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8 O superdotado: derrubando um preconceito* Oltserva-se na atualidade um interesse crescente pelo saperdotado, por aquele que se destaca por uma habilidade su- perior inusitada para uma pessoa de sua idade, ou por um de- sempenho excepcional, reflexo de suas habilidades ¢ aptidoes. Este interesse é fruto da conscitncia de que os superdotados constituem um grupo distinto, com caracteristicas especiais, que devem ser cultivadas para o seu melhor aproveitamento, em prol do desenvolvimento cientifico, teenolégico ou social. Quando se fala, porém, em superdotados, muitas sio as idéias que este termo sugere para distintas pessoas: para algu- as, 0 saperdotado seria 0 genio, aquele individuo que real- mente apresenta um desempenko extraoidinério e frmpar em uma determinada érea do saber e do conhecimento; para ou {tos seria um jovem inventor que surpreende pelo registro de ‘uma nova patente; para outros, ainda, seria aquele alano que sistematicamente se situa entre es primeiros da classe durante toda asua formagio académica, ov a crianga precoce, que apren- * Artiporginalnene publeado na revista Phmanilades, 1988, 15, 7-84, «we permis ua reproduio, ~ Pequenasaleragées foram intends note. ne dea ler sem ajuda e que surpreende os pais por seus interesses ec indagagées préprias de uma crianga mais velha. © termo su- perdorado sugere, ainda, a presenga de um talento, seja na rea musical, literdria ou de artes plisticas. O denominador comum em todas as diversas conotagdes do termo é a pre- senga, pois, de um notavel desempenho ou de habilidades ow aptidées superiores. Nas tiltimas décadas, 0 superdotado, que, até entio, era visto com indiferenca por alguns ou com hostilidade por ou- tos, passou a receber uma atengio especial, € em paises os mais diversos programas foram montados para favorecer de uma forma organizada 0 desenvolvimento ¢ aproveitamento do porencial superior. A premissa basica que fundamenta mui- tos dos programas atuais €a idéia de que por maiores que se- jam 05 talentos e habilidades, caso nao haja encorajamento, cestimulo ¢ treinamento, a par de esforgo ¢ empenho por parte dos individvos, dificilmente as hebilidades aleangarzo 0 sew nivel maximo de desenvolvimento. Pretendemos, no presente artigo, comentar inicialmente a atencio ao superdotado através da hist6ria ¢ alguns dos pro- gramss atuais. Em um segundo momento, discutiremos algu mas idéias preconcebidas sobre 0 superdotado, comuns em nosso contexto, ressaltando ainda alguns dos progressos que se fizeram notar nesta dea \ O superdotado através da historia O interesse pelo individuo que se destaca por suzs habili- dades superiores antigo. A historia registra diversos momen- tos em que este inieresse vem a tona, como nas prorostas de Plato, que defendia a idéia de que aqueles individuos com teligéncia superior deveriam ser selecionados nos seus primei- ros anos de infancia, ¢ suas habilidades cultivadas em benefi- 120 cio do Estado, treinadas para a lidetanga, denominando-as “criangas de ouro”. Tal zecomendacio de Plato confronta- va-se diretamente com a opiniio popular de que a lideranga deveria caber a elite da aristocracia, a qual era determinada hereditariamente. Hi, ainda, registros de um sistema de exames competiti- vos elaborado pelos chineses, hi mais de 2000 anos antes de Cristo, para selecionar criangas que se destacavam por sua i teligéncia superior, as quais passavam a receber, entéo, um atendimento especial. Essas criancas eram denominadas “divi- nas” ¢ encaminhadas & corte, tidas como pressigio de prospe- ridade nacional. Especialmente a imaginagao criadora, que se ‘manifestava através da poesia ¢ ensaios, era altamente valo} zada. Muitos dos jovens selecionados apresentavam mem6ri infaliveis e um raciocinio exceptional, motives de admiragio € reconhecimento social. No século XV, um sultéo na Turquia - Mehmet, 0 Con quistador - fundou uma escola-palicio em Constantinopla, enviando emissirios por todo o império para recrutar os me. nines mais fortes ¢ inteligentes. Nessa escola receberiam um treinamento em condigées altamente favoraveis a0 desenvol- vimento méximo de suas habilidades e competéncias. ‘Também de fascinio popular tem sido a ctianga-prodigio, 4 Wunderkind, aquela que apresenta talentos ou habilidades excepcionais, ¢ sobre a qual ha registros de longa data. Tais criangas se destacam, seja por uma meméria fantastica, seja Por uma capacidade de ler e entender precocemente varias linguas, ou, ainda, por uma habilidade artistica marcante, que se traduziria na composigao de soratas ou sinfonias des- de aidade precoce. Dentre os intimeros casos de criangas-prodigio, sobre as quais ha registro na literatara, salienta-se a de um jovem ale- ‘mio, que iniciow seu curso superior ainda crianga, recebendo, 121 aos 14 anos, o grau de Doutor em Filosofia, na Universidade de Leipzig; a de um outro que, aos 4 anos, lia alemao, francés, dominando também o latim. Na érea do talento musical, 0 fa- moso compositor Mozart é 0 mais conhecido, pela sua produ- io, jd a0s 4 anos, de minuetos. O superdotado na atualidade interesse por aqueles individuos com habilidades supe riores, tradicionalmente denominados superdotados, tomou um impulso considerdvel, especialmente