dia – ela o cumprimentou assim que Rodrigo chegou na
varanda.
— Bom dia – ele respondeu.
— Rodrigo... – O peito de Isadora subia e descia muito rápido, a
respiração estava pesada e o coração batia tão forte que Rodrigo poderia
ouvir, as palavras estavam presas na garganta e o choro ameaçava torná-la
uma fraca justamente diante do marido.
Rodrigo sentiu o impacto do nervosismo da esposa nos ossos e um frio
percorreu sua espinha para avisá-lo de que a havia feito sofrer. A certeza lhe
veio, no entanto, quando Isadora caiu de joelhos no chão e começou a
soluçar.
— Isadora, por Deus! – Ele se apressou para ampará-la, ajoelhando-se
na frente dela e a acolhendo em seus braços. — Eu não queria preocupá-la,
perdão!
— Você... – ela fungava no ombro dele —, você não me deixou.
E então ele soube que ela chorava por alívio.
— E por que eu a deixaria se temos um acordo? Que tipo de homem
você acha que sou? Sou um Paiva de Vasconcelos, mas ainda me sobra
honra para provar que não escolheu errado.
— Então por que não voltou para casa comigo? – Ela precisava entender
a mente dele, o que o havia perturbado tanto a ponto de deixá-la falando
sozinha.
Rodrigo se levantou e a levou consigo para a cadeira de balanço,
sentando-se e a colocando em seu colo. A amparou para que se acalmasse.
— Eu estava muito nervoso para que conversássemos – ele começou a
explicar. — E iria falar o que você não merecia ouvir por estar me sentindo
preterido.
— Por que se sentiu preterido? – Ela encostou a cabeça no ombro dele e
aceitou que ele podia embalá-la em suas fraquezas.
— Porque você se colocou em perigo e não me chamou para ajudar. –
Isadora levantou a cabeça e o encarou, chocada com a revelação, mas ao
menos agora ela começava a entendê-lo. — Você sequer me disse para onde
levou os fugitivos.
— Rodrigo – ela pronunciou o nome lentamente e o acariciou no
maxilar enquanto organizava as ideias. — Aconteceu tudo tão rápido desde
que pisamos na casa grande que sequer consegui pensar que você estava ao
meu lado – confessou.
— Mas eu estava – ele foi categórico e a acidez com que se referiu a fez
perceber que feriu os brios dele ao não se lembrar de que tinha um marido e
de que ele também era bom com os pretos.
Isadora abaixou a cabeça para fugir do olhar dele, envergonhada por não
saber o que falar. Sempre precisou agir como se fosse a única que pudesse
resolver as coisas, mesmo quando o pai ainda era vivo, talvez ainda mais,
pois o Barão de Santa Cruz não se preocupava como ela com aqueles que
trabalhavam para ele.
— Me perdoe – ela pediu. — Não é justificativa, eu sei, mas saiba que
não tive a intenção de esconder nada de você. Apenas agi como sempre fiz.
— Sozinha? – Ele ergueu o queixo dela com a ponta dos dedos para que
pudesse fitá-la. — Sempre agiu sozinha, Isadora? – repetiu a pergunta.
— A maioria das vezes – confessou. — Às vezes recebo a ajuda de
Estevão, e Lúcia sempre me apoiou, mas sempre fui eu que executei as
medidas para manter o povo da senzala seguro.
— Onde você os escondeu dessa vez? – Rodrigo arriscou perguntar. E
foi direto, além de determinado a não se deixar enrolar. Isadora levantou do
colo dele e lhe deu as costas. — Não sou digno de sua confiança? – ele
questionou, mas com um tom acusatório que a deixou com os nervos à flor
da pele de novo. Tal sentimento apenas foi amenizado quando sentiu o calor
da mão dele deslizando pelos seus braços até chegarem às suas mãos. Ele
entrelaçava os dedos nos dela enquanto a beijava na bochecha. E foi então
que ela amoleceu e deixou que o coração assumisse o comando dali por
diante. — Se puder confiar em mim, Isadora, vou provar a você que posso
ser mais do que um marido que precisa de dinheiro para se formar médico –
ele sussurrou perto do ouvido dela, a voz rouca atingia os tímpanos para se
espalhar pelo corpo em ondas de calor que a deixavam ávida pelo toque
dele, do seu marido. — Posso ser um companheiro leal. Apenas confie.
Isadora encostou a cabeça no ombro dele e levantou as mãos que
estavam entrelaçadas para enxergar o anel em seu dedo. Seja qual fosse o
motivo que os levou a um casamento, o mais importante era que estavam
unidos.
— Vou revelar para você o meu maior segredo – decidiu ela.
— Foi para este lugar que eu trouxe os fugitivos da senzala do Barão de
Fogaça e de todos os outros barões do café – confessou Isadora apontando
para as duas fileiras de choupanas escondidas entre duas encostas; e com
isso admitindo que agiu contra homens poderosos sem um pingo de
remorso ou medo de ser flagrada agindo contra a lei.
Rodrigo desapeou do cavalo antes dela e observou a paisagem na
tentativa de entender para onde ela o havia trazido. Quando o convidou para
um passeio, não esperava atravessar um matagal e mais um rio para chegar
à parte mais erma da fazenda, e muito menos que pudesse encontrar gente
naquele fim de mundo. O fato de encontrar uma vila aparentemente bem
cuidada e até com calçamento no meio do nada apenas tornava tudo mais
intrigante.
— Um quilombo? – Rodrigo se surpreendeu com a audácia dela em
perseguir o que achava justo e sorriu com a conclusão a que havia chegado
enquanto a ajudava a desapear do cavalo que os trouxera até ali.
— Não é um quilombo, Rodrigo – ela o corrigiu —, embora tenha
cumprido as funções de um. Prefiro chamá-lo de Vila da Liberdade. É aqui
que quero que vivam quando eu conseguir alforriar todos os pretos das
fazendas que fazem parte de minha herança. E Lúcia quer o mesmo que eu,
mas antes precisamos livrá-la da tutela. Quero que a minha gente tenha um
lugar para viver com dignidade e não dentro de uma senzala, que eu
pretendo tacar fogo assim que for possível. E quem sabe no futuro eu possa
construir uma igual e mais próxima da sede de Santa Cruz.
Rodrigo esticou os lábios mais uma vez. De alívio? Claro que sim! Mas
também porque ela era perfeita e tão intensa no que acreditava que não
esperou por um homem para começar a implementar as mudanças que
julgava necessárias para tornar o mundo mais justo. A vila, com certeza,
não era coisa de apenas um ano, e por isso concluiu que ela começou a
levantar as casas ainda quando o pai estava vivo.
— Por que está rindo? – Ela o olhou incrédula, talvez ele pensasse que
ela estivesse contando uma piada.
— De felicidade – ele afirmou —, por ter me casado com uma mulher
que não tem medo de viver de acordo com suas vontades.
E quando ele a fitou com orgulho e algo mais que ela jurou ser amor,
Isadora sentiu os olhos cheios de lágrimas. Sem saber, lhe dava tanto.
— Ser mulher em um mundo que não nos dá liberdade é difícil, Rodrigo
– assegurou. — Somos passadas de pai para marido como se não
tivéssemos inteligência para cuidar de nossas próprias vidas. Tanto é que
precisei de você para ter um pouco de liberdade, por meio de um acordo
que até Estevão julgou complexo, mas que era minha única chance.
— Eu sei, Dora! Mas apenas a vontade de mudar é capaz de mostrar que
o mundo precisa mudar. E você foi corajosa em não esperar por um marido,
principalmente quando o que deveria ter sido o marido a abandonou. –
Rodrigo beijou cada uma de suas mãos. — Mas não lamento que meu irmão
tenha a abandonado – admitiu. — Você é perfeita e especial e essa foi a
razão para que eu passasse a noite fora tentando me acalmar. Você não
merecia aguentar o humor de um despeitado. A mulher que está se
infiltrando em meu coração não merecia ouvir a ladainha de um homem
irritado.
— Você me defendeu ontem à noite – ela o lembrou —, arriscando-se
muito além do que qualquer outro. Ninguém fez tanto por mim, Rodrigo.
Ninguém!
Rodrigo não resistiu e a beijou para aplacar o desejo que sentia. Mas foi
mais que isso. O beijo foi a maneira que encontrou para demonstrar o
quanto a admirava. E se em algum momento de sua existência se julgou
importante por ter renunciado ao apoio financeiro do pai, agora ele se sentia
envergonhado. Isadora havia ido muito além dele, enganando a todos com
desenvoltura para realmente ajudar enquanto ele apenas estava pensando
em ajudar.
Ele girou com ela e ficaram ambos de lado para a fileira de casinhas, um
de frente para o outro.
— E você realmente precisa de um homem depois de ter construído isso
tudo? – Ele apontou para a paisagem, totalmente embasbacado com as
casinhas, de cujas chaminés saía fumaça do fogo que prepararia o alimento
que comeriam depois de uma manhã de trabalho. — Você tem ideia do quão
maravilhosa é?
— Eu não construí a vila para ser maravilhosa – ela se queixou da
empolgação exacerbada.
— Sei que não, mas mesmo assim é maravilhosa – ele ratificou sua
opinião.
— Mas Rodrigo – ela o tocou no peito —, isso tudo pode ser
maravilhoso... Mas sem você não passaria apenas de tijolos e argamassa.
Você passou a fazer parte disso quando aceitou se casar comigo. Ao dividir
comigo os ideais abolicionistas você permitiu que esse lugar se enchesse de
vida.
— Bendito anúncio de jornal – ele comemorou rodopiando com ela no
ar.
— Espero que você guarde o segredo – ela soltou preocupada. Havia
uma chance de ele delatá-la, embora ela preferisse acreditar que não.
Estevão havia sido cuidadoso na investigação para que apenas um
abolicionista se candidatasse a marido. E um que fosse de verdade, não
apenas da boca para fora.
— A partir de agora será o nosso segredo, Dora – prometeu. — Quantas
pessoas sabem deste lugar?
— Todos que trabalham em Santa Cruz. Assim que meu pai morreu, eu
demiti todos que não eram confiáveis. Se a Vila da Liberdade for
descoberta, eu poderei ser processada e condenada por abrigar fugitivos.
— Ou até coisa pior – ele ponderou, sentindo os músculos enrijecerem
pela tensão que o envolveu apenas em imaginá-la na mira vingativa de
alguém sem escrúpulos como o maldito Barão de Fogaça. — Ou acredita
que homens como o Barão de Fogaça irão esperar pela justiça para que seja
punida? Claro que não, Dora! Se um deles descobrir o que fez aqui e o que
pretende, não duvido de que não encomendem sua morte.
— Eu sei! – ela não discordou, pois sempre soube que flertava com o
perigo ao decidir abrigar pretos de outras fazendas. — Mas não me
arrependo de proteger essa gente.
— Por isso todos a adoram – ele soltou feliz.
— São uma gente muito leal e muito agradecidos. Todos fazem questão
de me pagar trabalhando para mim. Eu tento ser justa na medida do
possível. Aceito pagá-los também de maneira justa, para que se sintam
dignos. Não quero explorá-los, entende?! Se fizesse isso estaria sendo igual
a todos os barões do café. Se fizesse isso estaria os libertando das senzalas
para mantê-los cativos dentro de uma vila. Em termos práticos, não haveria
diferença.
— Você é justa – Rodrigo a lembrou.
— Depende do ponto de vista – ela discordou e o convidou para que
descessem o moro para conhecer a vila. — Talvez no futuro eu seja
lembrada como uma escravocrata, ou uma abolicionista oportunista. Porque
a história é escrita pelos homens e, para a maioria de vocês, não há espaço
para o protagonismo feminino, devo lembrá-lo. Mas não me importa como
serei lembrada, para ser sincera. Pouco me importa que eu fique apagada na
História sob o argumento de que as mulheres do meu tempo não eram como
eu. Apenas quero que os pretos saiam das senzalas e tenham um pingo de
dignidade.
— E qual seria a história a ser registrada se fosse escrita por você? – Ele
esticou os lábios quando percebeu que tinha a mulher mais inteligente de
todas como esposa; uma visionária à frente do seu tempo. E queria ouvi-la
mais. — Me fale, cara esposa, qual sua visão sobre a abolição da
escravatura.
Isadora se espantou quando percebeu o interesse do marido em seus
argumentos.
— Se espera uma visão romântica, acredito que irei decepcioná-lo. – Ela
devolveu o sorriso, empenhando-se em oferecer a ele os seus melhores
argumentos. — Não há como negar que a economia do país é movida pelos
escravos, é o meu primeiro ponto. Não adianta apenas erguermos a bandeira
da abolição, embora o movimento em seus viés político-filosófico seja
importante, ao menos para que a ideia de liberdade se infiltre no espírito da
nação como uma possibilidade real. Mas é demagogia pensarmos que a
abolição por si só vai ser a redenção daqueles que viveram da riqueza
produzida pelo trabalho escravo. Tenho plena consciência de que somos
privilegiados por termos a pele branca – ela fez questão de pontuar. — Eis a
razão para que jamais duvidemos da luta que um preto trava todos os dias
por ter nascido neste país, jamais teremos como dimensionar a dor que eles
sentem. E talvez mais ilusório acreditar que os problemas estarão resolvidos
com a abolição. Não se resolve anos de escravidão com uma possível lei
que dará liberdade aos pretos. E o que farão os latifundiários sem mão de
obra? Pois duvido de que a maioria dos pretos aceitará permanecer nas
fazendas de café depois de tantos maus-tratos. Logo, temos uma equação
muito difícil para que seja resolvida apenas com discursos ideológicos.
— E qual seria o caminho então? – Rodrigo ficou ainda mais
interessado.
— Tratá-los como gente, apenas para começar. É isso que faço na Vila
da Liberdade. É verdade que eu ofereci as terras e os materiais, mas foram
eles que construíram as casas e são eles que produzem seus alimentos. Não
quero que vivam de minha caridade, sequer quero que me tratem como a
heroína, apenas quero que me vejam como igual; talvez a mulher que detém
o capital, mas jamais uma santa. E você sabe que eu teria os alforriado, ao
menos os que estão sob custódia de Santa Cruz, se tivesse poderes para isso,
mas sou apenas uma mulher que depende de um homem para fazê-lo.
— Uma visão muito revolucionária para a filha de um rico barão – ele
foi sarcástico, mas sem a intenção de ofendê-la e Isadora o entendeu.
— Tal qual o filho de um conde que conheço – ela retrucou, sorrindo. —
A propósito, sempre existirá aqueles que me julgarão por não me declarar
abertamente abolicionista – ponderou —, mais um motivo para que eu seja
apagada da História, mas foi o jeito que encontrei para pôr em prática o que
acredito ser o mais justo sem correr o risco de ser aprisionada por me
julgarem louca ou tomada pelo demônio. Não se esqueça, Rodrigo, de que
se a inquisição ainda existisse eu correria o sério risco de ser queimada
viva.
— Já a chamam de “desafio de saias” – ele comentou em tom de
diversão. — Imagine se a conhecessem como eu tenho feito nos últimos
dias. Não me refiro apenas ao seu corpo – ele a lembrou —, mas à sua
mente, a forma como enxerga o mundo me fascina.
— O que me faz lembrar que você pode muito bem ser lembrado como
“o marido do desafio de saias”.
— Mas eu mereço mesmo ser lembrado com tal distinção – ele se
gabou.
— Muito exibicionismo de sua parte, caro marido. – Ela não conseguiu
evitar o riso.
Rodrigo a puxou contra ele e a beijou na testa. Com a outra mão ele
segurava as rédeas do cavalo.
— Eles irão aceitar um forasteiro na vila? – perguntou quando as
casinhas já estavam muito próximas e não eram mais pontinhos na
paisagem.
— Você é meu marido e o tratarão com respeito, esteja certo disso.
E realmente não poderia ser diferente quando tinha a mulher mais
incrível ao seu lado. E pensar que Rodrigo havia se ressentido ao interpretá-
la equivocadamente. Mas também pudera, ela o deixou quase louco com
tantos segredos, e o afastamento que fazia questão de alimentar o deixava
cego para conseguir interpretá-la corretamente. Era claro que não a julgava,
pois em seu lugar teria desconfiado a ponto de mantê-la afastada. Muitas
vidas dependiam dela e a alusão à colmeia nunca fez tanto sentido para
descrever uma mulher.
A sua mulher.
Ela era a rainha da colmeia e se o deixasse ser o zangão, não teria
problema algum em lhe render reverência.

