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Um Desejo Indecente 1 - Irmãs Alencar - Diane Bergher
Um Desejo Indecente 1 - Irmãs Alencar - Diane Bergher
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Contato
Copyright © 2021 Diane Bergher
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
- William Shakespeare
A necessidade de utilizar a licença poética se fez imprescindível para
que a narrativa tivesse situações coesas, as quais não seriam aceitáveis fora
do campo da literatura.
No entanto, apesar de não ter a intenção de ser fidedigna à História, fui
beber de acontecimentos e lugares reais para compor o enredo, sempre
mesclando-os aos elementos fantasiados pela imaginação.
Este livro contém cenas de sexo e algumas cenas de violência devido ao
período da História em que se passa.
Damas do Romance desejam boas-vindas a você, que se propôs a viajar
rumo ao Brasil do Segundo Império. Não deixe também de se aventurar a
conhecer nossas outras coleções, cujas histórias foram pensadas para tocar
os corações das mais românticas.
Diane Bergher
Rio de Janeiro, 1862.
O marido a deixou.
Isadora não conseguia encontrar outra explicação para o sumiço de
Rodrigo. Deixou que se afastasse sem a chance de que pudessem conversar.
Retornou então para a casa grande para esperá-lo, mas os minutos se
tornaram horas e as horas ultrapassaram a madrugada sem que pudesse
sossegar. Não conseguiria dormir sem lhe explicar o que havia acontecido e
por isso decidiu aguardá-lo sentada na cadeira de balanço da varanda,
enrolada num xale enquanto observava o Sol tentando beijar a lua no
horizonte.
Contava uma preta velha que lhes serviu de babá há muitos anos,
quando Isadora e Lúcia eram meninas, que o Sol e a Lua foram seres
humanos um dia, um homem e uma mulher de tribos inimigas que ousaram
se apaixonar. Para evitar uma punição, tomaram uma poção e foram
transformados em astros para viverem no céu, mas sem jamais se tocarem.
Viver separados era o castigo, embora pudessem se ver rapidamente ao
amanhecer e ao entardecer.
Ela e Rodrigo, às vezes, se comportavam como o Sol e a Lua, pensou.
Desde que ficassem sozinhos, poderiam se tocar e se entender. O que nem
sempre poderia acontecer, porque as responsabilidades que cada um tinha
exigia deles um distanciamento que começava a incomodá-la.
— Sinhá madrugou hoje? – Terezinha, uma das ajudantes da cozinha, se
assustou com a sua presença na varanda.
— Sequer dormi – respondeu Isadora, tapando a boca para esconder um
bocejo. Ela se sentia cansada em um nível que não sabia explicar.
— Insônia, sinhá?
— Em razão das muitas preocupações que me rodeiam – confirmou. —
Logo vou me recolher, Terezinha. Peça que sirvam meu desjejum mais
tarde, por favor.
A moça fez que sim com a cabeça e pediu licença para se retirar. A lida
na fazenda começava cedo, e na cozinha da casa parecia começar ainda
mais cedo. Os galos sequer haviam cantado.
Isadora se levantou da cadeira de balanço e esticou o corpo na tentativa
de se sentir mais disposta. Talvez um banho lhe fizesse mais bem do que
apenas se deitar na cama. Ou simplesmente tivesse que ocupar a mente com
as contas da fazenda para esquecer o que a estava aporrinhando.
Ao se debruçar sobre a cerca de madeira, avistou um vulto cruzando o
portão que dava acesso ao jardim da casa grande. Era Rodrigo. E ela de
repente ficou agitada. Enrolou-se no xale como se fosse um escudo que a
protegeria dele. Mas se sentia aliviada por não ter sido abandonada como
estava desconfiada.
Rodrigo a notou parada no alto da varanda e apressou o passo para
alcançá-la. Não esperava encontrá-la fora da cama tão cedo, mas não ficou
surpreso, afinal, Isadora não era o tipo de mulher previsível.
— Bom dia – ela o cumprimentou assim que Rodrigo chegou na
varanda.
— Bom dia – ele respondeu.
— Rodrigo... – O peito de Isadora subia e descia muito rápido, a
respiração estava pesada e o coração batia tão forte que Rodrigo poderia
ouvir, as palavras estavam presas na garganta e o choro ameaçava torná-la
uma fraca justamente diante do marido.
Rodrigo sentiu o impacto do nervosismo da esposa nos ossos e um frio
percorreu sua espinha para avisá-lo de que a havia feito sofrer. A certeza lhe
veio, no entanto, quando Isadora caiu de joelhos no chão e começou a
soluçar.
— Isadora, por Deus! – Ele se apressou para ampará-la, ajoelhando-se
na frente dela e a acolhendo em seus braços. — Eu não queria preocupá-la,
perdão!
— Você... – ela fungava no ombro dele —, você não me deixou.
E então ele soube que ela chorava por alívio.
— E por que eu a deixaria se temos um acordo? Que tipo de homem
você acha que sou? Sou um Paiva de Vasconcelos, mas ainda me sobra
honra para provar que não escolheu errado.
— Então por que não voltou para casa comigo? – Ela precisava entender
a mente dele, o que o havia perturbado tanto a ponto de deixá-la falando
sozinha.
Rodrigo se levantou e a levou consigo para a cadeira de balanço,
sentando-se e a colocando em seu colo. A amparou para que se acalmasse.
— Eu estava muito nervoso para que conversássemos – ele começou a
explicar. — E iria falar o que você não merecia ouvir por estar me sentindo
preterido.
— Por que se sentiu preterido? – Ela encostou a cabeça no ombro dele e
aceitou que ele podia embalá-la em suas fraquezas.
— Porque você se colocou em perigo e não me chamou para ajudar. –
Isadora levantou a cabeça e o encarou, chocada com a revelação, mas ao
menos agora ela começava a entendê-lo. — Você sequer me disse para onde
levou os fugitivos.
— Rodrigo – ela pronunciou o nome lentamente e o acariciou no
maxilar enquanto organizava as ideias. — Aconteceu tudo tão rápido desde
que pisamos na casa grande que sequer consegui pensar que você estava ao
meu lado – confessou.
— Mas eu estava – ele foi categórico e a acidez com que se referiu a fez
perceber que feriu os brios dele ao não se lembrar de que tinha um marido e
de que ele também era bom com os pretos.
Isadora abaixou a cabeça para fugir do olhar dele, envergonhada por não
saber o que falar. Sempre precisou agir como se fosse a única que pudesse
resolver as coisas, mesmo quando o pai ainda era vivo, talvez ainda mais,
pois o Barão de Santa Cruz não se preocupava como ela com aqueles que
trabalhavam para ele.
— Me perdoe – ela pediu. — Não é justificativa, eu sei, mas saiba que
não tive a intenção de esconder nada de você. Apenas agi como sempre fiz.
— Sozinha? – Ele ergueu o queixo dela com a ponta dos dedos para que
pudesse fitá-la. — Sempre agiu sozinha, Isadora? – repetiu a pergunta.
— A maioria das vezes – confessou. — Às vezes recebo a ajuda de
Estevão, e Lúcia sempre me apoiou, mas sempre fui eu que executei as
medidas para manter o povo da senzala seguro.
— Onde você os escondeu dessa vez? – Rodrigo arriscou perguntar. E
foi direto, além de determinado a não se deixar enrolar. Isadora levantou do
colo dele e lhe deu as costas. — Não sou digno de sua confiança? – ele
questionou, mas com um tom acusatório que a deixou com os nervos à flor
da pele de novo. Tal sentimento apenas foi amenizado quando sentiu o calor
da mão dele deslizando pelos seus braços até chegarem às suas mãos. Ele
entrelaçava os dedos nos dela enquanto a beijava na bochecha. E foi então
que ela amoleceu e deixou que o coração assumisse o comando dali por
diante. — Se puder confiar em mim, Isadora, vou provar a você que posso
ser mais do que um marido que precisa de dinheiro para se formar médico –
ele sussurrou perto do ouvido dela, a voz rouca atingia os tímpanos para se
espalhar pelo corpo em ondas de calor que a deixavam ávida pelo toque
dele, do seu marido. — Posso ser um companheiro leal. Apenas confie.
Isadora encostou a cabeça no ombro dele e levantou as mãos que
estavam entrelaçadas para enxergar o anel em seu dedo. Seja qual fosse o
motivo que os levou a um casamento, o mais importante era que estavam
unidos.
— Vou revelar para você o meu maior segredo – decidiu ela.
— Foi para este lugar que eu trouxe os fugitivos da senzala do Barão de
Fogaça e de todos os outros barões do café – confessou Isadora apontando
para as duas fileiras de choupanas escondidas entre duas encostas; e com
isso admitindo que agiu contra homens poderosos sem um pingo de
remorso ou medo de ser flagrada agindo contra a lei.
Rodrigo desapeou do cavalo antes dela e observou a paisagem na
tentativa de entender para onde ela o havia trazido. Quando o convidou para
um passeio, não esperava atravessar um matagal e mais um rio para chegar
à parte mais erma da fazenda, e muito menos que pudesse encontrar gente
naquele fim de mundo. O fato de encontrar uma vila aparentemente bem
cuidada e até com calçamento no meio do nada apenas tornava tudo mais
intrigante.
— Um quilombo? – Rodrigo se surpreendeu com a audácia dela em
perseguir o que achava justo e sorriu com a conclusão a que havia chegado
enquanto a ajudava a desapear do cavalo que os trouxera até ali.
— Não é um quilombo, Rodrigo – ela o corrigiu —, embora tenha
cumprido as funções de um. Prefiro chamá-lo de Vila da Liberdade. É aqui
que quero que vivam quando eu conseguir alforriar todos os pretos das
fazendas que fazem parte de minha herança. E Lúcia quer o mesmo que eu,
mas antes precisamos livrá-la da tutela. Quero que a minha gente tenha um
lugar para viver com dignidade e não dentro de uma senzala, que eu
pretendo tacar fogo assim que for possível. E quem sabe no futuro eu possa
construir uma igual e mais próxima da sede de Santa Cruz.
Rodrigo esticou os lábios mais uma vez. De alívio? Claro que sim! Mas
também porque ela era perfeita e tão intensa no que acreditava que não
esperou por um homem para começar a implementar as mudanças que
julgava necessárias para tornar o mundo mais justo. A vila, com certeza,
não era coisa de apenas um ano, e por isso concluiu que ela começou a
levantar as casas ainda quando o pai estava vivo.
— Por que está rindo? – Ela o olhou incrédula, talvez ele pensasse que
ela estivesse contando uma piada.
— De felicidade – ele afirmou —, por ter me casado com uma mulher
que não tem medo de viver de acordo com suas vontades.
E quando ele a fitou com orgulho e algo mais que ela jurou ser amor,
Isadora sentiu os olhos cheios de lágrimas. Sem saber, lhe dava tanto.
— Ser mulher em um mundo que não nos dá liberdade é difícil, Rodrigo
– assegurou. — Somos passadas de pai para marido como se não
tivéssemos inteligência para cuidar de nossas próprias vidas. Tanto é que
precisei de você para ter um pouco de liberdade, por meio de um acordo
que até Estevão julgou complexo, mas que era minha única chance.
