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Desenvolvimento psicologico e educacao 3. Transtomos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais 22 edigdo _ César COLL Alvaro MARCHES! Jestis PALACIOS & colaboradores Tradugao: Fatima Murad Consultoria, supervisio e revisdo técnica desta edigio: Claudio Roberto Baptista Psicdlogo. Doutor em Educagao pela Universit degli Studi di Bologna. Professor Adjunto no Departamento de Estudos Basicos ¢ ‘no PPG em Educagio da UERGS. Reimpressio 2010 Obra originalmente publicada sob o titulo Desarollo psicolégico y edueacién 3. Trastornos del desarrollo y necessidddes educativas especiales, v. 3 © Alianza Editorial, S.A., 2002 ISBN 84-206-8686-7 Capa Gustavo Macri Preparagio do original Maria Liicia Barbaré Leitura Final Karine Quadros da Silva Superviséo editorial Monica Ballejo Canto Projeto e editoracéo Armazém Digital Editoragao Eletrénica ~ Roberto Vieira D451 Desenvolvimento psicolégico ¢ educagdo / organizado por César Coll, Alvaro Marchesi e Jestis Palacios; trad. Fatima ‘Murad ~ 2. ed. - Porto Alegre : Artmed, 2004. 3y. am (Transtomos do desenvolvimento e necessidades educativas é especiais; 3) ze a ISBN 978-85-363-0209-6 Dail at 1. Psicologia — Desenvolvimento ~ Necessidades educativas especiais. I. Coll, César. I. Marchesi, Alvaro. Il. Palacios, Jestis. IV Titulo. 4 CDU 159.922/.8:376.1/.58 Catalogaco na publicacao: Ménica Ballejo Canto - CRB 10/1023 Reservados todos os direitos de publicagfo, em lingua portuguesa, & ARTMED® EDITORA S.A. ‘Ax. Jerénimo de Omelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS i Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 E proibida a duplicagio ou reprodusio deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por ee qusiquer meios (eletrénico, mecinico, gravacio, fotocépia, distribuigéo na Web e outros), sem permisséo expresta da Editora, SAO PAULO ‘Ay. 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A educacdo especial viveu profundas transformacées durante o século XX. Impulsio- nada pelos movimentos sociais que reinvi cavam mais igualdade entre todos os cidadéios e a superacio de qualquer tipo de discrimina- ‘cdo, incorporou-se, aos poucos, ao sistema edu- cacional regular e buscou férmulas que facili- tassem a integracdo dos alunos com alguma deficiéncia. Ao mesmo tempo, produziu-se uma profunda reflexo no campo educativo fazen- do com que os problemas desses alunos fos- sem encarados a partir de um enfoque mais interativo, no qual a prépria escola devia assu- mirsua responsabilidade diante dos problemas de aprendizagem que eles manifestavam. O conceito de necessidades educativas especiais e a énfase na importdncia de que a escola se adapte & diversidade de seus alunos foi expres- sio dessas novas realidades. ‘As experiéncias das escolas integradoras, que de alguma maneira incorporavam as for- mas tradicionais de educacao especial &s esco- las regulares, nao estavam, contudo, isentas de problemas: As mudancas nas escolas, impres- cindiveis para assegurar uma integragdo educativa positiva, no podiam proceder exclu- sivamente da reforma da educacio especial. A constatacao levou a um novo impulso da edu- cacao especial em torno das “escolas inclusi- vas". 0 conceito de escolas inclusivas supée uma maneira mais radical de entender a res- posta educativa & diversidade dos alunos e ba- seia-se fundamentalmente na defesa de seus direitos & integracio e na necessidade de pro- mover uma profunda reforma das escolas, que tome possivel uma educagio de qualidade para todos eles, sem nenhum tipo de exclusio. Esses temas, que aparecem em momen- tos sucessivos ao longo das tiltimas décadas, constituem a estrutura deste primeiro capitu- Jo, Em primeiro lugar, descrevem-se as princi- pais transformagées que se produziram até os anos 1980. Posteriormente, analisa-se 0 con- ceito de necessidades educativas especiais e sua influéncia no campo da educacao especial. Em terceiro lugar, formula-se o significado da inte- gracio educativa. Finalmente, comentam-se as consideracées mais recentes neste campo em relagdo as escolas inclusivas. AS MUDANGAS ATE OS ANOS 1980 A educago especial na primeira metade do século XX Durante a primeira metade do século XX, o conceito de deficiéncia, diminuigao ou handi- cap inclufa as caracteristicas de inatismo e de estabilidade ao longo do tempo. As pessoas eram deficientes por causas fundamentalmen- te orgénicas, que se produziam no inicio do desenvolvimento e cuja modificacao posterior era dificil. Tal concepso impulsionow um gran- de mimero de trabalhos que procuraram resu- mir em diferentes categorias todos os possi- veis transtomnos que poderiam ser detectados. Ao longo dos anos, as categorias foram se modi- ficando (ver Quadro 1.1), mas preservavam 0 traco comum de que o transtorno era um pro- 16 cou, mARCHES!, PALACIOS & COLS. eIsnny oon9I810, opeoyeg, IE} op ous}eq equoweoisy oper opeiony opeidepeuy (ope1epou no ‘ene)) webezipueide ‘8p sepEpINOYIp woo ebue cooneiids, ‘consnovodiy, oping edoyiquiy os) (enes6) webezpuarde ep SepepIno4p ‘woo ebueug opeoieg Ie} 8p oUs}eq equeweo}sy opeuury syeroedse seageonpe ‘sepepisseooy, opeidepeul (0p2rop0u no ora) JeAgonpe jewouqng: conguda oonsnoeodiy oping: edoyiquiy 0600 (enei6) lengonpe feuuougns ‘(2961) vosuywioy 99 :ojU0} . — —oongqeig opeoieg opeorea 212} 0p ovejeq Swowarsy oper, corsy owersyeq opeydepeuy Teaponpe reuuougns —fejuew ewweroyoq, ewonyed conpuda congue congnds ‘consnoeodiy