Se Rodrigo já era um homem encantado pela esposa, conhecê-la em sua


essência o deixou ainda mais apaixonado.
Sem o excesso de formalismo que a vida na Corte exigia, os vestidos
caros ou os penteados elaborados, Isadora se revelava uma mulher
apaixonante, ainda mais apaixonante.
Foram recebidos com alegria pelos moradores da vila. E quando
descobriram que sua benfeitora havia se casado, rapidamente organizaram
uma festa para comemorar. Uma grande mesa foi montada no meio da rua
com outras mesas menores trazidas de dentro das casinhas. As meninas
colheram sempre-vivas e com elas fizeram um uma coroa para enfeitar os
cabelos de Isadora e um colar para Rodrigo.
E como eles não tiveram de fato uma festa de casamento, estava sendo
maravilhoso poder comemorar de verdade. Eles mereciam um pouco de
diversão depois de tantos atropelos.
Rodrigo a observava dançando numa roda de mulheres quando um dos
homens se aproximou timidamente. O ritmo da dança era contagiante e
Isadora imitava os passos das outras mulheres, girando enquanto segurava a
saia.
— O sinhô se casou com uma mulher sem igual – ele disse.
Rodrigo girou a cabeça na direção dele e estendeu a mão para
cumprimentá-lo.
— Minha esposa é sem igual – repetiu as palavras porque não havia
melhor maneira para descrevê-la.
— Josias nos contou sobre o que fez para protegê-la quando o Barão de
Fogaça a importunou para que nos entregasse – contou. — Somos gratos ao
senhor por nos ajudar.
Rodrigo entendeu que diante dele estava um dos fugitivos da fazenda de
Fogaça.
— A causa de Isadora sempre foi a minha, antes mesmo de nos casar –
ele explicou.
— O senhor escolheu muito bem a mulher para esposa, sinhô – o preto o
elogiou.
— Foi ela quem me escolheu – afirmou Rodrigo enquanto os olhos
voltaram a segui-la, encantado com a sensualidade que a envolvia. — A
propósito, qual é a sua graça?
— Simão – ele respondeu faceiro. — É verdade que o sinhô é um
médico, igual aqueles que servem os barões?
— Ainda estou estudando, Simão! Mas logo devo conseguir meu
diploma.
— Mas então o sinhô deve saber mais do que a gente. Não queria
atrapalhar, mas minha mulher está com uma ferida feia na perna, estou
achando que é bicheira.
Rodrigo sabia que as condições de algumas senzalas eram péssimas e
bicheiras costumavam ser um dos problemas que os afligiam, além de
infestações de piolho e outros problemas de pele que a falta de um ambiente
salubre proporcionava.
— Vou pegar minhas coisas e logo vou atendê-los. – A festa sempre
acabaria antes para um médico e Isadora já estava prevendo que seus
préstimos seriam solicitados quando o mandou buscar a maleta antes de sair
de casa.
— Rodrigo! – ela o chamou quando estava quase alcançando o cavalo.
— Eu vou ajudá-lo com os doentes.
— Não precisa – ele disse. — Pode continuar se divertindo com as
mulheres.
— Vou me sentir mais útil ajudando você – ela garantiu.
Rodrigo tirou a maleta do alforje e ao encontrar Isadora com o rosto
corado e mordendo os lábios quase perdeu o fôlego. Ela causava esse tipo
de coisa no juízo dele quando decidia sorrir por sorrir, a inocência se
misturando ao atrevimento de uma mulher que nasceu para arruinar o juízo
de um homem.
— O que foi? – ela perguntou ao notá-lo apático. — Não quer atendê-
los? Você não precisa fazer isso – começou a justificar por temer que ele
tivesse se ofendido. — Eu sei que os médicos não gostam de atender os
pretos, mas eu não poderia trazer um barbeiro-cirurgião para cá sem correr
o risco de sermos descobertos.
Rodrigo não conseguia prestar atenção no que ela falava, apenas
estendeu o braço e a puxou pela nuca contra sua boca, capturando-a em um
beijo que a deixou com as pernas bambas.
— Eu só precisava beijá-la. É isso! – Ele se separou dela e piscou. — E
você pode ser a minha enfermeira, mas por favor, evite morder os lábios
quando eu estiver mexendo com agulhas. Agulhas e esposas bonitas podem
ser uma combinação fatal – explicou. — Para o paciente, no caso.
— Prometo me comportar! – Ela bateu continência.
Ah, se a vida dos dois pudesse se resumir à simplicidade da Vila da
Liberdade, a felicidade poderia ser alcançada todos os dias. No entanto,
ambos estavam cientes de que o mundo em que viviam era muito mais
complexo do que queriam que fosse; mesmo que eles lutassem para torná-lo
melhor, as mudanças aconteceriam lentamente. E seria a resiliência que os
manteria naquela caminhada juntos que era o casamento.
— Eu a vi dançando, sabe – ele estendeu a mão para pegar a dela —, e
refleti sobre um ponto: de que temos mais coisas incomuns do que
pensávamos, embora a diferença de idade seja sempre lembrada como algo
que nos impediria de nos casarmos.
— Eu acho que temos – ela concordou.
— Além do desejo que compartilhamos...
— Que é muito indecente – ela o lembrou.
Rodrigo riu e sacudiu a cabeça. Não lhe importava que ainda insistisse
em se referir ao que sentiam como sinônimo de indecência, desde que ela
não o impedisse de tocá-la.
— Como eu dizia, acredito que a principal delas é que dividimos o
sonho de um mundo mais justo. Um sonho de que as pessoas sejam apenas
pessoas, sem qualitativos para separá-las.
— Nem todos os casais têm a mesma sorte – ela ponderou, encostando a
cabeça no ombro dele enquanto caminhavam de volta para a vila e pensava
no fato de que nem todas as mulheres tinham maridos que lhes davam a
oportunidade de serem ouvidas, muito menos que as apoiavam em suas
empreitadas.
— Não mesmo – ele anuiu, satisfeito por fazer parte de projeto tão
audacioso.
O dia havia sido maravilhoso, disso Rodrigo não tinha dúvidas. E não
apenas porque conseguiu desvendar mais uma camada de Isadora, mas
também porque ao atender as pessoas que viviam na Vila da Liberdade
aprendeu que ser médico exigia, além de um diploma, a vontade de ajudar.
E o que dizer da companhia da melhor enfermeira? Isadora se
empenhou em ajudá-lo e sua praticidade e desenvoltura em coordenar o fez
atender o dobro de pessoas na metade do tempo. A maioria dos casos eram
queixas simples, que pouco exigiu dele a não ser explicações sobre
cuidados básicos.
Mas foi no final da tarde que recebeu a maior das recompensas, quando
a comunidade se organizou para trazer um presente de casamento para eles.
Apesar da simplicidade da cerâmica que lhes entregaram, não conseguiram
evitar a emoção. Isadora precisou secar algumas lágrimas com seu lencinho
bordado e prometeu que guardaria as peças como lembrança de um dia
feliz.
E então tudo fez sentido para Rodrigo. Ele saiu outro homem da vila,
um mais preocupado com a segurança da esposa e ainda mais determinado
em fazê-la feliz, fosse qual fosse o preço que tivesse que pagar.
Não puderam se banhar no riacho que ficava no caminho devido ao
adiantado das horas e tiveram que apressar o passo para que pudessem
chegar antes que escurecesse por completo. E foi quando pisaram na sede
que o sonho que estavam vivendo terminou para lembrá-los de quem eram
de verdade. Isadora se retirou para seus aposentos alegando que precisava
se assear e Rodrigo, bem, Rodrigo tentou inventar algo que amenizasse o
sentimento de impotência que ameaçava sufocá-lo. Ele precisava dar um
jeito de vencer as resistências que ela impôs por serem quem eram.
E para começar, decidiu aceitar qualquer oportunidade de ficar ao lado
dela, começando pelo jantar que estava sendo servido a pedido dele. Sim,
dele! Pois cabia a ele também deixá-la à vontade para que continuasse a
confiar nele. E estava sendo maravilhoso desfrutar de sua companhia ao
som das corujas enquanto lhes eram servidos pratos tradicionais da
culinária local. Agradou a ele saber que a esposa tinha frango ensopado
como prato favorito, mas foi a marmelada servida como sobremesa que ela
fez questão de repetir.
— Obrigado por confiar seu maior segredo a mim. – Rodrigo deslizou a
mão pela mesa até alcançar a dela e a levou até os lábios para beijá-la. O
perfume que ela exalava o deixava louco de tesão.
— Me sinto leve por ter revelado a existência da vila – ela confessou
enquanto sentia o impacto dos lábios dele em sua pele, o calor se
espalhando para despertá-la para o desejo e fazê-la considerar que amar
poderia ser seguro quando era Rodrigo o homem que a conduzia para tal
descoberta. — Hoje eu e você... eu tive o melhor dia da minha vida em
muito tempo.
— Fico feliz de fazer parte do seu melhor dia, Dora. – Rodrigo estendeu
o braço e a agarrou pela nuca para trazê-la até seus lábios, beijando-a na
boca como se o decoro jamais tivesse sido uma prática daquela casa
comandada por mãos de ferro. O Barão de Santa Cruz estaria se revirando
no túmulo.
— Nunca o errado foi tão certo – ela soltou entre um beijo e outro. Ele a
puxou para seu colo para que pudessem se beijar com mais conforto e sem
o risco de quebrarem algum item do aparelho de jantar fabricado nas Índias
e pintados na França por mãos delicadas. Isadora não quis usar o conjunto
de cerâmica que trouxeram da Vila da Liberdade para não arriscar causar
quaisquer danos à lembrança tão importante; por isso os guardou em um
móvel com portas de vidros para exibi-los como se fossem ricas obras de
arte.
Uma das criadas ameaçou entrar para oferecer café, mas retornou para
não os interromper.
— Errado e certo? E o que seria errado e certo? O que os outros
determinam o que o seu coração quer? – ele a questionou, a boca deslizando
pelo pescoço enquanto as mãos apalpavam os seios por cima do elegante
vestido de musselina e fitas de cetim.
— Eu não sei mais o que é certo e errado quando estou com você... – ela
resmungou. — Você tem se infiltrado em meu corpo para fazer com que
meu juízo se perca e passe a questionar tudo. E a única certeza que tenho é
a de que preciso que você me beije, me toque para aplacar o ardor que sinto
– confessou. — E então fazemos amor... e então deveria me sentir saciada,
mas a saciedade é momentânea, e assim que volto a vê-lo quero repetir
tudo.
— Isso se chama paixão, Dora. A mais ardente das paixões. E eu sinto o
mesmo por você.
— Eu quero você, Rodrigo. Quero muito – confessou segurando o rosto
dele, uma mão de cada lado.
— Eu sou seu – disse ele. — Você está em meus braços, eu já a tenho,
basta você dizer o que quer.
— Que você faça amor comigo! Meu Deus, como desejei fugir da vila
para fazer amor com você. Eu quero fazer amor com você, Rodrigo. Agora!
Mas não aqui. – Ela repetia tanto a palavra amor que quase o convenceu de
que o amava de verdade. Mas talvez fosse apenas sua alma tentando
convencê-lo do impossível.
— Onde? – ele a questionou, levantando-se com ela nos braços. — No
meu quarto? – Ela fez que não com a cabeça. — Onde, Dora? – insistiu.
— No meu – ela soltou e se aninhou no peito dele.
Rodrigo sentiu o coração falhar com o pedido dela, a emoção o fez
quase soluçar quando ela o convidou para sua cama. Não a dele, como
costumava ser. Ele voou pelos corredores, atravessando portas até encontrar
a dela e com um chute a fechou.
Tamanha era a ansiedade deles que os botões do vestido voaram para
todos os cantos, provocando um tilintar no chão que lembrava o som de
sinos tocando. Era a música da paixão, com certeza.
Isadora engolia em seco e arfava para se convencer de que o que vivia
era real. Que havia se casado com um homem que a admirava pelo que era
e não pelo que esperavam dela.
Rodrigo se afastou e se sentou numa cadeira para tirar as botas, os olhos
sempre grudados na esposa.
— Dispa-se para mim, meu bem – ele pediu e o reflexo da luz das velas
iluminavam o peito esculpido para ser a tentação dela. — Ofereça o que de
mais precioso você tem, para seu homem.
As palavras dele eram como um feitiço de amor, o desejo que pulava da
boca dele para convencê-la a se livrar das camadas de tecido e renda que a
mantinham presa. E então Isadora se aproximou dele e ficou de costas.
— Preciso de ajuda com o espartilho – ela choramingou enquanto
olhava por cima do próprio ombro e fazia beicinho.
Rodrigo levantou o braço e deslizou as pontas dos dedos desde a nunca
dela até o traseiro, provocando-a. E começou a afrouxar os laços do
espartilho com lentidão para desfrutar do momento. Livre do aperto que a
mantinha na postura de mulher inabalável, os seios se tornaram mais
pontudos e ele salivou com a visão que lhe foi proporcionada quando
Isadora se virou de frente.
Ela dobrou uma perna e apoiou o pé no espaço vazio entre as pernas
dele.
— Preciso de ajuda com as meias – choramingou de novo.
Rodrigo sorriu de canto pelo “desafio de saias” o estar provocando
como se fosse a própria Afrodite em carne e osso, audaciosa e delicada ao
mesmo tempo. Ele agarrou a barra do chemise e a ergueu até a altura das
coxas. Enquanto subia, roçou a ponta dos dedos de propósito, apenas para
tirar dela alguns gemidos.
— Minha esposa gosta de provocar – ele constatou, os lábios se
curvando em um sorriso que era mais do que orgulho, era pura malícia. E
passou para a outra coxa quando ela trocou de perna.
Isadora deslizou a língua pelos lábios enquanto se deliciava com o
carinho que as mãos dele deixavam em sua pele. Ele depositou um beijinho
na coxa dela e roçou os dedos no meio das pernas. Aquela carícia sempre a
desconcertava um pouco mais. E ficaria ali para sempre, até que o alívio lhe
chegasse, mas havia prometido que se despiria para ele, e embora houvesse
sido uma promessa tácita, ela daria ao marido o que havia pedido.
E então se afastou a muito custo e levou, primeiro, uma mão na alça
direita do chemise, desfazendo o nó para que revelasse um dos seios.
Rodrigo relaxou na poltrona para dar mais espaço para o membro que
brigava contra o aperto do tecido da calça, deslumbrado com a imagem da
esposa quase nua. Os dedos formigavam de vontade de tocá-la. Ela repetiu
as ações com o outro lado e, quando soltou a fita de cetim, o chemise caiu
amontoado aos seus pés.
Rodrigo não resistiu e estendeu o braço para chamá-la.
— Vem cá, Dora.
Isadora se aproximou e, quando ele a segurou pelas nádegas e a beijou
na barriga, o mundo estralou diante dela para se tornar brilhante, e tudo
desapareceu, restando apenas o prazer que os lábios dele concediam a ela
em uma descida deliciosa até o meio das pernas.
Rodrigo a tocava com a língua em sua intimidade, sempre à procura do
botãozinho que a despertaria para o prazer sexual. Ajoelhado diante dela,
ele a chupava para que nada além dele ela pudesse pensar, exigindo que seu
coração batesse apenas por ele.
Só por ele.
Para ele.
Isadora não aguentava mais se esforçar para se manter em pé e afundou
os dedos nos cabelos dele em busca de amparo. Rodrigo a entendeu e a
carregou para a cama, deitando-a enquanto separava as pernas para, logo
em seguida, afundar a cabeça e continuar beijando-a. O corpo dela ondulava
ao ritmo das investidas da língua dele, era como se ele quisesse sugar sua
alma quando a beijava como se fossem só os dois no mundo.
E eram.
Ali no quarto, entre lençóis, não existiam diferenças que pudessem
separá-los. Eram homem e mulher se encaixando para que o amor pudesse
se concretizar.
Rodrigo se sentia vivo como há muito não acontecia. Não dormiam
direito há mais de vinte e quatro horas e mesmo assim estavam dispostos.
Talvez até mais, pois em algum momento da loucura que era seu casamento
ele havia parado de contar o tempo. Isadora era o combustível que o enchia
de energia. E ele queria ser o combustível que a faria querer viver, livre e
cheia de vontades.
Porque uma mulher cheia de vontades era o que mais o excitava em um
relacionamento.
Ele afastou a cabeça do meio das pernas dela e foi subindo com
beijinhos para que ela não o esquecesse, afinal, não haviam terminado
ainda. E quando alcançou o rosto dela, a imagem que encontrou o deixou
afoito. Isadora era a personificação de alguma divindade, não poderia não
ser; estava linda com o rosto corado, os olhos entreabertos e os cabelos
esparramados contra o lençol branco.
— Isadora – ele a chamou usando a ponta dos dedos para contornar os
lábios dela —, abra os olhos – exigiu.
Isadora despertou do transe em que o orgasmo a havia colocado e piscou
algumas vezes a fim de entender o que estava acontecendo. Rodrigo a
encarava e o corpo se aqueceu quando ele a beijou na boca em um leve
roçar de lábios que a ajudou a voltar para a realidade.
— Já acabou? – ela perguntou confusa.
Rodrigo abriu um sorriso que a deixou ainda mais confusa, mas, ao
sentir a ponta do pênis encaixar, descobriu que apenas haviam começado.
— O que você acha? – ele a provocou, sempre sorridente para que não
se esquecesse de que o prazer dela sempre seria o dele. Mas era quando
alcançavam o orgasmo juntos que a perfeição era sentida em sua plenitude.
Isadora sorriu como resposta, estendendo o braço para recebê-lo como
parte de sua vida, em sua cama. Nada poderia ser mais simbólico que isso;
talvez ainda mais do que os juramentos que trocaram diante de um
sacerdote. O amor era simples, pensou ela, mas as pessoas tinham a infeliz
pretensão de tentar controlar os anseios do coração com regras tolas, por
vezes difíceis de serem suportadas. Rodrigo lhe ensinava que um casamento
com desejo poderia sim ser indecente, mas era o que os tornava cúmplices,
o solo fértil para que o amor desabrochasse; embora algumas vezes ela
sentisse que o que tinham, a atração incontrolável que sentiam, não era algo
que poderia ser explicado pela razão, talvez por alguma crença mística
fosse possível, mas jamais pela razão.
— Eu acho que devo retribuir – ela foi honesta e o puxou contra ela,
oferecendo seu corpo ao homem que a fazia se sentir feliz com pequenos
gestos.
Rodrigo se acomodou sobre o corpo dela e deslizou o pênis enquanto a
beijava na boca. Ela roçava as unhas nas costas dele, sentindo o corpo se
abrir para recebê-lo. E era deliciosamente perigoso se abrir tanto para um
homem que até outro dia não passava de um desconhecido. Talvez ele já
tivesse levado consigo seu coração; mas não haveria problema se ele
pudesse deixar o dele com ela.
Um coração pelo outro e uma vida de felicidade conjugal do qual ela
havia desistido há muito tempo.
As estocadas se tornaram rápidas, tão duras que o choque de pele contra
pele retumbava no ambiente para servir como uma cantiga erótica. Eles
buscavam se tocar na alma enquanto os corpos se entrelaçavam.
Rodrigo se firmou sobre os cotovelos e passou os braços por baixo das
costas de Isadora, empurrando firme uma última vez contra o quadril dela.
O jorro saiu quente e se espalhou dentro dela para mais uma vez fazê-la sua.
Sua para sempre.
Sua Isadora.
Ele não tinha coragem de abrir os olhos, sequer de sair de cima dela
para que a realidade não ousasse separá-los. E ficou ali, sentindo o cheiro
delicioso de verbena que a fazia ser encantadora, um pouco mais
encantadora. Isadora ressoava baixinho enquanto brincava com as pontas
dos cabelos dele.
— Você ouviu isso? – ela perguntou por suspeitar que batiam à porta.
— Não ouvi e você não ouviu – ele afirmou, recusando-se que fosse
mais uma tentativa de separá-lo da esposa.
— Foi uma batida à porta – ela teimou, preocupada que pudessem ser
notícias ruins. Isadora era assim, sempre pensava no pior antes. — É sim!
Estão batendo à porta – afirmou convicta.
— Por Deus, quando teremos uma noite só nossa? – ele reclamou,
deslizando o corpo para o lado. — Uma noite em que vamos fazer amor até
cansarmos para não termos que nos preocupar com horário ou com
problemas?
Ela se remexeu na cama, puxando o lençol consigo, e se colocou de lado
para ficar de frente para ele.
— Você se casou comigo, lembre-se! – Sorriu tímida. — A senhora dos
problemas. Tenho muitas obrigações e pessoas que dependem de mim. E eu
me casei com você, um futuro médico, tão ocupado quanto às urgências de
seus pacientes.
— Tem razão! – Ele a beijou na ponta do nariz e se levantou da cama
para atender quem fosse que estava batendo à porta. Afinal, alguém deveria
cumprir o papel da razão para que inocentes não fossem prejudicados.
Isadora ficou o observando enquanto procurava pelas roupas no chão.
Rodrigo abriu a porta com a cara de quem estava chateado. Ele não fez
questão de esconder que não havia gostado da interrupção. Se não fossem
as batidas à porta, ele sequer teria saído de dentro de Isadora, iriam emendar
uma rodada de sexo na outra, e teria sido perfeito.
O criado lhe entregou um papel dobrado e, assim que fechou a porta, se
sentou na cama para ler a mensagem.
— O que aconteceu? – Isadora também se sentou na cama.
— É sobre meu pai – ele avisou, o semblante estava carregado de
preocupação.
— O que aconteceu ao conde? – ela quis saber, a aflição dele se
transformava na dela.
— O encontraram desmaiado no meio dos cafezais há alguns dias e
desde então não saiu mais da cama – ele relatou o que havia tomado
conhecimento.
— E chamaram um médico?
— Eu sou o médico mais próximo para atendê-lo – lamentou Rodrigo
—, ou o mais próximo de um médico.
Isadora se ajoelhou ao lado dele, sem se importar com a própria nudez e
o abraçou.
— Você é um médico, Rodrigo – ela o lembrou. — Falta muito pouco
para conseguir o diploma. E mesmo que faltasse mais tempo, o que eu vi na
vila foi um médico atuando, e não um estudante.
— Ele é meu pai e não sei se o agradará que seja eu a tratá-lo depois de
tudo que aconteceu. Ele prometeu que jamais me perdoaria por ter me
recusado a largar a faculdade.
— Por ser seu pai, você vai atendê-lo – ela falou firme, ainda abraçada
nele. Rodrigo se sentiu confortado com o calor da pele, era como se ali
sempre tivesse sido seu lugar no mundo. — Brigados ou não é seu dever
como filho e médico tentar salvá-lo.
Ele ergueu a cabeça e a beijou na boca antes de falar.
— Você está certa! Irei até Itararé.
— Presumo que não vai aguardar que amanheça – disse, sempre muito
prática e perspicaz. Ele fez que sim. — Então vou com você. – Isadora
saltou da cama como um vendaval para começar a providenciar mais uma
viagem. Itararé não era muito distante de Santa Cruz, mas não poderia ser
considerada perto quando aproximadamente sessenta quilômetros
separavam as duas fazendas, e não tinham tempo a perder.
Rodrigo a impediu, pegando-a pelo pulso.
— Não precisa! Você está cansada, não dormiu noite passada em razão
do meu sumiço...
Ela o encarrou furiosa e se aproximou para encará-lo na penumbra.
— Nós temos a vida inteira para descansar. Fala como se eu não fosse
forte para aguentar algumas noites em claro. Não tenho o mesmo vigor dos
vinte como você, mas devo alertá-lo de que ainda não cheguei nos trinta. –
Ele riu com a referência e deslizou os olhos pelo corpo tentador da esposa.
— Eu vou com você! – Isadora decidiu e tratou de encontrar roupas.
— Não sou louco de negar o quanto é cheia de vigor, esposa. – Ele
sorriu de canto e a seguiu para que pudessem partir o quanto antes.
Apesar da teimosia de Rodrigo em não querer viajar com uma escolta,
por puro orgulho masculino, enfrentar a estrada durante a noite sempre seria
um perigo, mesmo para os mais valentes e, principalmente, quando a
escuridão servia para ocultar a ação de algum dos inimigos de Isadora.
E foi pensando na segurança da esposa que conseguiram finalmente
embarcar um pouco depois das onze da noite para seguir viagem até as
terras do Conde de Itararé. Isadora convenceu o marido a viajar com ela no
interior da carruagem, era mais confortável para que pudesse descansar por
algumas horas; talvez não seria o suficiente para quem não dormia direito
há dias, mas era melhor do que emendar mais uma noite no dia.
— E então penso que poderemos levar as cerâmicas para serem
vendidas na Corte. – Ela detalhava seus planos para as cerâmicas
produzidas na Vila da Liberdade e sua empolgação era tamanha que até
seus olhos se tornavam duas esferas incandescentes que poderiam ser
usadas para iluminar o caminho. — Obviamente que não espero que sejam
vendidas por uma das lojas mais elegantes da Rua do Ouvidor, mas talvez
em uma mais modesta, frequentada por gente mais simples. Talvez até
vendam muito bem, pois quem não gostaria de ter cerâmicas bonitas e de
boa qualidade em suas casas?
Rodrigo amava ouvi-la. Isadora era uma empreendedora nata e de uma
perspicácia que talvez colocasse até Fernão Gusmão de Albuquerque no
chinelo. Aliás, ele precisava apresentá-la para o amigo. Era importante que
ela diversificasse a fortuna e Fernão era muito bom em fazer o dinheiro
triplicar. O café ainda era um produto que rendia muito, mas Rodrigo não
achava prudente que toda a riqueza fosse aplicada em um único negócio,
sob pena de que se entrasse em declínio, a fortuna acabaria em um piscar de
olhos. Seu pai nunca lhe deu qualquer credibilidade para que
diversificassem nos negócios, mais um motivo para as discussões que
apenas se avolumavam a cada novo encontro, até resultarem no rompimento
definitivo, levando-o a recorrer aos agiotas para se manter na Corte
enquanto estudava Medicina.
— O acabamento das cerâmicas é muito bom – disse, bocejando mais
do que a boa educação permitia e, por essa razão, ele se acomodou melhor
no banco de couro e encostou a cabeça no ombro de Isadora em busca de
aconchego.
Isadora girou a cabeça e abriu um sorriso ao admirar o corpo do marido,
tão alto e largo que não teria como se ajeitar no interior de uma carruagem,
por mais que o modelo fosse espaçoso.
— E a pintura é cheia de detalhes – Isadora emendou, mas obviamente
ele não a ouviu, pois já roncava baixinho. Ela se remexeu de modo que
pudesse puxá-lo para seu colo. Rodrigo resmungou algo que não foi
possível compreender e aconchegou a cabeça nos seios dela. Naquela nova
posição ela podia estudar melhor os traços do rosto dele. Não pôde resistir e
com a ponta do dedo começou a contornar o maxilar quadrado e forte, que
muito bem se encaixava com as maçãs altas do rosto e com a linha da
mandíbula abaixo dos lábios, os olhos eram levemente fundos, e
costumavam se enrugar nos cantinhos quando sorria. Jesus! Ele era ainda
jovem, mas tinha a maturidade de um homem que sabia o que desejava da
vida; decidido e valente, enfrentava o mundo para realizar cada um de seus
projetos de vida. — Mas até mesmo você, meu querido – ela roçou os
lábios nos deles —, jovem e com uma vida pela frente, pode se sentir
cansado. E isso não é problema algum. – Ele talvez estivesse a ouvindo,
mas ela acreditava que não. — Eu posso cuidar de mim, e um dia você vai
se convencer de que sou boa nisso, mas é uma lisonja quando se propõe a
enfrentar o mundo para me proteger.
— Isadora! – ele a chamou, mas não abriu os olhos.
— O que foi, Rodrigo? – ela perguntou com os olhos marejados. E se
fosse em outro tempo, precisamente antes de ele chegar em sua vida, teria
se sentido fraca e inútil por derramar algumas lágrimas. Como foi tola em
acreditar que uma mulher forte e determinada não poderia chorar.
— Jamais duvidei de que pudesse se defender, mas não precisa mais
fazer isso sozinha.
— Eu sei que não preciso. – Ela voltou a beijá-lo na boca, tomando o
cuidado para que o desejo não voltasse a explodir entre eles. — Durma!
Não vou fugir – prometeu, segurando firme a cabeça dele contra os seios.
— São melhores do que travesseiros de penas de ganso – ele a provocou
e, dessa vez, por já não ser mais tão ingênua, ela o entendeu muito bem.
Havia sido uma provocação sexual e se sentiu ainda mais lisonjeada por ser
a mulher que ele sempre quisera.
— Aproveite-os, então! – devolveu a provocação, de propósito. — Mas
por favor, evite de se acostumar mal.
— Já é tarde, querida, já é muito tarde para me fazer pedido do tipo
quando me deixou viciado pelo resto. – Ele foi claro ao se referir que
gostava de tocá-la na intimidade. — Eu ainda estou na fase do
deslumbramento – admitiu.
— E como seria a fase do deslumbramento? – Ficou curiosa com o
estranho diálogo que estavam mantendo. Isadora não sabia se ele realmente
estava acordado ou falando dormindo. Não se surpreenderia se ele estivesse
em um estado intermediário entre o cansaço e o sono. Mas havia a chance
de que quando acordasse não se recordasse do que conversaram.
— Estamos casados há alguns dias...
— Quase uma semana – ela o ajudou nos cálculos.
— E eu ainda fico olhando para você e pensando: Não acredito que ela
é minha! E então você me deixa te amar e a dúvida desaparece
completamente. É quando eu penso: Sim, ela é minha! – Ele se remexeu no
colo dela. — Obrigado por ir comigo para Itararé – agradeceu. — Iria ser
difícil sem você ao meu lado.
— Sempre ao seu lado, ao menos pelo tempo que você me quiser – ela
sussurrou a última parte da frase bem baixinho, deixando-se contagiar pelo
medo que o deslumbramento um dia terminasse.
— E por que eu não iria querer mais? – ele perguntou de volta, para
logo em seguida roçar o nariz nos seios dela.
— Porque o deslumbramento pode terminar, não é?
— Tenho sérias dúvidas de que jamais deixarei de ser um homem
deslumbrado, Dora – ele garantiu. — Sabe quantos homens tiveram a sorte
de se casar com a mulher dos seus sonhos? Talvez só eu! É um motivo
muito forte para que o deslumbramento nunca termine. Se importa se eu
dormir um pouco nos seus braços?
— Claro que não!
— Estou esgotado – ele explicou.
— Eu imagino o quanto esteja cansado, querido. – Ela o beijou na testa
e acomodou a cabeça no encosto do banco, fechando os olhos para
agradecer a sorte que tivera em se casar com um homem que não parecia se
ofender com seu intelecto, ao contrário, se regozijava quando o confrontava
intelectualmente. Rodrigo era a prova real de que homem e mulher
poderiam viver em harmonia, completando-se para que o mundo se
acomodasse em pilares mais justos.