— Eu sei, Dora! Mas apenas a vontade de mudar é capaz de mostrar que
o mundo precisa mudar. E você foi corajosa em não esperar por um marido,
principalmente quando o que deveria ter sido o marido a abandonou. –
Rodrigo beijou cada uma de suas mãos. — Mas não lamento que meu irmão
tenha a abandonado – admitiu. — Você é perfeita e especial e essa foi a
razão para que eu passasse a noite fora tentando me acalmar. Você não
merecia aguentar o humor de um despeitado. A mulher que está se
infiltrando em meu coração não merecia ouvir a ladainha de um homem
irritado.
— Você me defendeu ontem à noite – ela o lembrou —, arriscando-se
muito além do que qualquer outro. Ninguém fez tanto por mim, Rodrigo.
Ninguém!
Rodrigo não resistiu e a beijou para aplacar o desejo que sentia. Mas foi
mais que isso. O beijo foi a maneira que encontrou para demonstrar o
quanto a admirava. E se em algum momento de sua existência se julgou
importante por ter renunciado ao apoio financeiro do pai, agora ele se sentia
envergonhado. Isadora havia ido muito além dele, enganando a todos com
desenvoltura para realmente ajudar enquanto ele apenas estava pensando
em ajudar.
Ele girou com ela e ficaram ambos de lado para a fileira de casinhas, um
de frente para o outro.
— E você realmente precisa de um homem depois de ter construído isso
tudo? – Ele apontou para a paisagem, totalmente embasbacado com as
casinhas, de cujas chaminés saía fumaça do fogo que prepararia o alimento
que comeriam depois de uma manhã de trabalho. — Você tem ideia do quão
maravilhosa é?
— Eu não construí a vila para ser maravilhosa – ela se queixou da
empolgação exacerbada.
— Sei que não, mas mesmo assim é maravilhosa – ele ratificou sua
opinião.
— Mas Rodrigo – ela o tocou no peito —, isso tudo pode ser
maravilhoso... Mas sem você não passaria apenas de tijolos e argamassa.
Você passou a fazer parte disso quando aceitou se casar comigo. Ao dividir
comigo os ideais abolicionistas você permitiu que esse lugar se enchesse de
vida.
— Bendito anúncio de jornal – ele comemorou rodopiando com ela no
ar.
— Espero que você guarde o segredo – ela soltou preocupada. Havia
uma chance de ele delatá-la, embora ela preferisse acreditar que não.
Estevão havia sido cuidadoso na investigação para que apenas um
abolicionista se candidatasse a marido. E um que fosse de verdade, não
apenas da boca para fora.
— A partir de agora será o nosso segredo, Dora – prometeu. — Quantas
pessoas sabem deste lugar?
— Todos que trabalham em Santa Cruz. Assim que meu pai morreu, eu
demiti todos que não eram confiáveis. Se a Vila da Liberdade for
descoberta, eu poderei ser processada e condenada por abrigar fugitivos.
— Ou até coisa pior – ele ponderou, sentindo os músculos enrijecerem
pela tensão que o envolveu apenas em imaginá-la na mira vingativa de
alguém sem escrúpulos como o maldito Barão de Fogaça. — Ou acredita
que homens como o Barão de Fogaça irão esperar pela justiça para que seja
punida? Claro que não, Dora! Se um deles descobrir o que fez aqui e o que
pretende, não duvido de que não encomendem sua morte.
— Eu sei! – ela não discordou, pois sempre soube que flertava com o
perigo ao decidir abrigar pretos de outras fazendas. — Mas não me
arrependo de proteger essa gente.
— Por isso todos a adoram – ele soltou feliz.
— São uma gente muito leal e muito agradecidos. Todos fazem questão
de me pagar trabalhando para mim. Eu tento ser justa na medida do
possível. Aceito pagá-los também de maneira justa, para que se sintam
dignos. Não quero explorá-los, entende?! Se fizesse isso estaria sendo igual
a todos os barões do café. Se fizesse isso estaria os libertando das senzalas
para mantê-los cativos dentro de uma vila. Em termos práticos, não haveria
diferença.
— Você é justa – Rodrigo a lembrou.
— Depende do ponto de vista – ela discordou e o convidou para que
descessem o moro para conhecer a vila. — Talvez no futuro eu seja
lembrada como uma escravocrata, ou uma abolicionista oportunista. Porque
a história é escrita pelos homens e, para a maioria de vocês, não há espaço
para o protagonismo feminino, devo lembrá-lo. Mas não me importa como
serei lembrada, para ser sincera. Pouco me importa que eu fique apagada na
História sob o argumento de que as mulheres do meu tempo não eram como
eu. Apenas quero que os pretos saiam das senzalas e tenham um pingo de
dignidade.
— E qual seria a história a ser registrada se fosse escrita por você? – Ele
esticou os lábios quando percebeu que tinha a mulher mais inteligente de
todas como esposa; uma visionária à frente do seu tempo. E queria ouvi-la
mais. — Me fale, cara esposa, qual sua visão sobre a abolição da
escravatura.
Isadora se espantou quando percebeu o interesse do marido em seus
argumentos.
— Se espera uma visão romântica, acredito que irei decepcioná-lo. – Ela
devolveu o sorriso, empenhando-se em oferecer a ele os seus melhores
argumentos. — Não há como negar que a economia do país é movida pelos
escravos, é o meu primeiro ponto. Não adianta apenas erguermos a bandeira
da abolição, embora o movimento em seus viés político-filosófico seja
importante, ao menos para que a ideia de liberdade se infiltre no espírito da
nação como uma possibilidade real. Mas é demagogia pensarmos que a
abolição por si só vai ser a redenção daqueles que viveram da riqueza
produzida pelo trabalho escravo. Tenho plena consciência de que somos
privilegiados por termos a pele branca – ela fez questão de pontuar. — Eis a
razão para que jamais duvidemos da luta que um preto trava todos os dias
por ter nascido neste país, jamais teremos como dimensionar a dor que eles
sentem. E talvez mais ilusório acreditar que os problemas estarão resolvidos
com a abolição. Não se resolve anos de escravidão com uma possível lei
que dará liberdade aos pretos. E o que farão os latifundiários sem mão de
obra? Pois duvido de que a maioria dos pretos aceitará permanecer nas
fazendas de café depois de tantos maus-tratos. Logo, temos uma equação
muito difícil para que seja resolvida apenas com discursos ideológicos.
— E qual seria o caminho então? – Rodrigo ficou ainda mais
interessado.
— Tratá-los como gente, apenas para começar. É isso que faço na Vila
da Liberdade. É verdade que eu ofereci as terras e os materiais, mas foram
eles que construíram as casas e são eles que produzem seus alimentos. Não
quero que vivam de minha caridade, sequer quero que me tratem como a
heroína, apenas quero que me vejam como igual; talvez a mulher que detém
o capital, mas jamais uma santa. E você sabe que eu teria os alforriado, ao
menos os que estão sob custódia de Santa Cruz, se tivesse poderes para isso,
mas sou apenas uma mulher que depende de um homem para fazê-lo.
— Uma visão muito revolucionária para a filha de um rico barão – ele
foi sarcástico, mas sem a intenção de ofendê-la e Isadora o entendeu.
— Tal qual o filho de um conde que conheço – ela retrucou, sorrindo. —
A propósito, sempre existirá aqueles que me julgarão por não me declarar
abertamente abolicionista – ponderou —, mais um motivo para que eu seja
apagada da História, mas foi o jeito que encontrei para pôr em prática o que
acredito ser o mais justo sem correr o risco de ser aprisionada por me
julgarem louca ou tomada pelo demônio. Não se esqueça, Rodrigo, de que
se a inquisição ainda existisse eu correria o sério risco de ser queimada
viva.
— Já a chamam de “desafio de saias” – ele comentou em tom de
diversão. — Imagine se a conhecessem como eu tenho feito nos últimos
dias. Não me refiro apenas ao seu corpo – ele a lembrou —, mas à sua
mente, a forma como enxerga o mundo me fascina.
— O que me faz lembrar que você pode muito bem ser lembrado como
“o marido do desafio de saias”.
— Mas eu mereço mesmo ser lembrado com tal distinção – ele se
gabou.
— Muito exibicionismo de sua parte, caro marido. – Ela não conseguiu
evitar o riso.
Rodrigo a puxou contra ele e a beijou na testa. Com a outra mão ele
segurava as rédeas do cavalo.
— Eles irão aceitar um forasteiro na vila? – perguntou quando as
casinhas já estavam muito próximas e não eram mais pontinhos na
paisagem.
— Você é meu marido e o tratarão com respeito, esteja certo disso.
E realmente não poderia ser diferente quando tinha a mulher mais
incrível ao seu lado. E pensar que Rodrigo havia se ressentido ao interpretá-
la equivocadamente. Mas também pudera, ela o deixou quase louco com
tantos segredos, e o afastamento que fazia questão de alimentar o deixava
cego para conseguir interpretá-la corretamente. Era claro que não a julgava,
pois em seu lugar teria desconfiado a ponto de mantê-la afastada. Muitas
vidas dependiam dela e a alusão à colmeia nunca fez tanto sentido para
descrever uma mulher.
A sua mulher.
Ela era a rainha da colmeia e se o deixasse ser o zangão, não teria
problema algum em lhe render reverência.
Depois de horas viajando num sacolejo que parecia nunca ter fim,
chegaram nas terras do Conde de Itararé. Apesar de terem feito duas
paradas estratégicas para troca de cavalos, as estradas mais sinuosas na
descida do rio que serpenteava a propriedade para irrigar os cafezais, uma
benesse que nem todas as fazendas podiam dispor e que tornava as terras
ainda mais produtivas, atrasou-os, e Rodrigo se agitava cada vez mais pela
demora em atender o pai.
Já havia passado muito do meio-dia quando pisaram na sala de visitas
do impressionante casarão, cujas paredes foram levantadas com tijolos
fabricados com terra e fibras naturais pelos primeiros escravizados da
propriedade, desembarcados no Cais do Valongo e trazidos a pé para a
região como dote da mãe do conde. Apesar das sucessivas reformas e
melhorias operadas nos últimos trinta anos, as linhas originais da sede
foram mantidas e enfeitadas com janelas ao estilo guilhotina e beirais de
cimalha que se fundiam às pilastras a fim de criar uma composição
harmoniosa. Mas era o jardim de inverno, que substituía a varanda com
amplas vidraças coloridas que tentavam imitar o efeito de um arco-íris, que
mais impressionava os visitantes.
Isadora ainda se lembrava dos detalhes que cercavam a história da
propriedade e respirou fundo quando as memórias dos seus dias vividos ali
como noiva de Tadeu tentaram ofuscar o seu presente ao lado do marido.
Lutou para que o ressentimento não justificasse que fosse rude com
Rodrigo, ele não merecia nada além de seu apoio.
— Sejam bem-vindos! – disse a mulher que Isadora reconheceu se tratar
da escravizada que cuidava dos assuntos da casa. Na época em que
costumava visitar o noivo, ouvira comentários de que o conde a mantinha
como amante. Era uma mulher bonita e de voz suave, talvez com pouco
mais de quarenta anos; e que também diziam ter sido muito próxima da
condessa. Infelizmente, Isadora não chegou a conhecer a mãe de Rodrigo,
ela morrera alguns anos antes de seu noivado.