oonspaeodiy oping: oping: oping: edoyiquiy 0BeQ beg ofeg eyedoosq fesow |pequiy (equi woequiy qoequiy, fones6 jeuuougns ——_enes6 youuouqng Io1P| BOI op 186) Ozer z961 sv6t e16L ea 988) Ouloisueyefougiojep ep seposjeqeise seuoBe}eD 1", OWOYND blema inerente a crianga, com poucas possibili- dades de intervengio educativa e de mudanca. Sob tal perspectiva pulsava uma concepcio determinista do desenvolvimento, sobre a qual se baseava qualquer tipo de aprendizagem. Essa visio, existente durante as primei- ras décadas, trouxe consigo duas consequén- cias significativas. A primeira é a necessidade de um diagnéstico preciso do transtorno. Por jsso, generalizam-se os testes de inteligéncia, cujo objetivo principal é o de situar as pessoas em um determinado nivel, comparando-as a0 restante da populaco. O desenvolvimento dos testes de inteligéncia ajuda a delimitar os dife- rentes niveis de normalidade e de deficiéncia mental, além de diagnosticar em qual deles si- tuava-se o aluno, permitindo saber em que es- cola deveria estudar. E preciso lembrar que uma das primeiras escalas de inteligéncia foi enco- mendada pelo ministro de Instrugao Publica francesa Alfred Binet, em 1904, com a finali- dade de separar as criancas que deviam ser edu- cadas nas escolas regulares daquelas que nfio podiam frequenté-las. ‘Asegunda consequéncia manifesta-se na aceitaco generalizada de que a atencao edu- cativa dos alunos com algum prejuizo ou defi- ciéncia supde que devam ser escolarizados em escolas especiais. Surgem assim as escolas de educago especial, que se estendem e consoli- dam-se como a melhor alternativa para tais alunos. Normalmente, essas escolas tém um tipo de ensino diferente daquele das escolas regulares, como também professores especia- lizados e recursos mais especificos. Nos anos de 1940 e 1950, iniciam-se mu- dangas importantes. Comega-se a questionar mais amplamente a origem constitutiva ea in- curabilidade do transtorno, e as posicbes am- bientalistas e behavioristas, que eram dominan- tes no campo da psicologia, abrem caminho com mais forca no campo da deficiéncia. Ainda que continuem plenamente vigentes os dados quantitativos proporcionados pelos testes de inteligéncia para determinar os niveis de defi- ciéncia mental, ja se levam em conta as influ- éncias sociais e culturais que podem determi- nar um funcionamento intelectual deficitdrio. ‘Abre-se espaco & concepgao de que a defi- ciéncia pode ser motivada por falta de estimu- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAQAO, V.3 17 Jo adequado ou por processos de aprendiza- gem incorretos. Ao mesmo tempo, incluem-se 0s conceitos de adaptacio social e de aprendi- zagem nas definicdes sobre o atraso intelectu- al, reforcando as possibilidades de intervenco. ‘A distincéo entre causas “enddgenas” e “exdge- nas” para explicar as deficiéncias detectadas 6, sem diivida, um passo a mais no sentido da revisdo definitiva da “incurabilidade” como tra- 0 basico na definicao das deficiéncias. Paralelamente, as escolas de educacao es- pecial continuam se expandindo. A universa- lizagio da oferta educacional nos: paises de- senvolvidos leva a considerar mais positiva a existéncia de classes ou de escolas especificas para os alunos com deficiéncias devido ao mi- mero de alunos por sala de aula, a existéncia de edificios especificos e adaptados aos alunos e a possibilidade de uma atengio educativa mais especializada. As mudangas nos anos de 1960 e 1970 partir da década de 1960, produz-se um movimento bastante forte, impulsionado por Ambitos sociais muito diversos, que iré provo- car profundas transformagGes no campo da edu- cacao especial. Os principais fatores que favo- recem essas mudangas podem ser resumidos em: 1. Uma nova concepeiio dos transtornos do desenvolvimento e da deficiéncia. ~ A énfase an- terior nos fatores inatos e constitutivos, na es- tabilidade no tempo e na possibilidade de agru- par as criangas com os mesmos déficits nas mes- mas escolas especiais, abre caminho para uma nova visio em que ndo se estuda a deficiéncia ‘como uma situagio interna do aluno, mas em que ela é considerada em relacéo aos fatores ambientais e, particularmente, a resposta que a escola proporciona, O déficit ja nao é uma categoria com perfis clinicos estveis, mas se estabelece em funcdo da experiéncia educativa. O sistema educacional, portanto, pode inter- virpara favorecer 0 desenvolvimento ea apren- dizagem dos alunos com alguma caracteristi- a “deficitaria”. 2. Uma perspectiva distinta dos processos de aprendizagem e das diferengas individuais. — ‘Asnovas teorias do desenvolvimento e da apren- 18 COLL MARCHESI, PALACIOS & COLS. dizagem sao mais interativas e se afastam dos modelos anteriores que destacam a influéncia determinante do desenvolvimento sobre a aprendizagem. Destaca-se 0 papel ativo do aprendiz e a importancia de que os professores Jevem em conta seu nfvel inicial de conhecimen- tos e o'ajudem a completé-los ou a reorganiz4- -los. Dessa perspectiva, 0 processo de ensino converte-se em uma experiencia compartilha- da mais individualizada, em que nao se deve supor que os alunos de uma mesma sala de aula, ainda que tenham a mesma idade ou a mesma deficiéncia, enfrentarao de igual ma- neira o processo de aprendizagem. As deman- das dos alunos sao distintas, e, por isso, se poe em questo a pratica habitual de agrupé-los exclusivamente em funcio de sua deficiéncia. 