Depois de horas viajando num sacolejo que parecia nunca ter fim,
chegaram nas terras do Conde de Itararé. Apesar de terem feito duas
paradas estratégicas para troca de cavalos, as estradas mais sinuosas na
descida do rio que serpenteava a propriedade para irrigar os cafezais, uma
benesse que nem todas as fazendas podiam dispor e que tornava as terras
ainda mais produtivas, atrasou-os, e Rodrigo se agitava cada vez mais pela
demora em atender o pai.
Já havia passado muito do meio-dia quando pisaram na sala de visitas
do impressionante casarão, cujas paredes foram levantadas com tijolos
fabricados com terra e fibras naturais pelos primeiros escravizados da
propriedade, desembarcados no Cais do Valongo e trazidos a pé para a
região como dote da mãe do conde. Apesar das sucessivas reformas e
melhorias operadas nos últimos trinta anos, as linhas originais da sede
foram mantidas e enfeitadas com janelas ao estilo guilhotina e beirais de
cimalha que se fundiam às pilastras a fim de criar uma composição
harmoniosa. Mas era o jardim de inverno, que substituía a varanda com
amplas vidraças coloridas que tentavam imitar o efeito de um arco-íris, que
mais impressionava os visitantes.
Isadora ainda se lembrava dos detalhes que cercavam a história da
propriedade e respirou fundo quando as memórias dos seus dias vividos ali
como noiva de Tadeu tentaram ofuscar o seu presente ao lado do marido.
Lutou para que o ressentimento não justificasse que fosse rude com
Rodrigo, ele não merecia nada além de seu apoio.
— Sejam bem-vindos! – disse a mulher que Isadora reconheceu se tratar
da escravizada que cuidava dos assuntos da casa. Na época em que
costumava visitar o noivo, ouvira comentários de que o conde a mantinha
como amante. Era uma mulher bonita e de voz suave, talvez com pouco
mais de quarenta anos; e que também diziam ter sido muito próxima da
condessa. Infelizmente, Isadora não chegou a conhecer a mãe de Rodrigo,
ela morrera alguns anos antes de seu noivado.
— Como está meu pai, Francisca? – Rodrigo se apressou a perguntar
assim que a avistou na porta.
— Nada bem – ela respondeu com os olhos marejados. — Fizemos tudo
que estava ao nosso alcance.
Rodrigo soltou a mão de Isadora e se aproximou da mulher que o viu
crescer e que costumava ser muito boa com sua mãe. Ele sabia que ela e o
pai mantinham um caso, mas o envolvimento apenas aconteceu após a
morte da mãe; em razão da lealdade que Francisca tinha pela sua senhora, e
não pelo juramento de fidelidade que o pai havia feito à esposa.
— Eu sei que fizeram. – Ele a olhou com carinho.
— Seu pai tem sofrido de falta de ar – ela contou preocupada. — Temo
que já seja tarde para ele.
— Vou tentar salvá-lo – ele prometeu.
— Eu sabia que mandar chamá-lo não seria um erro. Sempre foi um
garoto com um coração enorme, razão que o fez escolher a profissão que
escolheu. – Francisca deslizou os olhos para Isadora. — Então é verdade
que se casou com a herdeira do Barão de Santa Cruz?
Rodrigo largou as mãos de Francisca e voltou para o lado da esposa,
apoiando uma das mãos em suas costas.
— Isadora e eu nos casamos – ele confirmou —, há poucos dias.
— Seja bem-vinda, sinhá – Francisca fez uma reverência —, vou
providenciar cômodos, não esperava que viesse acompanhado.
— Não há com o que se preocupar, Francisca. Podemos nos alojar nos
meus antigos aposentos – Rodrigo avisou, tomando a decisão de que ali era
ele quem determinava onde iriam dormir. Além do mais, já estavam íntimos
o bastante para que começassem a dividir a cama como marido e mulher.
— Seus aposentos sempre foram cuidados como se continuasse aqui
conosco. O conde jamais perdeu a esperança de que retornasse – explicou
Francisca com o semblante menos preocupado.
Rodrigo sacudiu a cabeça e buscou o olhar de Isadora, para logo em
seguida voltar a encarar Francisca.
— Muito típico do meu pai esperar que eu voltasse enquanto me
chantageava – ele soltou como um desabafo que precisava ser verbalizado.
— Seu pai não consegue enxergar as coisas como sua mãe enxergava –
Francisca o lembrou. E então algumas coisas fizeram sentido para Isadora.
Ele a valorizava porque não queria cometer o mesmo erro do pai em não
considerar as palavras da esposa tão somente porque era mulher. — Mas
isso são águas passadas – alisou o avental —, o sinhô e sua esposa precisam
descansar.
— Isadora precisa descansar, com certeza.
— Mas Rodrigo, quero ajudá-lo – Isadora o interrompeu, pois sabia o
que o marido pretendia: colocá-la embaixo dos lençóis enquanto ele se
dedicaria aos cuidados do pai.
— Depois que estiver descansada – ele insistiu.
— E você? – ela perguntou preocupada.
— Quanto a mim, preciso apenas trocar de roupa. Não posso atender um
moribundo com roupas sujas. Francisca, por favor, leve um pouco de água
para os meus aposentos e algo para que minha esposa coma. Mal tivemos
tempo de nos alimentar – ordenou e a mulher se afastou arrastando os
chinelos pelo chão de madeira encerada. – Rodrigo ofereceu o braço para
Isadora. — Espero que não se importe de dividir os aposentos comigo – ele
abaixou a cabeça para cochichar —, e a cama.
— Não quero incomodá-lo, Rodrigo – retrucou ela.
— Minha esposa jamais me incomodaria. Aliás, prefiro que se acomode
em meus aposentos, não quero que fofoquem sobre a legitimidade do nosso
casamento. Mas o mais importante: eu quero que fique comigo.
Isadora sorriu com a decisão do marido e o acompanhou em silêncio.
Não seria um sacrifício poder ficar mais próxima para cuidar dele.
Os dias costumavam passar devagar quando eram dedicados aos
cuidados de um moribundo. Para Isadora, acompanhar a convalescença do
sogro não era agradável, principalmente porque a fazia se lembrar das
últimas semanas de vida do pai, mas se empenhava para apoiar o marido.
Ela e Lúcia ficaram ao lado do barão até seu último suspiro e, por essa
razão, sabia que Rodrigo precisava fazer o mesmo, para que pudesse se
despedir daquele que lhe deu a vida, por mais que as diferenças os tivessem
afastado.
Rodrigo lhe explicou que o pai não havia dado importância a um
resfriado e, em razão da asma que enfrentava desde a juventude, a infecção
se alastrou para os pulmões. O prognóstico era péssimo, na verdade.
Mesmo assim ele se empenhava em oferecer conforto e quase não saía do
lado dele, o que a deixava preocupada, não queria que ele se esgotasse
quando ainda precisava retornar para o Rio de Janeiro a tempo de não
perder as provas finais. Porém, naquela altura do mês e considerando os
dias que já estavam fora, talvez ele pudesse ter perdido o ano.
— Com licença – ela disse ao colocar a cabeça para dentro dos
aposentos do sogro e, ao perceber que o marido cochilava em uma das
poltronas que ela havia mandado trazer, adentrou para ir até ele. — Rodrigo
– se ajoelhou diante dele e o tocou na mão —, por que não descansa um
pouco em nossa cama? – A mera menção à cama que estavam dividindo nas
últimas quatro noites a agitou por dentro e espalhou tremores pelo corpo.
— Eu deveria... – concordou, os olhos entreabertos e os bocejos que
soltava eram sinais de que estava esgotado —, mas preciso medicá-lo daqui
a pouco. Ele tossiu muito e quase se afogou. Meu pai não pode ficar
desassistido, uma nova crise pode matá-lo sufocado.
— Eu posso medicá-lo se me ensinar – ela o incentivou a descansar. —
Você precisa de algumas horas de sonho. De verdade! – Ela corou ao
lembrar o que costumavam fazer nas madrugadas. — Sabemos que é jovem,
mas precisa descansar. Tome um banho quente e durma por algumas horas.
— Estou acostumado, Dora – ele teimou.
— Sabemos que está, mas mesmo um médico precisa de descanso, ou
daqui a pouco é você quem vai adoecer.
Rodrigo evitou responder, apenas desencostou as costas da poltrona e
curvou o corpo para se aproximar da esposa. Queria beijá-la antes de
decidir se deveria ou não descansar.
Isadora aceitou o beijo e o abraçou com carinho.
— Não pense em me convencer a acompanhá-lo até nossos aposentos,
pois bem sabemos que dormir será a última coisa que vai fazer, e você
precisa muito dormir – ela explicou, o semblante estava sério. — Quero que
descanse de verdade, Rodrigo! – falou segurando o rosto dele com as mãos.
— Eu vou, esposa! – Finalmente ele concordou e, ao se levantar, a levou
consigo, olhando por cima do ombro dela para se certificar de que o pai
estava dormindo placidamente em sua cama. — Mas porque pretendo estar
disposto mais tarde. – E a beijou na boca, segurando-a firme pela nuca.
Isadora precisou puxar o ar com força para dentro dos pulmões assim
que desgrudou da boca do marido. Ela o olhou com paixão, embora ele
jurasse que talvez amor pudesse existir entre eles; ainda se sentia receoso
em verbalizar palavra tão importante quando a vida continuava uma grande
bagunça.
— Você não tem limites – ela o repreendeu, deslizando os olhos até a
cama do sogro. — Não respeita um moribundo.
— Estamos quietos – ele disse, beijando-a de leve na boca e a
suspendendo nos braços. — Seria um desrespeito se estivéssemos
empenhados em acordá-lo.
— Me coloque no chão – ela riu quando sentiu a barba roçar no
pescoço. — Se alguma das criadas entrar, o que vai dizer?
— Que somos um casal apaixonado – ele soltou, colocando-a de volta
no chão.
Rodrigo explicou à esposa como medicar o pai e pediu que ela tivesse
cuidado na hora de servir o xarope a ele, pois costumava tossir muito logo
após ingeri-lo em razão do efeito expectorante. Isadora memorizou
rapidamente cada detalhe do tratamento e o empurrou para fora do quarto,
determinada que ele fosse descansar.
— Se eu precisar, mando chamá-lo. Pode confiar! – disse ela.
Rodrigo pegou a mão dela e a levou aos lábios.
— Eu confio em você, Dora. Mas preferia que fosse comigo.
— Preciso cuidar do seu pai – ela disse, evitando encará-lo ou acabaria
o acompanhando, como sugerido. — Nos vemos mais tarde, Rodrigo. – E
fechou a porta antes que desistisse da ideia de bancar a enfermeira do sogro.
Seus pensamentos ficaram presos no marido enquanto dobrava algumas
roupas que encontrou espalhadas pelo quarto. Teria que dar ordens para que
as criadas tratassem de limpar com mais afinco, mas para que isso fosse
possível precisavam talvez mudar o conde para outro quarto, um que fosse
inclusive mais arejado. Conversaria a respeito com Rodrigo.
— Quero água. – Isadora ouviu os resmungos do sogro e se aproximou
para entendê-lo. — Quero água – ele repetiu e ela saiu em busca de um
copo com água, voltando em seguida para servi-lo.
— Logo o senhor precisa tomar mais uma dose de xarope – ela falou.
O conde a olhava de soslaio enquanto bebia a água do copo que ela
segurava para ele. E isso a deixou intrigada. Ela estivera ali em outras
ocasiões e Rodrigo a apresentou como esposa, mas diante do silêncio do
sogro, não souberam dizer se ele havia entendido que havia ganhado uma
Alencar como nora.
— A senhora é a filha do Barão de Santa Cruz – ele soltou com muito
esforço, a respiração estava pesada e a tosse dificultava que pudesse falar
com clareza.
— Sim, sou a Isadora. O senhor deve lembrar de mim, da época em que
fui noiva de seu primogênito. – Ela tentou ser mais elucidativa para facilitar
o entendimento do moribundo.
— E se casou com meu caçula – ele comentou, o peito subia e descia
pelo esforço que fazia em respirar.
— Eu e Rodrigo nos casamos, sim. – Ela afastou o copo dos lábios do
conde assim que ele ergueu a mão para avisar que estava satisfeito. — As
circunstâncias nos levaram a isso e agora sou sua nora, como o senhor e o
meu pai haviam planejado.
— Puxe uma cadeira e se sente ao meu lado, Isadora – ele pediu.
Ela o atendeu, levando uma cadeira para perto do sogro tão logo
depositou o copo em cima da mesinha, onde também ficavam guardados os
medicamentos.
— Se eu passar um pouco de unguento de sebo de carneiro em seu peito
não alivia? – ela perguntou ao olhar para os frascos de remédios espalhados
em cima da mesinha. — Bem, posso chamar Francisca para que o atenda
em meu lugar, é mais apropriado – sugeriu ao lembrar que não era decente
tocar no peito do sogro, mesmo que ele estivesse doente.
— Ajuda, mas eu não suporto o cheiro de sebo de carneiro – respondeu
ele. — Não se preocupe tanto com um homem à beira da morte – pediu
conformado com a moléstia que sugava sua vida —, eu não tenho mais
pulmões e logo devo morrer.
— O senhor não deveria pensar assim – ela tentou motivá-lo.
— Eu sou prático, minha jovem dama. E no momento só quero um dedo
de prosa.
Isadora se sentou para atender talvez a última vontade de um homem
que já havia vivido o suficiente para desistir de querer viver.
— E sobre o que o senhor quer conversar? – perguntou ela, cada vez
mais intrigada com o seu súbito interesse.
— A senhora e meu filho parecem se entender muito bem, apesar da
diferença de idade – ele comentou. — Sempre achei que Rodrigo poderia
combinar mais com sua irmã em razão da proximidade da idade. Inclusive,
eu propus um compromisso entre ele sua irmã mais moça, mas não agradou
a ideia ao barão.
— Rodrigo é um homem de bem, senhor conde – ela disse, evitando
tocar na diferença de idade —, e tem sido muito generoso comigo e minha
família.
— Eu deveria estar desgostoso com a senhora. – Isadora ergueu a
cabeça e o encarou. — O casamento que propôs a ele apenas o afastou
ainda mais de seu verdadeiro destino – ele tentou gesticular, mas a fraqueza
não o deixou —, Rodrigo é herdeiro do meu império e deveria estar aqui ao
meu lado, tocando os assuntos da fazenda em meu lugar. Mas insiste em ser
médico, enquanto seu irmão só Deus sabe por onde anda.
— É uma vocação honrada – retrucou Isadora. — Infelizmente, não é a
profissão que o senhor esperava, mas mesmo assim é honrada.
— Dois filhos e nenhum quis dar seguimento ao meu legado – ele
reclamou. — Tadeu rompeu com a senhora e me deixou em uma situação
deveras complicada com o Barão de Santa Cruz.
— Eu o entendo, senhor conde. – Isadora não pretendia chateá-lo e
preferiu ser mais pertinente, guardando as ponderações para si. — Meu pai
sempre quis um filho, mas Deus lhe enviou apenas filhas, e ele morreu sem
ter a quem confiar a fortuna que conseguiu acumular. Apesar de meus
esforços, sei que sou apenas uma mulher que não tem como passar adiante
o sobrenome de meu pai.
— Antes uma filha como a senhora do que dois varões que desprezam o
que construí – ele afirmou com a voz firme dessa vez, um resquício de
orgulho o movia a se esforçar para transparecer a fortaleza que a doença
estava consumindo aos poucos.
E algo dentro de Isadora retumbou forte, como se ela precisasse colocar
para fora o que estava lhe incomodando desde que pisara em Itararé. Todos
a julgavam impertinente demais por ousar desempenhar funções
resguardadas aos homens, mas jamais lhe deram motivos bons o suficiente
para que a convencessem a não cuidar da herança que recebera do pai.
— O senhor não teme a morte, mas teme que seu legado não tenha
continuidade. No entanto, esquece que é o senhor que tem contribuído para
que tudo que construiu encontre um fim. Rodrigo e Tadeu apenas desejaram
coisas diferentes do senhor, assim como eu desejava coisas diferentes do
meu pai. Não cometa o mesmo equívoco do meu pai, senhor conde, de não
confiar em mim para gerir os negócios. O senhor pode muito bem se
entender com seu caçula e dar a ele o voto de confiança para que seja o
médico que nasceu para ser; pode muito bem perdoar Tadeu por ter seguido
os anseios do coração ao se casar com uma mulher que o senhor não
escolheu, afinal, é ele quem dividirá uma vida com a esposa, e não o senhor.
Me perdoe o atrevimento, mas devo dizer mais. De tudo que vi nesses
últimos dias, aproveite e diga para Francisca o quanto a ama, e prove isso
dando a ela a liberdade que sempre mereceu. O senhor a ama e ela o ama, e
o amor não deveria ser condenado em razão da diferença de classe social ou
de cor de pele.
O conde começou a tossir e Isadora se apressou para levar até ele um
lenço, mas não estava arrependida de falar o que falou.
— Entendo muito bem o Barão de Santa Cruz quando dizia que a
primogênita seria perfeita para dar seguimento aos negócios da família se
tivesse nascido homem – ele disse —, tem a postura e a coragem que faltou
aos meus filhos.
Isadora se empertigou na cadeira, sentindo-se ofendida com a
colocação, tanto por ela quanto por Rodrigo, que só se mostrou ser um
homem de palavra e muito valente. Mas o pai dele, assim como o dela,
jamais conseguiria enxergá-lo como um homem corajoso. O fato de
renunciar ao seu apoio financeiro apenas o colocou no patamar dos
covardes, assim como o pai dela a descreveu como excêntrica e
inapropriada para o casamento.
— Eu lamento demais que o senhor e meu pai tenham a mente tão
limitada para acreditar que uma mulher não possa gerir uma fazenda. E
lamento mais ainda o fato de o senhor perder a estima de Rodrigo por não o
apoiar em seu sonho de se tornar um médico. Meu pai, o Barão de Santa
Cruz, ao não confiar em mim, uma mulher que é sangue do seu sangue, nos
criou tantos empecilhos e nos colocou em risco ao nos nomear um tutor que
mora do outro lado do mundo. Não guardo rancor por meu pai ter feito o
que fez. Mas o senhor pode fazer diferente. Rodrigo, apesar de tudo, está
aqui ao seu lado, confortando-o com o seu conhecimento para que seus
últimos dias de vida sejam mais aprazíveis. E eu, bem, eu, senhor conde,
posso ser a mulher que o ajudará a tocar seu império. – Isadora havia falado
demais, ela sabia que sim, e de repente o arrependimento a deixou sem
fôlego e com o coração batendo acelerado no peito; em contrapartida,
jamais havia se sentido tão livre ao enfrentar um homem poderoso. Talvez
ele a considerasse desrespeitosa, mas não seria a ele que pediria desculpas,
e sim a Rodrigo, a quem havia prometido zelar pelo pai moribundo. — Eu
não deveria ter falado o que falei – foi o que conseguiu dizer para expressar
que lamentava as palavras inapropriadas para o momento.
Ela se levantou e foi para perto da mesa para preparar o xarope.
— Poucas pessoas foram tão corajosas quanto a senhora – o conde disse
—, de me dizer o que eu precisava ouvir.
— Não deveria ter falado. – Isadora sacudia a cabeça enquanto
despejava o líquido viscoso na colher. — Eu falei para o senhor o que eu
gostaria de ter falado para o meu pai. E talvez, se eu tivesse falado, ele teria
mudado de ideia quanto ao tutor. Ou não. E eu teria me frustrado ainda
mais. – Ela se aproximou e se sentou na cama para servir o sogro. — E
então eu me casei com o seu filho para evitar a ingerência do tutor em
minha herança, fizemos um trato de ajuda mútua.
— E mais uma vez cumpriu com o papel reservado aos meus filhos,
Isadora Alencar – ele frisou o sobrenome dela de solteira entre uma tossida
e outra, de propósito —, tornando-se uma Paiva de Vasconcelos para que
dois legados fossem unidos, como eu e o barão havíamos decidido. Talvez o
filho que nascerá de vocês seja o herdeiro que eu e seu pai sempre
sonhamos.
— Foi um acaso do destino – explicou —, apenas um acaso. Não fiz
nada de caso pensado. – Isadora levantou da cama e o fitou. — O senhor
gostaria de beber um pouco de água? – decidiu mudar de assunto antes que
acabasse falando o que não devia. O conde fez um sinal negativo com a
cabeça. — Eu acho melhor me retirar – decidiu. — O senhor ficará melhor
assistido por Francisca.
— Faça isso! Chame Francisca – o conde concordou. — E agradeço por
ser verdadeira em nossa conversa.
— Espero não o ter aborrecido, senhor conde – Isadora disse enquanto
segurava a ponta das fitas de seu vestido com força, estava nervosa e
preocupada que pudesse ter contribuído para uma piora no estado de saúde
dele. — Queria que o senhor soubesse o filho maravilhoso que tem – ela
secou uma lágrima que escorreu pelo rosto —, o quanto a Medicina o faz
um homem impressionante. Nem todos os homens nasceram para plantar
café, mas também nem todos os homens têm condições de se formar
médico. E Rodrigo nasceu com o dom de salvar vidas e o senhor com o
dom de plantar café. Uma coisa não existiria sem a outra, senhor conde. Seu
filho será médico porque o café que o senhor plantou e vendeu possibilitou
que ele perseguisse seu sonho de ser médico. É desse legado que eu falo,
não necessariamente de uma fazenda. – Se curvou em uma reverência que o
impressionou. — Se me der licença, devo partir para encontrar Francisca.
— Isadora – o conde a chamou e ela se virou quando estava prestes a
abrir a porta, com a mão na maçaneta —, meu filho Rodrigo fez muito bem
em atender àquele anúncio de jornal. Se puder ajudá-lo com a contabilidade
da fazenda. A fazenda precisa continuar funcionando e faz muitos dias que
não me levanto desta cama para resolver as coisas.
Isadora esticou os lábios em um sorriso discreto e acenou com a cabeça
antes de se retirar. Ao fechar a porta, foi atingida pelos mais variados
sentimentos, que a faziam considerar o quanto havia sido imprudente em
perturbar o sossego de um homem à beira da morte. Por outro lado, Rodrigo
havia falado ao pai sobre as condições peculiares que os levaram ao
matrimônio e isso a fez se sentir menos culpada pelas coisas que havia
falado. E que jamais deixariam de ser a verdade em que acreditava. E
provaria que poderia ser aquela que cuidaria para que Itararé pudesse ainda
prosperar muito.
Enquanto caminhava pelo corredor em que ficavam os aposentos da
família, encontrou uma das mucamas e a interceptou.
— Em que posso ajudar a sinhá? – a mulher que usava um lenço
enrolado na cabeça perguntou em atitude servil.
— O conde me designou para que eu confira as principais despesas da
fazenda. Saberia me dizer onde posso encontrar os livros contábeis?
— Devem estar no gabinete do conde – ela respondeu. — Posso ajudá-
la, mas não sei ler.
— Obrigada! – Isadora agradeceu e seguiu a mucama corredor adentro.
Ao menos a conversa com o sogro lhe deu motivos para ter o que fazer.
Depois de tomar um banho quente e encher a barriga com o lanche
repleto de quitutes que Francisca preparou, Rodrigo adormeceu grudado no
travesseiro da esposa, confortado pelo seu perfume de verbena. E foram
horas de um sono que lhe devolveu a energia para acordar com a virilidade
roçando contra o colchão.
Ele a queria, de novo e de novo...
Mas não a encontrou com a facilidade que esperava.
Isadora não estava mais cuidando do conde quando passou por lá, mas
não estranhou o fato, considerando que já havia passado da hora em que
costumavam servir o jantar.
— Sinhá Isadora mandou servir o jantar no gabinete do seu pai – avisou
Francisca quando a questionou.
Rodrigo ficou intrigado com o paradeiro da esposa, mas guardou para si
a curiosidade. Logo ele a procuraria e descobriria o que estava fazendo no
gabinete do pai.
Ele se aproximou da cama e tocou na testa do pai com o dorso dos
dedos a fim de averiguar se estava febril.
— Ótima ideia trazer eucalipto para cá, Francisca – Rodrigo elogiou a
iniciativa. — Eucalipto auxilia na expectoração.
— É daquela árvore grande que aquele botânico amigo do conde trouxe
para cá. Mas não foi ideia minha não! – Francisca respondeu. — Foi sinhá
quem teve a ideia.
Rodrigo sorriu de canto, orgulhoso pela esposa que tinha.
— Meu pai dorme tranquilo e acho que minha esposa merece um pouco
de minha atenção – ele disse.
— Claro que merece – Francisca concordou. — Eu cuido do conde,
pode deixar. Mas não quer jantar antes?
— Já passei pela cozinha antes de vir para cá – avisou, aproximando-se
para beijar a mulher na testa.
Rodrigo partiu satisfeito com o estado de saúde do pai e foi ao encontro
da esposa. Evitou pensar que poderia ser a melhora da morte, pois ainda não
estava preparado para ter que enfrentar a difícil missão de vender Itararé;
ele sabia que o pai jamais o perdoaria se vendesse a fazenda, mas também
sabia que seu destino era ser médico e não fazendeiro.
Fazia uma noite fresca e as cortinas sacudiam quando o vento batia
nelas. A casa já estava se aquietando devido ao adiantado da noite. A brisa
o ajudou a amansar o turbilhão que vinha enfrentando, embora soubesse
que as horas de sono o ajudaram a aquietar a ansiedade pela incerteza do
futuro.
Ao passar pela sala, pegou uma pera do cesto que estava em cima da
mesinha de centro e a mordeu. O doce aguado da fruta explodiu na boca e o
lembrou do beijo de Isadora. Ao olhar para o piano da mãe que ficava na
saleta ao lado, sentiu vontade de saber mais sobre a esposa, se ela gostava
de tocar piano. Sempre a observou de longe, mas jamais haviam sido
íntimos para que pudessem trocar confidências do tipo.
Eles tinham tanto para viver...
Ao chegar no gabinete do pai, cuidou para abrir a porta com cuidado e
encostou o ombro no batente para observá-la. Isadora estava compenetrada,
estudando os livros com os óculos na ponta do nariz. Ela passava a ponta da
pena no nariz de tempo em tempo e fazia anotações em um caderninho.
Linda como sempre, pensou.
— Em todos os lugares da casa, jamais pensei que iria encontrá-la aqui
no gabinete do meu pai – ele arriscou chamar a atenção dela.
Isadora demorou alguns segundos para desviar a atenção das contas e
listas que ela conferia e, quando reconheceu o marido parado na porta,
sorriu.
— Foi seu pai quem pediu ajuda com as contas – avisou, fechando um
dos livros.
— Por que me deixou dormir tanto? – Ele se aproximou da mesa e
apoiou as mãos em cima do tampo para esticar o corpo a fim de beijá-la.
— Porque você precisava – respondeu segura de sua decisão. — E eu
me entretive com as contas das despesas. Mas, Rodrigo, você precisa falar
com o capataz o quanto antes – ela o avisou.
— Meu pai não tem um capataz, apenas um capitão do mato – ele
esclareceu.
— Como não? – ela ficou espantada. — Então as coisas são mais
complexas do que imaginei. Há muitas despesas que devem ser pagas,
materiais de trabalho a serem providenciados. Os dias que o conde ficou
acamado atrasou tudo...
— Amanhã eu e você vamos tratar disso, Dora – ele a interrompeu
colocando um dedo na boca dela. — E lhe dou carta branca para cuidar de
tudo.
— Mas eu preciso de você, você sabe que sim! – ela insistiu. — Porque
o capitão do mato não me dará ouvidos.
— Ele dará sim se eu ordenar, mas não a quero perto daquele sujeito. –
Rodrigo enrugou a testa e ficou sério de repente ao lembrar de que jamais
havia gostado do capitão do mato que trabalhava com exclusividade para o
pai.
Isadora se levantou e deu a volta pela mesa para se aproximar dele.
— Não vou me expor, Rodrigo.
— Sei que não – ele concordou e a puxou para seu colo. — Você me
provou que sabe cuidar de si mesma.
— Como está seu pai? – ela perguntou e ele percebeu que havia ficado
aflita de repente.
— Está dormindo.
— Eu fiquei empolgada e acredito que falei demais quando ele se dispôs
a conversar comigo – ela confessou.
— Seja lá o que vocês conversaram, o deixou mais tranquilo. Meu pai
dorme como um bebê, a respiração até está mais leve.
— É um alívio saber disso – contou ela, mais relaxada. — E você, quer
jantar? Deve estar faminto!
Rodrigo deslizou as mãos pela nuca dela e a encarou dentro dos olhos,
perdendo-se no brilho esverdeado.
— Tenho fome, Dora! Mas minha fome não é de comida. – Isadora
engoliu em seco e apertou as pernas uma contra a outra a fim de conter os
espasmos que corriam livres pelo corpo para chegar no meio, fazendo-a
morder os lábios. — Tenho fome de seu corpo, meu bem.
Ela afastou os lábios para se preparar para o beijo dele.
Rodrigo a estreitou contra o peito e colou os lábios nos dela,
introduzindo a língua em busca da dela. Isadora era sua em tantos níveis
que não havia palavras para expressar o quanto a queria. E ela o aceitava
como parte de algo mais importante, não mais um acordo que os reduzia a
parceiros de negócios. Ele era dela, só dela, enquanto ela se entregava a ele.
O que tinham desenvolvido em poucos dias, a proximidade com que se
tratavam, era mais intenso e perfeito do que muitos casais ousavam ansiar a
conquistar em um casamento.
— Rodrigooo – ela espichou as últimas sílabas do nome dele na
tentativa pueril de implorar que fossem precavidos para evitar que os
surpreendessem. Isadora havia sido ousada demais ao confrontar o sogro
em seu leito de moribundo e não queria dar mais motivos para que também
ali em Itararé a achassem uma metida e esnobe.
— O que foi? – ele perguntou, mas sempre sem parar de beijá-la.
Quanto mais a tinha, mais a queria, e a virilidade chegava a doer de tão
apertada que estava dentro da calça. Desconfiava de que jamais se sentiria
saciado quando se tratasse da esposa.
— Aqui não, por favor! É o gabinete do conde e eu, bem, eu fui um
pouco... não, eu fui muito abusada ao dizer o que disse para seu pai logo
cedo.
— Você o enfeitiçou, isso sim – ele seguia com os beijos pelo pescoço
dela enquanto as mãos trabalhavam para abrir os botões do vestido que
ficavam nas costas —, com sua voz doce, seus olhos impressionantes e sua
inteligência incrível.
— Mas ele pode não ter gostado – ela refutou a ideia de que tivesse
impressionado o conde.
— Mas não desgostou, porque dorme o sono de quem não está
preocupado.
Isadora espalmou as mãos pelo peito dele e o empurrou.
— Vamos para nossos aposentos, Rodrigo. Por favor! – implorou.
— Vamos para onde você quiser, querida – ele concordou, levantando-se
com ela no colo. Isadora soltou um gritinho. — Desde que eu esteja com
você, não me importa o lugar.
— Espere! – ela o interrompeu. — Preciso levar comigo um caderno... –
mordeu os lábios quando o notou confuso —, quero mostrar algo que
encontrei.
— Por Deus, mulher! – exclamou impaciente. — Estou louco para fazer
amor com você e você está preocupada com os cadernos de meu pai. – Ele a
sentou na mesa e com um braço puxou o livro de capa preta e o entregou a
ela para, logo em seguida, pegá-la novamente no colo. — Está satisfeita? –
perguntou irritado.
Isadora agarrou o livro contra o peito e o beijou no rosto.
— Estou!
— O que você não pede chorando que eu não faço sorrindo, esposa?
Ela se sentiu especial de um jeito que a fez soltar um longo suspiro.
Depositou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos para que a sensação
agradável permanecesse com ela por mais tempo. O barulho do taco das
botas a guiava entre os cômodos, a excitação se tornava mais forte à medida
que percebia que estavam chegando nos aposentos. A experiência de dividir
a cama com o marido estava sendo esplêndida, por mais estranha que fosse
aceitar a ideia de que ele era tudo o que ela precisava na vida.
— Finalmente chegamos – comemorou Rodrigo ao depositá-la em cima
da cama. Ele se afastou para fechar a porta e fez questão de passar o trinco
para que ninguém ousasse perturbá-los.
— Rodrigo – ela soltou quando o avistou já sem camisa.
— Preciso de você – ele explicou —, e muito.
Ao se ajoelhar na frente dela, a envolveu com os braços e se dedicou aos
botões que ficavam nas costas do vestido. A ansiedade se misturava à
pressa a ponto de dar um puxão para abri-los, arruinando o elegante
modelo.
— Jerusa não está aqui para consertar meus vestidos – ela lamentou ao
ver os botões em formato de pérola rolarem pelo chão de madeira.
— Francisca pode consertá-los, na falta de Jerusa. – Ele a puxou pelo
queixo para que o fitasse. — Eu quero sentir sua pele... contra a minha. – E
a beijou na boca, empurrando-a para o centro da cama.
As mãos de Isadora deslizaram pelas costas dele, arranhando-o com a
ponta das unhas. Rodrigo soltou um gemido que a excitou ainda mais. E, de
repente, ele a surpreendeu girando-a para que ficasse de costas para ele.
— Eu odeio espartilhos – ele declarou. — Além de colocá-la em risco
por apertar as costelas, dificulta minha vida. – Isadora não aguentou e riu
com vontade. — Minha esposa ri porque não é ela quem tem que sentir o
aperto dentro da calça – prosseguiu enquanto afrouxava as fitas do
espartilho. Jogou-o para longe assim que conseguiu livrá-la dele.
— Pobrezinho – ela soltou em tom de deboche e ele caiu na risada
junto, acomodando-se ao lado dela na cama. Os espasmos das gargalhadas
se misturavam à luxúria que suas pequenas mãos lhe infringiram na pele.
Isadora ria tanto que começou a soluçar.
— É verdade – ele garantiu enquanto mirava o teto.
Ela, então, girou o corpo e se inclinou sobre o dele na tentativa de
desvendá-lo, claro, se ele permitisse.
— Deixe-me ajudá-lo com o aperto – ofereceu ajuda e os olhos dele
brilharam, pura malícia. Sua esposa agora entendia melhor como o corpo
dele reagia ao dela.
— Sou seu – ele colocou as mãos atrás da nuca e piscou.
Isadora sentiu o corpo se arrepiar à mera possibilidade de possuí-lo.
Montou na barriga dele, uma perna de cada lado, e deslizou os dedos pela
extensão do tórax à procura de detalhes que o deixassem mais próximo de
um homem comum, mas desistiu quando se convenceu de que o marido
havia nascido para não ser comum em qualquer aspecto, muito menos o
físico.
— Você é tão perfeito – ela o elogiou, a boca salivava ao lembrar que
poderia tocá-lo em todas as partes que desejasse, tal e qual ele a tocava. —
É tão lindo que chega a irritar.
Ele riu do comentário, mas o orgulho de impressionar a mulher que
sempre foi aquela que consumia seus pensamentos o deixou em êxtase.
Isadora se curvou e o beijou na boca. Foi um beijo longo, pensado para
enlouquecê-lo. O roçar da ponta dos seios no tórax duro a deixou ansiosa
pela penetração. Não poderia negar que era uma descarada ao se deixar
invadir por pensamentos tão mundanos. Mas era impossível evitar o que ele
a fazia sentir, por mais escandaloso que fosse.
Ele a notou pensativa e a puxou pela nuca enquanto as mãos a
agarravam pelo traseiro.
— Sou seu marido – disse —, comigo você pode ser o que quiser. Não
vou julgá-la.
Isadora não saberia dizer se foi o que estava sentindo ou o que ele havia
dito, talvez fosse um misto das duas coisas, mas algo dentro dela explodiu
para libertá-la definitivamente das amarras que a impediam de viver de
acordo com suas vontades. E naquele momento ela queria provar o gosto
dele, se perder no corpo do homem que a fazia se sentir mulher.
A mulher dele, era exatamente assim que ele a fazia se sentir.
Ousada como nunca foi, Isadora desgrudou da boca dele e começou a
tocá-lo com os lábios até chegar na barriga. Afastou-se um pouco e estudou
o volume extra que nem sempre estava ali, mas que se tornava corriqueiro
quando começavam a se beijar e se tocar.
Rodrigo arqueou uma sobrancelha ao perceber que ela o estudava com
interesse.
— Você pode – permitiu que ela saciasse a curiosidade. A conexão que
eles mantinham chegava a assustar, ao mesmo tempo que a deixava segura
para que confiasse nele.
Isadora sorriu antes de concentrar-se na tarefa que iria libertá-lo do
aperto e o deixou encantado. Os dedos finos e elegantes deslizavam entre os
botões com agilidade. Rodrigo se encolheu ao sentir os dedos roçarem na
virilidade. Ela se empenhou em puxar a calça para baixo e quando o
membro ereto entrou em seu campo de visão, sabia que não havia mais
como se arrepender.
— Se eu o tocar... posso machucá-lo? – perguntou, um pouco tímida, e
ainda mais envergonhada por não conhecer os detalhes do corpo masculino.
— Não vai me machucar, Dora. Pode tocar – ele a incentivou.
E então Isadora se deixou levar pela curiosidade, espalmando a mão ao
redor do membro e sobressaltando-se quando o sentiu crescer entre os
dedos, ela jurava que a ponta havia crescido.
— Se eu beijar? – arriscou perguntar, os olhos sempre presos no que
segurava entre as mãos.
— Eu vou gostar – ele respondeu com a voz embargada, o corpo
relaxado à espera do prazer que era prometido pelos lábios da mais
apaixonante das mulheres.
Isadora abaixou a cabeça e o tocou na ponta com os lábios, timidamente
ela deslizou a língua pela extensão da glande e ousou chupá-la. Rodrigo
gemeu e contraiu os músculos ao sentir as ondas de prazer o aprisionar no
fascínio que ela já lhe provocava apenas por ser quem era, mas ter os lábios
dela em seu membro era o ápice de qualquer fantasia sexual que havia
nutrido ao longo dos anos.
E ele queria o mesmo. Ah, como ele queria beijá-la entre as pernas
enquanto ela o chupava, descobrindo que prazer era mais do que eles
haviam ensaiado até então. Alucinado pelos beijos e as lambidas dela no
pênis, arqueou o corpo o suficiente para alcançá-la e a girou de modo que
pudesse se embrenhar com a boca até o meio das pernas dela.
Isadora gritou pela surpresa, mas logo relaxou quando sentiu o prazer
dos beijos dele em sua intimidade. O efeito foi avassalador e quando menos
esperava se entregou às delícias dos toques dele enquanto o tocava com o
mesmo ardor.
Homem e mulher em busca da satisfação sexual, sem as regras para que
lhes impedissem de serem verdadeiros.
Quanto mais ele a chupava, mais ela queria retribuir. Quanto mais um
exigia do outro, mais entregavam um ao outro. Eram perfeitos naquela
cadência prazerosa em busca do orgasmo.
Isadora sentia como se a alma tivesse saído do corpo sem permissão, ao
mesmo tempo que Rodrigo a segurava para que não caísse em um
precipício. Ela dependia dele para ser salva, era ele quem lhe daria o que
tanto precisava. E quando sentiu a língua ricochetear no clitóris, as paredes
do quarto se tornaram brilhantes, não eram mais paredes, mas estrelas que
iluminavam seu caminho em busca do amor.
Amor.
Era amor que ela sentia; não poderia mais negar que o amava.
— Rodrigo – ela o chamou no mesmo instante que ele a chamou.
— Eu preciso estar dentro de você – ele completou e a girou na cama
para que pudesse se acomodar sobre o corpo dela, olho no olho, bocas
muito próximas, e o pênis começando a deslizar em busca de aconchego.
As palavras perdiam lugar para os gemidos conforme os beijos se
tornavam uma constância. As mãos de Rodrigo alcançaram as delas e, com
os dedos entrelaçados, ele as levou para o alto da cabeça enquanto a
penetrava duro e rápido.
Eles gemeram no mesmo instante quando o alívio os inundou como
resultado do arrebatamento sexual, e as palavras de amor ficaram presas em
suas gargantas como promessas de cumplicidade eterna.
Rodrigo se deitou ao lado da esposa e a puxou com ele, posicionando-a
quase em cima de seu corpo. Uma perna dela pendia no meio das pernas
dele. A languidez os abraçava para que nada pudesse afastá-los, estavam
exauridos e felizes.
— Rodrigo – ela se atreveu, a voz era macia e preguiçosa —, você acha
que o amor pode surgir de um casamento arranjado?
Rodrigo a apertou contra ele e fechou os olhos para fazer durar o que
estavam vivendo.
— Eu acho que o amor já acontece, Dora.
Fazer amor com a mulher que sempre foi a representação da perfeição
era mais do que um sonho que se concretizava, era tocar o paraíso e se
recusar a abandoná-lo, principalmente quando ele já havia se convencido há
tempos de que tal feito era impossível.
O amor já acontecia, era óbvio que sim, mas preferia que ela descobrisse
por si mesma que o que os ligava era mais do que uma atração poderosa.
— Aqui está! – Isadora se virou de frente para o marido com o caderno
que trouxera do gabinete do conde em uma das mãos, enquanto com a outa
ela segurava o lençol enrolado em seu corpo; os cabelos castanhos
cascateavam pelos ombros, criando um halo de luz quando a luz das velas
os iluminava. Rodrigo quase perdeu o fôlego e desejou ter a habilidade de
um exímio pintor para eternizar sua beleza, era como olhar para uma
divindade pagã cujo culto havia se perdido no tempo. Ela caminhou de
volta para a cama e se aconchegou no meio das pernas dele, despertando-o
da sensação de que estavam em outra época. Talvez não tivesse passado de
uma ilusão, mas ele sentia que a havia enxergado em outra vida, uma em
que talvez também tenham sido amantes.
— O que tanto quer me mostrar nesse caderno? – perguntou, beijando-a
no rosto, os braços a seguravam presa ao corpo dele e o calor que trocavam
era como juras de amor que o vento levava consigo para espalhar pelo
mundo afora.
— Você não vai acreditar no que encontrei dentro deste caderno – ela
bateu com o dedo indicador na capa grossa de couro —, é um inventário
com todos os trabalhadores da fazenda e, no caso, todos são escravizados.
— Meu pai sempre foi muito meticuloso – Rodrigo comentou por alto,
esforçando-se para entender a complexa mente que a esposa dispunha para
enxergar o que não era óbvio para a maioria das pessoas.
— Meu pai também mantinha registros do tipo, mas este aqui não chega
perto dos registros das nossas fazendas – ponderou e abriu o livro na página
que havia marcado com uma fita de cetim, tão delicada quanto ela, e que
não combinava muito com a rudeza do couro da capa do livro. — Veja –
apontou para uma relação de pouco mais de vinte nomes —, aqui nesta
coluna temos o nome dos escravizados, e aqui, nesta – indicou a coluna do
lado direito —, temos uma relação de doenças que afetam sua
produtividade.
Rodrigo encostou o queixo no ombro da esposa e analisou com mais
cuidado o que ela lhe mostrava.
— Algumas queixas são indícios de que não são simples resfriados – ele
afirmou.
— Agora olhe para as datas dos registros. – Isadora apontou para a
coluna em que eram registradas as datas —, todas as queixas são recentes,
Rodrigo.
— O que pode ser indício de um surto – ele refletiu alto.
— E que pode ter sido a causa da piora do conde – argumentou.
— E não um simples resfriado, como Francisca nos relatou – concluiu
ele. — Pode ser algo mais sério do que um resfriado, Dora.
— Pode sim – ela concordou. — Precisamos isolar os doentes antes que
mais gente adoeça.
— Você tem razão! – Beijou-a no ombro. — Amanhã, logo cedo, vou
cuidar disso – prometeu.
Rodrigo pegou o caderno das mãos dela, fechou-o e esticou o braço para
guardá-lo em cima da mesinha de cabeceira. Isadora girou o corpo a fim de
que pudesse fitá-lo e sorriu quando encontrou os olhos dele, preciosos e
maliciosos, mas que não a faziam sentir medo; ela o queria para sempre em
sua vida, disso ela já não tinha mais dúvidas.
— O que foi? – ela perguntou.
— Estava pensando que me casei muito bem – respondeu.
— Não sei se podemos considerar que desposar o “desafio de saias”
pressuponha uma ideia de que tenha feito um bom casamento – asseverou
ela.
— Ah, foi sim – ele confirmou sua boa opinião quanto ao excelente
casamento que havia feito. — Além de linda, tentadora, é a esposa mais
inteligente que um homem poderia ter.
— Não exagere, Rodrigo! – Ela riu, mas escondeu o rosto com o lençol.
— Fala como se não existissem outras mulheres inteligentes.
— Não como você – ele teimou.
— Claro que existem – ela discordou, destapando o rosto para encará-lo,
e dessa vez com o nariz arrebitado, que ele muito bem sabia que a levaria a
dar uma resposta ferina e audaciosa. Assim era sua preciosa esposa e ele se
esforçaria para não a mudar. — Acontece que nem todos os maridos
permitem que as esposas se aproximem dos livros. Consegue entender o
ponto?
— Que eu sou um marido à frente do meu tempo. – Ele piscou.
Ela sorriu com a resposta impertinente, embora muito apropriada para
um homem que fazia jus à fama de libertino. Rodrigo Paiva de Vasconcelos
era um descarado e isso o tornava ainda mais especial agora que o conhecia
melhor.
— E muito exibido – emendou ela.
— Disso não tenho qualquer dúvida, meu bem. – Ele abaixou a cabeça e
a beijou, mantendo-a presa em seus braços para que a cumplicidade com
que conversavam sobre qualquer assunto jamais deixasse de ser a tônica
que os aproximava enquanto marido e mulher.