— Como está meu pai, Francisca? – Rodrigo se apressou a perguntar
assim que a avistou na porta.
— Nada bem – ela respondeu com os olhos marejados. — Fizemos tudo
que estava ao nosso alcance.
Rodrigo soltou a mão de Isadora e se aproximou da mulher que o viu
crescer e que costumava ser muito boa com sua mãe. Ele sabia que ela e o
pai mantinham um caso, mas o envolvimento apenas aconteceu após a
morte da mãe; em razão da lealdade que Francisca tinha pela sua senhora, e
não pelo juramento de fidelidade que o pai havia feito à esposa.
— Eu sei que fizeram. – Ele a olhou com carinho.
— Seu pai tem sofrido de falta de ar – ela contou preocupada. — Temo
que já seja tarde para ele.
— Vou tentar salvá-lo – ele prometeu.
— Eu sabia que mandar chamá-lo não seria um erro. Sempre foi um
garoto com um coração enorme, razão que o fez escolher a profissão que
escolheu. – Francisca deslizou os olhos para Isadora. — Então é verdade
que se casou com a herdeira do Barão de Santa Cruz?
Rodrigo largou as mãos de Francisca e voltou para o lado da esposa,
apoiando uma das mãos em suas costas.
— Isadora e eu nos casamos – ele confirmou —, há poucos dias.
— Seja bem-vinda, sinhá – Francisca fez uma reverência —, vou
providenciar cômodos, não esperava que viesse acompanhado.
— Não há com o que se preocupar, Francisca. Podemos nos alojar nos
meus antigos aposentos – Rodrigo avisou, tomando a decisão de que ali era
ele quem determinava onde iriam dormir. Além do mais, já estavam íntimos
o bastante para que começassem a dividir a cama como marido e mulher.
— Seus aposentos sempre foram cuidados como se continuasse aqui
conosco. O conde jamais perdeu a esperança de que retornasse – explicou
Francisca com o semblante menos preocupado.
Rodrigo sacudiu a cabeça e buscou o olhar de Isadora, para logo em
seguida voltar a encarar Francisca.
— Muito típico do meu pai esperar que eu voltasse enquanto me
chantageava – ele soltou como um desabafo que precisava ser verbalizado.
— Seu pai não consegue enxergar as coisas como sua mãe enxergava –
Francisca o lembrou. E então algumas coisas fizeram sentido para Isadora.
Ele a valorizava porque não queria cometer o mesmo erro do pai em não
considerar as palavras da esposa tão somente porque era mulher. — Mas
isso são águas passadas – alisou o avental —, o sinhô e sua esposa precisam
descansar.
— Isadora precisa descansar, com certeza.
— Mas Rodrigo, quero ajudá-lo – Isadora o interrompeu, pois sabia o
que o marido pretendia: colocá-la embaixo dos lençóis enquanto ele se
dedicaria aos cuidados do pai.
— Depois que estiver descansada – ele insistiu.
— E você? – ela perguntou preocupada.
— Quanto a mim, preciso apenas trocar de roupa. Não posso atender um
moribundo com roupas sujas. Francisca, por favor, leve um pouco de água
para os meus aposentos e algo para que minha esposa coma. Mal tivemos
tempo de nos alimentar – ordenou e a mulher se afastou arrastando os
chinelos pelo chão de madeira encerada. – Rodrigo ofereceu o braço para
Isadora. — Espero que não se importe de dividir os aposentos comigo – ele
abaixou a cabeça para cochichar —, e a cama.
— Não quero incomodá-lo, Rodrigo – retrucou ela.
— Minha esposa jamais me incomodaria. Aliás, prefiro que se acomode
em meus aposentos, não quero que fofoquem sobre a legitimidade do nosso
casamento. Mas o mais importante: eu quero que fique comigo.
Isadora sorriu com a decisão do marido e o acompanhou em silêncio.
Não seria um sacrifício poder ficar mais próxima para cuidar dele.
Os dias costumavam passar devagar quando eram dedicados aos
cuidados de um moribundo. Para Isadora, acompanhar a convalescença do
sogro não era agradável, principalmente porque a fazia se lembrar das
últimas semanas de vida do pai, mas se empenhava para apoiar o marido.
Ela e Lúcia ficaram ao lado do barão até seu último suspiro e, por essa
razão, sabia que Rodrigo precisava fazer o mesmo, para que pudesse se
despedir daquele que lhe deu a vida, por mais que as diferenças os tivessem
afastado.
Rodrigo lhe explicou que o pai não havia dado importância a um
resfriado e, em razão da asma que enfrentava desde a juventude, a infecção
se alastrou para os pulmões. O prognóstico era péssimo, na verdade.
Mesmo assim ele se empenhava em oferecer conforto e quase não saía do
lado dele, o que a deixava preocupada, não queria que ele se esgotasse
quando ainda precisava retornar para o Rio de Janeiro a tempo de não
perder as provas finais. Porém, naquela altura do mês e considerando os
dias que já estavam fora, talvez ele pudesse ter perdido o ano.
— Com licença – ela disse ao colocar a cabeça para dentro dos
aposentos do sogro e, ao perceber que o marido cochilava em uma das
poltronas que ela havia mandado trazer, adentrou para ir até ele. — Rodrigo
– se ajoelhou diante dele e o tocou na mão —, por que não descansa um
pouco em nossa cama? – A mera menção à cama que estavam dividindo nas
últimas quatro noites a agitou por dentro e espalhou tremores pelo corpo.
— Eu deveria... – concordou, os olhos entreabertos e os bocejos que
soltava eram sinais de que estava esgotado —, mas preciso medicá-lo daqui
a pouco. Ele tossiu muito e quase se afogou. Meu pai não pode ficar
desassistido, uma nova crise pode matá-lo sufocado.
— Eu posso medicá-lo se me ensinar – ela o incentivou a descansar. —
Você precisa de algumas horas de sonho. De verdade! – Ela corou ao
lembrar o que costumavam fazer nas madrugadas. — Sabemos que é jovem,
mas precisa descansar. Tome um banho quente e durma por algumas horas.
— Estou acostumado, Dora – ele teimou.
— Sabemos que está, mas mesmo um médico precisa de descanso, ou
daqui a pouco é você quem vai adoecer.
Rodrigo evitou responder, apenas desencostou as costas da poltrona e
curvou o corpo para se aproximar da esposa. Queria beijá-la antes de
decidir se deveria ou não descansar.
Isadora aceitou o beijo e o abraçou com carinho.
— Não pense em me convencer a acompanhá-lo até nossos aposentos,
pois bem sabemos que dormir será a última coisa que vai fazer, e você
precisa muito dormir – ela explicou, o semblante estava sério. — Quero que
descanse de verdade, Rodrigo! – falou segurando o rosto dele com as mãos.
— Eu vou, esposa! – Finalmente ele concordou e, ao se levantar, a levou
consigo, olhando por cima do ombro dela para se certificar de que o pai
estava dormindo placidamente em sua cama. — Mas porque pretendo estar
disposto mais tarde. – E a beijou na boca, segurando-a firme pela nuca.
Isadora precisou puxar o ar com força para dentro dos pulmões assim
que desgrudou da boca do marido. Ela o olhou com paixão, embora ele
jurasse que talvez amor pudesse existir entre eles; ainda se sentia receoso
em verbalizar palavra tão importante quando a vida continuava uma grande
bagunça.
— Você não tem limites – ela o repreendeu, deslizando os olhos até a
cama do sogro. — Não respeita um moribundo.
— Estamos quietos – ele disse, beijando-a de leve na boca e a
suspendendo nos braços. — Seria um desrespeito se estivéssemos
empenhados em acordá-lo.
— Me coloque no chão – ela riu quando sentiu a barba roçar no
pescoço. — Se alguma das criadas entrar, o que vai dizer?
— Que somos um casal apaixonado – ele soltou, colocando-a de volta
no chão.
Rodrigo explicou à esposa como medicar o pai e pediu que ela tivesse
cuidado na hora de servir o xarope a ele, pois costumava tossir muito logo
após ingeri-lo em razão do efeito expectorante. Isadora memorizou
rapidamente cada detalhe do tratamento e o empurrou para fora do quarto,
determinada que ele fosse descansar.
— Se eu precisar, mando chamá-lo. Pode confiar! – disse ela.
Rodrigo pegou a mão dela e a levou aos lábios.
— Eu confio em você, Dora. Mas preferia que fosse comigo.
— Preciso cuidar do seu pai – ela disse, evitando encará-lo ou acabaria
o acompanhando, como sugerido. — Nos vemos mais tarde, Rodrigo. – E
fechou a porta antes que desistisse da ideia de bancar a enfermeira do sogro.
Seus pensamentos ficaram presos no marido enquanto dobrava algumas
roupas que encontrou espalhadas pelo quarto. Teria que dar ordens para que
as criadas tratassem de limpar com mais afinco, mas para que isso fosse
possível precisavam talvez mudar o conde para outro quarto, um que fosse
inclusive mais arejado. Conversaria a respeito com Rodrigo.
— Quero água. – Isadora ouviu os resmungos do sogro e se aproximou
para entendê-lo. — Quero água – ele repetiu e ela saiu em busca de um
copo com água, voltando em seguida para servi-lo.
— Logo o senhor precisa tomar mais uma dose de xarope – ela falou.
O conde a olhava de soslaio enquanto bebia a água do copo que ela
segurava para ele. E isso a deixou intrigada. Ela estivera ali em outras
ocasiões e Rodrigo a apresentou como esposa, mas diante do silêncio do
sogro, não souberam dizer se ele havia entendido que havia ganhado uma
Alencar como nora.
— A senhora é a filha do Barão de Santa Cruz – ele soltou com muito
esforço, a respiração estava pesada e a tosse dificultava que pudesse falar
com clareza.
— Sim, sou a Isadora. O senhor deve lembrar de mim, da época em que
fui noiva de seu primogênito. – Ela tentou ser mais elucidativa para facilitar
o entendimento do moribundo.
— E se casou com meu caçula – ele comentou, o peito subia e descia
pelo esforço que fazia em respirar.
— Eu e Rodrigo nos casamos, sim. – Ela afastou o copo dos lábios do
conde assim que ele ergueu a mão para avisar que estava satisfeito. — As
circunstâncias nos levaram a isso e agora sou sua nora, como o senhor e o
meu pai haviam planejado.
— Puxe uma cadeira e se sente ao meu lado, Isadora – ele pediu.
Ela o atendeu, levando uma cadeira para perto do sogro tão logo
depositou o copo em cima da mesinha, onde também ficavam guardados os
medicamentos.
— Se eu passar um pouco de unguento de sebo de carneiro em seu peito
não alivia? – ela perguntou ao olhar para os frascos de remédios espalhados
em cima da mesinha. — Bem, posso chamar Francisca para que o atenda
em meu lugar, é mais apropriado – sugeriu ao lembrar que não era decente
tocar no peito do sogro, mesmo que ele estivesse doente.