3.A revistio da avaliagao psicométrica. — A utilizagdo dos testes psicométricos como o melhor método para conhecer a capacidade de aprendizagem dos alunos comeca a ser revista de forma radical. Por um lado, considera-se que ‘os resultados dos testes néo devem servir para classificar os alunos de forma permanente. Por outro lado, destacam-se as possibilidades de aprendizagem dos alunos e outorga-se As'es- colas um papel mais influente para produzir mudangas positivas. Abre-se passagem para novos sistemas de avaliacdo, baseados no es- tudo das potencialidades de aprendizagem dos alunos. Considera-se necessaria a colaboragao dos psicélogos com os professores para a ava- liagdo dos alunos com problemas de aprendi- zagem. Os instrumentos de avaliacao estdo ‘mais relacionados com o curriculo e tm como principal objetivo orientar a pratica educativa 4, A presenga de um maior ntimero de pro- fessores competentes. - As reformas empreen- ‘didas em um niimero consideravel de paises também estiio voltadas 4 modificagao dos sis- temas de formagio dos professores e & sua qualificacao profissional. Desse modo, refor- mulam-se as razées da separacao entre as es- colas regulares e as de educacdo especial, e am- pliam-se extraordinariamente as experiéncias inovadoras nas escolas em relacdo aos alunos que manifestam sérios problemas em suas aprendizagens escolares. 5. A extensdo da educagdo obrigatéria. — As escolas regulares tém de enfrentar a tarefa de ensinar a todos'os alunos e constatam as grandes diferencas que existem entre eles. A generalizacdo do ensino médio leva a uma reformulaco das fungdes da escola, que deve ser “compreensiva”, isto é, integradora e nao segregadora. 6. 0 abandono escolar. ~ Um nimero sig- nificativo de alunos abandona a escola antes de concluir a educagio obrigatéria ou nao ter- mina com éxito seus estudos bisicos. O con- ceito de “fracasso escolar”, cujas causas, mes- mo sendo pouco precisas, situam-se prioritaria~ mente em fatores sociais, culturais e educativos, reformula as fronteiras entre a normalidade, 0 fracasso e a deficiéncia e, como consequéncia disso, entre alunos que frequentam uma esco- la regular e altos que vao para uma escola de educacio especial. 7. A.avaliagao das escolas de educagao es- pecial. ~ Os resuiltados limitados obtidos pelas escolas de educacao especial com a maior par- te dos alunos leva a repensar sua funcao. A heterogeneidade dos alunos que eram escolari- zados nelas, as escassas expectativas que se ti- nha sobre seus progressos e as dificuldades de integraco social posterior de seus alunos con- tribuem para que se estenda a ideia de que poderia haver outras formas de escolarizacio para aqueles que ndo sio gravemente afetados. 8. As experiéncias positivas de integragdo. ~ A integragdo comeca a ser posta em pratica, ea avaliagao de suas possibilidades contribui para criar uma atmosfera mais favordvel. A difusdo da informacéo, a participacao de seto- res mais amplos e variados nesses projetos e 0 apoio que recebem dos gestores educacionais de diferentes paises ampliam suas repercuss6es e criam um clima cada vez mais favordvel & opcao integradora. 9. A existéncia de uma corrente normali- zadora no enfoque dos servigos sociais. — As for- mulagées integradoras e normalizadoras esten- dem-se a todos os servicos sociais. Algumas de suas manifestacées podem ser encontradas na aproximacao dos atendimentos médicos, psi- col6gicos e educacionais nos locais de residén- cia dos cidadaos, na importancia cada vez maior que se atribui aos fatores ambientais, no papel crescente dos servicos préprios da co- munidade, dos quais participam também ho- DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.3 19 mens ¢ mulheres voluntérios, e na relevancia do enfoque comunitério nas diferentes disci- plinas relacionadas & satide. Tudo isso conta a favor de que todos os cidadaos se beneficiem igualmente dos mesmos servicos, 0 que supée evitar que haja sistemas paralelos que diferen- ciem alguns poucos da maioria. 10. Os movimentos sociais a favor da igual- dade. — Uma sensibilidade maior para os direi- tos das minorias e para sua integracio na socie- dade se estende por todos os paises. Essa mu- danca de atitude em relagio as minorias dos individuos com deficiéncia € favorecida nao apenas pela presso dos pais e das associagées de pessoas adultas que reclamam seus direi- tos, mas também por movimentos sociais mui- to mais amplos, que defendem os direitos civis das minorias raciais, culturais ou linguisticas. Todos esses fatores, impulsionadores da mudanga e, a0 mesmo tempo, do processo de transformacao, contribufram para a aceitagio de uma nova maneira de entender a deficiéncia a partir de uma perspectiva educacional. Sio dois os fenémenos mais relevantes dessa nova aproximacao: no plano conceitual, um novo enfoque baseado na andlise das necessidades educativas especiais dos alunos; no plano da prética educativa, o desenvolvimento da inte- ‘gracio educativa, que impulsiona, ao mesmo tem- po, mudancas na concepgio do curriculo, na or- ganizacio das escolas, na formacao dos profes- sores e no processo de ensino na sala de aula. OS ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS Uma nova concepgao e uma nova terminologia conceito de “necessidades educativas especiais” comecou a ser empregado nos anos 60, mas inicialmente nao foi capaz de modifi- car os esquemas vigentes na educacao especial. O informe Warnock, encomendado em 1974 pelo secretério de Educagao do Reino Unido a uma comissao de experts presidida por Mary Warnock e publicado em 1978, teve o impor- tante papel de convulsionar as formulacées existentes e popularizar uma concepgio dis- tinta. Boa parte de suas propostas foi inclufda, poucos anos depois, na legislacio inglesa, es- tendendo-se, posteriormente, & maioria dos sis- temas educacionais. 