No dia seguinte, levantaram-se afoitos para providenciar que os doentes


fossem retirados da senzala e isolados em um local onde pudessem ser
tratados com dignidade. Rodrigo não teria conseguido organizar a
transferência com agilidade e eficácia sem o empenho da esposa, que além
de lhe auxiliar no atendimento, conseguiu a façanha de limpar e arejar um
dos galpões usados como depósito de café ensacado para servir de
enfermaria.
A ele apreciava trabalhar sabendo que a esposa estava ao seu lado e que
as trocas de olhares eram carregadas de insinuações do que fariam quando
estivessem sozinhos, no aconchego de uma cama, separados dos problemas
pelas paredes que eram blindadas pelos sussurros de prazer. Trabalhar com
ela roçando em sua mão de vez em quando e nos momentos mais inusitados
o fazia acreditar que a vida era muito perfeita para ser desperdiçada com
picuinhas. Até as reclamações do pai, nos poucos momentos em que ficava
consciente, o incomodavam; e mesmo que o incomodassem, eram logo
esquecidas quando a encontrava e lhe roubava alguns beijos.
E não era apenas Rodrigo que era atingido pelo seu charme irresistível,
de quem nasceu para impressionar, as mucamas a adoravam e os meninos
que ajudavam na lida doméstica a tratavam como se fosse uma espécie de
santa que Deus lhes enviou para ser um refresco nos dias de muito trabalho
e pouca diversão.
— Ficou uma belezura – Francisca elogiou o belo trabalho que haviam
feito no antigo galpão para que pudesse servir de enfermaria.
Os pacientes haviam sido acomodados em camas de campanha e
envolvidos em lençóis e cobertores trazidos da casa grande. Havia duas
fileiras de camas e entre elas conseguiram improvisar mesinhas de vime.
— Não ficou? – Isadora se levantou do chão, onde estava agachada para
arrumar um vaso com galhos de eucalipto. Foi ideia dela a de espalhar
arranjos de eucaliptos pelo cômodo para que ajudasse no tratamento dos
doentes. — Até sugeri a Rodrigo que mantenha este lugar como enfermaria.
Temos uma em Santa Cruz e logo quero levar a ideia para as nossas outras
fazendas.
Francisca sentiu os olhos marejados ao perceber que Isadora tinha a
alma mais bela do que seu exterior; e isso já era muita coisa para uma dama
que costumava impressionar com sua beleza. Ela se aproximou da nora do
conde e a pegou pela mão.
— Perdão pelo atrevimento, mas precisei tocar na sinhá para ter certeza
de que é feita de carne e osso – ela disse.
Isadora ficou sem graça. Jamais conseguiria aceitar que a tratassem
como uma enviada do céu, mas os entendia, pois sabia que qualquer um que
os tratasse com o mínimo de respeito e dignidade os faria acreditar que não
eram deste mundo.
— Claro que sou de carne e osso, Francisca! – exclamou. — E vou
apodrecer um dia, exatamente igual a cada um de vocês que insistem em me
santificar.
— A sinhá lembra um pouco a condessa em generosidade, mas é
diferente. Mais cheia de ideias. Não! – ela também negou com a cabeça. —
A sinhá tem mais atitude.
— Ah – Isadora gesticulou no ar com a mão que não estava presa a da
mulher —, isso porque meu marido permite, caso contrário, seria mais
comedida, assim como minha falecida sogra. – Francisca soltou a mão dela
e as duas seguiram lado a lado até a porta do galpão. — A propósito, sugeri
ao conde que lhe dê a alforria. Espero que ele assim o faça, ao menos como
agradecimento pelo amor que devota a ele.
Francisca olhou para o chão, envergonhada.
— Não posso aceitar algo do tipo quando me sinto envergonhada – ela
ponderou.
— Envergonhada por amar o conde? – Isadora a questionou, sem a
intenção de intimidá-la, embora o tom de voz houvesse soado ríspido.
— Por me envolver com o marido da mulher que foi como uma irmã
para mim – explicou. — Eu e a condessa nos conhecemos desde meninas.
Primeiro me tornei sua aia, depois sua mucama e a acompanhei para cá
quando se casou, sufocando o amor que sentia pelo conde.
Isadora parou de caminhar e se colocou na frente de Francisca.
— Não precisa explicar nada – fez questão de esclarecer que não
pretendia julgá-la. A vida já havia sido amarga o suficiente ao obrigá-la a
renunciar ao amor para que outra pudesse ser feliz —, apenas acredito que
mereça a liberdade, apenas isso.
— Mas eu quero explicar – insistiu a mulher. — Nos apaixonamos, eu e
o conde, quando ele começou a frequentar a casa dos pais da condessa. Mas
um branco jamais poderia ficar com uma preta.
— Porque estamos no Brasil, eu sei, e a escravidão nos divide –
lamentou Isadora.
— Mas eu respeitei a condessa e sempre evitei as investidas do conde.
Ela era como minha irmã e assim vivemos até que ela adoeceu. Antes de
morrer, ela me liberou para que eu fosse feliz ao lado do homem que eu
amava. E aconteceu.
— Não vou julgá-los, Francisca – garantiu Isadora. — Porém, o conde
tem o poder de alforriá-la e espero que faça isso antes de morrer. – A
franqueza com que falou foi um choque para os ouvidos de Francisca, que
estava acostumada com mulheres que falavam pouco e obedeciam muito.
— O modo como me expressei pode ser assustador, e peço perdão se fui
indelicada. Não é o fato de meu sogro mantê-la como amante que me
incomoda, são livres e decidem como viver, sequer tenho a pretensão de
ocupar o lugar de Deus para julgá-los, acho isso muito errado quando eu
talvez possa ser uma pecadora pior... o que me incomoda é o fato de o
conde manter a mulher que ama como escravizada.
— Eu a entendi, sinhá. – Francisca relaxou os ombros diante das
palavras que ouviu. — Eu não sei se o conde terá muito tempo de vida. E
pretendo ficar ao lado dele até o último suspiro. Depois disso não sei o que
será do meu destino.
— Terá a mim e Rodrigo – prometeu Isadora. — Rodrigo é um homem
bom e não a julgará por ter se envolvido com seu pai, se essa ideia a
preocupa.
— Sinhá é generosa e meu menino tirou a sorte grande quando a
encontrou.
— Foi um encontro deveras esquisito – soltou Isadora. — Não é muito
comum que uma dama anuncie a procura de um marido nos periódicos. E
muito menos que o candidato seja alguém que fez parte de seu passado.
— Sinhô Tadeu errou quando a preteriu.
— Antes de Rodrigo se casar comigo eu pensava exatamente como
você, Francisca – contou Isadora para a mulher que havia sido como uma
segunda mãe para os irmãos Paiva de Vasconcelos —, de que Tadeu havia
errado comigo, mas hoje vejo claramente que o erro dele não foi não querer
se casar comigo, mas me prometer casamento quando não era por mim que
seu coração batia acelerado.
— Sinhá está certa – concordou Francisca —, e se me permite mais um
atrevimento, sinhá combina mais com Sinhô Rodrigo. Fazem um bonito
par, principalmente de ideias.
Isadora não falou mais, pois ficou presa nas próprias reflexões. As duas
atravessaram o pátio onde costumavam espalhar os grãos de café colhidos
para secar em completo silêncio. Nenhuma arriscou quebrar o
encantamento dos próprios pensamentos, mas que ressonavam em um ponto
em comum: elas esperavam que um dia, e talvez não tão distante, o mundo
se tornasse mais justo e acolhesse com dignidade todos aqueles que apenas
queriam ser felizes.
— O que foi, Tobias? – Francisca agarrou o braço do menino para que
ele não se chocasse com Isadora. — Que falta de modos são esses com a
sinhá? – Ela sentiu vontade de puxar a orelha do moleque pelo atrevimento.
— Deixe-o, Francisca! É apenas um menino – disse Isadora.
— O sinhô Rodrigo mandou avisar a sinhá que chegou mensagem
urgente da Corte. – Tobias falou com o peito estufado, para logo em seguida
se curvar em uma reverência. — Viu, Francisca, como falei direitinho?
Francisca levou a mão ao queixo e sacudiu a cabeça, enquanto Isadora
ria da empolgação do moleque.
— Vamos lá, então, nobre cavalheiro! – disse a sinhá enquanto retomava
a caminhada. Tentou evitar pensar no pior quando muitas coisas poderiam
ter acontecido na Corte em sua ausência.
Isadora estava sentada na cadeira com braços largos e que compunha o
mobiliário da sala mais elegante da casa grande, onde o Conde de Itararé
costumava receber os convidados mais ilustres, enquanto Rodrigo pisava
duro de um lado para o outro, criando marcas no tapete de couro. Josias os
observava com o canto dos olhos, parado como uma estátua por não se
atrever a se mexer e quebrar algum dos bibelôs de porcelana que estavam
espalhados como enfeites.
— É melhor você se sentar, Josias – avisou Isadora.
— Eu que não sou louco de me sentar em uma das cadeiras do Conde de
Itararé – soltou Josias —, dizem por aí que um pretinho, sem querer, rasgou
o estofado de uma dessas cadeiras e o conde mandou açoitar o infeliz
desgraçado.
— Você não é um dos escravizados dele para que mande lhe açoitar –
pontuou Isadora —, e mesmo que tivesse a audácia de fazê-lo, teria que
passar por cima de mim.
— Vantagens de ter sinhá como dona – Josias retrucou e ela o olhou
enviesado. Isadora não gostava de ser considerada proprietária de outros
seres humanos, era algo que jamais conseguia se acostumar.
Rodrigo se voltou para os dois e olhou de um para o outro antes de falar.
— Não foi meu pai quem mandou açoitar o pretinho que rasgou o
estofado de uma de suas cadeiras preferidas – corrigiu-os —, mas meu avô.
E devo dizer que a cadeira não existe mais.
— Então é verdade o que dizem? – Isadora levantou os olhos na direção
do marido.
— Para meu constrangimento, sim, é verdade – respondeu.
— Me perdoem, mas o que decidiram fazer a respeito da mensagem do
advogado? – Josias precisava de uma decisão e os trouxe de volta para o
assunto que os fizera se reunir.
Isadora alisou o pedaço de papel entre os dedos.
— Eu preciso retornar para a Corte – decidiu.
— Isadora – Rodrigo passou as mãos pelos cabelos, estava nervoso —,
não posso retornar ainda... meu pai ainda está muito doente e tenho que
conter o surto na senzala.
— Eu sei disso, Rodrigo – ela ergueu a cabeça e o encarou —, por isso
falei que EU preciso retornar, você deve ficar aqui em Itararé.
Rodrigo deu dois passos largos e a alcançou, ajoelhando-se para ficar na
altura dela.
— Não... – Ele teria dito que não a queria longe dele, mas diante da
presença do capataz de Santa Cruz, preferiu usar outras palavras. — Não é
certo deixá-la partir sem mim, não está de acordo com o que tratamos. Você
precisa de mim na Corte, ao seu lado, para enfrentar o maldito tutor.
— Você é mais importante aqui em Itararé no momento. – Ela segurou a
mão dele e com a outra tocou em seu coração. — Eu sei que assim que
puder irá me encontrar. Não irá?
Ele encostou a testa na dela.
— Eu vou, Dora, juro que vou assim que tudo estiver seguro por aqui –
prometeu e teria a beijado se Josias não tivesse tossido para chamar a
atenção deles.
Rodrigo então se levantou e se voltou para o capataz para lhe dar as
instruções necessárias, mas sem largar a mão da esposa.
— Hoje você dorme aqui, Josias. Francisca vai providenciar
acomodações para você. Amanhã cedo partem para Santa Cruz e de lá
devem seguir viagem para a Corte.
Isadora apertou na mão do marido.
— Josias deve ficar em Santa Cruz – avisou —, não posso confiar a
outro os negócios das fazendas e você sabe muito bem o motivo. – Ela se
referia à Vila da Liberdade e à ingerência que os outros barões tentavam
impor por desconfiarem de que ela abrigava os fugitivos de suas senzalas.
O capataz deu um passo para ficar mais próximo do casal diante da
delicadeza do tema que estavam abordando.
— Eu cuidarei para que a sinhá seja pajeada por homens de confiança –
comprometeu-se. — É gente boa que vai cuidar para que nenhum dos
capangas dos outros barões se aproxime de sinhá.
— Me mantenha informado de tudo, Josias – Rodrigo exigiu. Foi uma
exigência de seu coração, que já estava sofrendo com a distância. Ele voltou
a olhar para a esposa, tomado de uma dor que jamais pôde imaginar que um
dia sentiria. — E não hesite em me chamar se precisar, Isadora. Não sei
ainda por quanto tempo terei que ficar em Itararé, mas não a deixarei
sozinha quando estiver precisando de mim.
— Eu sempre cuidei de tudo sozinha enquanto era apenas Isadora
Alencar – ela o lembrou —, agora, como a Senhora Paiva de Vasconcelos,
tenho mais chances de ser respeitada.
Rodrigo esperava que sim, mas isso não afastou o medo de que o tutor
quisesse tirá-la dele. E isso jamais permitiria.