— Ajuda, mas eu não suporto o cheiro de sebo de carneiro – respondeu
ele. — Não se preocupe tanto com um homem à beira da morte – pediu
conformado com a moléstia que sugava sua vida —, eu não tenho mais
pulmões e logo devo morrer.
— O senhor não deveria pensar assim – ela tentou motivá-lo.
— Eu sou prático, minha jovem dama. E no momento só quero um dedo
de prosa.
Isadora se sentou para atender talvez a última vontade de um homem
que já havia vivido o suficiente para desistir de querer viver.
— E sobre o que o senhor quer conversar? – perguntou ela, cada vez
mais intrigada com o seu súbito interesse.
— A senhora e meu filho parecem se entender muito bem, apesar da
diferença de idade – ele comentou. — Sempre achei que Rodrigo poderia
combinar mais com sua irmã em razão da proximidade da idade. Inclusive,
eu propus um compromisso entre ele sua irmã mais moça, mas não agradou
a ideia ao barão.
— Rodrigo é um homem de bem, senhor conde – ela disse, evitando
tocar na diferença de idade —, e tem sido muito generoso comigo e minha
família.
— Eu deveria estar desgostoso com a senhora. – Isadora ergueu a
cabeça e o encarou. — O casamento que propôs a ele apenas o afastou
ainda mais de seu verdadeiro destino – ele tentou gesticular, mas a fraqueza
não o deixou —, Rodrigo é herdeiro do meu império e deveria estar aqui ao
meu lado, tocando os assuntos da fazenda em meu lugar. Mas insiste em ser
médico, enquanto seu irmão só Deus sabe por onde anda.
— É uma vocação honrada – retrucou Isadora. — Infelizmente, não é a
profissão que o senhor esperava, mas mesmo assim é honrada.
— Dois filhos e nenhum quis dar seguimento ao meu legado – ele
reclamou. — Tadeu rompeu com a senhora e me deixou em uma situação
deveras complicada com o Barão de Santa Cruz.
— Eu o entendo, senhor conde. – Isadora não pretendia chateá-lo e
preferiu ser mais pertinente, guardando as ponderações para si. — Meu pai
sempre quis um filho, mas Deus lhe enviou apenas filhas, e ele morreu sem
ter a quem confiar a fortuna que conseguiu acumular. Apesar de meus
esforços, sei que sou apenas uma mulher que não tem como passar adiante
o sobrenome de meu pai.
— Antes uma filha como a senhora do que dois varões que desprezam o
que construí – ele afirmou com a voz firme dessa vez, um resquício de
orgulho o movia a se esforçar para transparecer a fortaleza que a doença
estava consumindo aos poucos.
E algo dentro de Isadora retumbou forte, como se ela precisasse colocar
para fora o que estava lhe incomodando desde que pisara em Itararé. Todos
a julgavam impertinente demais por ousar desempenhar funções
resguardadas aos homens, mas jamais lhe deram motivos bons o suficiente
para que a convencessem a não cuidar da herança que recebera do pai.
— O senhor não teme a morte, mas teme que seu legado não tenha
continuidade. No entanto, esquece que é o senhor que tem contribuído para
que tudo que construiu encontre um fim. Rodrigo e Tadeu apenas desejaram
coisas diferentes do senhor, assim como eu desejava coisas diferentes do
meu pai. Não cometa o mesmo equívoco do meu pai, senhor conde, de não
confiar em mim para gerir os negócios. O senhor pode muito bem se
entender com seu caçula e dar a ele o voto de confiança para que seja o
médico que nasceu para ser; pode muito bem perdoar Tadeu por ter seguido
os anseios do coração ao se casar com uma mulher que o senhor não
escolheu, afinal, é ele quem dividirá uma vida com a esposa, e não o senhor.
Me perdoe o atrevimento, mas devo dizer mais. De tudo que vi nesses
últimos dias, aproveite e diga para Francisca o quanto a ama, e prove isso
dando a ela a liberdade que sempre mereceu. O senhor a ama e ela o ama, e
o amor não deveria ser condenado em razão da diferença de classe social ou
de cor de pele.
O conde começou a tossir e Isadora se apressou para levar até ele um
lenço, mas não estava arrependida de falar o que falou.
— Entendo muito bem o Barão de Santa Cruz quando dizia que a
primogênita seria perfeita para dar seguimento aos negócios da família se
tivesse nascido homem – ele disse —, tem a postura e a coragem que faltou
aos meus filhos.
Isadora se empertigou na cadeira, sentindo-se ofendida com a
colocação, tanto por ela quanto por Rodrigo, que só se mostrou ser um
homem de palavra e muito valente. Mas o pai dele, assim como o dela,
jamais conseguiria enxergá-lo como um homem corajoso. O fato de
renunciar ao seu apoio financeiro apenas o colocou no patamar dos
covardes, assim como o pai dela a descreveu como excêntrica e
inapropriada para o casamento.
— Eu lamento demais que o senhor e meu pai tenham a mente tão
limitada para acreditar que uma mulher não possa gerir uma fazenda. E
lamento mais ainda o fato de o senhor perder a estima de Rodrigo por não o
apoiar em seu sonho de se tornar um médico. Meu pai, o Barão de Santa
Cruz, ao não confiar em mim, uma mulher que é sangue do seu sangue, nos
criou tantos empecilhos e nos colocou em risco ao nos nomear um tutor que
mora do outro lado do mundo. Não guardo rancor por meu pai ter feito o
que fez. Mas o senhor pode fazer diferente. Rodrigo, apesar de tudo, está
aqui ao seu lado, confortando-o com o seu conhecimento para que seus
últimos dias de vida sejam mais aprazíveis. E eu, bem, eu, senhor conde,
posso ser a mulher que o ajudará a tocar seu império. – Isadora havia falado
demais, ela sabia que sim, e de repente o arrependimento a deixou sem
fôlego e com o coração batendo acelerado no peito; em contrapartida,
jamais havia se sentido tão livre ao enfrentar um homem poderoso. Talvez
ele a considerasse desrespeitosa, mas não seria a ele que pediria desculpas,
e sim a Rodrigo, a quem havia prometido zelar pelo pai moribundo. — Eu
não deveria ter falado o que falei – foi o que conseguiu dizer para expressar
que lamentava as palavras inapropriadas para o momento.
Ela se levantou e foi para perto da mesa para preparar o xarope.
— Poucas pessoas foram tão corajosas quanto a senhora – o conde disse
—, de me dizer o que eu precisava ouvir.
— Não deveria ter falado. – Isadora sacudia a cabeça enquanto
despejava o líquido viscoso na colher. — Eu falei para o senhor o que eu
gostaria de ter falado para o meu pai. E talvez, se eu tivesse falado, ele teria
mudado de ideia quanto ao tutor. Ou não. E eu teria me frustrado ainda
mais. – Ela se aproximou e se sentou na cama para servir o sogro. — E
então eu me casei com o seu filho para evitar a ingerência do tutor em
minha herança, fizemos um trato de ajuda mútua.
— E mais uma vez cumpriu com o papel reservado aos meus filhos,
Isadora Alencar – ele frisou o sobrenome dela de solteira entre uma tossida
e outra, de propósito —, tornando-se uma Paiva de Vasconcelos para que
dois legados fossem unidos, como eu e o barão havíamos decidido. Talvez o
filho que nascerá de vocês seja o herdeiro que eu e seu pai sempre
sonhamos.
— Foi um acaso do destino – explicou —, apenas um acaso. Não fiz
nada de caso pensado. – Isadora levantou da cama e o fitou. — O senhor
gostaria de beber um pouco de água? – decidiu mudar de assunto antes que
acabasse falando o que não devia. O conde fez um sinal negativo com a
cabeça. — Eu acho melhor me retirar – decidiu. — O senhor ficará melhor
assistido por Francisca.
— Faça isso! Chame Francisca – o conde concordou. — E agradeço por
ser verdadeira em nossa conversa.
— Espero não o ter aborrecido, senhor conde – Isadora disse enquanto
segurava a ponta das fitas de seu vestido com força, estava nervosa e
preocupada que pudesse ter contribuído para uma piora no estado de saúde
dele. — Queria que o senhor soubesse o filho maravilhoso que tem – ela
secou uma lágrima que escorreu pelo rosto —, o quanto a Medicina o faz
um homem impressionante. Nem todos os homens nasceram para plantar
café, mas também nem todos os homens têm condições de se formar
médico. E Rodrigo nasceu com o dom de salvar vidas e o senhor com o
dom de plantar café. Uma coisa não existiria sem a outra, senhor conde. Seu
filho será médico porque o café que o senhor plantou e vendeu possibilitou
que ele perseguisse seu sonho de ser médico. É desse legado que eu falo,
não necessariamente de uma fazenda. – Se curvou em uma reverência que o
impressionou. — Se me der licença, devo partir para encontrar Francisca.
— Isadora – o conde a chamou e ela se virou quando estava prestes a
abrir a porta, com a mão na maçaneta —, meu filho Rodrigo fez muito bem
em atender àquele anúncio de jornal. Se puder ajudá-lo com a contabilidade
da fazenda. A fazenda precisa continuar funcionando e faz muitos dias que
não me levanto desta cama para resolver as coisas.
Isadora esticou os lábios em um sorriso discreto e acenou com a cabeça
antes de se retirar. Ao fechar a porta, foi atingida pelos mais variados
sentimentos, que a faziam considerar o quanto havia sido imprudente em
perturbar o sossego de um homem à beira da morte. Por outro lado, Rodrigo
havia falado ao pai sobre as condições peculiares que os levaram ao
matrimônio e isso a fez se sentir menos culpada pelas coisas que havia
falado. E que jamais deixariam de ser a verdade em que acreditava. E
provaria que poderia ser aquela que cuidaria para que Itararé pudesse ainda
prosperar muito.
Enquanto caminhava pelo corredor em que ficavam os aposentos da
família, encontrou uma das mucamas e a interceptou.
— Em que posso ajudar a sinhá? – a mulher que usava um lenço
enrolado na cabeça perguntou em atitude servil.
— O conde me designou para que eu confira as principais despesas da
fazenda. Saberia me dizer onde posso encontrar os livros contábeis?
— Devem estar no gabinete do conde – ela respondeu. — Posso ajudá-
la, mas não sei ler.
— Obrigada! – Isadora agradeceu e seguiu a mucama corredor adentro.
Ao menos a conversa com o sogro lhe deu motivos para ter o que fazer.
Depois de tomar um banho quente e encher a barriga com o lanche
repleto de quitutes que Francisca preparou, Rodrigo adormeceu grudado no
travesseiro da esposa, confortado pelo seu perfume de verbena. E foram
horas de um sono que lhe devolveu a energia para acordar com a virilidade
roçando contra o colchão.
Ele a queria, de novo e de novo...
Mas não a encontrou com a facilidade que esperava.
Isadora não estava mais cuidando do conde quando passou por lá, mas
não estranhou o fato, considerando que já havia passado da hora em que
costumavam servir o jantar.
— Sinhá Isadora mandou servir o jantar no gabinete do seu pai – avisou
Francisca quando a questionou.
