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JEAN BEGOIN DO TRAUMATISMO DO NASCIMENTO A EMOGAO ESTETICA CONFERENCIAS PSICANALITICAS. EM LISBOA PREPACIO PEDRO LUZES ‘TRADUCAO, MIGUEL SERRAS PEREIRA Ab26} FENDA DO TRAUMATISMO DO NASCIMENTO ‘A EMOGAO ESTETICA Jean Bécomn PEDRO LuzeS: iGUEL SER PEREIRA com excepeio des A uoescinca:dscobere reg da ientdade sexuat INDICE Prefaicio A violencia do desespero, ou 0 contrasenso cde uma *pulsao de morte” em psicanalise Neurose etraumatismo Depressio e destrutividade na vida psiquica da crianca A adolescencia: descoberta e integracio da identidade sexual O siproprio e o outro: identidade e alteridade 0 complexo de Eipo segundo Sigmund Freud € Melanie Klein, elucidado pelo devi Tornarse uma mae, tornarse um pai transmitir a esperanca © traumatismo do nascimento: de Freud e Rank a0 conceito de perinatalidade Narciso e Epo: lugar do mito na teoria psicanlitica 3 45 B ror 135 157 181 203 241 EAN BEGIN meus conselhos de prudéncia, a paciente abandonou em breve toda a medicacao. Ate hoje, a cura manteve-se, a paciente redes cobriu a alegria de viver, retomou todas as suas actividades, bem como as suas relacoes familiares e de amizade. Cada minuto da sua vida € vivido no maravilhamento e com uma intensidade estética notavel. Nao ¢ indiferente fazer notar que esta paciente, ‘como, de resto, a anteriormente citada, tem uma actividade, na este muito, de escultora amadora. Nunca me fora dado assistir ainda a um éxito tao perfeito da clivagem de um ni- cleo depressivo que, sem diivida, sera necessario tentar integrar progressivamente, ao abrigo da confianca reencontrada na vida 0 COMPLEXO DE EDIPO SEGUNDO S. FREUD E M. KLEIN, ELUCIDADO PELO DEVIR SI Comunieagao apresentada na Fac da Educag de Lisboa, lade de Psicologia ede Ciencias iro de 2001, INTRODUGAO Ente T0005 05 numerosissimos conceitos novos introduzidos desde ha um século pela psicanalise — primeiro, pelo proprio Freud e, depois, pelos seus continuadores 0 de “Complexo de Edipo”é, sem dlivida, o mais célebre, o que continua a ser como ‘que o porta bandeira unanimemente reconhecido da psicanalise dos psicanalistas. O que poe, de resto, um problema, que é problema mais geral da historia do pensamento e dos conceitos: uum tal sucesso nao sera prejudicial por si s6, no sentido de uma vulgarizacdo e de um enfraquecimento do conceito? Mais di- rectamente ainda, esse sucesso nao deverd ser relacionado com um dos temas principais da reflexio de Freud: o da resistencia, como presenca incontornavel da existéncia do recalcamento e da propria natureza do inconsciente? Com efeito, onde estaré ainda 0 inconsciente quando se torna presa dos media e ¢ exibido na praca piblica? Nao correra o risco de regredir ao estado do mito colectivo ao qual se supunha dever dar um contetido mais cien- tifico? Eu tenderia a pensar que sim, tanto mais que creio que os mitos sio como os sonhos: nunca devemos tomé-los a letra; para serem efectivamente integrados no conheciment “interpretados’, quer dizer tornar-se objecto de uma € de uma assimilacao psiquicas. 159) JAW REGOIN 1.0 COMPLEXO DE EDIPO SFGIINDO FREUD Para lancar a discussao, tenho de evocar, ainda que brevemente, as grandes linhas do contetido daquilo a que Freud deu o nome de“complexo de Como toda a gente sabe, mas talvez nao seja indi lembrar, as descobertas freudianas comecaram pela revelacao mais ou menos escandalosa, apresentada a comuni dade médica e cientifica da existencia ca sexualidade infantil. E devemos, evidentemente, fazer justica a Freud na matéria: foi 0 primero a falar dela, como teo reivindica nos Trés Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, cuja primeira edicao data de 190§:*Nenhum autor, que eu saiba’, escreve ele, “se deu conta de que a pulsio sexi festava regularmente na crian €,nos trabathos sobre o desenvolvimento da cr uito numerosos