Depois do jantar e de Isadora ter se despedido do sogro, ela e Rodrigo


decidiram se recolher e desfrutar um pouco da intimidade que haviam
conquistado ao longo dos últimos dias.
— Espero que Estevão tenha conseguido esconder muito bem Lúcia –
ela comentou enquanto escovava os cabelos, estava sentada diante do
espelho da penteadeira que havia sido da condessa e que por ordens do
marido foi trazida para o quarto dele, enquanto ele bebericava licor
encostado na janela. Rodrigo ainda não estava convencido de que deveria
deixá-la partir sozinha, mas não tinha escolha. — A julgar pela missiva de
Magalhães, eu sempre estive certa quanto ao tipo de homem que meu pai
nomeou como tutor para as filhas.
— Um embuste, é isso que o infeliz é – resmungou Rodrigo. Ele se
sentia esgotado de tanto pensar. Além de ter cuidado dos doentes, dedicou-
se a assinar papéis em branco para que Isadora levasse consigo, caso fosse
necessário; e, por fim, escreveu uma carta para o diretor da faculdade de
Medicina com um pedido especial, para que lhe deixasse fazer as provas
finais em outro momento, além de pedir uma opinião sobre a moléstia que
ameaçava Itararé. Apesar do empenho, ele ainda tinha dúvidas sobre os
sintomas que variavam de paciente para paciente, mas uma coisa ele sabia:
de que se tratava de uma doença que poderia comprometer os pulmões se
não fosse tratada.
Isadora largou a escova em cima da penteadeira e girou na cadeira a fim
de observá-lo. Rodrigo estava de costas para ela e os ombros largos a
fizeram se lembrar do quão era bom estar encaixada ao corpo do marido
enquanto deslizava as unhas pelas costas para provocá-lo, ela se regozijava
com os gemidos dele quando fazia isso.
— Rodrigo – ela exigiu sua atenção e ele se voltou para ela, era
perceptível a tensão que ele estava sentindo, as rugas acima da sobrancelha
e os lábios grudados um no outro o deixavam com a aparência de um deus
vingativo.
— O que foi? – a questionou, e assim que encontrou os olhos verdes se
sentiu mais relaxado, totalmente desarmado das aflições que o corroíam. E
Rodrigo tinha muito com o que se preocupar, havia um surto de alguma
doença que ainda era uma incógnita para ele, o pai que estava à beira da
morte, uma fazenda para tocar, a faculdade para atormentá-lo, mas era de
Isadora que ele queria cuidar.
— Por que não aproveitamos nossas últimas horas – ela corou e ele a
achou encantadora —, como um casal de verdade?
— Nós somos um casal de verdade – Rodrigo disse —, e “ai” daquele
que ousar dizer o contrário – rosnou enquanto reduzia a distância que os
separava. — Sou seu marido, Dora. – Ele a puxou pela cintura e encostou
sua testa na dela. — E você é minha mulher.
Ela abria os botões da camisa dele, decidida a ter a sua despedida, mas
com gosto de “até breve”. Não seria um adeus definitivo, o coração dela
estava certo disso.
— Você vai me encontrar na Corte, não vai?
— Claro que vou! – ele confirmou, acalmando seu coração preocupado.
— Ou acha que vou deixá-la solta para que a roubem de mim?
— Não sou o tipo de mulher que costuma trocar o marido por casinhos –
ela o alertou, esclarecendo que não havia gostado da insinuação.
— Eu sei que não – disse ele para corrigir o equívoco que havia
cometido por querer demais a mulher que estava em seus braços. — Em
você, minha esposa, eu confio. Não confio nos outros, que podem cobiçar o
que é meu.
— Não esqueça que se casou com o “desafio de saias”, e por uma razão
muito pertinente, não nego, recebi tal apelido – o lembrou. — A minha
língua costuma ser muito eficaz quando preciso me livrar de cavalheiros
fastidiosos.
— Não consigo me conformar que terá que partir sem mim – confessou
enquanto a empurrava para cima da cama, o membro roçava na barriga dela
como uma promessa do que viria a seguir e ela se derretia nos braços dele,
espalhando beijinhos pelo maxilar. — Não terei a oportunidade de nadar
com você no rio em que costumava brincar quando moleque. Estamos aqui
há dias e apenas resolvemos problemas, Dora, dos outros. Enquanto eu
cuidava do meu pai e dos doentes, você se dedicava a examinar as contas e
tomar decisões para que a fazenda não parasse por completo.
— Alguém precisava fazer isso – ela afirmou, convicta de que haviam
feito o que era preciso.
— Mas somos recém-casados – a lembrou.
— Temos muito mais do que a maioria não tem, Rodrigo. – Acariciou o
rosto dele com as mãos e o beijou na boca. — Muito além do que eu
esperava encontrar em um casamento arranjado. Você tem sido meu
companheiro.
— E você a minha companheira – concordou.
— Tenho medo de que esqueça o que vivemos – ela admitiu —, que
esqueça do que nos tornamos, que me esqueça.
Rodrigo a empurrou contra o colchão, as mãos puxavam a camisola para
cima e, quando a acariciou no botão que a fazia soltar suspiros, grudou sua
boca na dela em uma promessa silenciosa de amor eterno.
— Desde que a vi pela primeira vez entrando na sala desta casa que nos
acolhe como marido e mulher... eu ainda lembro que estava nublado, e
quando você entrou foi como se o sol tivesse chegado para mandar o mau
tempo embora. Depois daquele dia, mesmo sendo prometida ao meu irmão,
jamais pude esquecê-la. – E então ele afundou os dedos no rosto dela e se
afastou alguns centímetros para fitá-la, olho no olho. — Acredita que
depois de tantos anos perturbando minha mente serei capaz de esquecê-la?
Esquecer de tudo que vivemos ou da cumplicidade que conquistamos
porque ficaremos afastados por alguns dias?
— E se forem muitos dias, semanas ou até meses? – ela confessou o
temor que seu coração sentia.
— Ainda assim não conseguirei esquecê-la, meu amor!
A palavra amor a atingiu em cheio e a fez buscá-lo com os braços.
Rodrigo abriu a braguilha da calça e tirou o pênis para fora enquanto a outra
mão a acomodava melhor sobre os lençóis a fim de que pudesse se encaixar
no meio de suas pernas. Ele tinha pressa para estar dentro dela e ela estava
pronta para recebê-lo.
Como parte um do outro.
Nenhum deles se considerava melhor ou pior, apenas a parte que faltava
para que pudessem se sentir completos.
— Amo quando me toma como se eu fosse o que mais quisesse no
mundo – ela resmungou colada na boca dele, sentindo a carne se moldar ao
redor do pênis.
— Você é tudo o que eu quero no mundo, só você – a voz saiu arrastada,
perdendo-se entre os gemidos que soltava como reflexo do prazer que sentia
ao penetrá-la; e ele fazia isso lentamente para que o deleite durasse mais.
Rodrigo subiu uma das mãos até um dos seios e usou o polegar para
roçar o mamilo, os lábios a reverenciavam com beijos e a paz que o corpo
dela oferecia era a casa em que ele queria fixar moradia. Era ela que o fazia
se sentir bem, não importava o lugar.
— Quando me beija assim... – ela queria dizer tantas coisas, contar o
que ele a fazia sentir, mas era impossível tentar descrever tudo que estava
sentindo —, é maravilhoso.
Rodrigo levantou um pouco a cabeça e a visão da mulher banhada pela
luz das velas o fez questionar o que tinha feito de tão especial para receber
presente tão magnífico.
— Você é maravilhosa, Isadora. – E empurrou firme, deixando que o
coração ditasse o ritmo da penetração.
Isadora primeiro dobrou os joelhos, e quando percebeu que o agradava,
passou as pernas ao redor do quadril dele. A nova posição a abriu ainda
mais para ele e o que estava perfeito, tornou-se maravilhoso.
— O que temos é maravilhoso – ela queria que ele soubesse que juntos
eram perfeitos —, que eu e você somos maravilhosos.
— Que delícia, Dora! – Rodrigo afundou o rosto no pescoço dela. —
Não posso mais segurar. Preciso me derramar.
Isadora o beijou no rosto, as unhas deslizavam pelos ombros largos em
direção às costas. O aconchego que sentia era delicioso demais para que o
impedisse de conquistar o prazer que o corpo dela oferecia.
— Não segure, meu amor – ela devolveu a palavra e tudo se perdeu no
grito que ele soltou. De puro prazer. E isso a encheu de orgulho. Ela era a
mulher que o fazia perder o controle.
Amavam-se nas entrelinhas dos sussurros de prazer, porque amar
também era oferecer prazer. E era o mais potente dos prazeres o que
compartilhavam. Não era apenas sobre palavras que não eram ditas, mas
sobre entregar o corpo ao outro para que o prazer fosse conquistado.
Agora Isadora sabia.
Agora Rodrigo tinha certeza.
Eles se amavam.
Três dias depois, Isadora desembarcava no Rio de Janeiro, e ao olhar
para a cama onde se aconchegou a maior parte de sua vida, percebeu que já
não era a mesma mulher de outrora. As primeiras noites foram as piores,
pois sentiu falta dos braços do marido, e quando a insônia não a deixava
dormir, atravessava o corredor e se deitava na cama de Rodrigo, ao menos
as coisas dele estavam ali e isso trazia um conforto para que ela pudesse
descansar um pouco.
— Sinhá não quer mesmo que a acompanhe? – Jerusa abriu a sombrinha
para Isadora e a ajudou a desembarcar da carruagem.
— Não precisa, Jerusa – respondeu com os olhos fixos no prédio onde
funcionava o escritório de advocacia de seu amigo Estevão. — Não
pretendo demorar.
Isadora se despediu da mucama e atravessou a rua para enfrentar seu
destino. A última vez que esteve ali, Rodrigo a acompanhou, e o fato de que
voltava a ser sozinha a deixava reticente. A impressionava o quanto ele
havia se infiltrado em sua vida a ponto de sentir falta de sua proteção.
Magalhães a aguardava impaciente do outro lado da rua, com as costas
largas encostadas na porta.
— Finalmente atendeu ao meu chamado – disse, curvando-se em uma
reverência cortês, para logo em seguida dar passagem para a dama.
Subiram o primeiro lance de escadas para ter acesso ao escritório. Ela
seguiu na frente dele.
— Perdoe-me, Doutor Magalhães, mas assuntos domésticos me
atrasaram. – E uma melancolia que jamais havia sentido na vida e que a
manteve na cama com dor de cabeça, mas evitou explicar ao advogado,
afinal, não eram tão íntimos para isso. — Faz apenas três dias que estou na
Corte.
Magalhães arqueou uma sobrancelha e ofereceu assento a ela assim que
fechou a porta atrás dele.
— Esperava que seu marido a acompanhasse – ele mencionou ao notar a
ausência de Rodrigo, seguindo para se acomodar atrás de sua mesa de
trabalho.
— Rodrigo ficou em Itararé. O conde está muito doente, eu diria que
está à beira da morte. Complicações nos pulmões depois de contrair uma
doença que não sabemos do que se trata com exatidão. Enfim, a fazenda
enfrenta um surto de alguma moléstia altamente contagiosa.
— Não havia pior momento para que seu marido ficasse preso em
Itararé – discorreu Magalhães.
— As notícias não são boas, presumo – ela decidiu que deveriam ser
objetivos e tratar dos problemas imediatamente.
— Eu diria que o Senhor Romero de Freitas é um homem de trato difícil
– alertou-a.
— O que ele alega para deixá-lo tão preocupado? – o questionou, estava
pálida e sentia o coração pulsar tão forte que não estranharia se o advogado
pudesse ouvir as batidas do outro lado da mesa. Algo lhe dizia que a
situação que teria que enfrentar poderia ser ainda pior do que esperava.
— Como seus criados já devem ter adiantado, ele tentou se hospedar na
sua casa. E para evitar isso, precisei adotar medidas judiciais a fim de
proteger a mansão, Senhora Paiva de Vasconcelos. De posse de uma carta
escrita de próprio punho pelo seu pai, ele alega que a ele foram conferidos
poderes para administrar a herança, o que o legitima para se hospedar na
mansão da família. Compreende?
— Não duvido de que meu pai tenha feito algo do tipo. – Isadora
revirou os olhos e respirou fundo para que as emoções não embotassem seu
raciocínio. — Além disso, o que mais o tutor se atreveu a fazer?
— O homem é dotado de inteligência, devo alertá-la, e articula muito
bem suas teses para que a senhora seja desmoralizada – explicou.
Isadora bateu os cílios algumas vezes e abriu o leque para se abanar.
Mas o nervosismo e indignação, que já não conseguia disfarçar, não
conseguiam manchar sua beleza.
— Era certo que meu pai escolheria um homem inteligente para gerir
nossa fortuna, mas sabemos, meu caro, que inteligência nem sempre é
acompanhada de escrúpulos – lamentou. — E em alguns casos prefiro tratar
com um homem cuja inteligência é limitada, mas age com escrúpulos.
— Pois bem – prosseguiu Magalhães, com as mãos entrelaçadas em
cima da mesa —, após se aproximar dos principais aliados do Barão de
Santa Cruz, a fim de obter apoio, ele a acusa de ter raptado a Senhorita
Lúcia, além de a manter em cativeiro.
Isadora soltou uma gargalhada e Magalhães a estudou com os olhos
estreitos.
— Perdão pela descompostura, doutor – disse ela, voltando a se sentar
ereta na cadeira —, mas ele não tem qualquer senso do ridículo que é se
impor dessa maneira.
— Mas não terminamos aqui, devo avisá-la. O Senhor Romero de
Freitas alega que a senhora deve ser interditada o mais breve possível por
loucura. E há quem o apoie nessa patacoada de insistir que a senhora não
estava no pleno gozo das faculdades mentais quando se casou com Rodrigo
Paiva de Vasconcelos, a quem estão tentando desmoralizar também –
pontuou —, usando para tal a diferença de idade entre a senhora e o seu
marido.
— Mas eu me casei porque quis, muito ciente da idade do noivo em
questão. – Isadora se levantou de repente e apoiou as mãos no tampo da
mesa, ela tremia muito tamanha havia sido a surpresa. — Louco está esse
homem! – exclamou enfurecida. — Estevão e Lúcia foram testemunhas de
que me casei em pleno gozo de minhas faculdades mentais. E salvo melhor
entendimento, não há impedimento legal para que uma mulher se case com
um homem mais jovem que ela.
— Deve saber que ele faz tal alegação como argumento para anulação
do casamento. Ademais, é pertinente mencionar, mesmo que a chateie, que
na dita missiva assinada pelo barão, ficou ajustado seu casamento com o
Senhor Romero de Freitas.
— O quê? – Isadora se sentou de volta na cadeira e o leque caiu no
chão. — Meu pai tratou de me comprometer com um homem que não
conheço, além de ter idade para ser meu pai? Meu Deus! Eu poso me casar
com um homem que deve ter uns trinta anos a mais que eu, mas eu não
posso me casar com um homem que sequer tem dez anos a menos?! Isso se
chama hipocrisia, Senhor Magalhães! – Ela levantou o dedo em riste e
levou a outra mão ao coração quando sentiu uma pontada. Precisava
concordar com Rodrigo nesse ponto específico.
Magalhães se assustou com a palidez mórbida que tomou o rosto de sua
cliente e se apressou para socorrê-la. Primeiro lhe entregou um copo com
água, que Isadora teve dificuldade de segurar por tremer muito; depois,
começou a abaná-la com o jornal dobrado.
— Perdoe-me, eu deveria tê-la preparado melhor para as notícias – ele
se desculpou.
— E há alguma forma eficaz de se preparar uma pessoa quando as
notícias são desastrosas? – ela retrucou. — Além de ser acusada de um
crime que não cometi, o infeliz quer anular meu casamento para que eu me
case com ele. Como se eu pudesse raptar minha irmã! – Revirou os olhos,
levantando o braço no ar para segurar o jornal que o advogado abanava
diante dela e que apenas estava conseguindo a façanha de deixá-la mais
irritada.
— Ah, mas ele lhe ofereceu um acordo. – Magalhães se afastou dela e
começou a caminhar pela sala com os braços cruzados atrás das costas.
Isadora sentiu vontade de pedir que ele parasse de se mexer, pois só a fazia
sentir mais tontura. — A senhora pode aceitar que ele se case com a
Senhorita Lúcia, mas ele está disposto a aguardar a anulação do casamento
se aceitá-lo como marido, para realizar o desejo do barão.
— Aff... – Isadora soltou o ar pelo nariz, estava cansada de manter a
postura de dama inabalável quando estava se sentindo traída pelo próprio
pai, que ousava querer manipulá-la mesmo depois de morto. — Realizar o
desejo do barão? Me poupe!
— Estou apenas repetindo o que o Senhor Romero de Freitas me
apresentou como proposta irrecusável para solucionar a questão sem um
litígio interminável, que além de despender muito tempo, exigirá que
gastem muito dinheiro. – O jovem advogado a encarou de soslaio, cruzando
os braços na altura do peito.
— Pois vamos para o litígio – decidiu Isadora. — Tudo que esse
cavalheiro quer é colocar a mão na nossa fortuna. Não se trata de cumprir o
desejo de meu pai. Casando-se com Lúcia, o Senhor Romero de Freitas
apenas terá controle sobre metade da fortuna. Casando-se comigo,
controlará toda a fortuna, porque Lúcia não deseja se casar sem amor e fez
nosso pai prometer que a respeitaria nessa vontade em específico; mas que
fez com que todas as expectativas recaíssem sobre mim para que me
casasse com o genro dos seus sonhos.
O queixo de Magalhães caiu ao observar o intelecto rápido de sua
cliente, que na verdade era cliente de seu mentor e sócio. Jamais esteve na
presença de uma mulher que não sentia receio de se expor. E ela havia sido
brilhante ao interpretar os fatos. Uma das razões para que Rodrigo a olhasse
como se não existisse outra mulher no mundo; agora ele entendia o amigo.
— Pois vamos para o litígio – afirmou, convicto de que seria uma causa
das mais disputadas —, mas deve se preparar para uma guerra. O que
significa dizer que precisa de aliados.
— Aliados de uma mulher cuja fama a coloca no patamar de excêntrica
e mimada... ou o senhor não ouviu pelos salões que me chamam de
“desafios de saias”?
— Pois que sejam aliados de seu marido – argumentou o advogado. —
Rodrigo deveria estar aqui, melhor, deve retornar o mais breve possível.
Romero de Freitas quer anular o casamento e a presença do marido é de
fundamental importância. Não esqueça que o tutor está preparando a cama
para encurralá-la de tal forma que não lhe restará alternativa a não ser
aceitar a proposta dele.
— Pois o senhor está sendo pago para dar um jeito de me livrar das
garras desse homem – ela começava a perder a paciência.
— Mas para que eu possa defender a legitimidade desse casamento e
obter algum êxito, seu marido precisa ficar ao seu lado. Não se trata apenas
de brigar na justiça pela tutela de sua irmã, senhora! Se não percebeu ainda,
as brigas judiciais podem se arrastar muito e envolver muito mais do que a
questão da tutela em si – ele foi ácido e a encarou, sem mostrar os dentes
dessa vez —, a propósito, há outro assunto que chegou até mim, como seu
advogado, em razão do casamento com um Paiva de Vasconcelos, mas que
diz respeito ao seu marido.
Isadora terminou de beber a água e depositou o copo em cima da mesa.
Era óbvio que ela precisava do marido ao seu lado, e de preferência
dormindo em sua cama, para que até as fofocas terminassem quando
estivessem convencidos de que havia se casado, de verdade.
— Eu posso cuidar – ela se prontificou a ouvi-lo, por mais esgotada que
estivesse. — Não é novidade para o senhor que meu casamento com
Rodrigo foi um acordo que nos beneficiaria mutuamente. Seu sobrenome
me protege, a mim e à minha herança, enquanto eu o ajudo no que for
necessário para que se forme médico. Inclusive, eu estive com o diretor da
Faculdade de Medicina para entregar uma carta sua antes de vir para cá...
— Não é precisamente sobre Rodrigo – Magalhães a interrompeu —,
mas sobre o irmão dele.
— Tadeu? – Isadora se empertigou na cadeira ao ouvir o nome de seu
ex-noivo, massageando as têmporas para se livrar da tensão que a envolvia
cada vez mais. Maldita dor de cabeça, pensou.
— Bem, considerando que o Barão de Santa Cruz está desenganado, seu
marido se encontra envolvido com outros assuntos, cabe à senhora decidir o
que será feito com a menina. – Ele voltou a se sentar e tirou de dentro da
gaveta um documento. Estendeu o braço para entregá-lo a Isadora. —
Tadeu está morto há precisamente dois anos. Seu cunhado deixou uma
viúva e uma filha. Eles viviam em Cascais, onde ele era assistente de um
advogado português com certo prestígio.
Isadora passava os olhos pelo documento.
— Esse documento foi assinado por Emília Paiva de Vasconcelos. É a
esposa de Tadeu – disse ela interrompendo a explanação do advogado. E a
mulher com quem ele a traiu, mas isso não precisava ser mencionado.
— Sim, sim! Emília é a esposa de seu cunhado e a mãe da menina. – O
advogado evitou mencionar a fuga dos dois quando o primogênito do
Conde de Itararé ainda era seu noivo.
— O que aconteceu a elas? – perguntou Isadora com os pelos do corpo
arrepiados. — Não vai dizer que Emília está morta e que a menina ficou
órfã? E qual o paradeiro da sobrinha do meu marido?
— Acalme-se, senhora! – Magalhães levantou a mão no ar para
interrompê-la. — Vamos por partes, sim! – E piscou algumas vezes,
espremendo os olhos para tentar ganhar tempo e organizar as ideias numa
linha de fatos mais elucidativa. — Antes a pobre menina tivesse ficado órfã
de mãe e pai – lamentou. Ao advogado não cabia lugar o pensamento de
que uma filha pudesse ser negociada como se fosse um pedaço de terra. —
Bem, a Senhora Paiva de Vasconcelos, no caso, a outra, enviou a filha para
que fosse criada pelos parentes do pai.
E foi a vez do queixo de Isadora cair.
— Pelo que entendi... o senhor está dizendo que minha cunhada colocou
a filha pequena dentro de um navio como se fosse um saco de café?
— A mulher que a acompanhou relatou por alto, porque é muito discreta
– fez questão de mencionar —, que a Senhora Paiva de Vasconcelos foi
pedida em casamento por um político importante de Lisboa, mas exigiu que
ela se livrasse da filha do primeiro casamento.
— Que horror! – Isadora levou a mão à boca, estava espantada, e por
mais que se esforçasse para não pensar o pior da mulher, tinha que admitir
que Emília sempre havia sido muito impulsiva, e o que seria uma filha
quando esta a estaria impedindo de fazer um bom casamento? — E para
onde a menina foi levada quando desembarcou no Rio de Janeiro?
— Foi acolhida pelas freiras do Convento de Santa Tereza. É uma
menina muito educada – afirmou —, além de esperta. Mas teme que tenha
que se tornar freira. Pobre criança!
— Pobrezinha – lamentou Isadora, levantando-se em seguida. — A
buscarei no convento para que viva em minha casa, ao menos até Rodrigo
retornar e decidir o que faremos com ela. E quanto ao tutor, faça o que for
preciso para mantê-lo longe de mim. Tentarei buscar aliados para que
reconheçam nosso casamento. Tudo isso faz parecer que não me casei
legalmente – reclamou.
— Deve considerar a ideia de enviar uma mensagem para seu marido. É
apropriado que ele retorne para que sejam vistos como casal. Eu sei que é
um absurdo o que esse cavalheiro está alegando, mas não podemos dar
brecha para que lance dúvidas quanto à legitimidade do casamento.
— Farei isso em último caso, Doutor Magalhães – ela esclareceu que
não pretendia tornar os dias do marido ainda mais difíceis. — O senhor
recebeu notícias de Estevão e minha irmã?
— Não, senhora! Estevão não correria o risco de enviar mensagens para
que alguém pudesse descobrir o paradeiro de sua irmã. Mas talvez seja o
caso de procurá-los. – Isadora o fuzilou com os olhos e ele se apressou para
se explicar melhor. — Em último caso, é claro!
— Espero que estejam bem e que, em breve, ele possa retornar à Corte –
rogou Isadora antes de se despedir.
O advogado a acompanhou até a porta e insistiu para se certificar de que
o mal-estar havia passado. Isadora não quis perturbá-lo com seu estado de
espírito alarmado. Eram tantas notícias difíceis de serem digeridas que
talvez jamais pudesse se recuperar do choque que sentiu ao saber que o pai
havia deixado um casamento engatilhado com um homem desconhecido,
dela, no caso, e não dele. A descoberta de que o ex-noivo havia morrido não
chegou a ser tão espantosa quanto à descoberta de que sua filha foi enviada
para que fosse educada pelos Paiva de Vasconcelos. Tadeu tinha os pulmões
fracos tal qual o pai, e era terrível pensar que pai e filho encontrariam o
mesmo destino ingrato. Seria uma tristeza para Rodrigo enfrentar o luto
pela perda do pai e ainda receber a notícia de que o irmão havia morrido.
Esperava que a notícia da existência de uma sobrinha lhe confortasse.
Ela abriu a sombrinha para se proteger do Sol a pino e atravessou a rua
para chegar à carruagem estacionada. Malaquias a ajudou a embarcar, e ao
se acomodar de frente para Jerusa, sentiu os olhos marejados.
— As notícias não foram boas, sinhá? – a mucama perguntou ao notar o
abatimento de sua senhora.
Isadora tirou as luvas de crochê e as depositou dentro da bolsinha. Ela se
sentia enclausurada e o calor não a ajudava a se sentir melhor,
principalmente porque os pensamentos estavam alvoroçados. Sequer sabia
por onde começaria para resolver a grande bagunça que sua vida havia se
tornado.
— Não há piores, Jerusa! – soltou e evitou fitar a mucama para não
chorar como uma criança.
No dia seguinte, Isadora despertou com enxaqueca e preferiu deixar a
cama quando se sentia mais confiante de que poderia cuidar de seus
interesses com a firmeza que exigiam. A conversa com o advogado havia
sido importante, não tinha dúvidas, mas a deixou desnorteada.
A verdade era que estava muito apática até para decidir o que usaria em
seu encontro com o diretor da Faculdade de Medicina. E deixou que Jerusa
escolhesse um conjunto discreto, o que ela julgou ser o mais adequado para
o tipo de compromisso que teria que comparecer.
— A sinhá está mesmo bem para um compromisso fora de casa? –
perguntou Jerusa, segurando-se na cortina da janelinha da carruagem para
não cair devido ao sacolejo. Estavam a caminho da Santa Casa de
Misericórdia, onde o diretor a receberia. — Sequer reclamou do traje que
escolhi ou me indagou se o penteado não estava ostentoso demais.
— Confio em seu julgamento – Isadora respondeu, tão baixinho quanto
seu ânimo.
— Pois eu penso que a sinhá está sentindo saudade do marido –
comentou a mucama. — Não é apropriado que recém-casados vivam
separados. Isso não é certo!
— Rodrigo precisou ficar em Itararé, Jerusa. E eu precisava voltar para
Corte.
— É sabido que existem razões para que estejam separados, mas isso
não a impede de ficar triste.
— Tem razão! – concordou.
— A senhora tem dormido na cama dele, não é? Não adianta voltar para
a sua antes do amanhecer pensando que não iremos descobrir.
— Eu gosto da companhia dele. Pronto, eu admito que sinto falta do
meu marido – confessou. Jerusa esticou os lábios em um sorriso presunçoso
de quem sabia muito mais do que queria falar. E era melhor não falar
quando era a sinhá quem precisava descobrir o que estava sentindo de
verdade. — Nós dormíamos na mesma cama em Itararé. Rodrigo fez
questão de dividir seus aposentos comigo – ela contou mais animada. — E
eu gostei da experiência.
— Pois deviam fazer o mesmo aqui – sugeriu a mucama.
— Tenho pensado nessa ideia, confesso. Na possibilidade, inclusive, de
nos mudarmos para um dos aposentos maiores, que ficam na ala sul da
mansão. O que acha?
— Penso que a sinhá não pode perder tempo – incentivou-a. — Sinhá é
uma mulher casada e viver naquele quarto de solteira não é mais
apropriado.
— Então vamos fazer isso. E se Rodrigo gostar da ideia, nos mudamos
assim que ele retornar.
Elas pararam de fazer planos quando a carruagem parou de sacolejar e
Malaquias abriu a porta para que desembarcassem.
Jerusa se divertia com os pescoços que se viravam para vê-las passarem.
Isadora costumava se tornar o centro das atenções e ali não poderia ser
diferente, principalmente porque todos já deviam saber que ela era a esposa
de um dos residentes.
— A nova sede da Santa Casa é muito... – Jerusa estava impressionada
com a riqueza dos detalhes do novo prédio que abrigava a Santa Casa, era
ali também que funcionava a Faculdade de Medicina que Rodrigo
frequentava —, eu diria que é magnífico – ela ergueu a cabeça —, olhe o
tamanho das colunas.
— O Rio de Janeiro merecia um hospital à altura de sua importância
para o país e, sim, o projeto arquitetônico é maravilhoso – Isadora
comentou. Elas passaram pelo vestíbulo e encontraram uma funcionária que
as levou até a sala do diretor. — A capela daqui é muito bonita. Eu e Lúcia
costumávamos rezar na época em que papai ficou internado – prosseguiu
nas explicações quanto aos detalhes da construção. — Se quiser conhecê-la,
é sua oportunidade – sugeriu.
— A sinhá não precisa de mim? Além disso, uma preta não é bem-vinda
em uma capela feita para gente branca. – Jerusa sempre seria leal à sua
senhora e não queria causar transtornos.
— O que tenho para falar com o diretor é enfadonho – disse Isadora,
olhando para a funcionária da Santa Casa. — A senhora poderia
acompanhar minha dama de companhia até a capela? Para apenas uma
espiadinha. Os pretos também merecem fazer suas preces – se esforçou para
que Jerusa tivesse o gosto de conhecer a bonita capela. – E para isso tirou
de dentro da bolsinha uma moeda e a entregou à mulher como incentivo. —
Vá com ela, Jerusa! E não se esqueça de me colocar em suas orações.
— É só bater na porta que o diretor irá atendê-la – a mulher disse,
guardando a moeda no bolso do avental.
Jerusa acenou e a seguiu empolgada com sua pequena excursão.
Isadora bateu na porta e aguardou ser atendida.
— Senhora Paiva de Vasconcelos. – O diretor, um homem por volta dos
cinquenta anos, magro e elegante, com as unhas bem aparadas e um bigode
penteado para se curvar nas extremidades, sorriu ao avistá-la parada na
porta. — Entre, por favor! A estava aguardando.
— Doutor Figueira, é um prazer conhecê-lo. – Ela se curvou em uma
reverência e, logo em seguida, adentrou na sala. — Agradeço imensamente
a deferência em aceitar me receber.
— Eu li a carta do seu marido – o homem disse, fazendo sinal de que ela
tomasse assento em uma cadeira que ele puxou na frente de sua mesa. —
Presto minha solidariedade ao momento difícil pelo qual a família está
passando. Sinto muito pelo seu sogro.
— Agradecemos, Doutor Figueira. – Ela se sentou e depositou a
bolsinha no colo. — O que o senhor pensa a respeito do relato do meu
marido quanto à moléstia que nos pareceu muito contagiosa? – Sempre
prática, evitou os rodeios.
— Não saberia opinar sem um exame mais minucioso dos doentes – ele
justificou e Isadora foi tomada por uma ideia muito pertinente, apesar de
atrevida.
— E se o senhor ou alguém de sua confiança pudesse ajudar Rodrigo? –
O médico a estudou com o canto dos olhos enquanto enrolava o bigode com
a ponta dos dedos. — Doutor Figueira, sei da admiração profunda que meu
marido nutre pelo senhor. Ele o tem como um exemplo na profissão que
escolheu, o considera um padrinho.
— Rodrigo é um excelente aluno e uma promessa da Medicina –
devolveu os elogios.
— Então posso confiar ao senhor o que estamos passando. O senhor
deve supor que sou eu quem está custeando as despesas de Rodrigo, o que
já é um assunto deveras delicado – o homem concordou com uma sacudida
de cabeça —, pois bem... o tutor nomeado por meu pai, Doutor Figueira,
pretende me interditar para que nosso casamento seja anulado. Preciso de
seu apoio para que nosso casamento seja reconhecido pela sociedade
carioca. Somente assim a alegação de que sou louca não será levada a sério.
E para isso, eu tenho uma proposta.
— Não custa ouvi-la, senhora – ele lhe deu permissão para que
prosseguisse com a explanação.
E então Isadora relatou sua ideia com a desenvoltura de quem havia
nascido para ser muito mais do que uma dama sofisticada a ser exibida
como esposa de um homem poderoso. Ela era o próprio poder e se sentia
muito à vontade em articular um plano que a livraria da ingrata
manipulação do homem que fora nomeado para ser seu tutor.
— Sei que o senhor é um cavalheiro com influência na Corte, e se
testemunhar a nosso favor, outros farão o mesmo. Em troca, garanto ao
senhor donativos para a Santa Casa, além de doar o material para ampliação
do laboratório que o senhor acabou de mencionar. Se eu e Rodrigo
perdermos o controle da herança, não há como garantir que o dinheiro
chegue à Faculdade de Medicina, Doutor Figueira – ela reforçou seus
argumentos.
O médico se levantou e começou a caminhar com as mãos no bolso de
seu impecável jaleco branco. E o silêncio que se impôs era mórbido demais
para que Isadora conseguisse controlar a ansiedade. Sua mente agia com
rapidez e a espera sempre a deixava angustiada.
— Não é apropriado que me envolva em assunto do tipo, mas Rodrigo
merece se formar médico depois de tanto empenho. A Medicina perderia
um talento. E por isso aceito ajudá-lo – ele decidiu.
Isadora se levantou com um sorriso de satisfação grudado no rosto.
Finalmente ela conseguia se sentir motivada depois de dias tão apreensivos.
Sequer deu importância para o desprezo a que foi confinada quando o
diretor tratou do assunto como se fosse apenas importante para Rodrigo, e
não para ela.
— O senhor não vai se arrepender, Doutor Figueira – disse
entusiasmada. — E quanto ao surto que meu marido tenta controlar?
— Designarei um médico para que viaje até Itararé – avisou. — Assim
Rodrigo poderá retornar para a Corte e apoiá-la no que for necessário; além
de concluir o ano letivo – prosseguiu. — Faremos uma segunda chamada
por se tratar de um caso excepcional.
— Obviamente que faremos questão de cobrir as despesas da viagem e o
incômodo dos professores em ter que aplicar as provas de segunda chamada
– ela se comprometeu.
— Eu mandarei avisá-la assim que o médico for designado, Senhora
Paiva de Vasconcelos. E pensarei em um modo de apresentá-los como um
casal. Minha esposa costuma ter ideias melhores que eu. – Ele sorriu com
discrição, um aviso de que teriam que encerrar a reunião.
— Agradeço muito a disponibilidade, Doutor Figueira. – Isadora se
curvou em uma reverência e se despediu do médico.
Ao fechar a porta atrás de si, encontrou Jerusa sentada em um banco.
— Finalmente temos notícias boas – ela comemorou ao notar o
semblante faceiro de sua senhora.
— Graças a Deus, Jerusa! – exclamou Isadora.
— Minhas orações são fortes, sinhá. E sinhá estava certa, a capela é uma
riqueza de tão bonita.
Isadora sorriu.
— Orações são sempre bem-vindas – concordou. — Mas um pouco de
sorte e esperteza não fazem mal a ninguém – falou baixinho. — Aprendi
uma coisa muito importante hoje, Jerusa.
— E posso saber o que, sinhá? – Jerusa se aproximou mais de sua
senhora para que pudessem cochichar.
— Que posso comprar alianças. Consegui uma preciosa hoje! – Levou a
mão enluvada à boca para evitar o riso. Não pretendia ser deselegante.
— E pode comprar mais uma aliança com as freiras do Convento de
Santa Tereza – sugeriu a mucama.
— Se for necessário, não hesitarei, mas a menina não ficará mais uma
noite no convento – prometeu —, de jeito algum!