0 informe Warnock reconhece que agru- par as dificuldades das criangas em termos de categorias fixas nao € benéfico para as crian- cas, para os professores ou para os pais, ¢ assi- nala quatro razées principais: 1. Muitas criangas s4o afetadas por vé- rias deficiéncias. 2. As categorias confundem o tipo de educacao especial que é necessario, ‘JA que promovem a ideia de que to- das as criancas que se encontram na mesma categoria tém necessidades educativas similares. 3. As categorias, quando sao a base para a proviso de recursos, ndo os proporcionam para aquelas criangas que ndo se ajustam as categorias estabelecidas. 4. As categorias produzem o efeito de rotular as criancas de forma nega- tiva. Embora também se tenha assinalado que as categorias podiam centrar a atencdo nas necessidades de diferentes grupos de criangas e ajudar a respeitar os direitos das criangas com deficiéncia, o peso das razbes contrérias foi de- terminante. Consequentemente, do ponto de vista educativo, o informe considera mais re- Ievante empregar o termo “necessidades educa- tivas especiais”. Essa nova definicdo apresenta quatro caracteristicas principais: afeta um con- junto de alunos, é um conceito relativo, refe- e-se principalmente aos problemas de apren- dizagem dos alunos na sala de aula e supde a provisdo de recursos suplementares. Aeescolha do termo “necessidades educati- vas especiais” reflete 0 fato de que os alunos com deficiéncia ou com dificuldades significa- tivas de aprendizagem podem apresentar ne- cessidades educativas de gravidades distintas em diferentes momentos. Existe, como conse- quéncia, um conjunto de alunos que manifes- 20 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS. tam necessidades educativas especiais em al- gum momento ao longo de sua escolarizacao. Em certos casos, em torno de 2% dos alunos, tais necessidades sao mais permanentes e re- querem recursos especiais para que a respos- ta educativa seja adequada. Em outros casos, estimados pelo informe em 18%, os proble- mas dos alunos so menos graves ou menos permanentes e, normalmente, recebem algu- ma forma de ajuda especifica nas classes de ensino-comum. Neste tltimo grupo, encon- tram-se os alunos cujas necessidades especiais manifestam-se em problemas de linguagem, em conflitos emocionais, em dificuldades na leitura e na escrita, em atrasos na aprendiza- gem de diferentes matérias ou no absentefsmo escolar. Uma segunda caracteristica do conceito de necessidades educativas especiais é seu ca- rater relativo e contextual. A avaliacaio dos pro- blemas dos alunos nao deve centrar-se unica- mente neles mesmos, mas levar em conta o° contexto no qual se produz a aprendizagem: fancionamento da escola, os recursos disponi- veis, a flexibilidade do ensino, a metodologia empregada e os critérios de avaliagéo utiliza- dos. Os problemas de aprendizagem dos alu- nos so determinados, em grande medida, por seu ambiente familiar e social e pelas caracte- risticas da prépria escola. O tipo de ensino que se desenvolve em uma escola pode originar ou intensificar as dificuldades dos alunos. Quan- to maior for a rigidez nos objetivos educativos, maior a homogeneidade nos contetidos que os alunos devem aprender e menor a flexibilidade organizacional, havendo mais possibilidades de que um maior ntimero de alunos se sinta des- vineulado dos processos de aprendizagem e manifestem, por isso, mais dificuldades. Aterceira caracteristica refere-se aos pro- blemas de aprendizagem. Um aluno com ne- cessidades educativas especiais apresenta al- gum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarizagéo, que requer uma resposta educativa mais especifica. Ao falar de dificul- dades na aprendizagem escolar e evitar a lin- guagem da deficiéncia, a énfase situa-se na escola, no tipo de resposta educativa. Essa for- mulagdo ndo nega que determinados alunos tém problemas especificos em seu desenvolvi- mento. Uma crianga cega, surda ou com para- lisia cerebral apresenta inicialmente dificulda- des que seus colegas nao tm. O acento, con- tudo, estd agora na capacidade da escola para adaptar a pratica educativa as necessidades desses alunos e oferecer, assim, uma resposta satisfatéria. Finalmente, o conceito de necessidades educativas especiais remete provisio de re- cursos educativos necessdrios para atender tais necessidades e reduzir as dificuldades de apren- dizagem que esses alunos possam apresentar. Os recursos educativos podem ser muito varia- dos, e seu referente imediato é o maior nime- 10 de professores especializados ou profissio- nais especificos que devem cooperar para que esses alunos possam ter acesso ao curriculo. Os recursos, entretanto, podem ser de tipos muito diversos: materiais curriculares, supres- séo de barreiras arquitet6nicas, adaptacdo de edificios, sistemas de comunicacao alternati- vos ou qualquer meio ediicativo de cardter su- plementar. A detecco e a avaliacdo dos alunos com necessidades educativas espetiais constitui uma etapa primordial. objetivo jé nao é con- seguir encontrar 0s tracos que permitam situar determinados alunos dentro de uma das ca- tegorias nas quais se distribuem