nestes tiltimos tempos, ndo encontramos tum capitulo que trate do desenvolvimento sexual infantil’ temos de considerar que a propria nocéo do que é ma crianca enquanto tal, quer dizer enquanto sujeito de parte Inteira, é, ao tempo, uma nocao que comeca apenas a emergit na historia cultural da humanidade, até entao essencialmente adulto- ‘morfaz A descoberta freudiana situa-se neste contexto dos primei- ros comecos daquilo a que hoje chamamos as “ciéncias humanas’ em que o movimento psicanalitico assumiu urn lugar inteirae ‘mente original e central, continuando, no entanto, como tentarel ‘mosttét-lo, muito impregnado pelo peso esmagador das dominan- tes adultas e igualmente masculinas da mentalidade de grupo. Sem entrar numa andlise histérica minuciosa da psicanalise, quero, apesar de tudo, recordar brevemente algumas das condi (6es dessa descoberta. Resultou das investigaoes de Freud, que se tornaram de maneira notavelmente rapica cada vez. mais psi- canaliticas, sobre a psicopatologia dos seus primeiros pacientes. ‘A reconsttucée dos acontecimentos da sua infancia, em parti cular da infancia das suas pacientes mulheres ditas histéricas, levou tum Freud muito inspirado a elaborar uma primeira teoria da sedugéo (as pacientes pareciam ter, todas elas, sofrido, numa ou noutra medida, uma seducio sexual por parte do pai). Mas 60 i | 0 COMPLEXO DE EDIPO ‘© homem de ciéncia sobrepds-se ao homem inspirado, e Freud abandonou a sua teoria da secucao em beneficio do conceito de ‘ente: as por assimn dizer recordacoes infantis de 1 correspondiam, de facto, na grande maioria dos casos, a uma fantasia, quer dizer ao desejo inconsciente de seducao pelo limentado no tempo de raparigas pequenas pelas pacien- desejo fazia parte dos seus “complexos sexuas” infa ndo-se através daquilo a que hoje chamamos fantasias rmasturbat6rias, Este nome de fantasias masturbatorias” designa o aspecto inconsciente daquilo a que Freud chamou as “investi ‘gages sexuais das c ue se referem maneira como a crianca tenta abordar mistérios da vida e da morte e, em parti- cular, 0 mistério da diferenga dos sexos, podendo a abordagem acompanharse ou nao de manipulacoes corporais diversas, da sucgao do polegar a masturbacao anal e genital Esta breve evocacao historica comporta dois aspectos parado xais, que gostaria de sublinhar. Em primeiro lugar, enquanto a descoberta freudiana principal é, sem davida, a da existencia da realidade psiquica da fantasia inconsciente, a descricao da sua teoria da sexualidade, desde os Trés Ensaias sobre a Teoria da Sexualidade até ao fim da sua vida, permaneceu inspirada e im- pregnada pelo aspecto biologico da sexualidade —e biologico, na tar: a da anatomia, Ao ponto de o vermos iz ele," um dito de Napoledo: a anatomia 6 0 destino’ Jean Laplanche denunciou esta tendéncia em Freud como "o extraviarse biologizante da lade em Freud segundo paradoxo é0 de ter comecado por descobrira sexu- alidade infantil das raparigas, mas nao ter conse to tempo teorizar senao o des Talvez estas duas observacoes, na realidade, sejam s6 uma, porque foi, sem diivida, por razoes aparentemente anatomicas queaa sexualidade do rapaz (cujo pénis ¢visivel) pareceu deixarse descrever mais facilmente do que a da rapariga, mais escondida, © cujos orgaios ppenso, na realidade, que ha uma razio muito diferente, psicolo- gicamente muito mais importante, e que decorre da reparticao JAN nECOIN dos afectos depressivos nos aspectos femininos e nos aspectos masculinos da personalidade. Explicarme-ei mais longe acerca deste ponto, em meu entender, central. Deum modo geral,o que essencialmente se retém do complexo de Edipo € a nocao de conflito, a nogao do conflito edipiano: 0 rapazinho enamora:se da mae e sente-se em rivalidade com o pai; a rapariguinha afasta-se (muito parcialmente,dira Freud a segu dda mae para se virar para o pai, do qual