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INTRODUÇÃO NAS BASES DA PSICOLOGIA COMPLEXA

Excertos e resumos para estudos críticos.


Toni Wolff, 1958, Ed. Rhein.

1. Tudo que é inconsciente é sempre projetado, isto é, aparece como particularidade ou conduta do objeto e
só por um ato de autoconhecimento os conteúdos correspondentes podem ser integrados no sujeito e com isso
desligados do objeto e reconhecidos como fenômenos psíquicos.
2. A conscientização do inconsciente corresponde, então, a uma expansão e diferenciação da consciência. O
inconsciente é, epistemologicamente, o ainda não consciente (expressado de modo simples) sobre o qual nada
pode ser pronunciado enquanto não possuir uma adequada intensidade energética para que seja percebido. A
noção "inconsciente" deve ser entendida de modo análogo à definição kantiana de "coisa em si", isto é, antes
de tudo como apenas uma noção limítrofe negativa. Ela aponta os limites da consciência a não pronuncia nada
quanto aos conteúdos. Por isso nem é possível descrever e integrar os conteúdos do inconsciente sem
relacioná-los com a consciência.
3. Sabe-se que a disposição de consciência em relação ao inconsciente pode ser adequada ou inadequada. A
integração do inconsciente pela consciência tem como consequência um efeito sobre o inconsciente
influenciando, de modo decisivo, sua "linguagem" ou forma de expressão. Por isso o agrupamento
fenomenológico do inconsciente e, ao mesmo tempo, também funcional. De modo conciso pode ser
caracterizado assim:
Os sintomas ou complexos são infrações, isto é, o inconsciente penetra de uma forma inadequada em
uma disposição extrema da consciência, por ex., o inconsciente está tentando compensar uma disposição
inadequadamente conscientizada.
O sonho é uma interpolação compensadora.
A fantasia, especialmente sua forma arquetípica, é uma cooperação entre o inconsciente e a consciência
(a consciência acompanha a decorrência inconsciente).
O símbolo é uma integração, isto é, um produto da ligação do inconsciente com a consciência.
4. O sintoma neurótico pode manifestar-se de modo meramente psíquico ou como sintoma somático
psicogênico. Aparece quando o consciente se fecha perante o inconsciente, isto é, não admite certos fatos que
poderiam ser conscientizados.
5. O sonho, quanto ao seu material, é uma combinação de componentes inconscientes e conscientes. Quanto
a sua fenomenologia é um resultado "puro" do inconsciente e da atividade psíquica da imaginação. O sonho é
ura símbolo e só pode ser compreendido através de um procedimento específico de interpretação.
6.1. As fantasias são produtos espontâneos do inconsciente. Ha certa relação com o sonho, já que, como
“sonhos acordados” são conhecidos por todos. Emergem por si mesmas no caso de estado de consciência mais
rebaixada, ligam-se a conteúdos inconscientes e desenvolvem uma situação real de maneira lúdica,
correspondendo aos desejos ou preocupações subjetivas. Seu sentido é mais ou menos patente e reflete a
conduta do indivíduo, na maioria dos casos em conexão com os componentes pessoais das funções psíquicas
inferiores.
6.2. Essa espécie de fantasias origina-se do inconsciente pessoal e seus conteúdos são antecipações ou
retrospecções com acentuação positiva ou negativa. Já que a consciência durante o processo comporta-se de
modo passivo, são chamadas fantasias passivas.
6.3. De acordo com suas intensidades energéticas influenciam a consciência; por exemplo: uma fantasia
angustiante paralisa, ou uma antecipação por demais intensa de um evento faz com que a realidade
posteriormente ocorrida fique inteira mente desinteressante ou falseada.
6.4. As fantasias passivas podem decorrer de modo inteiramente inconsciente sem que isto diminua seu efeito
energético sobre a consciência. Ao contrário, são, com frequência, as motivações reais de reações pessoais
demais positivas demais negativas. Para esclarecer sua índole em relação com a realidade externa é necessário
seguir conscientemente a decorrência do evento fantasioso, e se for necessário, trabalhar a fantasia como se
fosse um sonho.