Rodrigo ficou intrigado com o paradeiro da esposa, mas guardou para si
a curiosidade. Logo ele a procuraria e descobriria o que estava fazendo no
gabinete do pai.
Ele se aproximou da cama e tocou na testa do pai com o dorso dos
dedos a fim de averiguar se estava febril.
— Ótima ideia trazer eucalipto para cá, Francisca – Rodrigo elogiou a
iniciativa. — Eucalipto auxilia na expectoração.
— É daquela árvore grande que aquele botânico amigo do conde trouxe
para cá. Mas não foi ideia minha não! – Francisca respondeu. — Foi sinhá
quem teve a ideia.
Rodrigo sorriu de canto, orgulhoso pela esposa que tinha.
— Meu pai dorme tranquilo e acho que minha esposa merece um pouco
de minha atenção – ele disse.
— Claro que merece – Francisca concordou. — Eu cuido do conde,
pode deixar. Mas não quer jantar antes?
— Já passei pela cozinha antes de vir para cá – avisou, aproximando-se
para beijar a mulher na testa.
Rodrigo partiu satisfeito com o estado de saúde do pai e foi ao encontro
da esposa. Evitou pensar que poderia ser a melhora da morte, pois ainda não
estava preparado para ter que enfrentar a difícil missão de vender Itararé;
ele sabia que o pai jamais o perdoaria se vendesse a fazenda, mas também
sabia que seu destino era ser médico e não fazendeiro.
Fazia uma noite fresca e as cortinas sacudiam quando o vento batia
nelas. A casa já estava se aquietando devido ao adiantado da noite. A brisa
o ajudou a amansar o turbilhão que vinha enfrentando, embora soubesse
que as horas de sono o ajudaram a aquietar a ansiedade pela incerteza do
futuro.
Ao passar pela sala, pegou uma pera do cesto que estava em cima da
mesinha de centro e a mordeu. O doce aguado da fruta explodiu na boca e o
lembrou do beijo de Isadora. Ao olhar para o piano da mãe que ficava na
saleta ao lado, sentiu vontade de saber mais sobre a esposa, se ela gostava
de tocar piano. Sempre a observou de longe, mas jamais haviam sido
íntimos para que pudessem trocar confidências do tipo.
Eles tinham tanto para viver...
Ao chegar no gabinete do pai, cuidou para abrir a porta com cuidado e
encostou o ombro no batente para observá-la. Isadora estava compenetrada,
estudando os livros com os óculos na ponta do nariz. Ela passava a ponta da
pena no nariz de tempo em tempo e fazia anotações em um caderninho.
Linda como sempre, pensou.
— Em todos os lugares da casa, jamais pensei que iria encontrá-la aqui
no gabinete do meu pai – ele arriscou chamar a atenção dela.
Isadora demorou alguns segundos para desviar a atenção das contas e
listas que ela conferia e, quando reconheceu o marido parado na porta,
sorriu.
— Foi seu pai quem pediu ajuda com as contas – avisou, fechando um
dos livros.
— Por que me deixou dormir tanto? – Ele se aproximou da mesa e
apoiou as mãos em cima do tampo para esticar o corpo a fim de beijá-la.
— Porque você precisava – respondeu segura de sua decisão. — E eu
me entretive com as contas das despesas. Mas, Rodrigo, você precisa falar
com o capataz o quanto antes – ela o avisou.
— Meu pai não tem um capataz, apenas um capitão do mato – ele
esclareceu.
— Como não? – ela ficou espantada. — Então as coisas são mais
complexas do que imaginei. Há muitas despesas que devem ser pagas,
materiais de trabalho a serem providenciados. Os dias que o conde ficou
acamado atrasou tudo...
— Amanhã eu e você vamos tratar disso, Dora – ele a interrompeu
colocando um dedo na boca dela. — E lhe dou carta branca para cuidar de
tudo.
— Mas eu preciso de você, você sabe que sim! – ela insistiu. — Porque
o capitão do mato não me dará ouvidos.
— Ele dará sim se eu ordenar, mas não a quero perto daquele sujeito. –
Rodrigo enrugou a testa e ficou sério de repente ao lembrar de que jamais
havia gostado do capitão do mato que trabalhava com exclusividade para o
pai.
Isadora se levantou e deu a volta pela mesa para se aproximar dele.
— Não vou me expor, Rodrigo.
— Sei que não – ele concordou e a puxou para seu colo. — Você me
provou que sabe cuidar de si mesma.
— Como está seu pai? – ela perguntou e ele percebeu que havia ficado
aflita de repente.
— Está dormindo.
— Eu fiquei empolgada e acredito que falei demais quando ele se dispôs
a conversar comigo – ela confessou.
— Seja lá o que vocês conversaram, o deixou mais tranquilo. Meu pai
dorme como um bebê, a respiração até está mais leve.
— É um alívio saber disso – contou ela, mais relaxada. — E você, quer
jantar? Deve estar faminto!
Rodrigo deslizou as mãos pela nuca dela e a encarou dentro dos olhos,
perdendo-se no brilho esverdeado.
— Tenho fome, Dora! Mas minha fome não é de comida. – Isadora
engoliu em seco e apertou as pernas uma contra a outra a fim de conter os
espasmos que corriam livres pelo corpo para chegar no meio, fazendo-a
morder os lábios. — Tenho fome de seu corpo, meu bem.
Ela afastou os lábios para se preparar para o beijo dele.
Rodrigo a estreitou contra o peito e colou os lábios nos dela,
introduzindo a língua em busca da dela. Isadora era sua em tantos níveis
que não havia palavras para expressar o quanto a queria. E ela o aceitava
como parte de algo mais importante, não mais um acordo que os reduzia a
parceiros de negócios. Ele era dela, só dela, enquanto ela se entregava a ele.
O que tinham desenvolvido em poucos dias, a proximidade com que se
tratavam, era mais intenso e perfeito do que muitos casais ousavam ansiar a
conquistar em um casamento.
— Rodrigooo – ela espichou as últimas sílabas do nome dele na
tentativa pueril de implorar que fossem precavidos para evitar que os
surpreendessem. Isadora havia sido ousada demais ao confrontar o sogro
em seu leito de moribundo e não queria dar mais motivos para que também
ali em Itararé a achassem uma metida e esnobe.
— O que foi? – ele perguntou, mas sempre sem parar de beijá-la.
Quanto mais a tinha, mais a queria, e a virilidade chegava a doer de tão
apertada que estava dentro da calça. Desconfiava de que jamais se sentiria
saciado quando se tratasse da esposa.
— Aqui não, por favor! É o gabinete do conde e eu, bem, eu fui um
pouco... não, eu fui muito abusada ao dizer o que disse para seu pai logo
cedo.
— Você o enfeitiçou, isso sim – ele seguia com os beijos pelo pescoço
dela enquanto as mãos trabalhavam para abrir os botões do vestido que
ficavam nas costas —, com sua voz doce, seus olhos impressionantes e sua
inteligência incrível.
— Mas ele pode não ter gostado – ela refutou a ideia de que tivesse
impressionado o conde.
— Mas não desgostou, porque dorme o sono de quem não está
preocupado.
Isadora espalmou as mãos pelo peito dele e o empurrou.
— Vamos para nossos aposentos, Rodrigo. Por favor! – implorou.
— Vamos para onde você quiser, querida – ele concordou, levantando-se
com ela no colo. Isadora soltou um gritinho. — Desde que eu esteja com
você, não me importa o lugar.
— Espere! – ela o interrompeu. — Preciso levar comigo um caderno... –
mordeu os lábios quando o notou confuso —, quero mostrar algo que
encontrei.
— Por Deus, mulher! – exclamou impaciente. — Estou louco para fazer
amor com você e você está preocupada com os cadernos de meu pai. – Ele a
sentou na mesa e com um braço puxou o livro de capa preta e o entregou a
ela para, logo em seguida, pegá-la novamente no colo. — Está satisfeita? –
perguntou irritado.
Isadora agarrou o livro contra o peito e o beijou no rosto.
— Estou!
— O que você não pede chorando que eu não faço sorrindo, esposa?
Ela se sentiu especial de um jeito que a fez soltar um longo suspiro.
Depositou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos para que a sensação
agradável permanecesse com ela por mais tempo. O barulho do taco das
botas a guiava entre os cômodos, a excitação se tornava mais forte à medida
que percebia que estavam chegando nos aposentos. A experiência de dividir
a cama com o marido estava sendo esplêndida, por mais estranha que fosse
aceitar a ideia de que ele era tudo o que ela precisava na vida.
— Finalmente chegamos – comemorou Rodrigo ao depositá-la em cima
da cama. Ele se afastou para fechar a porta e fez questão de passar o trinco
para que ninguém ousasse perturbá-los.
— Rodrigo – ela soltou quando o avistou já sem camisa.
— Preciso de você – ele explicou —, e muito.
Ao se ajoelhar na frente dela, a envolveu com os braços e se dedicou aos
botões que ficavam nas costas do vestido. A ansiedade se misturava à
pressa a ponto de dar um puxão para abri-los, arruinando o elegante
modelo.
— Jerusa não está aqui para consertar meus vestidos – ela lamentou ao
ver os botões em formato de pérola rolarem pelo chão de madeira.
— Francisca pode consertá-los, na falta de Jerusa. – Ele a puxou pelo
queixo para que o fitasse. — Eu quero sentir sua pele... contra a minha. – E
a beijou na boca, empurrando-a para o centro da cama.
As mãos de Isadora deslizaram pelas costas dele, arranhando-o com a
ponta das unhas. Rodrigo soltou um gemido que a excitou ainda mais. E, de
repente, ele a surpreendeu girando-a para que ficasse de costas para ele.
— Eu odeio espartilhos – ele declarou. — Além de colocá-la em risco
por apertar as costelas, dificulta minha vida. – Isadora não aguentou e riu
com vontade. — Minha esposa ri porque não é ela quem tem que sentir o
aperto dentro da calça – prosseguiu enquanto afrouxava as fitas do
espartilho. Jogou-o para longe assim que conseguiu livrá-la dele.
— Pobrezinho – ela soltou em tom de deboche e ele caiu na risada
junto, acomodando-se ao lado dela na cama. Os espasmos das gargalhadas
se misturavam à luxúria que suas pequenas mãos lhe infringiram na pele.
Isadora ria tanto que começou a soluçar.
— É verdade – ele garantiu enquanto mirava o teto.
Ela, então, girou o corpo e se inclinou sobre o dele na tentativa de
desvendá-lo, claro, se ele permitisse.
— Deixe-me ajudá-lo com o aperto – ofereceu ajuda e os olhos dele
brilharam, pura malícia. Sua esposa agora entendia melhor como o corpo
dele reagia ao dela.
— Sou seu – ele colocou as mãos atrás da nuca e piscou.
Isadora sentiu o corpo se arrepiar à mera possibilidade de possuí-lo.
Montou na barriga dele, uma perna de cada lado, e deslizou os dedos pela
extensão do tórax à procura de detalhes que o deixassem mais próximo de
um homem comum, mas desistiu quando se convenceu de que o marido
havia nascido para não ser comum em qualquer aspecto, muito menos o
físico.