desejara ter umn filo, 0 que a faz entrar numa rivalidade, mais ou menos violenta, com a mae. Num segundo tempo, a este aspecto chamado “positivo” (ou “directo” do complexo de Edipo, actescentarse-é um aspecto “negativo’, “indirecto” ou "invertido’, fazendo com que o rapa- zinho mostre “uma atitude feminina e tena para com o pai ea correspondente atitude de hostilidade ciumenta para com a mae" (S. Freud, 0 £u eo Isso, 1923). Entre os dois extremos, cabe toda ‘uma série de “casos mistos’, em que as duas formas do complexo de Edipo podem combinar-se de maneira muito diversa. Pode- remos, entao, continuar a falar de complexo de Edipo? Ou nao se tratard, mais simplesmente, do devir dos investimentos, tanto positivos como negativos da crianca, rapaz ou rapariga, em cada ‘um dos seus dois progenitores, investimentos que sio constitu- tivos da bissexualidade psiquica Sempre no mesmo ensaio, OE 0 sso, em que Freud descreve o“complexo de Edipo compl aparece, logo a seguir, uma frase que nao é citada com frequén- cia, mas que considero da maior importancia: “E possivel que a ambivalencia verificada nas relacoes com os pais se explique, de tum modo geral, pela bissexualidade, em vez de resultar, conforme ‘anteriormente supusera, da identificagao decorrente de uma atitude de rivalidade’, Perguntei-me por que razoes este convite a uma abertura bem mais ampla do que encerramento numa ‘mitologia que redz ds piores violencias, nao foi, por assim dizer, escutada? Tal é, sem diivida, o perigo das formulas demasiado impressionantes (complexo de Edipo, incesto, assassinato ~ 80 coisas que, apesar de tudo, impressionam as massas), mas acon- tece também que a opgio pela abertura sugerida por Freud nesse momento comportava uma mudanca radical da orientacdo que 1a 0 commtEXO DE ED1PO se traduzia até a pelo papel essencialmente traumético atribuido pela psicanalise ao meio no desenvolvimento da personalidade da crianca, Vamos agora ver como, Il, © PAPEL TRAUMATICO DO MEIO E 0 COMPLEXO DECASTRACAO, Sempre me sentira impressionado, e chocado, pela importancia ‘quase exclusiva dada por Freud ao traumatismo na dinamica do assim que, no Com: ntém a tinica exposicao sis- tematica de Freud sobre o complexo de Edipo, o desenvolvimento dda crianca éessencialmente descrito como uma sucessao de trau- matistnos infligidos pelo meio as pulsdes sexuais da crianga,como se fosse essa a tinica maneira de educar uma crianga: qualquer coisa como uma espécie ce amestramento pelo terror! asso a citar, muito resumidamente: =o primeiro traumatismo sofrido pela crianca 6 0 da seducao pela mae: “gracas aos cuidados que the prodigatiza, torna-se ela ‘a sua primeira sedutora’ — segue-se 0 traumatismo do desmame: ‘por mais tempo que «@ crianca tena chupado 0 seio da mae, continuaré sempre per- suadida, depois do desmame, de 0 nao tido o bastante, por tempo suficiente’; ~ e Freud acrescenta imediatamente: “Este prélogo nao é su- que “se enamora da mae... e considera agora 0 pai como unt ri- val, que gostaria de derrotar. Tal é o complexo de Edipo que a lenda grega foi buscar ao mundo famtasmético infantil, para o transpor em pretensa realidade. Nas nossas eivilizacoes act esté reservado um fim terrivel a este complexo".O fim terrivel 60 traumatismo das “ameacas de castracao’, enunciadas pela mae, que pode ainda recorrer ao pai para “executar" a ameaca divigida contra masturbacao infantil: para a levar a interromperse, em 65 TRAN BEcoIN suuma, a todo o preco. Quando a crianca, “no momento da ameaca selembrade pouco mais incalculéveis.. a maior parte do tempo, avi crianca cede sob este primeiro choque... com frequénci sexualidade vé-se definitivamente comprometida .. a puberdade, travada, fragmentada, desagregada em pulsoes contraditérias’ seria 0 caso do rapaz, que permanece como modelo central a. Coma se sabe, rma para Fr Descreve o desenvolvimento