6.5. As fantasias realmente importantes que mostram a atuação "pura", o trabalho da imaginação, são as
fantasias do inconsciente coletivo. Tal categoria de fantasias não se faz perceber em casos normais, isto é,
seus conteúdos não aparecem por si mesmos na consciência, a não ser em determinados sonhos significativos.
6.6. Os sonhos significativos podem ser reconhecidos quanto ao seu material de imagens e quanto ao seu efeito
emocional, como expressões do inconsciente coletivo. Aparecem quando o objetivo-psíquico (isto é, o
inconsciente) está ativado, ou também como sonhos iniciais no caso de uma supervalorização mórbida do
inconsciente coletivo. Sua conexão com representações arquetípicas é patente entre os primitivos, para os
quais a mesma palavra significa sonho e a época mítica ou também onde os mitos estão sendo revelados por
sonhos.
6.7. Por isso sua efetividade energética é muito mais intensa do que a das fantasias pessoais e é necessário
deduzir de determinados sinais, como por exemplo, entre outros, de reações afetivas exageradas e depressões
não explicadas pela situarão consciente, que conteúdos coletivos-inconscientes estão sendo constelados. São
mobilizados pela intensificação de elementos coletivos, os quais aderem-se às funções psicologicamente
inferiores.
6.8. Como fantasias, porém, aparecem apenas se há uma concentração ativa da consciência sobre o fundo
psíquico tornado efetivo. Por isso são chamadas também fantasias ativas. Para deixar expressar sua
fenomenologia específica é necessária uma determinada disposição. Primeiro, pela concentração sobre a
decorrência psíquica no inconsciente acrescentar-se-á a ela tanta energia consciente que poderá tomar uma
forma. Segundo, as fantasias coletivas-inconscientes ou arquetípicas possuem suas atividades e leis
características. Por isso a consciência, embora tenha que se dirigir a elas, deve se refrear de qualquer
interferência arbitrária nessa disposição e decorrência particulares. Por causa disso, interpretações e
julgamentos precisam ser contidos para que as imagens simbólicas possam desenvolver sua vida autônoma e
com isso atuar sobre a consciência.
6.9. A objetivação dos fenômenos do inconsciente coletivo só é possível se a integridade da personalidade
está reestabelecida pela assimilação dos conteúdos do inconsciente pessoal. Só um Ego integrado pode encarar
o objeto interno como um oposto real e distinguir-se do processo autônomo das imagens psíquicas.
6.10. As fantasias arquetípicas constituem o primeiro acesso ao objetivo-psíquico (inconsciente). Apresentam
em forma simbólica conteúdos e processos psíquicos independentes do Ego, os quais atuam sobre este por
suas configurações e significados. No decorrer das séries de imagens do objetivo-psíquico (inconsciente) o
Ego encontra-se oposto a esse processo pelo fato de que está adotando una atitude receptiva e contemplativa
em conexão com eventos e seu prosseguimento. Por enquanto não pode fazer nada com eles para seus fins
pessoais e tem que orientar-se, antes, nesse desconhecido mundo interno para poder conhecer essas
configurações estranhas.
6.11. As imagens psíquicas formam as configurações daquela energia que se manifesta na consciência como
todos os tipos de afetos e reações incomensuráveis, como intrincados emaranhamentos humanos, etc. Elas são
reprodução e índole dessa intensidade energética. Com seu configurar em imagens simbólicas está sendo
expressado seu sentido e criada uma forma para este de modo autônomo a automático.
6.12. Em reações intensas, nas complicações singulares, no caso de depressões, etc., somos sujeitos à condição
do momento e o objetivo-psíquico, isto é, o inconsciente, dispõe de nós, vive-nos, faz algo dentro de nós, o
que altera o nosso Ego. Ao concentrarmo-nos sobre tal condição, objetivando-a em um processo imagético,
estamos outorgando-lhe forma e encontramos seu sentido. Entregamo-nos, então, intencionalmente, ao
processo, o qual sem este relacionamento, decorreria como um evento automático e de natureza cega.