— Você é tão perfeito – ela o elogiou, a boca salivava ao lembrar que
poderia tocá-lo em todas as partes que desejasse, tal e qual ele a tocava. —
É tão lindo que chega a irritar.
Ele riu do comentário, mas o orgulho de impressionar a mulher que
sempre foi aquela que consumia seus pensamentos o deixou em êxtase.
Isadora se curvou e o beijou na boca. Foi um beijo longo, pensado para
enlouquecê-lo. O roçar da ponta dos seios no tórax duro a deixou ansiosa
pela penetração. Não poderia negar que era uma descarada ao se deixar
invadir por pensamentos tão mundanos. Mas era impossível evitar o que ele
a fazia sentir, por mais escandaloso que fosse.
Ele a notou pensativa e a puxou pela nuca enquanto as mãos a
agarravam pelo traseiro.
— Sou seu marido – disse —, comigo você pode ser o que quiser. Não
vou julgá-la.
Isadora não saberia dizer se foi o que estava sentindo ou o que ele havia
dito, talvez fosse um misto das duas coisas, mas algo dentro dela explodiu
para libertá-la definitivamente das amarras que a impediam de viver de
acordo com suas vontades. E naquele momento ela queria provar o gosto
dele, se perder no corpo do homem que a fazia se sentir mulher.
A mulher dele, era exatamente assim que ele a fazia se sentir.
Ousada como nunca foi, Isadora desgrudou da boca dele e começou a
tocá-lo com os lábios até chegar na barriga. Afastou-se um pouco e estudou
o volume extra que nem sempre estava ali, mas que se tornava corriqueiro
quando começavam a se beijar e se tocar.
Rodrigo arqueou uma sobrancelha ao perceber que ela o estudava com
interesse.
— Você pode – permitiu que ela saciasse a curiosidade. A conexão que
eles mantinham chegava a assustar, ao mesmo tempo que a deixava segura
para que confiasse nele.
Isadora sorriu antes de concentrar-se na tarefa que iria libertá-lo do
aperto e o deixou encantado. Os dedos finos e elegantes deslizavam entre os
botões com agilidade. Rodrigo se encolheu ao sentir os dedos roçarem na
virilidade. Ela se empenhou em puxar a calça para baixo e quando o
membro ereto entrou em seu campo de visão, sabia que não havia mais
como se arrepender.
— Se eu o tocar... posso machucá-lo? – perguntou, um pouco tímida, e
ainda mais envergonhada por não conhecer os detalhes do corpo masculino.
— Não vai me machucar, Dora. Pode tocar – ele a incentivou.
E então Isadora se deixou levar pela curiosidade, espalmando a mão ao
redor do membro e sobressaltando-se quando o sentiu crescer entre os
dedos, ela jurava que a ponta havia crescido.
— Se eu beijar? – arriscou perguntar, os olhos sempre presos no que
segurava entre as mãos.
— Eu vou gostar – ele respondeu com a voz embargada, o corpo
relaxado à espera do prazer que era prometido pelos lábios da mais
apaixonante das mulheres.
Isadora abaixou a cabeça e o tocou na ponta com os lábios, timidamente
ela deslizou a língua pela extensão da glande e ousou chupá-la. Rodrigo
gemeu e contraiu os músculos ao sentir as ondas de prazer o aprisionar no
fascínio que ela já lhe provocava apenas por ser quem era, mas ter os lábios
dela em seu membro era o ápice de qualquer fantasia sexual que havia
nutrido ao longo dos anos.
E ele queria o mesmo. Ah, como ele queria beijá-la entre as pernas
enquanto ela o chupava, descobrindo que prazer era mais do que eles
haviam ensaiado até então. Alucinado pelos beijos e as lambidas dela no
pênis, arqueou o corpo o suficiente para alcançá-la e a girou de modo que
pudesse se embrenhar com a boca até o meio das pernas dela.
Isadora gritou pela surpresa, mas logo relaxou quando sentiu o prazer
dos beijos dele em sua intimidade. O efeito foi avassalador e quando menos
esperava se entregou às delícias dos toques dele enquanto o tocava com o
mesmo ardor.
Homem e mulher em busca da satisfação sexual, sem as regras para que
lhes impedissem de serem verdadeiros.
Quanto mais ele a chupava, mais ela queria retribuir. Quanto mais um
exigia do outro, mais entregavam um ao outro. Eram perfeitos naquela
cadência prazerosa em busca do orgasmo.
Isadora sentia como se a alma tivesse saído do corpo sem permissão, ao
mesmo tempo que Rodrigo a segurava para que não caísse em um
precipício. Ela dependia dele para ser salva, era ele quem lhe daria o que
tanto precisava. E quando sentiu a língua ricochetear no clitóris, as paredes
do quarto se tornaram brilhantes, não eram mais paredes, mas estrelas que
iluminavam seu caminho em busca do amor.
Amor.
Era amor que ela sentia; não poderia mais negar que o amava.
— Rodrigo – ela o chamou no mesmo instante que ele a chamou.
— Eu preciso estar dentro de você – ele completou e a girou na cama
para que pudesse se acomodar sobre o corpo dela, olho no olho, bocas
muito próximas, e o pênis começando a deslizar em busca de aconchego.
As palavras perdiam lugar para os gemidos conforme os beijos se
tornavam uma constância. As mãos de Rodrigo alcançaram as delas e, com
os dedos entrelaçados, ele as levou para o alto da cabeça enquanto a
penetrava duro e rápido.
Eles gemeram no mesmo instante quando o alívio os inundou como
resultado do arrebatamento sexual, e as palavras de amor ficaram presas em
suas gargantas como promessas de cumplicidade eterna.
Rodrigo se deitou ao lado da esposa e a puxou com ele, posicionando-a
quase em cima de seu corpo. Uma perna dela pendia no meio das pernas
dele. A languidez os abraçava para que nada pudesse afastá-los, estavam
exauridos e felizes.
— Rodrigo – ela se atreveu, a voz era macia e preguiçosa —, você acha
que o amor pode surgir de um casamento arranjado?
Rodrigo a apertou contra ele e fechou os olhos para fazer durar o que
estavam vivendo.
— Eu acho que o amor já acontece, Dora.
Fazer amor com a mulher que sempre foi a representação da perfeição
era mais do que um sonho que se concretizava, era tocar o paraíso e se
recusar a abandoná-lo, principalmente quando ele já havia se convencido há
tempos de que tal feito era impossível.
O amor já acontecia, era óbvio que sim, mas preferia que ela descobrisse
por si mesma que o que os ligava era mais do que uma atração poderosa.
— Aqui está! – Isadora se virou de frente para o marido com o caderno
que trouxera do gabinete do conde em uma das mãos, enquanto com a outa
ela segurava o lençol enrolado em seu corpo; os cabelos castanhos
cascateavam pelos ombros, criando um halo de luz quando a luz das velas
os iluminava. Rodrigo quase perdeu o fôlego e desejou ter a habilidade de
um exímio pintor para eternizar sua beleza, era como olhar para uma
divindade pagã cujo culto havia se perdido no tempo. Ela caminhou de
volta para a cama e se aconchegou no meio das pernas dele, despertando-o
da sensação de que estavam em outra época. Talvez não tivesse passado de
uma ilusão, mas ele sentia que a havia enxergado em outra vida, uma em
que talvez também tenham sido amantes.
— O que tanto quer me mostrar nesse caderno? – perguntou, beijando-a
no rosto, os braços a seguravam presa ao corpo dele e o calor que trocavam
era como juras de amor que o vento levava consigo para espalhar pelo
mundo afora.
— Você não vai acreditar no que encontrei dentro deste caderno – ela
bateu com o dedo indicador na capa grossa de couro —, é um inventário
com todos os trabalhadores da fazenda e, no caso, todos são escravizados.
— Meu pai sempre foi muito meticuloso – Rodrigo comentou por alto,
esforçando-se para entender a complexa mente que a esposa dispunha para
enxergar o que não era óbvio para a maioria das pessoas.
— Meu pai também mantinha registros do tipo, mas este aqui não chega
perto dos registros das nossas fazendas – ponderou e abriu o livro na página
que havia marcado com uma fita de cetim, tão delicada quanto ela, e que
não combinava muito com a rudeza do couro da capa do livro. — Veja –
apontou para uma relação de pouco mais de vinte nomes —, aqui nesta
coluna temos o nome dos escravizados, e aqui, nesta – indicou a coluna do
lado direito —, temos uma relação de doenças que afetam sua
produtividade.
Rodrigo encostou o queixo no ombro da esposa e analisou com mais
cuidado o que ela lhe mostrava.
— Algumas queixas são indícios de que não são simples resfriados – ele
afirmou.
— Agora olhe para as datas dos registros. – Isadora apontou para a
coluna em que eram registradas as datas —, todas as queixas são recentes,
Rodrigo.
— O que pode ser indício de um surto – ele refletiu alto.
— E que pode ter sido a causa da piora do conde – argumentou.
— E não um simples resfriado, como Francisca nos relatou – concluiu
ele. — Pode ser algo mais sério do que um resfriado, Dora.
— Pode sim – ela concordou. — Precisamos isolar os doentes antes que
mais gente adoeça.
— Você tem razão! – Beijou-a no ombro. — Amanhã, logo cedo, vou
cuidar disso – prometeu.
Rodrigo pegou o caderno das mãos dela, fechou-o e esticou o braço para
guardá-lo em cima da mesinha de cabeceira. Isadora girou o corpo a fim de
que pudesse fitá-lo e sorriu quando encontrou os olhos dele, preciosos e
maliciosos, mas que não a faziam sentir medo; ela o queria para sempre em
sua vida, disso ela já não tinha mais dúvidas.
— O que foi? – ela perguntou.
— Estava pensando que me casei muito bem – respondeu.
— Não sei se podemos considerar que desposar o “desafio de saias”
pressuponha uma ideia de que tenha feito um bom casamento – asseverou
ela.
— Ah, foi sim – ele confirmou sua boa opinião quanto ao excelente
casamento que havia feito. — Além de linda, tentadora, é a esposa mais
inteligente que um homem poderia ter.
— Não exagere, Rodrigo! – Ela riu, mas escondeu o rosto com o lençol.
— Fala como se não existissem outras mulheres inteligentes.
— Não como você – ele teimou.
— Claro que existem – ela discordou, destapando o rosto para encará-lo,
e dessa vez com o nariz arrebitado, que ele muito bem sabia que a levaria a
dar uma resposta ferina e audaciosa. Assim era sua preciosa esposa e ele se
esforçaria para não a mudar. — Acontece que nem todos os maridos
permitem que as esposas se aproximem dos livros. Consegue entender o
ponto?
— Que eu sou um marido à frente do meu tempo. – Ele piscou.
Ela sorriu com a resposta impertinente, embora muito apropriada para
um homem que fazia jus à fama de libertino. Rodrigo Paiva de Vasconcelos
era um descarado e isso o tornava ainda mais especial agora que o conhecia
melhor.
— E muito exibido – emendou ela.