da rapariga essencialm signo da inveja do pén de Edipo eo complexo de cast diferentes, sendo opostas, has raparigas € nos rapazes. Com efeito, a ameaga de castracdo, como pudemos ver, poe fim no rapaz av complexo de Edipo, A rapariga, pelo contrario,é impelida para esse complexo quando {facto de uma por vezes, complexo de Ele rum futuro esposo as qi submeterse a sua autoridade’ Excepto no caso do Pequeno Hans, que contribuit para a des coberta da angustia de castracao, a reconstrucao da fase dita edi plana do desenvolvimento da c ud situa entre 0s 3 ada a partir da exploracao analitica lades do seu pai e estard dispost tico, como os que s6 a observacao directa do bebé e da crianca ir. Foi s6 quando compreendi methor o papel ison, trad. fr, PUE, 1991 como Freud a descreveu, Ihe parece uma formacéo patolagica, pois que, em seu entender, te da “fase edipiana do filho saudavel de pais sauda- “o filho saudavel de pais saudaveis aborda «@ fase edipiana. A nta deve-se sucesso do seu desenvolvimento, quer dizer & capacidade nova e maior de experimentar afeicao e seguranca, mas também ao facto de esse ia Devido a alegria idos por um tal sucesso, a atitude afectuosa egra em pulsoes sexuais fragmentadas, a lade destrutiva e nao nso perante os seus pais. So quando os seus pais no funcionam adequadamente enquanto objec 4 edipianos, a crianca experimenta wma forte angtstia’ passagem devido ao vivo modo como contrasta com as des riores. Mas ja ~ como agora veremos também ~ Melanie Klein introduzira elementos importantes no sentido de devolver © seu lugar aos elementos positivos do periodo dito edipiano. I. 0 COMPLEXO DE EDIPO SEGUNDO M. KLEIN [Em primeiro lugar, Mel tos, comecou por ser uma psicanal dean ymbém adul- tade criangas. 0 seu modo de 65 EAN aEcoIN proceder tornou-se, por isso e muito rapidamente, diferente da de rad, fr, Bayard, 1994). is precocemente do que Freud os crianga sofre no momento do desmame” (M. conflit cedipien’, Essais de psychanalyse, anal pela posicao yropoe-se por alvo 0 da ligada & posse do pénis. Assim, modifica ndo s6 a sua posicdo libidinal, mas 0 alvo desta, o que Ihe perm objecto de amor. Na rapariga, pelo con transposto da posicao oral para a posicdo genital: idinal, mas conserva o sew conduziu a decepgao. E ividade por referéncia ao pe alvo, que, na relacao com a mac assim que se produz uma rece nna rapariga, que se vira, ‘amor’ (ibid). Freud nao esteve de acordo com esta posicdo, que Ihe parecia em contradi¢ao com a descoberta tardia e, para el , que fizera, na rapariga, de longa fase préedipiana de ligacdo exclusiva mi epi ler pelo quarto ou quinto ano. A tal ponto, escreve cle bre a Sexualidade Feminina’ idade de um certo niimero de seres femininos permanecerem apegados & sua ligacao origindria com a mae, sem reconhecer uma transferencia materna, porque, como ele 166 © COMPLEXO DE EDIFO proprio diz em termos notavelmente desarmantes, Ihe custava termo, ao passo que a da rapariga 0 pelo supereu materno’ 1¢os proprios do desenvolvimento do caracter na rapariga: “Da identificagdo precoce com a qual o nivel sidico-anal prevalece tao amplamente, a raparigui- nha extrai édio e citime, e cons segundo a imago materna... Mas, quanto mais a ider a mée se estabelece numa base genital, mais se caracteriza pela dedicacdo leal e generosa rroduzida por M. io da curiosidade e da pulsao investigacoes sexuais das criancas’, que se 6s 4 anos, quando, em seu entender, o complexo de eo1eo entra em cena. Um dos conceitos-chave da obra de M. Klein & 0 da {fantasia de penetracao no interior do corpo materno, fantasia que data de uma idade muito precoce, sob a influenecia da pt para o corpo proprio Mas M. Kl se tornara o mecanismo central da posicdo esquizo-paranoide. Sera necessario esperarmos pela obra de Bion para comecarmos, cenfim, a ver a psicanalise emergir do claustrum da psicopatologi