6.13. Enquanto a concentração da consciência condensa a mera decorrência em evento imagético, a


movimentação energética transpõe-se à forma autentica de manifestação do objetivo-psíquico. Pela
concentração e aprofundamento nessa como ela é, e na situação como aparece para nós, entra vida e
movimento nela. Quando tal atitude e firmada, quando a imagem está sendo encarada em si mesma e quando
conseguimos afastar todas as influências e possibilidades de exploração, então o evento imagético
desenvolver-se-á de acordo com seu próprio sentido. A imagem tonar-se-á uma vivência que nos atingirá,
atuando sobre o nosso todo-humano e perceberemos sua realidade, pressentindo atrás dela um significado. É
vida e ideia ao mesmo tempo.
6.14. Quando tal atitude está consequentemente firmada, o objetivo-psíquico (isto é, o inconsciente) pode
desenvolver sua vida autônoma. O motivo da primeira imagem - correspondendo a conexão interna - será
continuado em uma imagem subsequente e assim, com o tempo, propõem-se situações e configurações
claramente delineadas. O inconsciente coletivo aparece para nós - como para a mente primitiva- em forma
personificada e entendida em paisagens e em eventos. As personalidades e situações criadas pela imaginação
são variantes mais ou menos nítidas dos motivos arquetípicos, conhecidos da história cultural. São as formas
espontaneamente reproduzidas, de posse da psique, para expressar experiências e ideias típicas na sua
linguagem própria. Por isso ocorre a sequência das imagens de acordo com a consequência e lei inerentes ao
psíquico, já que os arquétipos são expressões da unidade estrutural do inconsciente coletivo.
A alma é uma sequência de imagens no sentido mais amplo, porém não qualquer
seguimento ou paralelo ocasional, mas uma construção sobre todas as medidas,
propositada e sentenciosa, uma apresentação do atuar da vida expressada por imagens.
(C.G. JUNG: Espírito a Vida)
6.15. Fenomenologicamente pode ser dito das fantasias arquetípicas que concordam amplamente com motivos
mitológicos e com todas as formas de manifestação da mentalidade primitiva. É no entanto, evidente, que elas
nunca tomam forma inteiramente independente do consciente mundo de representações do indivíduo; são, de
certo modo, tingidas pela experiência pessoal e pelos conteúdos mais ou menos ricos do consciente mundo
intelectual do indivíduo observador. No entanto isto refere-se antes a fixações externas e menos importantes
e aparece, além disso, especialmente no início do processo. Nessa fase as figuras arquetípicas estão ainda
envoltas pelo material subjetivo da experiencia, são investidas com feições de pessoas animais, com
acontecimentos da infância, quando havia uma maior proximidade com o inconsciente coletivo. Às vezes
carregam máscaras dos complexos porque são a substância interna dos complexos autônomos. Podem ser
também, igualmente, encobertas por ideias que tem uma semelhança distante com elas porque principiam,
originalmente, na mesma base.
6.16. Quanto mais progride o processo da objetivação, tanto mais nitidamente aparece a configuração
particular dos arquétipos e todas as marcas características da índole pictural da psique que se tornavam visíveis
e já na configuração e fenomenologia do sonho chegam a se expressar, por assim dizer, em forma “pura”. A
mente original "pensa" em imagens pictoriais, em "ideias" no sentido original da palavra.
Os elementos dessas imagens originam-se em parte do mundo anterior, ao compreender os processos
da natureza em termos simbólicos, e em parte são apresentações espontâneas do processo vital psíquico.
6.17. A imagem sobre o mito solar, por exemplo, abrange de um lado a cosmovisão do primitivo, isto é, a sua
explicação dos eventos na natureza, e do outro, ao mesmo tempo, também o símbolo para um evento
semelhante que de maneira igual obedece à lei, no interior. O trajeto solar de cada dia cria na mentalidade
primitiva a impressão que o sol está sendo devorado pelo monstro da noite, mas no outro dia, libertando-se
das entranhas da baleia-dragão, renasce. Tal mito constitui, ao mesmo tempo, a imagem do processo
arquetípico da regressão, o ser tragado pelo inconsciente, do qual a consciência tem que se libertar por uma
ação . Do mesmo modo, o trajeto solar é uma imagem simbólica do inteiro trajeto psíquico da vida, com sua
ascensão, zênite e declínio até a morte.