as deficién- cias. E um processo mais sistmico, interativo € contextualizado. Supée conhecer como fo- ram geradas as dificuldades da crianca, que influéncia teve o ambiente social e familiar, que papel est tendo a escola na origem e na ma- nifestagio dessas dificuldades e qual é a res- posta educativa mais adequada. A finalidade principal da avaliagao do aluno é analisar suas potencialidades de desenvolvimento e de aprendizagem e determinar, ao mesmo tem- Po, que tipo de ensino requer e que recursos suplementares so necessérios para conseguir uma melhor educacgao no contexto mais integrador possivel. Essa formulaco abre mui- to mais possibilidades A integragio de tais alu- nos na escola regular. Enquanto a concepeio baseada na deficiéncia considera preferencial- mente a escolarizagao desses alunos em escolas especificas de educacao especial, 0 conceito de necessidades educativas especiais contempla a integragdo como a op¢ao normal, sendo extra- ordindria a decisao de escolarizagao em esco- las especiais. Esse novo enfoque ampliou as perspec- tivas no campo da educacio especial. Por um lado, ampliou os limites da educacio especial, que agora inclui um maior mimero de alunos, eaincorporou ao sistema educacional regular. Por outro lado, situou na prépria escola a maior parte dos problemas dos alunos, im- pondo uma reformulacao de seus objetivos e apontando a necessidade de uma reforma. E, finalmente, assinalou a vinculacéo entre as ne- cessidades educativas especiais € a provisio de recursos educativos. Posigées criticas Apesar de suas indubitéveis vantagens, 0 conceito de necessidades educativas especiais nio era isento de criticas. As primeiras delas procedem dos que consideram 0 termo exces- sivamente vago e que remete constantemente a novos conceitos para sua adequada compre- enso, Um aluno tem necessidades educativas especiais se apresenta problemas de aprendi- zagem, 0 que, por sua vez, depende do tipo de escola e do curriculo que se ofereca, e, por isso, no fica claro para o sistema detectar quem sio esses alunos e de que recursos necessitam. Um segundo bloco de criticas refere-se & sua excessiva amplitude. A educacdo especial passou de 2% de alunos com deficiéncias per- ‘manentes para 20% de alunos com necessida- des educativas especiais. Nos iiltimos anos, porém, comecou-se a falar de um maior néi- mero com problemas de aprendizagem, parti- cularmente no ensino médio, e de que tam- bém os alunos superdotados tém necessidades educativas especiais, embora nesse caso sua demanda aponte para ritmos mais répidos de aprendizagem ou a contetidos de ensino mais amplos e profundos. A situacio levaria a pet- guntar-se que utilidade tem uma nova termi- nologia especifica se a maioria dos alunos en- contra-se dentro dela. Uma terceira linha de questionamento vem dos que consideram que 0 termo necessi- dades educativas especiais néo ajuda a dife- renciar os vérios problemas de aprendizagem. DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.3 24 Em alguns casos, considera-se que esses pro- blemas tém como referentes os transtornos do desenvolvimento da crianga; j4 em outros ca- sos sto as condicdes sociais ou familiares, a organizacao escolar ou o préprio curriculo que desencadeiam as dificuldades escolares do alu- no. Em todos eles, contudo, é a interacao indi- viduo-classe social-familia-escola que permite explicar os problemas que a crianga apresenta em suas aprendizagens. Um quarto tipo de objecdes procede da sociologia da educacéo (Tomlinson, 1982). Sua formulacdo, baseada nos trabalhos de Bourdieu e Passeron (1964) e na teoria da reproducio na escola da estrutura de classes sociais, sus- tenta que a denominacio “alunos com neces- sidades educativas especiais” é uma categoria socialmente construida que se emprega para situar determinados alunos em opcées educati- vas segregadoras. As familias de tais alunos nao possuem o “capital cultural” necessério para transmiti-lo a seus filhos e, por isso, no po- derio adaptar-se as exigéncias académicas do sistema escolar. Além disso, como mostra Tomlinson, a maioria das criancas que sio categorizadas dentro da educagéo especial normalmente provém da classe trabalhadora e de minorias étnicas, que apresentam maio- res problemas no ambiente escolar devido & sua maior lentidao na aprendizagem e A sua conduta menos adaptada. O desenvolvimento do sistema segregado cumpre a fungo deman- ter um clima estimulante nas escolas regula- res ao desviar os alunos com problemas a es- colas ou classes de educagao especial. Finalmente, também se acusou essa ter- minologia de procurar apresentar uma imagem excessivamente otimista da educaco especial. ¥ como se, ao suprimir o nome das deficiénci- as, estas ficassem menos graves; como se centrando os problemas na escola e na provi- so de recursos fosse possivel garantir o pleno desenvolvimento de todos os alunos em con- digdes normalizadoras. Ao contrério, destacam 605 criticos, os alunos apresentam problemas cuja origem muitas vezes situa-se fora do 4m- bito escolar e, por isso, o sistema educativo nao poder, por si s6, resolver tais problemas. Esse conjunto de objecdes obriga a perfi- lar 0 conceito de necessidades educativas es- 22 COLL MARCHES!, PALACIOS & COLS, Peciais em dois ambitos principais, que estio estreitamente relacionados: a que alunos es- tende-se esse termo e que informacéo pode aju- dar a especificar suas demandas educativas. Uma posigio extrema, estreitamente re- lacionada