— Disso não tenho qualquer dúvida, meu bem. – Ele abaixou a cabeça e
a beijou, mantendo-a presa em seus braços para que a cumplicidade com
que conversavam sobre qualquer assunto jamais deixasse de ser a tônica
que os aproximava enquanto marido e mulher.
Uma hora depois e mais calma, Isadora olhava para o marido do alto das
escadas. E ele a mirava com tanta admiração que lhe faltavam palavras para
descrevê-la.
A sua esposa arrumada com o que de mais ostentoso existia em matéria
de vestuário e joias era um espetáculo capaz de cegar qualquer um.
— Jerusa me ajudou a arrumar o penteado e troquei as luvas rasgadas. –
Ela ergueu os braços para mostrar. — Por sorte não sujei o vestido.
— Você está tão linda que minha vontade é subir as escadas e me juntar
a você na cama – disse ele —, mas temos um compromisso muito
importante para ir.
— Muito importante mesmo – ela confirmou. — E você está muito
elegante, marido – elogiou seu traje muito bem engomado. Rodrigo havia
conseguido se assear e trocar de roupa com a rapidez de quem estava se
preparando para ser médico.
Ele ofereceu o braço para a esposa quando ela terminou de descer os
degraus, beijando-a na testa.
— A conheceu? – perguntou, estava ansiosa para saber se o marido
havia conhecido a sobrinha.
— Sim! Minha sobrinha é a coisa mais linda que vi na vida, depois de
você, é lógico. – Piscou. — Quando escreveu na carta que Tadeu deixou
uma filha fiquei sem saber o que pensar, mas assim que a vi dormindo como
um anjo em sua cama percebi que eu a quero.
— Eu também fui tomada da mesma certeza quando a trouxeram para
mim lá no convento. Pilar é especial, Rodrigo, e deve ficar conosco. Ela
está tão ansiosa para conhecer o tio. Pobre menina, tem poucas recordações
do pai. Era praticamente um bebê quando Tadeu faleceu. – Isadora passou o
braço pelo do marido e deslizou até encontrar sua mão para entrelaçar os
dedos. — Sinto muito pelo que aconteceu à sua família. Não é fácil enterrar
o pai e descobrir a morte do irmão.
— Antes de morrer meu pai falou que estava na companhia de mamãe e
de Tadeu e presumi que meu irmão também estivesse morto. Francisca
acreditava que sim, porque apenas os parentes mortos podem se aproximar
de um moribundo à beira da morte. Então não foi um choque quando li suas
palavras – a confortou.
— Mesmo assim eu queria ter estado com você.
— Você estava comigo, acredite! Jamais deixei de pensar em você,
Dora. – Ele curvou a cabeça e encostou na dela. — É horrível pensar que
Emília a embarcou num navio com uma estranha – lamentou ao voltar a
mencionar o triste destino da sobrinha.
— Vamos amá-la tanto que Pilar não terá motivos para se recordar da
viagem ou do medo que sentiu.
Rodrigo se colocou na frente da esposa e a pegou pelos braços,
buscando os olhos verdes para ter certeza de que o que ela queria era o
mesmo que ele.
— Você realmente a quer? – perguntou.
— Claro que sim! Ela me escolheu como sua mãe, e nós nos amamos
como mãe e filha, apesar de tudo ser ainda muito recente.
— Mesmo sendo filha de Tadeu e Emília, as pessoas que a
machucaram? – foi mais enfático.
— Eu a quero porque tem o seu sangue, Rodrigo – respondeu com
eloquência, os olhos marejados transbordavam a certeza que ele procurava.
— O homem que curou meu coração.
— Então ela será a nossa filha, a primeira de muitas que teremos. –
Sorriu e pegou na mão dela para beijá-la.
— Por que tem se portado como um exímio cavalheiro? – Ela o
provocou à procura do libertino que ele estava tentando esconder para não
amassar seu vestido.
— Porque não sou de ferro, cara esposa – ele resmungou e ofereceu o
braço para pajeá-la. — E se ousar me aproximar mais, ninguém vai me
deter de arrastá-la para a primeira cama que encontrar.
— Quando voltarmos – ela prometeu, agarrando-se ao braço dele para
encostar a cabeça enquanto caminhavam em direção à porta principal —, eu
tenho uma surpresa para você.
— E que Deus me ajude! – rogou por ajuda divina, sentindo a calça
muito apertada na altura da braguilha.
— Finalmente a encontrei. – Rodrigo parou na porta do dormitório
infantil para admirar a esposa empenhada em cobrir a sobrinha para a qual
ele estava ansioso a ser apresentado.
O jantar havia sido um sucesso e o fato de terem sido apresentados para
o médico da família imperial os ajudaria muito a conseguir talvez uma
audiência com Dom Pedro, e o apoio do Imperador apenas legitimaria a
causa das Alencar. Rodrigo atendeu ao pedido do pai e não comunicou
sobre sua morte, e o fato de não tocarem no assunto foi um alívio. O que foi
muito apropriado, já que não teriam assunto para julgá-los por não estarem
recolhidos como o luto exigia.
— Aproveitei que precisava verificar o que havia acontecido com
Romero e os capangas e resolvi me certificar de que Pilar estava bem. Ela
tem um sono muito agitado e será sua primeira noite sozinha – explicou. —
Pilar tem dormido na minha cama.
Rodrigo achou curioso a facilidade com que ela levou a menina para a
própria cama quando se esforçava muito para mantê-lo distante. Mas evitou
comentar porque a saudade que sentia era maior do que seu orgulho ferido.
Além do mais, Pilar a havia despertado para a maternidade e o amor de uma
mãe não merecia questionamentos. Isadora e Pilar se amavam como mãe e
filha e isso era o mais importante.
— Estou ansioso para conversar com Pilar – ele disse —, dizer que sou
seu tio e que vamos adotá-la como nossa filha.
Isadora beijou a cabecinha da menina e se levantou para se aproximar
do marido.
— O que aconteceu com Romero e os capangas? – perguntou ela.
— Magalhães esteve aqui com dois guardas e os levaram. Amanhã vou
procurá-lo para saber os detalhes. – Ele sorriu e esticou o braço para puxá-
la para mais perto dele. — Mas amanhã, porque hoje eu quero me
preocupar apenas com minha esposa. – Beijou-a na boca. — O que você fez
com os médicos... por Deus, mulher, você é fenomenal. Conseguiu trazê-los
para o nosso lado.
— Não foi nada demais – ela corou —, apenas usei mão de um
expediente muito eficaz: o suborno. Muito eficaz, mas também muito
amoral.
— E quem poderá julgá-la? Apenas quis proteger quem lhe é caro –
argumentou ele. — Eu quero fazer amor com você.
— Eu também quero, Rodrigo.
— Na minha cama ou na sua?
— Na minha não, muito menos na sua – ela o surpreendeu, afastando-se
dele. — Eu tenho uma surpresa para o meu marido. – O empurrou para fora
do dormitório e fechou a porta com cuidado. — Confia em mim – ela pediu
quando os olhos de desconfiança dele a deixaram preocupada.
Rodrigo a encurralou contra a parede, um braço de cada lado do corpo,
estavam tão próximos que ela sentia a dureza da virilidade roçar contra sua
barriga, o hálito morno esquentava a pele do pescoço para que ela sentisse
arrepios se espalharem pelo corpo.
— Eu quero fazer amor com você, Dora – ele repetiu. — O lugar não
importa.
Ela dobrou os joelhos para passar por baixo dos braços dele, apressando
o passo para fugir ou acabariam fazendo amor ali mesmo, no corredor.
— Não estrague a surpresa – e jogou um beijinho no ar antes de lhe dar
as costas. — Só me siga.
Rodrigo passou as mãos pelos cabelos e correu atrás dela. Às vezes, ele
conseguia alcançá-la e lhe roubava alguns beijos, mas ela acabava fugindo
novamente. E a perseguição o estava deixando cada vez mais excitado. Ele
jurava que haviam atravessado a mansão quando se sentiu ofegante em
razão da perseguição.
— Se quer fazer amor não deveria me esgotar desse jeito – a alertou.
— Chegamos – ela comemorou parada na frente de uma porta. — Eu
tomei a liberdade de fazer algumas reformas enquanto você estava fora. –
Ele cruzou os braços e se encostou na parede do outro lado do corredor, à
espera das novidades. — Julguei oportuno que tivéssemos um cantinho só
nosso... e...
— E? – ele a incentivou.
— E... bem... veja com seus próprios olhos – e então Isadora abriu a
porta e o que ele viu, apesar da penumbra, foi a prova de que ela o queria
em sua vida. — Não podemos ter duas camas. Mas eu me mudar para os
seus aposentos ou você para os meus não me parecia ser certo. Então...
— Então vamos ter nossa própria cama, uma só nossa – ele concluiu,
pisando duro na direção dela para abraçá-la enquanto a boca a devorava
com beijos famintos.
— Se importa em dividir os aposentos comigo? – Ela precisava saber o
que ele pensava.
Rodrigo a levantou nos braços e encostou sua testa na dela.
— É o que eu sempre quis, e por Deus, mulher, eu achei que nunca iria
me aceitar em sua vida. De verdade e para tudo, como seu homem.
Ela o abraçou e quando ele a depositou na cama, o trouxe com ela, para
que se sentisse parte do mundo dele, definitivamente.
— Eu senti tanto sua falta que precisei ir me deitar em sua cama para
conseguir pegar no sono – confessou.
Rodrigo arqueou os lábios em um sorriso de orgulho genuíno, os olhos
brilharam a mais pura das malícias.
— Você fez mesmo isso, Dora? – Ele precisava ouvir de novo.
— Fiz – confirmou. — Porque descobri que amo você, Rodrigo. – O
coração dele ameaçou saltar pela boca quando a declaração que tanto queria
ouvir se tornou a maior verdade que existia entre eles. Porque Rodrigo
também a amava. — Meu coração é seu e minha alma sente a sua ausência
o tempo todo. Mas eu tenho medo de que não...
— Xiiii... – Ele a interrompeu com um beijo na boca e depois afastou a
cabeça para que pudesse fitá-la, olho no olho. — Eu também amo você,
Isadora. A amo há muito tempo. E agora sei que o fascínio que você me
causava era apenas o indício do amor que eu iria sentir por você quando a
tivesse nos meus braços.
— Rodrigo... faça amor comigo. Prove para mim que você me ama – ela
exigiu enquanto as mãos deslizavam entre os botões do colete de seu
elegante traje de gala. Ela tinha um marido viril, elegante, cujo porte o fazia
se destacar; não lhe passou despercebido os olhares que as damas lhes
direcionavam. E o melhor, era só dela. Ele a amava.
Rodrigo saiu de cima dela e a trouxe consigo para que pudesse livrá-la
das roupas com mais facilidade, estavam de joelhos em cima da cama, um
na frente do outro. A primeira coisa que desfez foi o elegante penteado,
depois a virou de costas e abriu cada um dos botões para lhe tirar a primeira
camada de pano. Quase perdeu a paciência com o espartilho e sequer se
empenhou em tirar o chemise, embrenhando-se com a cabeça no meio das
pernas dela assim que a empurrou no colchão para que ela pudesse sentir
seu primeiro orgasmo.