6.18. O primitivo não "pensa", isto é, não tem a intenção de fornecer uma explicação, mas a ideia está
tomando forma dentro dele, origina-se no material psíquico por si mesma e aparece-lhe como manifestação
primordial do desígnio humano, outorgada pela natureza.
6.19. Tais impressões sempre e de novo revividas, mobilizadas ora de dentro, ora de fora, no decorrer do
tempo encravaram-se na psique como engramas condensando-se em formas típicas. São, assim, a
compreensão do mundo e dos processos psíquicos sob a lei da natureza. São a categoria apriorística que
organiza o material vivenciado e com isso assegura uma continuidade para a consciência.
6.20. As formas arquetípicas são estruturais campos de força psíquicos, agrupamentos energéticos ao redor de
vivências típicas. São constelações de natureza afetiva e ideativa, constituindo-se de um cerne característico
e do material com este coligado. O número dos arquétipos deveria corresponder às possibilidades de típicas
vivências básicas do ente humano, e como tal as formas arquetípicas são, por isso, imagens de validade geral,
independente da condição momentânea da consciência e das suas categorias racionais de tempo e de espaço.
São coletivas, isto é, existem em potencial sempre e ubíquo. Por isso em certas condições, o inconsciente
coletivo desconsidera as categorias de tempo e de espaço.
6.21. Os arquétipos permanecem latentes como constelações até surgir uma vivência que corresponda a um
agrupamento arquetípico. Com isso ativa-se o arquétipo em questão, isto é, sua afetividade energética está
sendo mobilizada. Os arquétipos constituem, em certo sentido, campos magnéticos que atuam - em termos de
atração - sobre a consciência. Por isso atraem a si todo o material psíquico que corresponde, mais ou menos,
ao momentâneo complexo arquetípico constelado. Tal psiconomia energética coletiva e estrutural aparece na
consciência como complexo autônomo.
6.22. Na mentalidade primitiva sobrepõem-se - em forma de imagens típicas - as configurações de
experiencias de ideias, como "representações coletivas". O primitivo edifica disto o seu mundo espiritual
singular. Com o progressivo fortalecimento e diferenciação da consciência, as imagens arquetípicas serão
configuradas e elaboradas como mitos complicados da antiguidade e como símbolos mais altamente
desenvolvidos das religiões. A mente ocidental diferenciou e abstraiu totalmente a compreensão do evento
natural da linguagem das imagens primordiais e elevou-a à categoria de ciência racional. O evento psíquico,
porém, em parte, ficou largado a si mesmo. Mas quando emerge uma determinada situação estendendo-se
além das possibilidades de significado e compreensão pessoais-conscientes, ativar-se-á a compreensão
arquetípica da situação psicológica.
6.23 Os arquétipos, em si, são formas vazias de representação, Só depois de uma experiência específica serão
mobilizados e só por uma concentração da consciência sobre essas condições apriorísticas da imaginação,
serão "preenchidos" a percebidos como compreensão arquetípica da situação psicológica. Com isso a situação
não será compreendida só pela consciência, só do lado pessoal, mas será experimentada, esclarecida e
adiantada, antes de tudo, também pela configuração inerente ao objetivo-psíquico (isto é, inconsciente).
Assim, determinados arquétipos que correspondera a uma situação específica estão sendo constelados.
6.24. Se, por exemplo, um homem encontra-se num relacionamento psicologicamente complicado com uma
mulher - com isto serão mobilizadas suas funções inferiores e lhe ocorrerão uma série de projeções - no
objetivo-psíquico será constelado o arquétipo da Anima, isto é, a experiencia humana geral e não pessoal do
homem em relação à mulher e ao mesmo tempo a "participação mística com a mulher, isto é, o efeito e
efetividade do princípio feminino na psique do homem. Com isso a situação será conduzida, além do particular
e pessoal, à experiencia humana universal, e o homem da excessiva fascinação - positiva ou negativa - pelo
objeto externo, a percepção do objeto interno, e com isso a um início de relacionamento com a totalidade
psíquica.