— Então a senhora é minha tia – concluiu a menina com cabelos


encaracolados e olhos de um azul acinzentando que a deixava mais
encantadora, enquanto esparramava o arroz no prato com o garfo. Seu nome
era Pilar Paiva de Vasconcelos e Isadora acabava de explicar o parentesco
que as aproximava enquanto jantavam, ou tentavam jantar, já que a menina
gostava mais de conversar do que de comer. E ela era tão carismática que a
criadagem já fazia suas vontades e a enchia de paparicos.
— Sou sim! – afirmou. — Sou a esposa do seu tio Rodrigo, que é irmão
de seu pai.
— A senhora conheceu meu pai?
— Conheci sim.
Pilar mostrou a janelinha ao sorrir.
— E eu vou morar aqui nesta casa bonita e grande?
— Por enquanto sim.
Pilar ergueu a cabecinha e a encarou com os olhos marejados, ela havia
ficado triste ao não ouvir o que estava esperando: a certeza de que teria um
lar para crescer. E isso cortou o coração de Isadora.
— Não quero mais mudar de casa, tia – disse, levantando-se da cadeira
para correr até Isadora e a abraçar apertado. — Eu gostei da senhora e não
quero ir embora. Por favor, não me mande embora. – A menina tremia tanto
e apertava com tanta força o pescoço de Isadora que ela apenas a acolheu
em seus braços.
Não havia nada a ser dito quando palavras não conseguiriam amansar a
alma de uma criança amedrontada. Pilar precisava de afeto para recuperar a
confiança nas pessoas. E se o destino as juntou, era por alguma razão.
— Se depender de mim, não vai mudar de casa – prometeu enquanto
depositava beijinhos em sua cabecinha. Pilar ainda era tão pequena e já
havia provado a desilusão de um abandono.
— Eu não quero voltar para o convento.
— Eu sei que não quer, Pilar. Mas eu sou sua tia e aqui na minha casa
você está segura, confie em mim. – Isadora olhou para Jerusa. — O que
você acha de comer aquele pedaço de bolo que prometi como sobremesa?
— Mas eu não terminei de jantar! – A menina esfregou os olhos nas
mangas do vestidinho simples de cambraia que usava. Isadora queria
enfeitá-la e no dia seguinte providenciaria roupas novas para ela. Não
duvidava de que a mulher que a acompanhou durante a longa viagem que
fizera não tivesse vendido suas roupinhas; em sua pequena mala só haviam
encontrado os uniformes do convento. No entanto, Isadora não pretendia
criar caso com a sua acompanhante de viagem e daria um jeito de que ela
tivesse roupas novas, as mais lindas.
— Hoje vamos abrir uma exceção, pois é sua primeira noite em sua casa
nova – explicou. — É uma noite especial para todas nós, e noites especiais
para serem especiais devem ser diferentes.
— Vou buscar o bolo – avisou Jerusa quando Isadora lhe fez sinal.
— Quando meu tio vai chegar? – Pilar perguntou. Sua curiosidade e
espontaneidade lembrava um pouco Rodrigo e isso provocou uma comoção
em Isadora ao lembrar que o marido lhe fazia muita falta.
— Em breve. Seu tio é um médico e está cuidando de doentes.
— E a senhora não fica com medo de ficar sozinha?
— Eu não estou sozinha, Pilar. Você veio morar comigo e estou muito
feliz em ter sua companhia.
A menina abriu um sorriso e se aconchegou no colo de Isadora.
— Eu gosto muito da senhora – disse ela enquanto brincava com as
pulseiras de Isadora. — Parece uma princesa de tão linda. Quero ser como a
senhora quando crescer.
— Vai ser ainda mais linda, tenho certeza. – E beijou-a na cabecinha.
— Tia – ela ergueu a cabecinha para encontrar os olhos de Isadora —,
obrigada por ir me buscar no convento. Prometo que serei uma boa filha. –
E voltou a se aconchegar no seu colo, levando o polegar na boca para
chupá-lo.
Isadora sentiu os olhos marejados e um nó na garganta se formou, como
se em seus braços tivesse sido confiado um anjo. E Pilar era o anjo que o
destino lhe enviara para provar que filhos não precisavam ter nascido de seu
ventre para que fossem amados. Ela a amou desde que a viu pela primeira
vez, segurando sua bonequinha de pano. Era seu coração a escolhendo
como parte de sua vida, como filha.
E era estranho que um sentimento tão forte pudesse ser despertado pela
filha daquele que a envergonhou anos antes. Mas ali estava ela,
aconchegada em seus braços para se sentir segura e protegida. E tudo o que
aconteceu antes já não importava mais.
Jerusa retornou com a bandeja em mãos e sorriu ao vê-las tão grudadas.
Pilar havia adormecido de tão cansada. Em conversa com a Madre
Superiora, Isadora descobriu que a menina não dormia direito e que
pesadelos a despertavam aos prantos, o que a fazia tirar cochilos fora de
hora. Mas também pudera! A separação forçada da mãe, a viagem na
companhia de uma estranha e o medo do desconhecido já eram motivos
suficientes para atormentá-la. Não, Isadora não daria nada mais do que
amor e conforto a ela, não queria e jamais teria coragem de enviá-la para
longe mais uma vez.
— Ela a adora desde que a viu lá no convento – a mucama comentou
com Isadora. — É impressionante como se entenderam bem.
— Pilar é tão preciosa.
— Como uma mãe é capaz de renunciar a uma filha tão linda? – Jerusa
refletiu alto.
— Tenho me feito a mesma pergunta, mas não devemos julgá-la pois
não sabemos os pormenores do que lhes aconteceu – comentou Isadora. —
Se as fofocas chegaram próximas à verdade, Tadeu e Emília partiram para
Portugal sem recursos. O pai dela não quis pagar o dote como uma forma de
castigá-los, além de agradar meu pai, que de tão furioso ameaçou até a
sombra do pobre homem. Não pense que não me envergonho pelo que fez.
Mas você é a prova de que eu tentei demovê-lo da ideia de vingança e foi
em vão.
— Não incomoda à sinhá o fato de que seja filha de quem é?
— Pilar é sobrinha de Rodrigo, Jerusa. E isso é o que realmente importa
– respondeu convicta do que seu coração queria. E beijou a cabecinha da
menina, sabendo que uma teria à outra enquanto aguardavam a chegada
daquele que as protegeria para sempre.
Algumas noites depois, a várias milhas longe da esposa, Rodrigo
encarava o prato ainda cheio, completamente sem apetite. Sentia falta de
Isadora. Ela costumava se sentar ao seu lado para as refeições e sua
conversa fácil o distraía das preocupações e o fazia apreciar a rotina da
fazenda.
Cansado de sentir a ausência da mulher que estava impregnada em sua
pele, empurrou o prato e se levantou para ir até a janela. Mirou a noite
estrelada e fez uma prece para que a trouxessem de volta antes que
enlouquecesse.
— O conde o chama – Francisca o interrompeu e ele se virou para ela.
— Seu pai está muito mal.
Rodrigo apenas passou pela mulher e apressou o passo para chegar
rápido aos aposentos do pai. Seu estado de saúde havia piorado nos últimos
dias e as noites se tornavam muito difíceis de serem superadas quando o
sufoco se tornava a cada minuto pior. Era difícil acompanhar os últimos
dias de um homem que sempre fez questão de exibir poder e força.
— Estou aqui, meu pai. – Ele se ajoelhou ao lado da cama e depositou
sua mão em cima da do conde.
— Escute, meu filho – o conde gemeu —, não devo passar dessa noite.
E será melhor que eu parta. Não suporto mais que todos me olhem com
pena.
— Sei que não – Rodrigo não pretendia contrariá-lo —, fiz tudo que
pude para ajudá-lo, mas os seus pulmões sempre foram fracos.
— Você não tem culpa de nada. Nunca teve. – O conde apertou a mão
do filho e com a outra puxou um papel debaixo dos lençóis. — Pegue este
documento e o guarde muito bem. São as minhas últimas vontades a serem
realizadas, aqui esclareço que você é meu herdeiro.
— Mas pai... – Rodrigo sentiu os olhos marejados, não queria
desapontar o pai justo no leito de morte, mas seria injusto prometer algo
que não cumpriria —, eu não pretendo viver aqui. O senhor sabe que quero
ser médico.
— Você deve ser médico, meu filho. – O conde o surpreendeu e Rodrigo
precisou fechar e abrir os olhos para compreender que o pai o estava
abençoando na profissão que escolheu. — Me provou que sua vocação é
importante, mais importante do que cuidar de uma fazenda de café.
— Mas terei que vender Itararé – ele o advertiu. — Não vou conseguir
fazer as duas coisas, ser fazendeiro como o senhor e médico.
— Você tem a melhor pessoa para ajudá-lo, Rodrigo.
— Isadora! – Ele sorriu ao lembrar da esposa.
— Você conseguiu uma sócia perfeita, além de uma esposa. Confio que
os dois irão fazer nossas terras prosperarem. Francisca me contou sobre o
que ela fez pela fazenda, estudou as contas, tomou decisões e organizou
tudo para que a produção não fosse comprometida.
— Infelizmente Isadora precisou retornar à Corte – lamentou Rodrigo.
— Você deve ir ficar com ela, Rodrigo. Se não entendi mal, casaram-se
para que pudesse ajudá-la nos imbróglios da herança. Eu admirava muito o
Barão de Santa Cruz, mas depois que seu irmão se negou a desposar sua
filha, tornou-se vingativo. Não me causou maiores problemas porque o
coloquei no seu devido lugar, mas o pobre do pai da moça com que Tadeu
fugiu foi perseguido. – O conde apertou mais forte na mão do filho, usando
as últimas forças que lhe restavam. — Escute, meu filho! Desta noite não
passo. Então, peço apenas três coisas a você: me enterre ao lado de sua mãe
e parta imediatamente ao encontro de Isadora. Não quero que cumpra
qualquer período de luto. Isso apenas o atrasaria. De preferência, mantenha
minha morte em sigilo, ao menos até que as coisas se resolvam para minha
nora.
— E a terceira? – questionou-o.
— Cuide de Francisca. A alforriei hoje cedo.
— O senhor e ela...
— Nos amamos muito. Francisca sempre foi a grande paixão da minha
vida, a paixão que precisava viver, mas fui impedido – explicou. — Eu
respeitei sua mãe e aprendi a amar. Maria de Lourdes foi a mulher mais
generosa que conheci na vida, meu filho. Isadora lembra sua mãe. O que
tínhamos era um amor tranquilo, não a explosão que sentia falta e que
apenas com Francisca acontecia.
— Não posso julgá-lo – disse Rodrigo ao perceber que entendia o pai
muito bem; ele também era completamente apaixonado por Isadora e cada
encontro era uma explosão que ninguém poderia evitar que acontecesse. —
Sempre fui louco por Isadora, pai; mas ao me casar com ela descobri que
ela é também minha paz.
— Você teve sorte em encontrar amor e paixão nos braços de uma única
mulher. E isso os fazem especiais aos olhos do criador.
— Eu e Isadora cuidaremos de Francisca, meu pai – ele prometeu —, e
de Itararé.
— Fique com Deus, meu filho! – O conde beijou a mão de Rodrigo e
puxou o ar com dificuldade. — Agora me deixe morrer em paz.
— Sozinho?
— Não estou sozinho. Tenho sua mãe e seu irmão ao meu lado.
Rodrigo sentiu um frio percorrer a espinha. Como médico, aprendera a
respeitar as últimas vontades de um moribundo. Não cabia a ele julgar as
crenças daqueles que estavam à beira da morte. O entristeceu considerar
que o irmão tivesse morrido.
O cobriu e o beijou na testa. E então tomou a direção da porta. Antes de
fechá-la para deixá-lo sozinho, o fitou uma última vez.
— Apenas lamento que tivemos essa conversa franca apenas agora,
quando só lhe restam mais algumas horas de vida. Talvez tivesse sido tudo
diferente – disse baixinho para não o importunar mais, fechando a porta
atrás de si.

O Conde de Itararé faleceu ao amanhecer do dia seguinte. Francisca


preparou o corpo e tão logo o caixão foi trazido, um cortejo com poucas
pessoas o acompanhou até o cemitério da fazenda. O padre foi avisado para
encomendar a sua alma e estranhou a pressa para sepultar uma das figuras
mais ilustres da região.
— Quem mandou espalhar cortinas pretas pela casa? – Rodrigo
perguntou quando pisou na casa grande.
— É o costume – Francisca respondeu.
— Meu pai não queria luto e devemos atender sua última vontade –
explicou. Rodrigo se sentia esgotado e se sentou em uma das cadeiras da
sala com os cotovelos apoiados nas pernas, as mãos apoiadas na cabeça.
Foram dias cansativos, e apesar da discrição do velório, alguns barões e
moradores locais, nomes ilustres ou não, queriam prestar suas condolências.
— Faz três dias que meu pai foi enterrado e não consigo terminar de
resolver todas as questões que envolvem essa fazenda – esbravejou, o que
assustou Francisca. Ela se aproximou e o tocou no ombro. — Sinto falta de
Isadora. Ela saberia o que fazer melhor do que eu.
— As coisas não precisam ser resolvidas todas agora, da noite para o dia
– confortou-o Francisca. — Acabou de perder o pai e o luto precisa ser
vivido.
— Tenho pacientes na enfermaria me esperando, Francisca. E meu pai
não queria que eu vivesse o luto – explicou o que o mantinha ainda em
Itararé.
— Eu sei! – apenas concordou. — Estava saindo à sua procura para
avisá-lo que um cavalheiro vindo da Corte o aguarda.
— Um homem vindo da Corte?
— Sim – confirmou ela. — Disse que foi enviado pelo diretor da
Faculdade de Medicina.
— E onde está ele? – Rodrigo se levantou.
— Na enfermaria. Como o senhor estava na vila tratando dos assuntos
da fazenda, ele não quis esperá-lo aqui e foi logo exigindo que eu o levasse
até os doentes.
Rodrigo já estava na porta quando se voltou para Francisca e decidiu
voltar para perto dela.
— Peço perdão pela rispidez com que eu a tratei – ele pediu desculpas e
a beijou na testa. — Não foi minha intenção magoá-la.
— Sei que não. – Ela sorriu e o empurrou. — Agora vá logo, pois
acredito que o cavalheiro tenha boas notícias. Todos nós merecemos boas
notícias.
Rodrigo apressou o passo para chegar no galpão que Isadora havia
transformado em enfermaria e se surpreendeu ao encontrar um dos seus
professores. Ele examinava um paciente idoso.
— Professor Pasqual – o chamou —, o que o traz a Itararé?
O médico se ergueu e encarou o aluno com um sorriso no rosto, o que
não era apropriado tendo em vista que todos ali estavam em luto.
— Antes devo prestar meus pêsames pela morte do conde. – Ele
estendeu a mão ao se aproximar de Rodrigo.
— Meu pai não queria tanta consternação, mas tem sido difícil fazer
com que a morte do Conde de Itararé passe despercebida. Mas o que faz
aqui? – perguntou de novo.
— Doutor Figueira me designou para auxiliar a descobrir o que está
deixando essas pessoas doentes – ele apontou para os catres ocupados —,
mas seja lá o que for, tem feito um excelente trabalho por aqui.
— Aprendi mais aqui do que nos anos que passei na Santa Casa, mas
não mencione isso aos demais professores, por favor. – Rodrigo gostava de
Pasqual, talvez por ser um dos professores mais jovens da instituição e não
ser tão pomposo como a maioria.
— Fique tranquilo! A ideia de mantê-los isolados foi brilhante para
conter o surto – mencionou o médico.
— Os créditos são todos de minha esposa.
— Você casado! – O homem riu e coçou a cabeça com a ponta do dedo
indicador. — Ainda custo a acreditar que se casou com quem se casou.
— O “desafio de saias”? – Rodrigo sorriu ao lembrar da esposa. Ela
sempre seria uma lembrança boa para fazê-lo sorrir até nos momentos mais
difíceis.
— A dama mais bonita da Corte, com todo o respeito.
— Estou me acostumando com a ideia de que minha esposa foi a
pretensão de todo homem, talvez até do senhor.
— Não nego que considerei a hipótese de cortejá-la. Mas falando em
esposa, tenho uma carta que ela lhe enviou.
Rodrigo sentiu o corpo estremecer tamanha foi a euforia que o atingiu
por saber que Isadora havia se preocupado em lhe enviar notícias.
Pasqual o estudou com os olhos e chegou à conclusão de que estava
diante de um homem apaixonado, e pela esposa, o que era muito intrigante
em um meio em que os casamentos costumavam se dar por outros motivos
que não o amor.
— Estou preocupado com Isadora e a situação complicada em que o pai
a colocou ao nomear um tutor desconhecido. Ela adiantou algo quando lhe
entregou a carta, professor? – perguntou.
— Não estive com sua esposa, Rodrigo – esclareceu. — Ela tem tratado
diretamente com Doutor Figueira, que me enviou para cá a fim de que você
pudesse partir o quanto antes para o Rio de Janeiro. Assuntos mais urgentes
o aguardam lá. – Ele tirou a carta de dentro do bolso e alcançou a Rodrigo,
piscando em seguida.
Rodrigo pegou a carta como se estivesse recebendo um tesouro e sorria
tanto que Pasqual jurava que iria rasgar a boca se espichasse um pouco mais
os lábios. Sem dar ouvidos para as piadinhas do seu professor, outrora
companheiro nas noites de farra, ele lhe deu as costas para encontrar um
lugar mais discreto para descobrir o que Isadora tinha a contar.
— Rodrigo – o professor o chamou. — Tem feito um excelente trabalho
por aqui. O que arrisca dizer sobre a moléstia?
Rodrigo se virou e apontou o dedo.
— Os sintomas são muito parecidos com os descritos na epidemia de
coqueluche de 42 – mencionou.
— Pois penso o mesmo – avisou o professor, mas Rodrigo já estava
muito longe para ouvi-lo.
Ele corria entre os pretos que trabalhavam, indo em direção à casa
grande e quando finalmente a alcançou se sentou no degrau da porta para
ler a carta de Isadora. Deslizou os dedos pela letra elegante e levou o papel
ao nariz, ainda podia identificar traços, apesar de muitos suaves, do
perfume que usava. E seu coração ameaçou saltar pela boca quando
descobriu que ela precisava dele ao seu lado; mas teria que reler a carta em
um momento em que estivesse menos eufórico, pois ela lhe trazia
novidades interessantes.
— Francisca! – ele falou alto, sobressaltando-se para encontrá-la. —
Arrume minhas coisas que vou partir ainda hoje para o Rio de Janeiro.
Francisca o encontrou na sala, saiu tão depressa da cozinha que havia
levado consigo a colher de pau que usava para mexer o doce de leite.
— Mas logo vai anoitecer – ela soltou, atordoada.
— Não posso perder mais tempo – asseverou, estava afoito e gesticulava
com a carta em mãos. — Isadora precisa de seu marido.
Os planos eram os melhores, Isadora estava confiante de que havia feito
o que estava ao seu alcance para trazê-lo de volta a tempo de serem
apresentados como casal no jantar oferecido pelo Doutor Figueira. O mais
aconselhável, no entanto, era que tivessem aguardado o retorno de Rodrigo
para que marcassem a data do jantar. E isso teria sido considerado se não
estivesse desesperada em fazer mais alianças com o intuito de convencer a
todos de que não estava louca quando decidiu se casar com o filho mais
moço do Conde de Itararé.
— Sinhá ainda pode recusar o convite – disse Jerusa quando notou o
abatimento de Isadora. Além de mais melancólica, vinha se queixando de
indisposição e dores de cabeça. — Pode enviar um mensageiro com um
pedido de desculpas – sugeriu.
Jerusa dava os últimos retoques no elegante penteado de Isadora.
Cachos caíam em cascata do alto da cabeça até os ombros e uma tiara de
diamantes e esmeraldas foi adicionada ao penteado para combinar com a
gargantilha em seu pescoço.
— Não posso fazer tamanha desfeita com o cavalheiro e sua esposa.
Seria muito rude de minha parte depois que decidiu oferecer o jantar para
nos ajudar.
— Sinhô Rodrigo sequer enviou notícias de que pretendia participar do
jantar – resmungou a mucama enquanto borrifava o perfume.
Isadora fez sinal para que parasse. O perfume a havia deixado enjoada e
as fisgadas na cabeça se tornaram mais insistentes.
— Preciso dar seguimento aos planos, mesmo que meu marido não me
acompanhe – argumentou enquanto massageava as têmporas. — Posso
inventar uma desculpa. Aliás, meu marido será um médico e talvez seja
muito comum ter que comparecer a eventos sociais sem sua companhia. –
Ela terminou de puxar as luvas de renda pelos braços. — Tenho a desculpa
perfeita.
— Mas não causará o mesmo impacto – queixou-se Jerusa.
— Óbvio que não! Mas como dizia meu pai: quem não tem cão, caça
com gato. O mais importante é que me vejam em pleno uso das faculdades
mentais.
— Não adianta, não é? – Jerusa relaxou os ombros ao admirar a beleza
que era a sinhá em traje de gala e soltou um longo suspiro. — Não mudará
de ideia?
Isadora fez que não com a cabeça e girou na frente do espelho. Usava
um traje de seda verde-escuro, cuja saia em formato de sino exigiu quatro
anáguas engomadas para mantê-la armada. O decote em estilo canoa do
corpete era coberto por uma mantilha em renda que caía sobre os ombros e
braços criando a ilusão de que eram mangas.
Ela estava preciosa como há muito tempo não a viam.
— Espero me tornar o furor das notícias nos próximos dias – soltou
segura do que pretendia.
— A sinhá sempre foi o furor desde que debutou – lembrou-a Jerusa. —
É uma pena que Sinhô Rodrigo não tenha chegado a tempo para
acompanhá-la – lamentou.
— Espero que tenhamos outras oportunidades – ela desconversou para
evitar a confissão em alto e bom tom de que estava chateada pela falta de
notícias do marido. — Por favor, Jerusa, fique atenta à Pilar. Ela pode sentir
minha falta e voltar a ter pesadelos.
— A tem acostumado muito mal, isso sim – reclamou. — A menina não
quer dormir na própria cama desde que a levou para a sua... naquela
belezura de cama quentinha e fofinha.
— É só uma criança maltratada pela vida. Que mal há em dar um pouco
de mimo para a menina? Logo ela se acostuma a dormir em seu quartinho. –
Isadora sorriu ao lembrar do rostinho feliz da menina quando a trouxe para
dormir em sua cama, resolvendo o problema que a mantinha acordada a
maior parte da noite devido aos pesadelos. E tal feito a ajudou, precisava
admitir, a dormir melhor; as duas, aliás.
— Mesmo com todas as bonecas e brinquedos ela prefere ficar com a
sinhá.
— Porque ela se sente mais segura, mas logo Pilar vai esquecer as
dificuldades que enfrentou e será uma criança feliz, como sempre deveria
ter sido.
— Não tenho dúvida de que a sinhá vai dar um jeito para que isso
aconteça.
Isadora se virou para tomar a direção da porta.
— Preciso ir, Jerusa, ou me atrasarei. Não é elegante chegar atrasada em
um evento em minha homenagem.
— Malaquias a espera com a carruagem estacionada na frente da
mansão – avisou a mucama. — Vou acompanhá-la.
— Não precisa! – Isadora pegou a bolsinha que combinava com seu
vestido e enrolou o cordão em seu pulso. — É melhor que vá ficar com
Pilar. Eu posso muito bem chegar sozinha até a carruagem.
Elas se separaram na altura da escadaria e Isadora seguiu sozinha.
Entre o instante em que recolheu as saias e olhou para a carruagem que
a aguardava foi surpreendida por uma voz desconhecida que a chamava
pelo nome. Olhou para o lado e, mesmo na penumbra, pôde ver que não se
tratava de Malaquias.
— Quem é o senhor e o que faz em minha propriedade uma hora
dessas? – o peitou.
— O seu tutor – o homem respondeu, saindo das sombras para se
revelar.
Romero de Freitas era um homem de estatura mediana e, apesar de estar
bem-vestido, a barriga esturricada o impedia de ser elegante. O nariz era
exagerado para o rosto redondo e a peruca que usava estava fora de moda;
aliás, não se tinha mais o costume de usar perucas, a não ser que o
cavalheiro em questão tivesse a intenção de esconder a careca.
— Não tenho tutor – ela respondeu, segurando firme no cordão da
bolsinha. — Sou uma mulher casada, como lhe informaram, e não tenho
que dar satisfações ao senhor sobre a minha vida.
O primo do barão se apressou e a impediu de partir, segurando-a pelo
braço.
— Pense no desgosto que está dando ao seu pai – disse ele.
— Meu pai está morto – retrucou.
Isadora tremia tamanho era o constrangimento a que estava sendo
obrigada a suportar. Magalhães havia sido muito eficaz em mantê-lo longe,
mas o homem parecia ser o tipo de praga que se recusava a sumir.
— Mas contava comigo para mantê-las na linha – ele apertou mais o
braço dela —, principalmente a você, que costuma ser muito teimosa para
acatar as ordens de um homem.
— O que faz aqui, afinal? Não vou ceder às suas chantagens, e seja lá o
que tenha a tratar comigo, deve fazê-lo com meu advogado – não pretendia
fingir simpatia quando estava cansada de lidar com problemas.
— Aquele advogado é outro frangote igual ao seu marido – o homem
cuspia as palavras. — Há dias tem se recusado a me receber e pretende
desfilar pelos salões da Corte como se fosse uma rainha, tudo para me
confrontar, tal qual seu pai me avisou.
— Pretendo apenas demonstrar que não estou louca como o senhor tem
espalhado pelos salões.
— Será uma vergonha. E você pode evitar.
Isadora puxou o braço com tanta força que rasgou a luva de renda.
— Vergonha eu tenho de ficar ao lado do senhor. Não tenho medo do
senhor – ela o desafiou e o enfureceu a ponto de que ele a pegou pelos
braços e a empurrou contra a parede. A força do impacto a fez bater a
cabeça no pilar de concreto.
— Você vai fazer o que eu mando – ele insistiu.
Isadora sentiu as pernas fracas e o peso que sentia na cabeça a fez cair
de joelhos no chão. Tentou levantar as saias para não as sujar, mas não
conseguiu. Tentou buscar por Malaquias, mas não o encontrou por perto.
— O que você fez com o pobre do Malaquias? – ela o acusou, rangendo
os dentes quando sentiu uma pontada na cabeça.
Romero não teve tempo de responder, sequer teve tempo de tentar
argumentar quando sentiu o punho de um homem em seu rosto. Era
Rodrigo que havia chegado atrasado, mas a tempo de salvá-la.
— Rodrigo – ela gritou, e foi um grito de alívio.
— Eu voltei – Rodrigo avisou enquanto puxava o maldito tutor para
longe da esposa. — Esse desgraçado veio acompanhado de capangas e eles
amarraram Malaquias, além de amordaçá-lo.
— Você voltou – Isadora estava atônita com a chegada do marido.
— Claro que voltei. Você me mandou uma carta pedindo que voltasse e
eu voltei. Era para eu ter chegado há dois dias, mas uma tempestade me
prendeu no meio do caminho. – Ela começou a rir entre lágrimas enquanto
ele continuava a se empenhar em imobilizar Romero, segurando-o com os
braços para trás com uma mão e passando o outro braço ao redor do seu
pescoço. — Mas claro que tudo para nós sempre será conseguido com
muito suor.
— Você não poderá me impedir... seu frangote – bradou o homem.
Rodrigo apertou o braço contra a sua garanta.
— Quem é o frangote aqui mesmo? – perguntou bem próximo à orelha
dele.
Isadora continuava sentada, sem força para tentar se levantar, mas muito
aliviada pela chegada do marido. Seu coração transbordava de uma
felicidade genuína. Malaquias se aproximou e ela soltou um suspiro por
atestar que o cocheiro estava bem.
— Ajude meu marido – ela pediu quando notou que Malaquias vinha
em sua direção para ajudá-la.
Ele a atendeu e se aproximou de Rodrigo, que lhe entregou Romero.
— Leve-o para a casinha da lenha – ordenou. — Deixe-o trancado lá
com os capangas que vieram com ele, e coloque alguns homens para vigiá-
los, de preferência que sejam fortes.
— Jesus! – ela exclamou. — Você enfrentou os capangas sozinho? – Ele
sacudiu a cabeça para afirmar. — O que vai fazer com eles, Rodrigo? –
Isadora perguntou.
— Vou entregá-los para a polícia. Eles invadiram nossa propriedade e
tentaram raptar minha esposa. E então veremos a quem julgarão louco –
debochou. — Malaquias, despache um mensageiro até a casa de Danilo
Magalhães para que venha imediatamente limpar essa bagunça. – Rodrigo
bateu as mãos umas na outras para limpar o pó e correu para perto de
Isadora. — Você está bem? – perguntou, passando as mãos pelos braços
dela à procura de ferimentos.
— Só bati a cabeça, mas não me machuquei – ela tentou acalmá-lo —,
mas a mesma sorte não teve meu vestido – lamentou. Isadora se sentia
segura como jamais lhe ocorreu e, por reflexo, passou as mãos no rosto do
marido. — Jamais deixei de acreditar que você retornaria para mim.
— Impossível ficar longe de você, Dora! – Ajudou-a a se levantar e
colou seus lábios nos dela, um beijo não seria suficiente para aplacar a
saudade que sentia, mas teria que bastar considerando que precisavam se
apressar para não perderem o jantar na casa do Doutor Figueira. —
Precisamos nos apressar para não chegarmos atrasados – avisou e a puxou
para mais um beijo.
Isadora se entregou ao beijo e deleitou-se com a doce sensação de
pertencimento que apenas Rodrigo conseguia imprimir em seu corpo; era o
seu coração voltando para o peito.