com a descricao da teoria do pensamento baseada numa id de Eaipo foi o que esereveu em 1945, apos a analise, durante a 167 JEAN neéco1n guerra, em 1941, do Pequeno Richard, cujas sessoes in-extenso 161; trad. fr: Psychanalyse “Le complexe d'CEdipe éc Indica que, segundo pensa, existe na crianga um conkecimento tada por Freud, em 1923, de infantil’, que seria caracterizada pela de feminino: para os dois sexos, segundo Freud, todo o papel seria desempenhado por um 0 6rgao masculino. E |, portarito, um, de conta a sua ocorréncia na fase do primado do falo. ‘mos também toda a depreciacao da mulher, o horror da mulher, «@ predisposicdo para a homossexualidade que decorrem dessa conviceao titima, segundo a qual a mulher nao tem pénis. Ferenczi referiu recentemente, com muito acerto, 0 simbolo mitoligico do horror, a cabeca de Medusa, @ impressito produzida pelo orqao 60 6rgao genital da ma transporta a cabeca de Medusa sua couraca, 6 por isso mesmo ‘a mulher de que nao podemos aproximar-nos, aquela cuja visto sufoca qualquer ideia de aproximacao sexual. Veremos, dentro em breve um outro nivel de interpretacao do afecto de horror ¢ da sua figuragao mi No seu artigo, M.Klein acaba por estabelecer que a angtistia de castracao nao 0 tinico factor de resolucao do complexo de Edipo. Fala, de rest ror’ JA nao estamos numa perspectiva estritamente traumatica 168 da evolucdo, mas numa perspectiva de integracio progressiva da bissexualidade psiquica, como a que Freud entrevira em 0 ia central da ra- glstia de castracao mas- ‘yer 0 seu corpo atacado 10S amadlos — 0 que podemos de seguranca nas suas ca igaca a uma ma identificaca0 com a mae. Decorre daqui que o desejo de interiorizar o pénis precede invariavelmen- 1a rapariga, de possutir um pénis jondera, de certo modo, a Freud, sobre a questao da inveja da inveja a uina “expressa 0 obj termos freudianos de meu entend relacao primaria com a mae ~ factores que nao podem ser redu- zidos ao simples jogo das pulsoes, como itemos agora ver. IV. 0 PAPEL ESTRUTURANTE DO MEIO NO DEVIR SI a principal funcao da vida psiquica? O senso comum, a. a fazer-nos crer que ela serve essencial- ‘mente para nos permitir explorar e compreender 0 mundo exte- Mas sera, de facto, verdade? A experiéncia em geral e, mais sta parecem realmente mostrar xda a desenvolver por ela no dados do mundo exterior as antes ade compre- rior, do nosso mundo erpretar -nvolvimento cogri interpretar os dados do mundi 169 [AN necomn iterno, dominio do desenvolvimento afectivo e da vida relacional. De tal maneira isto é verdade que é do desempenho desta segunda funcao, afectiva, que a primeira, cognitiva, depende ‘muito directamente: para enfrentarmnos o mundo exterior, temos necessidade de nos sentirmos existir enquanto tal, quer dizer de desenvolvermos 0 nosso sentimento de identidade, o sentimento da nossa propria existencia, Desenvolvimento cognitivo e desen- volvimento afectivo sao interdependentes ¢ praticamente inse paraveis nas primeiras etapas da vida. E nesta perspectiva mais ¢globalista do que a da simples teoria das pulsdes que vou agora ‘ontinuar a minha exposi¢ao, tentando ver como se apresenta a esta luz 0 chamado complexo de 01P0, 2. Interiio interdisciplinar Como acabamos de ver, a passagem de Freud a Melanie Klein corresponde, numa teoria de inicio aberta e quase biologizante e falocéntrica, a introducao da existencia do feminit eda crianga_e, até mesmo, dos primérdios da existencia do bebe. Mas a verdade é que estamos apenas nos primeiros comecos de ‘uma abordagem mais cientiica do ser humano na sua global dade. A especializacao das inas cientificas atinge h proporcoes, que & muito di aum tinico investigador abarcar a totalidade dos conhecimentos recolhidos nos diversos campos disciplinares. Todavia, ‘casio de me encontrar, por um lado, com um bidlogo reputado, Jean-Didier Vincent, com