nestas diltimas duas décadas, quardo em paises os mais diversos foram implanta- dos programas visando expandir as oportunidades oferecidas para o desenvolvimento do talento e das habilidades intelec- tuais e criativas. Especialmente nos Estados Unidos, além da Australia, Alemanha, China, entre muitos outros paises, ob- nescas Gltimas décadas um investimento crescente sem melho- iplementagio de programs que permi res condigdes de ensino a elite intelectual do pats. A razio desse interesse esta naturalmente ligada a cot ciéncia das erormes vantagens advindas com a implementa- io de programas que favorecem o desenvolvimento do talen- to em dreas consideradas prioritarias pelo Estado. O seguinte trecho de um documento do governo da Australia ilustra bem este aspecto: “A Austrélia esté comecando a se conscientizar de que, no mundo atual, a sobrevivéncia industrial e econdmi- ca do pais depende em larga escala da busca e estimulo da ex- celéncia, e que um dos recursos nacionais mais valiosos é a in- teligencia superior de alguns individuos” (Diretrizes da Secre~ taria da Diretoria Geral, Austrdlia, 1978). Também o seguinte trecho, de um documento publicado nos Estados Unidos, ilustra uma das raz6es da expansio acen- twada nos programas oferecidos nos esforcos observa¢os, tan. 122 to no sentido de favorecer a identificagao precoce quanto de um treinamento de boa qualidade ao superdotado: “Manifes- tadamente, para mantermos a rossa superioridade tecnol6g ca nos préximos 25 ou 50 anes, € necessério que o sistema educacional possa produzir um njimero maior de cientistas engenheiros mais capazes. Além do mais, o futuro da América depende também da qualidade de lideranga dispontvel no go- verro, nas empresas e nas profissdes. Para produzirmos cien- sistas mais competentes necessitamos fazer um maior uso de noss0s recursos intelectuais do que o fizemos no pasado” (Chauncey, i: Brandwein, 1981: XV). Grande nimero de programas tem sido direcionado, pois, para reas consideradas prioritérias pelo Estado, como mate- miitica eciéncias. A titulo de ilustragio, poder-se-ia lembrar acui © programa de ciéncias que é oferecido na Universidade de Co- |iambia, nos Estados Unidos, para 500 alunos de ensino médio que se destacam por seu desempenho académico que sio convi dados a participar de cursos e seminérios aos sébados. Tam- bém muito conhecido € o programa para jovens com habilida- des mateméticas superiores, na Universidade Johns Hopkins, que tem recebido criangas e jovens que af participam de um programa de alto nivel. £ interesse desse programa alcangar aquele aluno com um raciocinio matemético mais elevado que tenha potencial para se transformar em um notivel enge- heiro, matemitico ou cientista, em areas que exijam grande habilidade quantitativa (Stanley & Benbow). Outro exemplo sio os programas que tém sido oferecidos no Instituto para a Promogio de Artes ¢ Ciéncias, ligado 20 Museu Haaretz ¢ 4 Universidade de Tel-Aviv em Israel, onde anu- almente varias centenas de criangas ¢ jovens tém tido oportu- nidade de desenvolver suas habilidades ¢ talentos, através de cursos que enfatizam sobretudo a criagio de idéias (Landau, 1979; 1999). 123 As escolas especiais para talentos académicos ~ como a Escola de Matematica e Ciéacias de Moscou, subvencionada pela Universidade do Estado de Moscou, e a Escola de Mate- mitica ¢ Fisica de Novosibirsk, subvencionada pela Universi- dade do Estado de Novosibirsk — juntamente com os Jogos Olfmpicos ligados as matérias escolares ~Maternstica, Fisiea, Quimica, Biologia, Literatura ~,e virias das atividades desen- volvidas nas Casas e Circulos Pioneiros, ilustram as provisoes levadas a efeito na antiga Unio Soviética (Brickman, 1979). Na América Latina, um dos trabalhos mais conhecidos in- ternacionalmente foi o desenvolvido pelo Ministério para 0 Desenvolvimento da Inteligéncia, na Venezuela, que teve, den- tre seus objetivos principais, a criagio de melhores condigdes nas escolas do pais para o desenvolvimento pleno das habili- dades intelectuais Idéias errOneas sobre 0 superdotado No Brasil, pouco tem sido pesquisado e discutido sobre 0 superdotado. Este ainda € visto como um fenémeno raro, e prova disso é0espanto curiosidade diante de qualquer indi- viduo que se diz superdotado. Observa-se que muitas s40.as idéias erréneas a seu respeito, enraizadas no pensamento po- pular. Ignorincia, preconceito e tradigio mantém vivas uma série de idéias que interferem e dificultam a implementagio de programas direcionados a esses sujeitos no sistema piiblico e particular de ensino, Rutter (1976), a0 comentar o conhecimento, afirma que 1ndo temos 0 habito de examina criticamexte os fatos a respei to de determinadas questées, antes de se chegar a conclusées sobre elas. Segundo ele, € 0 nosso fracasio em reconhecer a nossa jgnorncia, ¢ nio a nossa ignorancis propriamente dita, que € mais prejudicial ao conhecimento. O nosso “saber” a 124 Hespeito de tantas coisas que nio sio verdadeiras, é que real ‘mente constitui um entrave a um conhecimento maior. As pa- lavras de Rutter aplicam-se integealmente a0 conhecimento a respeito do superdotado em nosso meio. Muitas so as id errdneas que imperam entre nds sobre o superdotado, que ne-

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