6.25. O objeto interno - no caso atual - o Complexo-Anima, não está projetado, na realidade, sobre a mulher,
apenas são projetados os efeitos resultantes da constelação do arquétipo. A Anima só aparece como imagem
arquetípica quando se consegue distinguir a causa (aqui a mulher) do efeito. O efeito é o "meu" assunto
subjetivo porque apresenta a "minha" noção psíquica. Então é o "meu" psíquico-inconsciente que me
incentiva, insufla em mim emoções e ideias, intercepta minhas intenções conscientes, isto é, possui uma outra
psicologia do que o meu Eu consciente. É o "outro" dentro de "mim", em primeiro lugar a minha própria
sombra, e mais adiante tudo aquilo que é inconsciente para mim - o feminino no homem e o masculino na
mulher. E ainda mais, não naquela forma como eu o imagino conscientemente e percebo perante mim no outro
sexo, mas do modo como o psíquico desde o princípio o experimentava e configurava. Necessita-se então uma
decisão moral e um ato volitivo de integração para avançar, da identificação com o objeto "estimulador" das
emoções aparentemente ativadas de fora, a causa psíquica.
6.26. Por um tal processo de introversão volitivo e ativo, durante o qual a consciência no início mantem-se
em expectativa, a fenomenologia e a psicologia dos conteúdos e segmentos objetivos-psíquicos
(inconscientes) tornam-se percebíveis. Nisso, por enquanto, o objetivo-psíquico possui a maior intensidade
energética e constitui, por isso, o potencial para a energia psíquica. Isto, porém, não significa que a consciência
seja totalmente "desligada". Ao contrário, é necessário que entre em relacionamento com os eventos psíquicos,
por duas razões.
6,27. Primeiro, as imagens arquetípicas, justamente por essa grande intensidade possuem um tamanho poder
atrativo que "inundam" a consciência, ou melhor, dissolveriam sua originalmente fraca composição e esta não
conservaria sua integridade.
6.28. Segundo, o decurso das manifestações psíquicas permaneceria uma sequência de imagens que alterando-
se constantemente ora de modo positivo, ora de modo negativo, por causa de sua irisação multívoca e da sua
ambivalência, ficariam sem sentido para a realidade do indivíduo, porque estariam girando como que num
sistema fechado era si, circulando eternamente se a consciência não entrasse em contato com eles. A imagem
arquetípica chega a ser constelada justamente porque funciona como a compensação necessária da disposição
da consciência.
6.29. O contato da consciência com o processo objetivo-psíquico ocorre pela objetivação das imagens
arquetípicas. Isto significa que as imagens devem ser reproduzidas do modo mais adequado possível por
palavra e cor. Com isto estão sendo "fixadas" além da mera percepção e dessa maneira manifesta-se
patentemente sua vida peculiar e seu efeito sobre a consciência. Só com o configurar objetivo das imagens
depara-se a consciência com a fatualidade psíquica. A reprodução das imagens não é, evidentemente, uma
criação artística, na qual passa a ocorrer uma seleção de acordo cora um juízo estético. Embora sendo
necessário que a fantasia percebida seja reproduzida por uma forma o mais adequada possível, no entanto deve
ser verídica em termos psicológicos e não estéticos ou ideativos, isto e, tem que ser expressada como está se
apresentando pelos meios mais adequados a disposição, com isto a objetividade do psíquico está sendo
"fixada" e atua sobre a consciência.
6.30. Já que o efeito sempre desencadeia ura contra-efeito, então será o Ego, da sua parte, um fator na
sequência das imagens psíquicas, o que se expressa também em vários sentidos. Uma vez condensam-se as
fantasias de novas percepções em determinadas configurações e motivos que se distinguem um do outro. Outra
vez também o Ego aparece como componente do espaço psíquico. A pessoa mesma constitui uma figura nos
acontecimentos e em certos casos até terá que interferir neles. Tal interferir difere de um interferir inautêntico
de uma posição externa e não relacionada, pelo fato de que a interferência autêntica demonstra sentido e
corresponde aos processos psíquicos configurados. Em outras palavras, a pessoa comporta-se como faria
também em uma situação exterior, isto e, dependendo da situação, de modo receptivo ou não; acompanhando
a ocorrência onde for adequado e interferindo se for necessário.