o qual discuti sobre a paixao, e, por ‘outro lado, com um médico francés, actualmente instalado em Londres, Michel Odent, que fazia uma conferéncia sobre o sett {imo livro, The Scientification of Love (Free Association Books, fio, que sera ao mesmo tempo uma excel e pretendo agora expor-vos. Jacob: Biologie des passions, 1986, € La chair et le dlable, 1996), mas também pela linguagens © pela consciéncia, em rela¢ao com a afectividade, a qual confere um 70 0 COMPLEXO DE EDIPO lugar central. Para ele, as “emocdes” preenchem funcdes de adap- tacio e de comunicacao, mas sao comuns a todos os vertebrados, ao passo que as “paixdes’ sao proprias do homem, porque supoem no sujeito “a consciéncia reflectida do seu corpo emocionado” Senti-me inteiramente de acordo com esta concepcao, porque penso hoje que o nascimento do pensamento nao pode produzir ‘se senao no quadro de uma relagdo “apaixonada' entre 0 bebé € 0 seu meio humano; em primeiro lugar, a relacio com a mae. Falarei disso dentro de um momento, Michel Odent & um cirurgiao francés, que se tornou célebre como obstetra revol 1 de Pithiviers, peque na cidade do Loiret, entre Paris e Orléans. Ai, ficara estupefacto {horrorizado) pelo que pudera observar no campo da obstetri praticas ultrapassadas, tao contravias a logica como a ciéncia, € {que, todavia, se repetiam anos a fio, sem suscitarem perguntas, apesar de, perante olhos sem preconceitos, essas mesmas priti- cas, pela sua propria natureza de hipermedicalizacao intrusiva, prolongarem o trabalho das parturientes, agravarem as suas dores € aumentarem os riscos de complicacoes por ocasiao do nasct- mento, Permitindo simplesmente as mulheres que seguissem ‘05 seus instintos vitais e tivessem o parto num meio securizante, com a presenca do seu companheiro, em vez de hipertécnico, Michel Odent invertew a situacao e reduziu praticamente a zero tervencdes médicas como os forceps e a cesariana, Ha cerca de vinte anos, uma equipa inglesa, dirigida por uma obstetra, esteve em Pithiviers a filmar o seu trabalho e Michel Odent foi posteriormente levado a trabalhar em Londres. fundou um Centro de Investigacoes sobre a "Satide de Base’, 0 Primal Health Research Center, que recolhe maximo possi de informacoes sobre as correlacoes entre, por um lado,o que se passa durante 0 periodo a que Michel Odent chama o “Periodo Primério’ (0s 21 meses que decorrem entre a concepcao e 0 ano de idade} e, por outro lado, a satide e 0 comportamento posterior na vida. O livro de Michel Odent descreve os primérdios das suas investigayies. Tratase de una ubta refine em termos muito condensados uma qua TAN aécomN informacdes sobre os trabalhos recentes, conduzidos no quadro quais a menos que ela extremamente perigoso, escreve, fornece de Freud, mostrando que sao as mesmas hormonas (em particular, a ocitocina, que recebeu cognome de hormona do amor) que se encontram implicadas nas diferentes formas de amor, quer nas relacoes sexuais, como no ‘momento do nascimento e amamentacao. Faz tam porta nao s6 a atenuacao das 4. Identidade e alteridade: ox processos de integracao E sempre o excesso nao ‘opoe ao desenvol que sao entao mol ‘mas acabam por entravar a O trabalho clinico tem-me levado, desde ha cerca de uns quinze ‘anos, a tentar compreender melhor a natureza do sofrimento psi- quico. Ao nivel mais profundo, trata-se do desespero da impossibi- lidade de desenvolvimento. O que me obri condigdes do nascimento e do des seus estadios pr interaccoes precoces durante os primeiros dois ou trés anos de vida. Acabei por com- leravel de sofrimento psiquico que se em razao dos mecanismos de defesa, in insformacao revolucionari ed Bion e a sua teoria do pensamento. Ao pos- O passo seguinte lucionario: trata-se do pa dor das investigacoes de M, Klein e W. R. Bion, ao descrever em termos totalmente novos o conflito psiquico de base: 0 co ‘9, que