Uma hora depois e mais calma, Isadora olhava para o marido do alto das
escadas. E ele a mirava com tanta admiração que lhe faltavam palavras para
descrevê-la.
A sua esposa arrumada com o que de mais ostentoso existia em matéria
de vestuário e joias era um espetáculo capaz de cegar qualquer um.
— Jerusa me ajudou a arrumar o penteado e troquei as luvas rasgadas. –
Ela ergueu os braços para mostrar. — Por sorte não sujei o vestido.
— Você está tão linda que minha vontade é subir as escadas e me juntar
a você na cama – disse ele —, mas temos um compromisso muito
importante para ir.
— Muito importante mesmo – ela confirmou. — E você está muito
elegante, marido – elogiou seu traje muito bem engomado. Rodrigo havia
conseguido se assear e trocar de roupa com a rapidez de quem estava se
preparando para ser médico.
Ele ofereceu o braço para a esposa quando ela terminou de descer os
degraus, beijando-a na testa.
— A conheceu? – perguntou, estava ansiosa para saber se o marido
havia conhecido a sobrinha.
— Sim! Minha sobrinha é a coisa mais linda que vi na vida, depois de
você, é lógico. – Piscou. — Quando escreveu na carta que Tadeu deixou
uma filha fiquei sem saber o que pensar, mas assim que a vi dormindo como
um anjo em sua cama percebi que eu a quero.
— Eu também fui tomada da mesma certeza quando a trouxeram para
mim lá no convento. Pilar é especial, Rodrigo, e deve ficar conosco. Ela
está tão ansiosa para conhecer o tio. Pobre menina, tem poucas recordações
do pai. Era praticamente um bebê quando Tadeu faleceu. – Isadora passou o
braço pelo do marido e deslizou até encontrar sua mão para entrelaçar os
dedos. — Sinto muito pelo que aconteceu à sua família. Não é fácil enterrar
o pai e descobrir a morte do irmão.
— Antes de morrer meu pai falou que estava na companhia de mamãe e
de Tadeu e presumi que meu irmão também estivesse morto. Francisca
acreditava que sim, porque apenas os parentes mortos podem se aproximar
de um moribundo à beira da morte. Então não foi um choque quando li suas
palavras – a confortou.
— Mesmo assim eu queria ter estado com você.
— Você estava comigo, acredite! Jamais deixei de pensar em você,
Dora. – Ele curvou a cabeça e encostou na dela. — É horrível pensar que
Emília a embarcou num navio com uma estranha – lamentou ao voltar a
mencionar o triste destino da sobrinha.
— Vamos amá-la tanto que Pilar não terá motivos para se recordar da
viagem ou do medo que sentiu.
Rodrigo se colocou na frente da esposa e a pegou pelos braços,
buscando os olhos verdes para ter certeza de que o que ela queria era o
mesmo que ele.
— Você realmente a quer? – perguntou.
— Claro que sim! Ela me escolheu como sua mãe, e nós nos amamos
como mãe e filha, apesar de tudo ser ainda muito recente.
— Mesmo sendo filha de Tadeu e Emília, as pessoas que a
machucaram? – foi mais enfático.
— Eu a quero porque tem o seu sangue, Rodrigo – respondeu com
eloquência, os olhos marejados transbordavam a certeza que ele procurava.
— O homem que curou meu coração.
— Então ela será a nossa filha, a primeira de muitas que teremos. –
Sorriu e pegou na mão dela para beijá-la.
— Por que tem se portado como um exímio cavalheiro? – Ela o
provocou à procura do libertino que ele estava tentando esconder para não
amassar seu vestido.
— Porque não sou de ferro, cara esposa – ele resmungou e ofereceu o
braço para pajeá-la. — E se ousar me aproximar mais, ninguém vai me
deter de arrastá-la para a primeira cama que encontrar.
— Quando voltarmos – ela prometeu, agarrando-se ao braço dele para
encostar a cabeça enquanto caminhavam em direção à porta principal —, eu
tenho uma surpresa para você.
— E que Deus me ajude! – rogou por ajuda divina, sentindo a calça
muito apertada na altura da braguilha.
— Finalmente a encontrei. – Rodrigo parou na porta do dormitório
infantil para admirar a esposa empenhada em cobrir a sobrinha para a qual
ele estava ansioso a ser apresentado.
O jantar havia sido um sucesso e o fato de terem sido apresentados para
o médico da família imperial os ajudaria muito a conseguir talvez uma
audiência com Dom Pedro, e o apoio do Imperador apenas legitimaria a
causa das Alencar. Rodrigo atendeu ao pedido do pai e não comunicou
sobre sua morte, e o fato de não tocarem no assunto foi um alívio. O que foi
muito apropriado, já que não teriam assunto para julgá-los por não estarem
recolhidos como o luto exigia.
— Aproveitei que precisava verificar o que havia acontecido com
Romero e os capangas e resolvi me certificar de que Pilar estava bem. Ela
tem um sono muito agitado e será sua primeira noite sozinha – explicou. —
Pilar tem dormido na minha cama.
Rodrigo achou curioso a facilidade com que ela levou a menina para a
própria cama quando se esforçava muito para mantê-lo distante. Mas evitou
comentar porque a saudade que sentia era maior do que seu orgulho ferido.
Além do mais, Pilar a havia despertado para a maternidade e o amor de uma
mãe não merecia questionamentos. Isadora e Pilar se amavam como mãe e
filha e isso era o mais importante.
— Estou ansioso para conversar com Pilar – ele disse —, dizer que sou
seu tio e que vamos adotá-la como nossa filha.
Isadora beijou a cabecinha da menina e se levantou para se aproximar
do marido.
— O que aconteceu com Romero e os capangas? – perguntou ela.
— Magalhães esteve aqui com dois guardas e os levaram. Amanhã vou
procurá-lo para saber os detalhes. – Ele sorriu e esticou o braço para puxá-
la para mais perto dele. — Mas amanhã, porque hoje eu quero me
preocupar apenas com minha esposa. – Beijou-a na boca. — O que você fez
com os médicos... por Deus, mulher, você é fenomenal. Conseguiu trazê-los
para o nosso lado.
— Não foi nada demais – ela corou —, apenas usei mão de um
expediente muito eficaz: o suborno. Muito eficaz, mas também muito
amoral.
— E quem poderá julgá-la? Apenas quis proteger quem lhe é caro –
argumentou ele. — Eu quero fazer amor com você.
— Eu também quero, Rodrigo.
— Na minha cama ou na sua?
— Na minha não, muito menos na sua – ela o surpreendeu, afastando-se
dele. — Eu tenho uma surpresa para o meu marido. – O empurrou para fora
do dormitório e fechou a porta com cuidado. — Confia em mim – ela pediu
quando os olhos de desconfiança dele a deixaram preocupada.
Rodrigo a encurralou contra a parede, um braço de cada lado do corpo,
estavam tão próximos que ela sentia a dureza da virilidade roçar contra sua
barriga, o hálito morno esquentava a pele do pescoço para que ela sentisse
arrepios se espalharem pelo corpo.
— Eu quero fazer amor com você, Dora – ele repetiu. — O lugar não
importa.
Ela dobrou os joelhos para passar por baixo dos braços dele, apressando
o passo para fugir ou acabariam fazendo amor ali mesmo, no corredor.
— Não estrague a surpresa – e jogou um beijinho no ar antes de lhe dar
as costas. — Só me siga.
Rodrigo passou as mãos pelos cabelos e correu atrás dela. Às vezes, ele
conseguia alcançá-la e lhe roubava alguns beijos, mas ela acabava fugindo
novamente. E a perseguição o estava deixando cada vez mais excitado. Ele
jurava que haviam atravessado a mansão quando se sentiu ofegante em
razão da perseguição.
— Se quer fazer amor não deveria me esgotar desse jeito – a alertou.
— Chegamos – ela comemorou parada na frente de uma porta. — Eu
tomei a liberdade de fazer algumas reformas enquanto você estava fora. –
Ele cruzou os braços e se encostou na parede do outro lado do corredor, à
espera das novidades. — Julguei oportuno que tivéssemos um cantinho só
nosso... e...
— E? – ele a incentivou.
— E... bem... veja com seus próprios olhos – e então Isadora abriu a
porta e o que ele viu, apesar da penumbra, foi a prova de que ela o queria
em sua vida. — Não podemos ter duas camas. Mas eu me mudar para os
seus aposentos ou você para os meus não me parecia ser certo. Então...
— Então vamos ter nossa própria cama, uma só nossa – ele concluiu,
pisando duro na direção dela para abraçá-la enquanto a boca a devorava
com beijos famintos.
— Se importa em dividir os aposentos comigo? – Ela precisava saber o
que ele pensava.
Rodrigo a levantou nos braços e encostou sua testa na dela.
— É o que eu sempre quis, e por Deus, mulher, eu achei que nunca iria
me aceitar em sua vida. De verdade e para tudo, como seu homem.
Ela o abraçou e quando ele a depositou na cama, o trouxe com ela, para
que se sentisse parte do mundo dele, definitivamente.
— Eu senti tanto sua falta que precisei ir me deitar em sua cama para
conseguir pegar no sono – confessou.
Rodrigo arqueou os lábios em um sorriso de orgulho genuíno, os olhos
brilharam a mais pura das malícias.
— Você fez mesmo isso, Dora? – Ele precisava ouvir de novo.
— Fiz – confirmou. — Porque descobri que amo você, Rodrigo. – O
coração dele ameaçou saltar pela boca quando a declaração que tanto queria
ouvir se tornou a maior verdade que existia entre eles. Porque Rodrigo
também a amava. — Meu coração é seu e minha alma sente a sua ausência
o tempo todo. Mas eu tenho medo de que não...
— Xiiii... – Ele a interrompeu com um beijo na boca e depois afastou a
cabeça para que pudesse fitá-la, olho no olho. — Eu também amo você,
Isadora. A amo há muito tempo. E agora sei que o fascínio que você me
causava era apenas o indício do amor que eu iria sentir por você quando a
tivesse nos meus braços.
— Rodrigo... faça amor comigo. Prove para mim que você me ama – ela
exigiu enquanto as mãos deslizavam entre os botões do colete de seu
elegante traje de gala. Ela tinha um marido viril, elegante, cujo porte o fazia
se destacar; não lhe passou despercebido os olhares que as damas lhes
direcionavam. E o melhor, era só dela. Ele a amava.
Rodrigo saiu de cima dela e a trouxe consigo para que pudesse livrá-la
das roupas com mais facilidade, estavam de joelhos em cima da cama, um
na frente do outro. A primeira coisa que desfez foi o elegante penteado,
depois a virou de costas e abriu cada um dos botões para lhe tirar a primeira
camada de pano. Quase perdeu a paciência com o espartilho e sequer se
empenhou em tirar o chemise, embrenhando-se com a cabeça no meio das
pernas dela assim que a empurrou no colchão para que ela pudesse sentir
seu primeiro orgasmo.
E ela se desmanchou na boca dele, livre e segura de que nada poderia
conter a força de um amor. Eram almas que se reencontravam para que
pudessem concretizar uma união prevista para provar para o mundo que o
amor podia tudo, até fazer acontecer o impossível.
Isadora sentia os lábios dele deslizarem pela pele encharcada, como se
ele pudesse espalhar trilhas de fogo, e apertou as coxas uma contra a outra
enquanto agarrava os lençóis. Envolvida pelo prazer sexual, mal percebeu
quando ele a girou na cama, posicionando-a de quatro e com o traseiro
empinado para ele. Rodrigo curvou o corpo sobre o dela, encaixando a
ponta do pênis em sua entrada. Bastava deslizar para que o aperto
aconchegante o levasse ao êxtase do que era fazer sexo com a mulher
amada.
— Eu acho que agora que confessamos que nos amamos, a indecência
não precisa mais ser um motivo a nos limitar. O seu corpo é como um
templo para mim, Dora. Jamais vou maculá-lo – prometeu quando ela
demorou para responder ao seu comentário. — Você me deixar te possuir
nessa posição? – insistiu.
Isadora girou a cabeça e encontrou os olhos do marido para que a
cumplicidade se tornasse a confiança de que ela precisava para se tornar
parte do corpo dele.
— Eu quero ser sua, não importa a posição – esclareceu e o deixou
afoito. — Não pode existir indecência quando o amor desabrocha. – E tudo
fez sentido na cabeça de Isadora, de que o amor regia a cumplicidade para
que pudessem sentir prazer juntos; ele a respeitava e a admirava pelo que
era, não tinha o que temer.
Rodrigo a penetrou e quando a carne macia envolveu por completo o
pênis, a felicidade de estar onde mais queria o fez perder o controle. As
estocadas se tornaram firmes e seguiam o ritmo dos gemidos que ela
soltava. O coração dele passou a bater forte e o prazer que sentia se tornava
tão forte que nada poderia interrompê-lo de marcá-la como sua, a sua
mulher.
Para sempre sua.
Sem desencaixar do corpo feminino, ele se deitou de lado na cama,
levando-a consigo, e afastou os cabelos dela para beijá-la na nuca; depois,
mordeu o lóbulo da orelha e começou a deslizar as mãos pelo corpo macio,
se atreveu a puxar os mamilos e, a cada gemido que ela soltava, a vontade
de tocá-la mais o deixava à beira de um colapso nervoso, como se fosse
uma necessidade vital, fazendo com que o pênis endurecesse mais. Isadora
arqueou o corpo e empinou o traseiro, reflexo dos espasmos que a atingiam
sem piedade, tornando a penetração mais profunda e deliciosa. Ele a
abraçou e levou uma das mãos até o clitóris para massageá-lo. E foi então
que homem e mulher se entregaram ao inevitável sentimento de plenitude.
Extasiados.
Nenhum dos dois ousou interromper o encaixe para que a magia
pudesse perdurar um pouco mais.
— Rodrigo – Isadora o chamou.
— O que foi? – a incentivou para que se sentisse livre nos braços dele.
— Diga mais uma vez que me ama – pediu com a voz já sonolenta.
— Eu a amo, esposa, com todo meu coração, e para sempre.
Ao amanhecer do dia seguinte, Isadora precisou abrir e fechar os olhos
várias vezes, além de tocá-lo para ter certeza de que não se tratava de mais
um dos muitos sonhos que vinha mantendo devido à separação que lhes foi
imposta.
— Estou aqui – Rodrigo disse quando ela se virou para ele. — O seu
marido.
Ela sorriu e o mundo dele foi tocado pela magia do amor, para que os
problemas se tornassem insignificantes.
— Bom dia, meu amor! – ela o cumprimentou e o acariciou no maxilar.
— Meu amor – ele repetiu as palavras dela e a puxou para cima dele,
querendo mais uma vez a possuir.
Toc toc toc.
As batidas na porta os interromperam e ele se conteve para não
praguejar. Até ali, do outro lado da mansão, conseguiam importuná-los.
Isadora deslizou o corpo para o lado e saiu enrolada no lençol em busca
do penhoar.
— Deve ser Pilar – desconfiou e logo em seguida reconheceu a voz de
Jerusa avisando que a menina a queria.
Rodrigo se levantou imediatamente para encontrar as roupas. Estava
ansioso para conhecer a sobrinha.
— Pegue-a – ele exigiu enquanto vestia a calça.
Isadora considerou a ideia de que não estavam apresentáveis para
receber uma menina, mas decidiu desprezar as regras de decoro e seguir seu
coração. Ela ansiava que Rodrigo conhecesse Pilar. Então se certificou de
que o marido estava vestido adequadamente e abriu a porta. Pilar se jogou
nos braços dela.
— Pode ir, Jerusa! – dispensou a mucama e deu um beijo no rostinho da
menina.
— Eu dormi sozinha, tia – Pilar contou feliz sobre sua pequena
conquista.
— Que mocinha linda eu tenho como filha – Isadora a parabenizou. —
Querida, quero apresentar a você o seu tio Rodrigo. – Soltou-a no chão para
que pudesse correr para os braços do tio, que a recebeu com entusiasmo; ele
sorria tanto que a menina se sentiu querida.
Rodrigo sentiu a garganta embargada e o reconhecimento de que eram
uma família de verdade o atingiu em cheio, como se ele tivesse vivido para
conquistar a felicidade justamente do jeito mais inusitado. E parou de
pensar se era apropriado ou não o que estava sentindo, apenas aceitou que o
irmão lhe mandara de presente o que talvez tivesse sido a única coisa boa
que deixou para o mundo, além de Isadora.
Isadora os observava com os olhos marejados, mantendo certa distância
para que pudessem ter espaço para se conhecerem. Mas o reconhecimento
aconteceu tão rápido que tio e sobrinha se sentiam confortáveis para engatar
uma conversa. E para quem passou a acreditar que a solteirice era o modo
mais fácil de se manter segura, a família que conquistou se tornava o
principal motivo para continuar lutando.
— Venha cá, Dora – Rodrigo a chamou para que se juntasse ao abraço.
A queria junto deles, a sua família.
Isadora começou a caminhar na direção deles, mas precisou se apoiar no
dossel da cama para não cair. A dor de cabeça havia voltado de repente, e
tão forte que se sentiu tonta e perdeu o foco sobre as coisas que a rodeavam.
— Eu... – não terminou a frase e caiu desmaiada na cama.
Rodrigo ficou desesperado ao assistir a esposa desfalecer como se fosse
um pedaço de papel empurrado pelo vento, mas, para não assustar Pilar,
prendeu o grito na garganta. Colocou a menina sentada na cadeira que
ficava em frente à penteadeira e prometeu a ela que tudo ficaria bem. Tocou
a sineta para que algum dos criados pudesse cuidar da menina.
Jerusa, que estava próxima, foi a primeira a chegar e atendeu às ordens
do patrão para que tirasse a menina dali, pegando-a rapidamente no colo.
— Vou chamar um médico, sinhô – ela disse.
— Eu sou um médico – ele disse —, ou quase um.
— Mas o sinhô está muito nervoso.
Rodrigo segurava o pulso de Isadora para contar as batidas cardíacas.
— Pois bem! Chame um, Jerusa. E, por favor, faça subir água fresca –
ordenou. — E uma bandeja de comida... Isadora quase não comeu ontem à
noite. E depois... – Bem, depois eles fizeram amor como dois coelhos e mal
se preocuparam com o fato de que ela precisava se alimentar.
— Sinhá tem se queixado de dor de cabeça direto – avisou a mucama.
— É muita agitação para uma mulher grávida – deixou escapar sem querer.
— Grávida? – Rodrigo se espantou, girando a cabeça na direção em que
a criada estava. — Isadora sabe que está grávida?
Jerusa negou com a cabeça.
— Aconteceram tantas coisas que sinhá sequer percebeu... – ela ficou
envergonhada em falar sobre as intimidades femininas diante de um
homem.
— Pode falar – a incentivou —, não se esqueça de que sou médico.
— Sinhá não percebeu que o sangramento está atrasado este mês, mas
eu sim, porque sou eu quem cuido de suas roupas.
Rodrigo acomodou Isadora sobre os travesseiros e se curvou para medir
sua temperatura, encostando os lábios na sua testa.
— Grávida! Será que você está grávida, meu amor? – Roçou os lábios
nos dela e olhou para a mucama que segurava Pilar nos braços.
— Não precisa chamar um médico. – Ele se aproximou das duas e
acariciou o rostinho de Pilar com o dorso dos dedos. — Sua tia está bem,
querida. Ela apenas precisa descansar.