6.31. Por esse entregar-se ativo à situação inconsciente, no outro lado o evento psíquico será como que
provocado para se colocar. A decorrência psíquica típica e geral pode tanto corresponder, como contrapor-se
ao Ego. Em certas ocasiões o inconsciente aparenta, por isso, intenções que seria impossível atender. Pela
objetivação, tais intenções, proposições e insinuações tornam-se patentes. Quando, por exemplo, o Complexo-
Anima está se constelando, o inconsciente aparece através da figura da Anima que possui uma determinada
psicologia. Em consequência disso confronta-se com ela como faria com um companheiro ou um adversario,
isto e, personificam-se as afetividades da Anima como aquilo que não somos, mas aquilo que nitidamente,
quer algo.
6.32. Por isso e necessário entender-se com o confrontado, senão este se fará valer sem considerar a
consciência. Pelo confronto com o Complexo-Anima será assimilada aquela quota que pode ser apropriada
pelo Ego e outros componentes não pertinentes a situação, que com o tempo ativarão um novo arquétipo. O
Complexo - Anima, dessa maneira, será em vez de uma figura uma função, e no seu lugar aparecerá uma
figura nova do inconsciente coletivo. E o processo continua até que as experiencias objetivo-psíquicas,
pertencentes ao momentâneo problema consciente, chegam a ser esgotadas.
6.33. Pela objetivação das fantasias coletivo-inconscientes o indivíduo está em condições de compreender seu
mundo psíquico interior. Experimenta o psíquico corno emoção ou como ideia original e vivência de modo
pictorial e simbólico tudo aquilo que não tem espaço na vida consciente, ou porque não pode ser vivido de
modo algum em forma concreta, ou porque se encontra numa condição apenas germinativa e por isso não
pode ser “traduzido” na vida consciente. As fantasias ativas, por isso, têm um significado semelhante ao jogo
fantasioso da criancinha, são uma forma de pré-exercitação para um emprego posterior. Ao confrontar o geral
com o especifico as fantasias são antecipações simbólicas da autoformação posterior.
6.34. A intensidade energética das reações arquetípicas constitui a base de inúmeros processos psíquicos. Um
arquétipo será sempre ativado quando se vivência um destino geral-humano. Dependendo da situação pode
fomentar ou impedir, no entanto, em todo caso sobrepuja a quantidade energética da conduta pessoal, por
causa da sua maior intensidade.
6.35. Já a primeira experiência humana, o vivenciar a criança sua mãe e seu pai, esta coligada com imagens
arquetípicas e nesse caso de modo especialmente intenso, já que o Complexo-Eu da criança só depois
estruturar-se-á paulatinamente. Por isso ocorre que em certos casos os complexos materno ou paterno podem
ter um efeito tão intenso e a intenção consciente nada pode contra eles.
6.36. Com a idade mais madura constelam-se novos arquétipos, até então obstaculizados pelos anteriores
vigentes. Os arquétipos apresentam a decorrência da natureza psíquica. Tal decorrência é típica, na sua
estrutura fundamental para a existência humana. Os arquétipos contêm tanto a forma de validade geral como
a energia nela investida para o próximo passo psicológico a ser dado pelo indivíduo como ente humano-geral.