com as criticas sociolégicas expos- tas antes, é a que considera que a atribuicao de necessidades educativas especiais a alguns alunos pode inclusive ter efeitos discrimina- trios e, por isso, seria mais conveniente falar de “necessidades individuais”, que afetariam todos os alunos: Todos nés, no servigo educativo, devemos procurar erradicar a utilizaco de todas as formas de rotulacio, incluindo a de “ne- cessidades especiais” que agora esté na moda, reconhecendo que so essencialmen- te discriminatérias. Em seu lugar, devemos encontrar vias de reconhecimento da indi- vidualidade de cada aluno, de que todas as criancas experimentam dificuldades de aprendizagem e de que todos podem ter éxito. (Ainscow e Tweddle, 1988, p. 69) Essa formulacao, que atribui uma énfase extrema as caracteristicas individuais de cada aluno, tem o grande valor de assinalar as dife- rengas entre 0s alunos e de concretizar a tare- fa principal da educacio em responder de for- ma satisfatéria a todas elas. Corre, contudo, 0 risco de esquecer a situagio mais excepcional de determinados alunos, que requerem respos- tas mais singulares, e de nao levar em conta 0 que pode proporcionar & definigo do proces- 80 educativo 0 conhecimento da origem dos problemas de aprendizagem dos alunos. Nes- sa posigéo, situa-se Norwich (1990), quando reivindica uma recuperacdo interativa das ca- tegorias da deficiéncia. O objetivo no é, logi- camente, voltar & situagio anterior ao informe Warnock, mas reforcar uma explicagéo mais interativa e completa das dificuldades de apren- dizagem. Existe 0 risco, sem dtivida, de se enfatiza- rem os problemas relativos a cada uma das deficigncias e de se esquecer de seu cardter interativo e contextual. Existe o risco também de que a introdugio das categorias oriente 0 esforgo no sentido de como escolarizar os alu- nos em uma escola regular, e nao tanto da transformacao da educacao; contudo, hé igual- mente 6 perigo oposto de que a utilizacio ge- nérica do termo “necessidades educativas es- peciais” nao leve em conta suficientemente a situagdo do alino. Nao se deve esquecer que existem caracteristicas préprias vinculadas a cada tipo especifico de limitacéo ou a origem dos problemas de aprendizagem cuja compre- enso pode ajudar a proporcionar a alternati- va educativa mais conveniente e os recursos adequados. Os problemas de comunicagéo de uma crianea, por exemplo, no requerem a mesma resposta educativa nem o mesmo tipo de recursos se sua origem esté em uma perda auditiva ou nas dificuldades da familia para falar a lingua da escola. £ necessdrio, consequentemente, combinar os tracos comuns com as caracteristicas prdprias de cada aluno e de seu contexto. Deve haver um enfoque que analise de forma interativa a situagéo de cada crianga e que leve em conta, por um lado, o que tem em comum com outras criangas eo que é especifico dela; e, por outro, o que é comum em seu ambiente e outros ambjentes ¢ o que é especifco de seu ambiente famfiare educetivo. A INTEGRACAO EDUCATIVA O significado da integragao A ideia de integracio esteve estreitamen- te associada a utilizacao do conceito de neces- sidades educativas especiais. As duas formula- Ges so tributdrias dos movimentos sociais de cardter mais global qué se consolidaram a par- tir dos anos de 1960 ¢ que requeriam maior igualdade para todas as minorias que sofriam algum tipo de excluséo, Dessa perspectiva mais politica, a necessidade da integracio surge dos direitos dos alunos e é a concretizagéo na pré- tica social do principio da igualdade: todos os alunos devem ter acesso & educacdo de forma no segregadora. Ao lado desses argumentos mais radicais, que levados as tiltimas consequéncias supdem 0 fechamento de todas as escolas de educacao especial, formulam-se outros de cardter mais especificamente educativo. A integracao é 0 processo que permite aos alunos que habitual- mente foram escolarizados fora das escolas regulares serem educados nelas. A reflexio si- tua-se agora nas condigGes educativas ¢ nas mudancas que é preciso fazer nas escolas re- gulares e na proviso dos recursos para que os alunos com necessidades educativas especiais recebam nelas um ensino satisfatério. E preci- so levar em conta que o informe Warnock foi bastante restritivo em relacdo & integracao, j4 que estabeleceu trés condigdes espectficas: a capacidade da escola integradora para respon- der as necessidades especiais do aluno; a com- patibilidade dessa decisao com a educacao efe- tiva dos colegas com os quais serd educado e a utilizagéo dos recursos de forma efetiva e efi- ciente pelos gestores da educacéo. Tal formu- lacéo pée em relevo que a estratégia integra- dora que se extrai do informe Warnock é antes de tudo uma mudanga na maneira de propor- cionar os recursos educacionais com uma pers- pectiva mais integradora do que uma reforma da educacao. Em certas ocasides, considerou-se que a integrago dos alunos na escola regular era 0 principal objetivo do proceso de mudanca. Essa formulagdo suscitou uma certa controvér- sia e oposi¢ao porque pée a énfase nos alunos que so escolarizados nas escolas de educacéo especial, os 2% que tém alguma deficiéncia, e se esquece dos outros 18% que também apre- sentam necessidades educativas especiais e que foram escolarizados normalmente nas escolas regulares. A integragdo nao deve ser entendi- da como um movimento que procura unica- mente incorporar os alunos das escolas espe~ ciais escola regular, juntamente com