ja nao é um contlito entre pulsoes erdticas de vida e pulsdes dest as um conflito entre “oi ico da beleza que teré de ser constr The Apprehension of Bea Os caracteres do conflito estético descri ier € 08 dados da observagao directa permitiram-me alargar 0 sentido e ‘oalcance do conceito em causa: de uma ito por Meltzer parece-me dever ser compreendido wunho da beleza vivida do encontro entre as capa- 3 EAN 10s contos e 0s mitos e cuja criagdo los bebés como a alma ‘ontro intersubjectivo «que é verdadeiramente fundadora da vida psiquica, Possui certos caracteres parti item desempenhar esse papel fundador, que eu designo aqui pelo nome de relacao narcisica prim ido de uma relacao que permite um crescimento psiquico. Meltzer citou um dos caracteres centrais desta relacao: a reciprocidade, factor que ¢ dificil dispensar, até mesmo nas adultas de amor, Toda a gente sabe que, para uma mie, la mae sao identificados com os mi ‘proporciona ao bebe um sentimento de seg como 0 protatipo de todos os sentimentos ranca, posteriores de E,com toda ae corpo da mae se acormpanha den ‘como sabemos pela profundidade ¢ a duracao, pela vida inteira, passionai, A proposi ser propria do homer, No entanto, um outro caracter de dda qual o bidlogo Jear-Didier Vincent diz jectiva “normal” da comunicagao entao, uma identificagao projectiva patologica, que & intrusiva aa © COMPLEXO DE DIO porque jé nao respeita a ident scoberta de Sie a descober mtinico €o mesmo processo. E,com contra o perigo de identificagao seri decisiva para avi seguranca de base e al ima funcio defensiva e a .ca0" de Freud. Corresponde, para de um modo geral ‘mesmo processo de estabelecimento da sade siquica através da criacao das capacidades de amor. indo este funddamento da satide psiquica nao é suficiente igar do sentimento da beleza do encontro pri revers0: 0 horror, simbolizado na mitologia pela figura da Medusa, O ‘base mais profunda do que frente ao sexo feminino, nos JAN néGOIN beleza}. As defesas instaladas contra estas anguistias sio defesas de sobrevi jo caracter geral &a violéncia eo prot ‘o mecanismo de sobrevivent rocidade nas E porque a clivagem é 0 signo do encontro primério fal 4.A sexualidade: a integracdo do masculino ¢ do feminino Sio, observadas as devidas proporcoes, os mestnos processos de integracao ou de clivagem que desenvolvimento. Toda a m grau de angis ie perda do passado e desconhecido do superar estas anguisti recorre sempre aas modos primatios de relacao d a que eu chamo, tendo em conta a sua fungao psiquico, das relardes narcisicas. As pessoas que sto: ‘modo de investimento por parte da crianga sao 05 “objectos-s- Du ancia, sao, regra geral, 0s pais que preenchem essa funcao. Mais tarde, continuarao a ser eles, riorizadas, que se tomnaram rma das funcoes prim fs", sendo a outra fi cexterno ou interno, é uma defesa de tipo 10 objecto 0 excesso de angistia. Esta proj 1m espago mental que podera ser utilizado para a elaboracao progressiva dos afectos 176 (© COMPLEXO De eD1rO ddepressivas. Estes estio,em geral, contidos nas identificacdes fe- ‘mininas da personalidade. E assim que a bissexualidade psiquica se vé desde muito cedo implicada, pelo jogo das identificacoes iquico, A integracao do ssempenhar um pay 1ca0 e de desenvolvimento ps ao longo da vida. Bem entendido, sera apenas na puberdade ena adolescéncia, com a maturacao dos 6rgios ge se poder ‘operar uma verdadeira integracao da identidade sexual, ou pelo menos comecar a operar-se. Eo entcontro amoroso que se tornara sol de toda a evolucao posterior do adolescent de uma maior maturidade da sua organizacao psiqui a descoberta e a integracao de novos aspectos de Si através da descoberta e do amor do Outro, 0 ano passado, 0 nascim ial nas criancas de ambos os sexos parece efe segundo as observacdes directas, produzirse a pat do segundo semestre do segundo ano de