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O embate federativo presente na proposta de reforma tributária

Adriano Cerqueira, Cientista Político e professor do IBMEC-BH


O Brasil é uma república federativa, composta por três esferas de governo
(União, Estados e Municípios). Há também as três esferas legislativas (Congresso
Nacional, Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais). Ambas são receptoras da
soberania popular, por meio do processo de votação. E são totalmente dependentes das
receitas obtidas pelos impostos que compõem nosso sistema tributário. Nesse sentido,
qualquer proposta de reforma tributária impacta diretamente no interesse de milhares de
prefeitos, dezenas de governadores e o presidente da república, além de milhares de
vereadores e deputados estaduais, centenas de deputados federais e dezenas de
senadores da república. Sem falar, claro, dos milhões de contribuintes (pessoas físicas e
jurídicas) cujo patrimônio é a base de toda essa pirâmide arrecadadora.
Logo, não é difícil entender que uma reforma tributária, tal como a que está em
andamento no país, terá grande dificuldade para ser aprovada de modo rápido e
tranquilo. Tal impressão pode ter sido gerada pela última semana de trabalhos da
Câmara dos Deputados no primeiro semestre deste ano, quando, em apenas uma
semana, foi aprovada uma proposta, em dois turnos e que requisitaram uma maioria de
pelo menos três quintos dos deputados federais. O sucesso dessa empreitada foi muito
festejado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira e pelo governo Lula. Por outro lado, a
oposição reclamou do ritmo apressado adotado e da pouca discussão sobre a proposta
votada.
De fato, uma proposta (que afeta diretamente os entes que compõe nossa
complexa federação) deveria ser aprovada após um grande e extenso debate. Quem
defende o rito adotado argumenta que há anos propostas de reforma tributária vêm
ocorrendo no Congresso Nacional, tanto que a base da proposta da equipe econômica do
atual governo vem da antiga legislatura, quando o presidente era Bolsonaro. Sem
dúvida, o governo foi sábio ao usar uma proposta já em discussão como base de seu
modelo de reforma, mas muitas mudanças foram feitas tanto pela equipe econômica
quanto pelos deputados durante sua rápida tramitação na Câmara.
Agora, em agosto, deverá tramitar no Senado que é a casa que representa os
interesses dos estados (cada estado tem o mesmo número de representantes, que são três
senadores). Essa é a principal diferença da Câmara dos Deputados, que representa os
cidadãos dispersos nos estados, gerando uma distribuição desigual de deputados por
estado (os mais populosos têm mais deputados federais que os menos populosos). Isso
explica, em parte, a mudança que aconteceu no “Conselho Federativo” na proposta
aprovada na Câmara. Esse Conselho será responsável pela gestão do IBS, imposto sobre
bens e serviços que será distribuído para os estados e municípios. Na proposta aprovada,
os estados mais populosos terão maior número de representantes nesse conselho e
definirão sua gestão.
Ora, é de se esperar que o debate no Senado mexa com essa representação para
dar aos estados menos populosos maior número de representantes, como previa
inicialmente a proposta. Isso porque os estados menos populosos têm maior número de
votos que os mais populosos no Senado.
Portanto, é muito provável que a proposta votada no Senado modifique a que foi
aprovada na Câmara, o que obrigará que a Câmara delibere novamente. Até lá, a
reforma tributária deverá ser mais bem compreendida pelos contribuintes e pelos nossos
representantes. É o mínimo que podemos esperar em termos de responsabilidade tendo
em vista sua complexidade e importância para nossa república federativa.

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