seus pro- fessores e os recursos materiais e técnicos que existem nelas. A integracao nao é simplesmente a transferéncia da educacao especial As esco- las de ensino comum, mas seu objetivo princi- pal é a educagao dos alunos com necessidades educativas especiais. A insatisfagéo com as interpretag6es par- ciais da integraco foi o que levou a modificar a terminologia (Hegarty, Pocklington e Lucas, 1981) e a propor que o principal objetivo das mudangas é educar os alunos com necessida- des educativas especiais na escola regular. A finalidade do esforgo é a educaco desses alu- nos. O meio é a integracdo. Isso supde que é 0 DESENVOLVIMENTO PS\COLOGICO E EDUCAGAO, V.3 23 sistema educacional em seu conjunto que as- sume a responsabilidade de dar uma resposta para alcancar tal objetivo, e nao uma parte dele, a educacio especial, que se desloca acompa- nhando os alunos com deficiéncia que j4 néo sio escolarizados nas escolas especiais. O debate sobre a integracéo Os defensores das escolas integradoras colocam, juntamente com o direito de todos ‘os alumos a nao segregacdo, as vantagens edu- cativas que acarretam para todos os alunos sua educaco conjunta. A integracio, realizada nas devidas condigées, é positiva para os alunos com necessidades educativas especiais, jA que contribui para o seu melhor desenvolvimento e para uma socializaco mais completa e nor- mal. Sustentam, além disso, que é benéfica para © conjunto dos alunos, jé que todos eles apren- dem com uma metodologia mais individuali- zada, mais atenta a diversidade de situagies nas quais se encontram. A integragio, final- mente, desenvolve em todos os alunos atitu- des de respeito e de solidariedade em relagao a seus colegas com maiores dificuldades, o que constitui um dos objetives mais importantes da educagio. Ha também razées mais gerais relaciona- das ao sistema educacional. A integrac&o, quan- do vai além da mera presenca fisica nas salas de aula regulares dos alunos com alguma defi- ciéneia, supe uma mudanca profunda na edu- cacao. Uma mudanca que é dirigida ao estabe- lecimento de objetivos mais amplos e equili- brados, a definicao de um curriculo flexivel e & formacio de todos os professores na atengio & diversidade dos alunos. Dessa forma, o fun- cionamento das escolas e a organizacao do en- sino na sala de aula adaptam-se com maior fa- cilidade as necessidades dos alunos e favore- cem sua integracio. Diante dessas razées, levantam-se outras que pdem em questo as pretensas vantagens da integracio. Por um lado, afirma-se que os alunos com algum tipo de deficiéncia nao en- contrardo na escola regular uma educagio tao completa como a que teriam nas escolas espe- ciais. Os grupos excessivamente heterogéneos vt 24 COLL, MARCHES!, PALACIOS & COLS, de alunos apresentam muitas dificuldades para aprender juntos. Também no dispéem de re- cursos similares aos das escolas especiais nem de professores suficientemente preparados. Uma parcela importante dos professores que trabalham nas escolas de educacéo espe- cial tem.uma certa prevengdo quanto a inte- ‘gragio educativa pelo tipo de organizagao das escolas regulares, pela homogeneidade habi- tual de seu curriculo e pelas dificuldades dos professores de se adaptarem as demandas dos alunos com dificuldades moderadas de apren- dizagem. Essa posi¢ao é corroborada por ou- tos coletivos. Alguns pais de alunos com ne- cessidades educativas especiais, particularmen- te quando seus problemas so mais graves, ma- nifestam maior confianga na escolarizacao de seus filhos nas escolas especiais. Também os adultos surdos, de forma individual e por meio de suas associagées, manifestaram sua posicao critica em relagio aquelas formas de escola- rizaco que nao respeitam sua linguagem, a linguagem dos sinais. Sobre essas criticas, argumenta-se que o conceito de integracao néo significa simples- mente escolarizar os alunos nas escolas regu- lares, mas exige uma mudanga nas escolas. Além disso, a integrag4o nao é uma opcio rigi- da, com limites precisos e definidos e igual para todos os alunos. Ao contrério, a integracio é, antes de tudo, um processo dinimico e mu- tavel, cujo objetivo central é encontrar a me- Ihor situaco educativa para que um aluno de- senvolva ao maximo suas possibilidades e, por isso, pode variar conforme as necessidades dos alunos € o tipo de resposta que as escolas po- dem proporcionar. Por essa razo, a forma de concretizar a integracéo pode variar 4 medida que as necessidades educativas dos alunos vo se modificando. Formas de integracao informe Warnock distinguiu trés prin- cipais formas de integraco: fisica, social e fun- cional. A integracio fisica ocorre quando as classes ou unidades de educagio especial so inseridas na escola regular, mas continuam mantendo uma organizacéio independente, em- bora possam compartilhar alguns lugares, como o patio ou o refeitério. A integragao so. cial supe a existéncia de unidades ou classes especiais na escola regular, em que os alunos escolarizados nelas realizam algumas ativida- des comuns com os demais colegas, como jo- gos e atividades extraescolares. Finalmente, a integracdo funcional é considerada a forma mais completa de integrac&o. Os alunos com necessidades educativas especiais participam, em tempo parcial ou completo, nas classes de ensino comum e incorporam-se a dindmica da escola. Uma andlise mais completa é aquela rea- lizada por Sdder (1980) a partir da experién- cia sueca, Sua proposta estabelece quatro for- mas possiveis de integracao: fisica, funcional, social e comunitéria. Cada uma delas supée uma aproximacao maior entre o grupo de alu- nos com necessidades especiais e o grupo de alunos sem necessidades especiais. A integra- Go fisica e a social coincidem com a fisica e a funcional do informe Warnock. E na definigéo da integragéo social e da comunitéria que se encontra maior elaboragio e diferenciacao. A integragio funcional € definida como “a progressiva reduco da dist@ncia funcional na utilizag&o conjunta dos recursos educativos”, Haveria trés nfveis: 1. Utilizagdo compartilhada: compar- tilham-se os mesmos meios em ho- ratios diferentes. 