vida, ou seja, aproxi- madament 8 e os 24 meses. Os observadores (Roiphe ¢ Galenson, La naissance de Tidentité sex jescrevem-na como umtia “fase geni ssmame e a posicao depressiva, tendo lugar por ero ano da crianca, Roiphe e Galenson ram no papel decisivo do meio da crianca, enquanto ele- mento que a ajuda a superar as angtistias de mudanca e de perda narcisica, acarretadas pela descoberta da diferenca dos sexos eda sua pertenca apenas a um dos dois. Citam trabalhos que Wao no mesmo sentido Stoller e que sublinham que “a Ta JEAN BEGOIN O aspecto mais importante, em meu entender, de: ‘oda descoberta de uma variedade particularmé sridade: a da alteridade sexual. Os observadores que anto do sentido da integridade corporal, ou com a relagdo mae filho, e que provocaram assim uma instabilidade das representacdes do sipréprio e do objecto™. Penso que 6, entao, a mais importante, e a que Roiphe e Galenson chamam curiosam ia de castracao pré- cedipiana’, é, por parte da crianca, a de perder a relacao de iden ificacéo narcisica com o progenitor do mesmo sexo. Com efeito, , que tera ainda durante lade de conservar em parte essa relacao, que indispensavel para enfrentar posterior. Segundo a minha experiencia, a homossext fente ou manifesta, ou 0 medo da homossexualidade, baseia-se no temor da perda do apoio narcisico em causa. Estes pontos de fixacio produzem-se quando tiveram lugar livagens demasiado profundas, no interior as suas identifieacoes masculinase femininas. Tal ‘nao forem suficientemen- te boas, A crianca devera, com efeito, esperar muito tempo antes de se tornar capaz de utilizar as suas potencialidades sexuais, condigaes do meio e de apoto narck © COMPLEXO DE EDIPO. ‘certa denegacio da alteridade sexual sob a forma de uma espécie de homossexualidade latente (as raparigas ficam com as raparigas io do desenvolvimento iva através de um certo grau de clivagem. E s6 na puberdade e na adolescéncia {que um verdadeiro comeco de integracao da identidade sexual comecara a operarse. Penso que ¢ claro, depois de tudo o que acabo de dizer, que considero a denominacao complexo de Edipo infeliz, por varias razoes, Ein pr igar, é uma designacao extremamente cul- de um excesso de angustia e de culpabilidade que entrava as 1as capacidades de ppositivamente o seu sexo biols- gico. Como sublinhou Kohut, é também uma designacao muito eos do Encerra, desenvolvimento do s% além disso, este desenvolvimento num contexto mitoligico que ‘comporta as piores violencias: incesto, assassinato, suicidio. Vio- lencias que sao tomadas a letra, como, por exemplo, a fantasia do assassinato do pai. & verdade que sao fantasias que podem ‘mas, na maioria dos casos, deverao ser interpretadas como ianca, de se ver subitamente ‘bom’, sobretudo quando esta nao denominacio de ‘complexo no exemplo do erro que con- aras psicopatol6gicas por modelos de de Edipo” fornece, enfim, um 6p siste em se tomarem est desenvolvimento. CONCLUSAO do Freud do Mal Estar na C baseia-se em strategic grupos humanos dominar eza, desenvolver 0 poder e 0 179 TAN aecomn control sobre os ontros grupos humanos. ou seja, portanto, 0 desenvolvimento, afinal, de um enorme potencial agressivo (a0 nivel dos grupos — o que concorda com uma parte das hipoteses de Freud). Michel Odent liga a estes fendmenos de civilizacao e, acrescentaria eu, de mentalidade de grupo, o facto de todas as culturas tenderen izar e a perturbar 0 primeiro contacto entre a mae eo recém-nascido, Na aurora do segundo milénio, torna se vital proteger melhor as condicoes necessarias ao desen- volvimento das capacidades de amor, que comportam no primeira ue implica, para Michel Odent, uma inversao da perspectiva adultomorfa numa perspectiva centrada no neat e na proteccao da TERRA-KAE. TORNAR-SE UMA MAE,TORNAR-SE UM PAI: TRANSMITIR A ESPERANCA

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