Algum tempo depois, Isadora despertava confusa e olhava para os lados


à procura de alguém que lhe contasse o que havia acontecido. Se sentiu
frustrada quando não encontrou o marido.
— Sinhô Rodrigo precisou descer para receber o advogado amigo do
Doutor Antunes – Jerusa falou, apressando-se para ajudar Isadora a se
sentar. Para isso colocou mais travesseiros atrás dela.
— O que aconteceu? – ela perguntou.
— Sinhá teve um mal súbito e desmaiou.
— A troco de quê? – pensou alto, porque era estranho se sentir tão fraca
a troco de nada, principalmente quando tudo estava se encaminhando para
que os problemas fossem resolvidos, e com o retorno de Rodrigo havia
conseguido relaxar.
— É melhor que o sinhô Rodrigo fale para a senhora – Jerusa
desconversou. — Pilar está brincando no jardim devidamente
acompanhada, como sinhá gosta.
Isadora espichou as pernas para fora da cama.
— Por favor, separe um vestido mais confortável – ela não queria se
sentir apertada —, e me ajude a levantar. – Ainda se sentia fraca e com uma
leve tontura.
— De jeito algum vai sair da cama hoje – Rodrigo entrou dando ordens
como um general e, quando se aproximou da esposa, empurrou suas pernas
de volta para cima da cama. — Precisa descansar, Dora.
— Com Romero lá fora tentando ficar com nossa herança? – ela o
questionou, um pouco irritada. — Acho que não posso descansar enquanto
esse homem não estiver longe de mim e de quem eu amo.
— Acalme-se, meu amor! – Ele a beijou na testa e fez sinal para que
Jerusa se retirasse. Ela o repreendeu com os olhos, pois precisava que a
mucama a ajudasse com as roupas e o cabelo. — Estava com Magalhães –
começou a esclarecer —, e ele foi brilhante em negociar com o maldito
tutor. Não haverá contestação quanto à legitimidade de nosso casamento em
troca da não apresentação de denúncia por invasão de propriedade e
tentativa de rapto.
— Jura? – Ela o fitou, aliviada.
— Juro, mas nem tudo são flores. E Romero não renunciará à tutela de
Lúcia. Vamos dar seguimento à ação para brigar na justiça – explicou.
— É o que nos resta – Isadora se conformou. — Ao menos Lúcia está
protegida longe daqui. – Ela aceitou o copo de leite que ele lhe alcançou. —
Não gosto de leite puro – reclamou, retorcendo os lábios de maneira
engraçada.
— Precisa se alimentar melhor, meu amor – a avisou.
— Você está estranho, Rodrigo. – Ela o buscou com os olhos levantados
enquanto assoprava na xícara.
— É o esperado quando um médico suspeita de que sua esposa pode
estar grávida – disse.
— Grávida! Você disse grávida? – Ele fez que sim e se sentou ao lado
dela na cama. — Jesus! – ela exclamou quando percebeu que seu
sangramento mensal não havia descido. — Realmente eu posso estar
grávida, mas... assim tão rápido?!
— Somos saudáveis, meu amor. É esperado que tenhamos filhos,
principalmente depois de termos nos empenhado muito para que isso
acontecesse.
— Mas eu não sou tão jovem – ela parecia confusa —, sempre diziam
que eu talvez não pudesse ter filhos porque já estava muito velha.
— Velha para ter filhos com vinte e oito anos, Dora? – Ele tentou evitar
o riso, mas não conseguiu, e levou um tapa no peito. — Na Santa Casa é
muito comum atendermos gestantes com mais de trinta anos, quando não
com mais de quarenta, embora não seja tão comum.
— Mesmo assim... – Isadora se sentia confusa e um pouco temerosa
quanto à reação do marido acerca da possibilidade de ser pai tão jovem,
porque da parte dela, sim, ela queria o filho. — Você está feliz com a
possibilidade de ser pai? – decidiu perguntar.
— Claro que sim, meu amor! – Ele a pegou pelas mãos e as beijou, uma
por uma. — Será uma loucura ser pai de dois na mesma época em que estou
terminando meus estudos, mas vai dar tudo certo.
— Promete?
— Prometo! – Rodrigo a abraçou e sussurrou o quanto a amava. — Ia
esquecendo – se afastou para buscar a carta que deixou em cima da
penteadeira quando entrou —, Magalhães deixou uma carta para você. São
notícias de sua irmã. – Ele a entregou.
Isadora se acomodou melhor na cama e abriu a carta para lê-la. Rodrigo
tirou as botas, deu a volta para chegar do outro lado da cama e se acomodou
ao lado dela.
— Temos notícias boas, meu amor? Ou devemos já providenciar nossa
fuga do país?
Isadora sacudiu a cabeça, ele era impossível.
— Impossível ter melhor notícia – comemorou. — Nossos problemas
finalmente foram resolvidos – ela contou, aliviada, e entregou a carta para o
marido a fim de que ele mesmo pudesse ler as novidades.
— Uau – soltou ele. — O advogado tem todo meu respeito a partir de
hoje.
— Não esperava por isso – admitiu Isadora, mas estou feliz por minha
irmã finalmente ter encontrado o que tanto almejava.
— Um desejo indecente, assim como você? – ele perguntou, trazendo-a
para seus braços. E Isadora se aconchegou pertinho dele para sentir a paz e
a segurança que só o marido conseguia transmitir.
— Não, não – ela negou também com a cabeça ao se recordar das
conversas que mantinha com Lúcia quando todos já dormiam. — Acredito
que uma paixão indecente descreva melhor o que ela encontrou.
— Concordo – ele soltou, segurando-a apertado contra ele. — Desejo
indecente foi o que você encontrou e que a fez se entregar para mim.
— Mas foi o amor que nos uniu para sempre – ela fez questão de
explicar, e se beijaram para que pudessem sentir o amor acontecer de novo
e de novo até que estivessem convencidos de que nada poderia ser páreo
quando almas gêmeas se reencontravam.
Dois anos depois.

Isadora não podia acreditar que estavam atrasados no dia mais


importante para o marido. Mas também pudera, eram dois filhos pequenos,
contando com Pilar, e a gravidez avançada de mais um, além dos assuntos
domésticos e os negócios que a desviavam do objetivo para que tudo saísse
dentro do planejado.
— Trazer as crianças não foi uma boa ideia. – Lúcia fazia um esforço
sobrenatural para carregar o sobrinho nos braços enquanto tentava caminhar
o mais rápido possível no corredor da Santa Casa de Misericórdia. Isadora
seguia um pouco à frente segurando Pilar pela mão. — Aliás, não sei se é
uma boa ideia você ter vindo – prosseguiu nas reclamações. — Por Deus,
minha irmã, olhe o tamanho de sua barriga.
— Estou grávida – retrucou —, não tenho a peste para que as pessoas
não possam me ver.
— Mas é escandaloso – lembrou-a Lúcia. — Depois não reclame
quando virar mais uma vez o assunto das principais rodas. Por óbvio que
amanhã espalharão a fofoca de que o “desafio de saias” não costuma se
portar com decência e exibe a barriga de final de gestação como se a moral
e os bons costumes não lhe tivessem sido ensinadas pelo Barão de Santa
Cruz. E mais todo o blá blá blá que costuma se seguir.
— Não vou deixar de estar ao lado de meu marido porque as pessoas
vão me julgar escandalosa. É a formatura de Rodrigo, Lúcia! E ele faz
questão de que sua família esteja assistindo-o – tentou explicar seu ponto de
vista.
Ao avistarem a porta do salão onde se apinhavam pessoas, dentre as
quais algumas vestindo togas pretas, Estevão acenou para elas e saiu em
disparada para encontrá-las. Lúcia entregou Álvaro para ele.
— Como você pesa, meu amorzinho. – Ela se apoiou nos braços de
Estevão para beijar o bebê de pouco mais de um ano e que estava manhoso
porque queria tirar um cochilo.
— Finalmente chegaram – disse ele, mais aliviado. — Estava
preocupado que pudesse ter acontecido algo.
— Álvaro vomitou na roupa de Pilar antes de sairmos e tivemos que
banhá-los – explicou Lúcia.
— E onde está Rodrigo? – perguntou Isadora, interrompendo-os.
— Já está lá dentro, eu acho – Estevão apertou o nariz de Pilar. —
Vamos, eu guardei lugar para todos.
Isadora foi a última a se sentar porque queria encontrar o marido; queria
que ele soubesse que estavam ali para aplaudi-lo em sua conquista. Ela
acenou ao localizá-lo e se sentou ao lado de Lúcia, pegando Álvaro no colo
porque estava com sono, e dificilmente conseguiria dormir em outro colo
que não o da mãe. Não havia pior hora para um bebê sentir sono e ficar
manhoso.
Rodrigo fez questão de contar as cabeças que o acompanhavam e
relaxou por saber que as pessoas que mais amava no mundo estavam a
poucos metros dele; a esposa e os filhos estavam ali para vê-lo receber seu
diploma.
O diretor da faculdade se levantou e começou a discursar, orgulhoso por
entregar mais médicos à comunidade. Foi uma surpresa quando ele
mencionou o nome de Isadora para agradecer o apoio financeiro que
possibilitou a inauguração do mais moderno laboratório da instituição,
chamando-a para que fosse ao palco para entregar o diploma ao marido. Era
o jeito que o corpo docente havia encontrado de homenagear uma de suas
mais ativas benfeitoras.
— Eu? – Isadora girou a cabeça na direção da irmã, estava atônita.
— Claro que é você. – Lúcia estendeu os braços para pegar Álvaro no
colo. — Eles querem homenageá-la, minha irmã.
— Meu Deus! – Isadora exclamou. — Isso sim será um escândalo.
— É quando o escândalo vira notícia de jornal. – Estevão esticou o
pescoço para colocar mais lenha na fogueira, divertindo-se com a situação.
— Nada mais justo do que terminem o que começaram por meio de um
anúncio de jornal.
— Eu vou – decidiu Isadora, levantando-se com a ajuda de Pilar, a
barriga realmente estava pesada.
Rodrigo ficou inquieto na cadeira, mas se tranquilizou quando Doutor
Figueira desceu do púlpito para ajudar Isadora a chegar até eles. Ele a
pajeou até o pequeno palco que havia sido montado para a cerimônia de
formatura e recebeu o diploma das mãos do médico.
— Chamamos o Senhor Rodrigo Paiva de Vasconcelos para que receba
seu diploma de médico das mãos de sua esposa – anunciou Doutor Figueira.
Rodrigo se levantou e foi para perto da esposa. Estava muito
emocionado por receber o diploma das mãos da mulher que mais amava no
mundo.
Isadora sorriu para ele.
— Se eu a beijar aqui e agora vai ser um escândalo? – perguntou quando
pegou o diploma das mãos dela.
— Mais escândalo do que eu aparecer em público com essa barriga? –
ela devolveu a pergunta.
E então Rodrigo se ajoelhou diante dela e com a cabeça levantada a
fitou nos olhos.
— Sem você eu não teria chegado até aqui. Sem você eu não teria
conseguido terminar meus estudos e cuidar de uma fazenda de café. Sem
você eu jamais seria o homem que sou, um pai orgulhoso. Eu amo você,
Isadora! – Ele beijou a barriga da esposa que, naquela altura, sentia as
lágrimas escorrerem pelo rosto.
— Eu amo mais – soprou de volta, agradecendo em silêncio a dádiva de
amar um homem bom e justo.
Conheça a história de Lúcia no livro 2 da Duologia Irmãs Alencar,
disponível na Amazon.

Sinopse

Lúcia Alencar não tem escapatória, ela precisava viver reclusa em um


convento em São Paulo para fugir de seu tutor Romero de Freitas, um
homem desconhecido e perigoso que apenas deseja usufruir do dinheiro
deixado por seu pai.
Para acompanhá-la durante a viagem, o advogado da família é
designado, Estevão Antunes. Lúcia não gosta dele e a antipatia parece ser
recíproca. Eles fogem e desviam o caminho pelas estradas de Minas Gerais
para não serem vistos. E o que era para ser uma viagem rápida se tornou o
maior de seus pesadelos.
O problema não era estarem perdidos em um lugar inóspito, e sim
aquelas estranhas emoções e sentimentos que os tomavam fazendo com que
não conseguissem ficar longe um do outro.
Pode o amor nascer no fim do mundo entre sapos, vacas e sem vaidade
alguma?
A gratidão é a memória do coração.
(Ditado francês)

Agradeço a você, querida leitora, que tem sido o principal motivo para
me manter no caminho de contadora de histórias. Sem você, nada disso
seria possível.
Agradeço à minha generosa família, que acreditou em meus sonhos e
com seu apoio incondicional me deu força e esperança para acreditar que os
sonhos valem a pena.
Agradeço ao meu esposo, companheiro de mais de duas décadas, com
quem eu divido planos e ideias de enredos que só parecem se multiplicar
em minha mente.
Agradeço ao meu filho Augusto pelos dias em que não estive ao seu
lado a fim de concluir mais uma história e pelo orgulho que sente de sua
mãe ao me apresentar como escritora.
Agradeço às queridas Camille Chiquetti e Julia Lollo, profissionais
habilidosas e dedicadas, que trazem primor às minhas histórias ao se
empenhar em revisar e preparar meus textos. À talentosa Laizy Shine, por
expressar a magia de minhas histórias por meio de lindas capas. À minha
equipe, que não mede esforços para divulgar e promover meus livros.
Agradeço à talentosa Flávia Padula, minha parceira de projeto e
estimada amiga, por me ouvir e me confortar em momentos de dúvida e
insegurança, pela generosidade em compartilhar comigo suas experiências
e, acima de tudo, pela amizade que me oferece. Nossa sintonia criativa
perpassa espaço e tempo e nos faz compreender que alguns encontros são
obras do destino para uma missão maior.
E, por fim, agradeço a Deus pela graça de ter a chance de espalhar amor
em forma de palavras, tocando corações mundo afora para transmitir a
mensagem de que homens e mulheres são centelhas divinas que se
completam.
Diane Bergher é gaúcha de nascimento. Adotou Florianópolis
como lugar para viver com o marido e filho. É advogada com duas
especializações na área e formação em coaching e mentoring. Uma leitora
compulsiva e escritora por vocação, acredita que sonhar acordada, fantasiar
mundos e transformar realidades é a vocação da sua alma. Quando Ela
Chegou, sua primeira obra, foi lançada na internet e com um texto delicado
e sensível, conquistou o público feminino do site em que está hospedada.
Com a Série Belle Époque, Diane despontou rapidamente entre as autoras
mais vendidas no gênero romance histórico na Amazon, consolidando-a
como uma das romancistas mais lidas na atualidade.
Série Belle Époque
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SEMPRE FOI VOCÊ

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Sinopse

DEPOIS DE UMA década e de escolhas erradas, Pedro reencontra a


mulher de sua vida. Pedro e Melissa foram namorados na juventude, mas o
destino os impediu de ficar juntos. Melissa casou-se com o melhor amigo
de Pedro após ter fugido para o exterior. Pedro, por sua vez, casou-se com a
irmã mais nova de Melissa. Com o retorno de Melissa ao Brasil, agora
viúva, a paixão adormecida entre os dois renasce ainda mais forte.
Preso a um casamento fracassado, Pedro precisará lutar para
reconquistar o amor e a confiança de Melissa. Em meio a segredos e
intrigas familiares, poderá o amor ser capaz de vencer?
AO SR. L, COM AMOR

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Sinopse

ATRAVÉS DE CARTAS não enviadas ao Senhor L., o amor idealizado


da Senhorita S., conheceremos a transformação de uma menina tímida em
uma mulher realizada e segura de suas escolhas. A primeira carta foi escrita
no aniversário de 15 anos e, a partir de então, a cada 5 anos, a Senhorita S.
escreveu uma nova carta, onde relatou os principais fatos, conquistas e
sentimentos dos últimos anos de sua vida e as marcas que um amor não
correspondido deixou em sua alma. A última e derradeira carta foi escrita,
após um encontro dos dois, 20 anos depois da primeira carta. Na última
carta, a senhorita S. despede-se definitivamente da menina que um dia foi e
dá boas-vindas à mulher madura e feliz que se tornou.
VIDAS ENTRELAÇADAS

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Sinopse

FREDERICO E JOÃO PEDRO, dois irmãos que cometem o pecado de


amar a mesma mulher. Olívia é essa mulher, uma jornalista talentosa e uma
mãe solteira dedicada, que desde os 15 anos é atormentada por pesadelos.
O destino trama um reencontro decidido por suas almas há longa data,
no qual um acerto de contas é imprescindível para o resgaste dos pecados
dos três. Paixão e desejo. Intrigas e amarguras. Ódio e amor. Vida e morte.
Sentimentos que os macularam além da vida, entrelaçando-os numa ciranda
interminável em busca da redenção.
Um enredo instigante, onde o passado interfere no presente de forma tão
intensa que pode gerar consequências no futuro. Traumas e medos que
marcam o presente de uma mulher, fazendo-a cometer os mesmos erros do
passado.
Para corações fortes e apreciadores de um romance dramático, Vidas
Entrelaçadas. Suspense, mistérios e um amor mais forte que tudo. Poderá,
Olívia, superar as marcas do passado para, enfim, encontrar paz para sua
alma atormentada?
Dinastia Brienne
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O BEIJO DO SERTANEJO

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Sinopse

FERNANDA É UMA advogada dedicada, apesar de frustrada com o


que o destino lhe trouxe. Desejava ter se tornado uma delegada, mas se viu
às voltas com a guarda dos filhos do irmão quando ficaram órfãos. Noiva de
um juiz por mais tempo do que acredita ser o certo, conformou-se com sua
vida entediante e sem graça. Christian Daniel é o sucesso da música
sertaneja no momento. Lindo, atraente e talentoso, pode ter a mulher que
deseja em sua cama e as dispensa no dia seguinte com toda a segurança que
somente um astro pode fazer. Uma noite qualquer e uma confusão sem
precedentes coloca Christian Daniel no caminho de Fernanda. Ela é
designada pelo chefe para tirá-lo da prisão e ele se encanta pela mulher
misteriosa e segura que é Fernanda. Despeitado por ter sido dispensado por
Fernanda, Christian Daniel a persegue sem dó nem piedade, enredando-a
para dentro de um jogo de sedução e luxúria do qual ambos podem sair
chamuscados e apaixonados.
OUTRA VEZ O AMOR

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Sinopse

DEPOIS DE ALCANÇAR o estrelato como uma das mais importantes


bailarinas do Teatro Bolshoi, Betina é chamada pelo tio adoentado, a única
pessoa que lhe deu carinho, a voltar para casa. Órfã de mãe e sem saber o
paradeiro do pai, dependeu da generosidade dos parentes para sobreviver.
Tímida e retraída, cresceu sem chamar a atenção de ninguém. Suas
sapatilhas sempre lhe serviram como único consolo.
De volta a Toledo, descobre que sua vida não passou de um emaranhado de
mentiras, cuja verdade a fará questionar suas escolhas. No meio de
recordações dolorosas e feridas não cicatrizadas, reencontra Hugo, sua
paixão da adolescência, agora um pediatra bem-sucedido, mas tão ou mais
sedutor do que fora um dia e ainda mais bonito do que recordava.
Decidida a não deixar se afetar por Hugo, Betina tenta afastá-lo,
sufocando o amor que sempre sentiu. Mas Hugo não está disposto a deixá-
la partir sem saber a verdade que sempre guardou consigo.
Entre encontros e desencontros, Betina e Hugo se entregam à paixão e o
desejo os conduz à descoberta do amor. Mas o destino não facilita, exigindo
que decisões sejam tomadas para que os erros do passado não os afastem
novamente.
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SEGREDOS DO CORAÇÃO
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Sinopse

DANIEL FERNSBY PREFERIU a solidão de uma propriedade na


Toscana a ter que assistir a mulher de sua vida se tornar a esposa do primo,
o excêntrico Marquês de Abbey. No entanto, quis o destino que ele se
tornasse o próximo marquês após a morte do primo em uma emboscada. De
volta à Inglaterra e mais poderoso, Fernsby dedica sua vida a reconquistar a
mulher que sempre esteve em seu coração, além de tentar consertar os
estragos deixados pelo antigo marquês nas finanças da família.
Susan Collemann casou-se com um nobre inglês para agradar ao pai, um
americano de posses, tornando-se a invejada Marquesa de Abbey. Nas mãos
de um marido cruel, acabou enclausurada dentro de um casamento infeliz.
A tristeza de sua alma e segredos que guarda a sete chaves a tornaram
desiludida e desconfiada.
Será Daniel capaz de reconquistar a amada, fazendo-a acreditar que
merece ser feliz?
Segredos do Coração faz Crossover com Vingança e Sedução e traz o
epílogo de Florence e Ethan.
UM BARÃO APAIXONADO

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Sinopse

JONAS BARROS CABRAL, filho de um poderoso fidalgo com uma


escravizada alforriada, herdou o título e as propriedade do pai por ocasião
de sua morte, tornando-se Barão de Vilar. Rico, charmoso e sedutor, pode
ter a mulher que deseja como amante, mas sua falta de berço e modos
aristocráticos o impedem de se casar com uma delas.
Eudora Rudson acompanha o pai, o prestigiado cientista Thomas Rudson,
em uma viagem de trabalho ao Brasil. Destacando-se pela beleza exótica
para os padrões locais e por ter uma língua afiada, logo chama a atenção de
Jonas, que propõe à dama que o ensine a ser um perfeito cavalheiro e o
ajude a encontrar uma esposa ideal, que lhe traga prestígio e aceitação
social. E é nessa proposta que Jonas vê a oportunidade de seduzir a bela
escocesa.
Entre provocações e beijos roubados que ultrapassam o decoro, poderá o
amor desabrochar e superar as barreiras ditadas pelo nascimento? Jonas e
Eudora terão que ouvir o chamado do coração para encontrar o seu final
feliz.
Série MILIONÁRIOS & APAIXONADOS
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ENSAIOS DE BORBOLETAS
A vida com fibromialgia

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Sinopse

ATRAVÉS DE PEQUENOS textos reflexivos e emocionantes, a


romancista Diane Bergher traz o comovente relato, enquanto portadora da
síndrome da fibromialgia; os primeiros anos de convívio com a
enfermidade, como a enfrentou e como a escrita lhe confortou para superar
a dor e a perda de uma vida que jamais seria a mesma. São palavras de
força e incentivo que trazem luz e confortam a alma daqueles que, como
ela, passaram ou passam por aflições que os atormentam.
Antologia Encantos de amor
O DUQUE E A BASTARDA, Livro 1 -> Compre aqui!

O CONDE E A DAMA DO CAMAFEU, Livro 2 -> Compre aqui!

O MARQUÊS E A CORTESÃ, Livros 3 -> Compre aqui!

O VISCONDE E A PRECEPTORA, Livros 4 -> Compre aqui!


Leia também o projeto “Coleção Damas do Romance”.

Série Irmãos Gallagher

Caçada de Mestre, Flávia Padula – Livro 1 -> Clique aqui!


Jogada de Mestre, Silvana Barbosa – Livro 2 -> Clique aqui!
Escolha de Mestre, Diane Bergher – Livro 3 -> Clique aqui!

Sinopse

BURKE GALLAGHER É um irlandês que partiu rumo aos Estados


Unidos com apenas dez dólares no bolso e se tornou o dono da maior
cervejaria do país, a Cervejaria Gallagher, ficando conhecido no mundo
todo pelo excelente produto e por sua perspicácia nos negócios.
Preocupado com o futuro de seus três filhos, decide dar um basta nas
suas vidas boas e lhes dá uma ordem: cada um teria que partir para o Oeste
com apenas dez dólares no bolso e quem conseguisse ser mais bem-
sucedido, no prazo de um ano, ficaria com a fábrica de cerveja. Os irmãos
então partem dispostos a vencer o desafio e viverem suas próprias
aventuras.
Série Irmãs Winter

O Destino de Sarah, Flávia Padula – Livro 1 -> Clique aqui!


O Acaso de Delilah, Silvana Barbosa – Livro 2 -> Clique aqui!
A Aventura de Barbarah, Diane Bergher – Livro 3 -> Clique aqui!

Sinopse

AO FICAR VIÚVO John Winter decide se livrar das filhas e as vende


em Londres para cavalheiros que não se importam em comprar uma esposa.
Solteiras e em idade para casar, as três senhoritas veem seus caminhos
mudados para sempre. Sarah é vendida a um fazendeiro americano. Delilah
é comprada por um mercador indiano. E Barbarah parte ao encontro do
dono de uma misteriosa propriedade na Cornualha.
Série Mulheres Apaixonadas

Fascínio, Diane Bergher – Livro 1 -> Clique aqui!


Desejo, Flávia Padula – Livro 2 -> Clique aqui!
Paixão, Diane Bergher & Flávia Padula – Livro 3 -> Clique aqui!

Sinopse

ASHWORTH HANDESTON TORNOU-SE, aos trinta e cinco anos,


um dos homens mais ricos da Inglaterra investindo na indústria têxtil.
Infelizmente, Ashworth não pôde se casar com a mulher que amou em
segredo, Ondine Cohen, sua governanta, e se uniu a uma rica herdeira
escocesa, Jessamy Heylock. Contudo, o coração daquele homem sedutor
não se conteve apenas com aquelas mulheres, ele conquistou o coração e a
devoção de Amabel Kershaw, uma jovem londrina que abandonou tudo
para tornar-se sua amante ao norte do país. No final de uma tarde fatídica,
parte da fábrica sofre um incêndio e Ashworth e mais alguns empregados
morrem queimados.
Três mulheres presas a um homem sem coração, livres para guiar seus
próprios destinos.
Duologia Mulheres de Honra

Bravura, Diane Bergher – Livro 1 -> Clique aqui!


Coragem, Flávia Padula – Livro 2 -> Clique aqui!

Sinopse

RALEIGH É UMA pequena cidade próspera da Cornualha, onde as


minas de Carvão movimentam a economia; até que uma explosão acontece
e vinte homens morrem soterrados. O administrador John Monroe e o chefe
das minas Marvin Hughes são acusados de sumirem com todo o dinheiro da
empresa, além de explodirem a mina para se beneficiarem do dinheiro do
seguro. Caberá às viúvas Gladys Monroe e Alexia Hughes provarem a
inocência de seus maridos e ainda ajudarem as outras dezoito viúvas a
terem um pouco de dignidade, quando a única coisa que o novo
administrador da mina e o advogado por ele contratado querem é se livrar
delas.
Duologia Mulheres Feridas
Spin-off de Mulheres Apaixonadas

Solidão, Flávia Padula – Livro 1 -> Clique aqui!


Melancolia, Diane Bergher – Livro 2 -> Clique aqui!

Sinopse

Elas tiveram suas almas feridas e talvez nem o amor consiga resgatá-
las da melancolia e solidão a que foram confinadas pela ambição de homens
de pouco valor.
Duologia Noivas por Acaso

A Impostora, Diane Bergher – Livro 1 -> Clique aqui!


A Farsante, Flávia Padula – Livro 2 -> Clique aqui!

Sinopse

Beatrice e Gisele só queriam se ver livres de trágicos destinos ao


embarcarem em um navio que leva colonos para a América e para isso
adotam identidades falsas. Chegando lá, são recebidas por homens que
alegam serem seus noivos e são obrigadas a sustentar a mentira para não
serem enviadas de volta à Inglaterra.
Entre mentiras e disfarces, poderá o amor desabrochar para um novo
recomeço?
Duologia Filhas do Trovão

Princesa de Taranis, Flávia Pádula – Livro 1 -> Clique aqui!

Sinopse

DRAKE MAEL, GENERAL de Cesis, foi enviado pelo irmão, o Rei


Asger, para conquistar Taranis, um reino distante ao norte.
O que ele não esperava era deparar-se com a guerreira e Princesa Enya
de Taranis, uma mulher forte e acima de tudo lindamente perversa.
Uma atitude impulsiva de Enya vai mudar seus destinos para sempre e
Drake terá que trair o próprio irmão em nome da honra.
Um guerreiro indestrutível.
Uma princesa indomável.
Um conflito entre o desejo e a honra.

Princesa de Selúria, Diane Bergher – Livro 2 -> Clique aqui!

Sinopse

DE UM ACORDO firmado com os deuses nasceu Maeve, a Princesa


de Selúria. A filha da rainha das feiticeiras com o Rei de Taranis foi
treinada para se tornar a mais poderosa das feiticeiras. Quando o reino de
seu pai é conquistado por um exército estrangeiro, ela não hesita em firmar
um acordo para que o povo de Selúria seja poupado e embarca para o Reino
de Cesis com a missão de curar seu rei, iniciando uma jornada que poderá
mudar seu destino para sempre.
Asger é o implacável Rei de Cesis que, ao ser ferido em batalha, ficou
impossibilitado de comandar seu exército e acabou sendo traído pelo irmão
mais novo. Para ganhar tempo, aceita os cuidados da feiticeira que o irmão
traidor enviou para curá-lo. Mas Maeve não é o que ele imaginava e
rapidamente uma atração surge entre eles a ponto de fazê-lo titubear quanto
ao desejo de vingança.
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