E ela se desmanchou na boca dele, livre e segura de que nada poderia
conter a força de um amor. Eram almas que se reencontravam para que
pudessem concretizar uma união prevista para provar para o mundo que o
amor podia tudo, até fazer acontecer o impossível.
Isadora sentia os lábios dele deslizarem pela pele encharcada, como se
ele pudesse espalhar trilhas de fogo, e apertou as coxas uma contra a outra
enquanto agarrava os lençóis. Envolvida pelo prazer sexual, mal percebeu
quando ele a girou na cama, posicionando-a de quatro e com o traseiro
empinado para ele. Rodrigo curvou o corpo sobre o dela, encaixando a
ponta do pênis em sua entrada. Bastava deslizar para que o aperto
aconchegante o levasse ao êxtase do que era fazer sexo com a mulher
amada.
— Eu acho que agora que confessamos que nos amamos, a indecência
não precisa mais ser um motivo a nos limitar. O seu corpo é como um
templo para mim, Dora. Jamais vou maculá-lo – prometeu quando ela
demorou para responder ao seu comentário. — Você me deixar te possuir
nessa posição? – insistiu.
Isadora girou a cabeça e encontrou os olhos do marido para que a
cumplicidade se tornasse a confiança de que ela precisava para se tornar
parte do corpo dele.
— Eu quero ser sua, não importa a posição – esclareceu e o deixou
afoito. — Não pode existir indecência quando o amor desabrocha. – E tudo
fez sentido na cabeça de Isadora, de que o amor regia a cumplicidade para
que pudessem sentir prazer juntos; ele a respeitava e a admirava pelo que
era, não tinha o que temer.
Rodrigo a penetrou e quando a carne macia envolveu por completo o
pênis, a felicidade de estar onde mais queria o fez perder o controle. As
estocadas se tornaram firmes e seguiam o ritmo dos gemidos que ela
soltava. O coração dele passou a bater forte e o prazer que sentia se tornava
tão forte que nada poderia interrompê-lo de marcá-la como sua, a sua
mulher.
Para sempre sua.
Sem desencaixar do corpo feminino, ele se deitou de lado na cama,
levando-a consigo, e afastou os cabelos dela para beijá-la na nuca; depois,
mordeu o lóbulo da orelha e começou a deslizar as mãos pelo corpo macio,
se atreveu a puxar os mamilos e, a cada gemido que ela soltava, a vontade
de tocá-la mais o deixava à beira de um colapso nervoso, como se fosse
uma necessidade vital, fazendo com que o pênis endurecesse mais. Isadora
arqueou o corpo e empinou o traseiro, reflexo dos espasmos que a atingiam
sem piedade, tornando a penetração mais profunda e deliciosa. Ele a
abraçou e levou uma das mãos até o clitóris para massageá-lo. E foi então
que homem e mulher se entregaram ao inevitável sentimento de plenitude.
Extasiados.
Nenhum dos dois ousou interromper o encaixe para que a magia
pudesse perdurar um pouco mais.
— Rodrigo – Isadora o chamou.
— O que foi? – a incentivou para que se sentisse livre nos braços dele.
— Diga mais uma vez que me ama – pediu com a voz já sonolenta.
— Eu a amo, esposa, com todo meu coração, e para sempre.
Ao amanhecer do dia seguinte, Isadora precisou abrir e fechar os olhos
várias vezes, além de tocá-lo para ter certeza de que não se tratava de mais
um dos muitos sonhos que vinha mantendo devido à separação que lhes foi
imposta.
— Estou aqui – Rodrigo disse quando ela se virou para ele. — O seu
marido.
Ela sorriu e o mundo dele foi tocado pela magia do amor, para que os
problemas se tornassem insignificantes.
— Bom dia, meu amor! – ela o cumprimentou e o acariciou no maxilar.
— Meu amor – ele repetiu as palavras dela e a puxou para cima dele,
querendo mais uma vez a possuir.
Toc toc toc.
As batidas na porta os interromperam e ele se conteve para não
praguejar. Até ali, do outro lado da mansão, conseguiam importuná-los.
Isadora deslizou o corpo para o lado e saiu enrolada no lençol em busca
do penhoar.
— Deve ser Pilar – desconfiou e logo em seguida reconheceu a voz de
Jerusa avisando que a menina a queria.
Rodrigo se levantou imediatamente para encontrar as roupas. Estava
ansioso para conhecer a sobrinha.
— Pegue-a – ele exigiu enquanto vestia a calça.
Isadora considerou a ideia de que não estavam apresentáveis para
receber uma menina, mas decidiu desprezar as regras de decoro e seguir seu
coração. Ela ansiava que Rodrigo conhecesse Pilar. Então se certificou de
que o marido estava vestido adequadamente e abriu a porta. Pilar se jogou
nos braços dela.
— Pode ir, Jerusa! – dispensou a mucama e deu um beijo no rostinho da
menina.
— Eu dormi sozinha, tia – Pilar contou feliz sobre sua pequena
conquista.
— Que mocinha linda eu tenho como filha – Isadora a parabenizou. —
Querida, quero apresentar a você o seu tio Rodrigo. – Soltou-a no chão para
que pudesse correr para os braços do tio, que a recebeu com entusiasmo; ele
sorria tanto que a menina se sentiu querida.
Rodrigo sentiu a garganta embargada e o reconhecimento de que eram
uma família de verdade o atingiu em cheio, como se ele tivesse vivido para
conquistar a felicidade justamente do jeito mais inusitado. E parou de
pensar se era apropriado ou não o que estava sentindo, apenas aceitou que o
irmão lhe mandara de presente o que talvez tivesse sido a única coisa boa
que deixou para o mundo, além de Isadora.
Isadora os observava com os olhos marejados, mantendo certa distância
para que pudessem ter espaço para se conhecerem. Mas o reconhecimento
aconteceu tão rápido que tio e sobrinha se sentiam confortáveis para engatar
uma conversa. E para quem passou a acreditar que a solteirice era o modo
mais fácil de se manter segura, a família que conquistou se tornava o
principal motivo para continuar lutando.
— Venha cá, Dora – Rodrigo a chamou para que se juntasse ao abraço.
A queria junto deles, a sua família.
Isadora começou a caminhar na direção deles, mas precisou se apoiar no
dossel da cama para não cair. A dor de cabeça havia voltado de repente, e
tão forte que se sentiu tonta e perdeu o foco sobre as coisas que a rodeavam.
— Eu... – não terminou a frase e caiu desmaiada na cama.
Rodrigo ficou desesperado ao assistir a esposa desfalecer como se fosse
um pedaço de papel empurrado pelo vento, mas, para não assustar Pilar,
prendeu o grito na garganta. Colocou a menina sentada na cadeira que
ficava em frente à penteadeira e prometeu a ela que tudo ficaria bem. Tocou
a sineta para que algum dos criados pudesse cuidar da menina.
Jerusa, que estava próxima, foi a primeira a chegar e atendeu às ordens
do patrão para que tirasse a menina dali, pegando-a rapidamente no colo.
— Vou chamar um médico, sinhô – ela disse.
— Eu sou um médico – ele disse —, ou quase um.
— Mas o sinhô está muito nervoso.
Rodrigo segurava o pulso de Isadora para contar as batidas cardíacas.
— Pois bem! Chame um, Jerusa. E, por favor, faça subir água fresca –
ordenou. — E uma bandeja de comida... Isadora quase não comeu ontem à
noite. E depois... – Bem, depois eles fizeram amor como dois coelhos e mal
se preocuparam com o fato de que ela precisava se alimentar.
— Sinhá tem se queixado de dor de cabeça direto – avisou a mucama.
— É muita agitação para uma mulher grávida – deixou escapar sem querer.
— Grávida? – Rodrigo se espantou, girando a cabeça na direção em que
a criada estava. — Isadora sabe que está grávida?
Jerusa negou com a cabeça.
— Aconteceram tantas coisas que sinhá sequer percebeu... – ela ficou
envergonhada em falar sobre as intimidades femininas diante de um
homem.
— Pode falar – a incentivou —, não se esqueça de que sou médico.
— Sinhá não percebeu que o sangramento está atrasado este mês, mas
eu sim, porque sou eu quem cuido de suas roupas.
Rodrigo acomodou Isadora sobre os travesseiros e se curvou para medir
sua temperatura, encostando os lábios na sua testa.
— Grávida! Será que você está grávida, meu amor? – Roçou os lábios
nos dela e olhou para a mucama que segurava Pilar nos braços.
— Não precisa chamar um médico. – Ele se aproximou das duas e
acariciou o rostinho de Pilar com o dorso dos dedos. — Sua tia está bem,
querida. Ela apenas precisa descansar.
Sinopse
Agradeço a você, querida leitora, que tem sido o principal motivo para
me manter no caminho de contadora de histórias. Sem você, nada disso
seria possível.
Agradeço à minha generosa família, que acreditou em meus sonhos e
com seu apoio incondicional me deu força e esperança para acreditar que os
sonhos valem a pena.
Agradeço ao meu esposo, companheiro de mais de duas décadas, com
quem eu divido planos e ideias de enredos que só parecem se multiplicar
em minha mente.
Agradeço ao meu filho Augusto pelos dias em que não estive ao seu
lado a fim de concluir mais uma história e pelo orgulho que sente de sua
mãe ao me apresentar como escritora.
Agradeço às queridas Camille Chiquetti e Julia Lollo, profissionais
habilidosas e dedicadas, que trazem primor às minhas histórias ao se
empenhar em revisar e preparar meus textos. À talentosa Laizy Shine, por
expressar a magia de minhas histórias por meio de lindas capas. À minha
equipe, que não mede esforços para divulgar e promover meus livros.
Agradeço à talentosa Flávia Padula, minha parceira de projeto e
estimada amiga, por me ouvir e me confortar em momentos de dúvida e
insegurança, pela generosidade em compartilhar comigo suas experiências
e, acima de tudo, pela amizade que me oferece. Nossa sintonia criativa
perpassa espaço e tempo e nos faz compreender que alguns encontros são
obras do destino para uma missão maior.
E, por fim, agradeço a Deus pela graça de ter a chance de espalhar amor
em forma de palavras, tocando corações mundo afora para transmitir a
mensagem de que homens e mulheres são centelhas divinas que se
completam.
Diane Bergher é gaúcha de nascimento. Adotou Florianópolis
como lugar para viver com o marido e filho. É advogada com duas
especializações na área e formação em coaching e mentoring. Uma leitora
compulsiva e escritora por vocação, acredita que sonhar acordada, fantasiar
mundos e transformar realidades é a vocação da sua alma. Quando Ela
Chegou, sua primeira obra, foi lançada na internet e com um texto delicado
e sensível, conquistou o público feminino do site em que está hospedada.
Com a Série Belle Époque, Diane despontou rapidamente entre as autoras
mais vendidas no gênero romance histórico na Amazon, consolidando-a
como uma das romancistas mais lidas na atualidade.
Série Belle Époque
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Elas tiveram suas almas feridas e talvez nem o amor consiga resgatá-
las da melancolia e solidão a que foram confinadas pela ambição de homens
de pouco valor.
Duologia Noivas por Acaso
Sinopse
Sinopse
Sinopse