2. Utilizaggo simulténea: utilizam-se os mesmos meios no mesmo momen- to, mas de forma separada. 3. Cooperagao: os recursos sio utiliza- dos ao mesmo tempo e com objeti-» vos educativos comuns. Finalmente, a integrac4o comunitéria é a que se produz na sociedade quando os alunos deixam a escola. A integracéo educativa deve ser valorizada ndo apenas em si mesma, levan- do em conta se possibilita o desenvolvimento pessoal e social da crianca, mas também se fa- vorece a integracdo na sociedade durante a juventude e a idade adulta. Neste tiltimo pon- to, é preciso considerar que 0 processo de integragéo depende em grande medida da DESENVOLVIMENTO PSICOLOGICO E EDUCAGAO, V.3 25. adaptacio das instituigées a essas possibilida- des, A integracao comunitéria exige mudan- cas importantes na estrutura social, no acesso ‘a0 emprego € nas atitudes dos cidadios. Por essa razio, pode ser que exista um proceso deintegracdo educativa satisfatério seguido de uma dificil incorporacao & sociedade. A partir de outra perspectiva, baseada na organizacéo do curriculo e no atendimento educativo que 0s altunos recebem, foram pro- postos diferentes graus no processo de inte- gracdio dos alunos com necessidades educativas especiais. Hegarty, Pocklington ¢ Lucas (1981) propuseram um modelo que oferece diferen- tes alternativas organizacionais. Talvez seja um modelo excessivamente rigido e estético, que nio leva em conta as mudangas que se produ- zem nos alunos € a importancia de considerar a integracéio como um processo, € nao apenas como um tipo de organizac&o dos recursos. ‘Tem a vantagem, contudo, de ilustrar as dife- rentes opcdes possiveis (ver Quadro 1.2). ‘A opco A, classe comum sem apoio, & dlaramente excepcional quando se trata da integragéo dos alunos com necessidades edu- cativas especiais, j4 que normalmente tais alu- nos requerem um apoio complementar. ‘A opsio B é a mais integradora, jd que 0 aluno recebe na sala de aula as ajudas neces- QUADRO 1.2 Organizagao do atendimento educacional aos alunos com necessidades. educativas especiais ‘A Classe comum, sem apoio B__ Classe comum, apoio para o professor, apoio para o alendimento pessoal © Classe comum, trabalho para o especialista fora da classe DI Classe comum como base, tempo parcial na classe especial Dil Classe especial como base, classe comum ‘em tempo parcial E Classe especial em tempo integral F Escola especial em tempo parcial, escola ‘comum em tempo parcial G Escola especial em tempo integral Fonte: Hegarty, Pocington ¢ Lucas (1961) sirias, seja através do professor tutor, seja atra- vés do professor de apoio e, com isso, man- tém-seo dia todo em contato com seus colegas. ‘A opcio C, classe comum e atendimento na sala de aula pelo especialista, pode ser rea- lizada de forma individual ou em pequenos gru- pos com necessidades semelhantes. Evidente- mente, o nivel de integragao alcangado depen- de do ntimero de horas que estejam nos dois lugares. Quando o trabalho do especialista é realizado em grupo e-durante parte da jorna- da, a opcao escolhida é a D, cujas duas alter- nativas poem énfase ora na classé de educa- co especial, ora na classe comum. ‘A opcio E parte do tempo na escola es- pecial e parte do tempo na escola regular, pro- cura conjugar o atendimento especializado ao aluno na escola especial com sua integracéo na escola regular. Suas vantagens em relacao a0 tipo G nao devem fazer esquecer os proble- ‘mas que se apresentam ao aluno para integrar- se na sala de aula ou em atividades das quais participa apenas algumas horas. Essa mesma dificuldade deve ser levada em conta nas ou- tras op¢des indicadas anteriormente, nas quais tempo do aluno é distribuido entre duas clas- ses. Nesse caso, as possibilidades de integracao social podem ser maiores ao compartilhar mais tempo em atividades desportivas e extraesco- lares. Finalmente, as opgies Ee G no podem ser consideradas integradoras para os alunos com necessidades educativas especiais. ‘A partir dessas alternativas, fica mais pa- tente que a integragio nao é necessariamente uma opcao de tudo ou nada, mas um proceso com diferentes formas organizacionais. Tal gama de possibilidades de integracao deve ser considerada quando se propée a escolarizagao dos alunos com necessidades educativas espe- ciais. E preciso, contudo, destacar mais uma ‘vez que no so apenas ~ nem principalmente — as necessidades educativas do aluno que ¢ situam em uma das formas organizacionais que acabamos de indicar. f antes de tudo o tipo d« escola, sua flexibilidade curricular e a capaci dade dos professores para conduzir 0 process« de ensino com alunos muito heterogéneos qu: permitirdo que um aluno, mesmo com neces sidades educativas graves e permanentes, pos sa ser escolarizado na op¢ao B. Os mesmos alu

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