6.37. O primitivo está de modo natural em relação com essa psiconomia, ele é "tomado" pelo arquétipo
correspondente a seu estágio de vida e tem que atendê-lo na forma de observâncias rigorosas. Ele será educado
pelas instituições existentes para isto e estimulado a se deixar imbuir inteiramente pelo significado do princípio
momentaneamente constelado - nós diríamos: realiza-lo totalmente. As mais decisivas são - desse ponto de
vista - aquelas cerimonias que estabelecem a transição da criança para o adulto. O arquétipo dos pais está
sendo confrontado pelo arquétipo da tribo, da comunidade e da responsabilidade. Os meios drásticos e cruéis
com os quais executam a iniciação para a nova condição demonstram de modo expressivo o poder do arquétipo
a ser superado. Por provas de coragem física e espiritual - no decorrer das quais os indivíduos fracos podem
perecer - o jovem torna-se um membro de validade total da comunidade dos homens, de certo modo um
indivíduo no gozo de seus direitos, em parte educado, em parte transformado por meios mágicos, isto é, pela
atuação sobre seu inconsciente. O processo simbólico e o significado da cerimônia expressam que uma criança
morreu e no seu lugar entrou um adulto. Por isso os iniciados recebem também novos nomes ou devem
merecer um nome por uma atuação extraordinária. Os primitivos encaram aqueles da tribo que não passaram
pela cerimonia como não humanos e sua existência esta considerada como extinta.
6.38. Do mesmo modo um homem não será chefe ou pajé só pelo privilégio de sua descendência ou habilidade,
mas recebe seu investimento verdadeiro por uma iniciação especial que o transformará em um ente adequado
para sua função social e extinguira sua entidade anterior como homem comum. Iniciações de índole mais '
sutil encontram-se quase em todas as religiões com o mesmo significado, isto é, o ente natural desde então
tornou-se um ser humano.
6.39. Na nossa cultura faltam, quase totalmente, tais instrumentos do desenvolvimento psíquico, com o
resultado que as leis psíquicas não chegam a ajudar e a transição de uma fase da vida para uma outra decorre
apenas no lado pessoal - consciente, e o objetivo psíquico (inconsciente) e deixado inteiramente a si mesmo e
por isso está excluído de conviver e progredir junto a personalidade consciente. Pela conscientização e
integração das fantasias arquetípicas a energia psíquica está libertada dos arquétipos não condizentes com a
faixa etária em questão e é transferida para a adequada constelação arquetípica. O progresso da vida torna-se
possível ao encontrar o sentido do novo arquétipo.
6.40. O sentido das fantasias arquetípicas pode ser encontrado não apenas pela interpretação, como no sonho,
porque elas representam material psíquico, o que no máximo, só parcialmente, pode ser assimilado pela
personalidade. Assimiláveis são apenas os componentes das funções inferiores mesclados com o inconsciente
coletivo. Os conteúdos arquetípicos reais são, psicologicamente, não sujeito, mas objeto, e por isso confrontam
a personalidade com o geral-humano. Mas na medida em que representam ideias gerais são acessíveis a uma
interpretação parcial.
6.41. Sua natureza impessoal exige - para urna avaliação adequada - o recorrer ao material paralelo da
psicologia dos primitivas e da história da cultura, ao passo que as comparações correspondentes da
arqueologia, da mitologia, da ciência das religiões, etc., servem para maiores esclarecimentos. Desta maneira
torna-se claro o significado geral-psíquico das imagens. O que têm para dizer em especial para o indivíduo,
emerge do seu efeito e da sua constelação na situação especifica.
6.42. O sentido particular das fantasias arquetípicas reside na experiência que elas outorgam e representam. O
indivíduo vivência na realidade psíquica todas aquelas emoções e ideias originais - pertencentes a natureza
humana - que lhe são excluídas pelo espaço limitado da sua existência pessoal a pela sua consciência atada a
história da sua época. Com isso será coligado com a humanidade e com o fundo histórico, e relacionado - ao
mesmo tempo - com a totalidade da sua alma, já que a psique, na sua estrutura fundamental é sempre e ubíquo
a mesma e constitui, por isso, a base de entendimento entre os seres humanos.
6.43. O efeito das fantasias arquetípicas objetivadas é a aproximação da consciência pessoal à natureza
psíquica, pela qual a consciência está afetada de modo bastante intenso. Essa interpretação e efetuação
recíproca do objetivo psíquico e da consciência possui também sua expressão específica nos arquétipos da
transmutação, os quais apresentam o processo da “vivência pela imagem e da imagem”. Nos símbolos estão
sendo percebidos também os perigos específicos do processo. Porque a consciência, ao se dirigir à atividade
autônoma do psíquico, faz com que o Ego torne-se o objeto do processo e com isso está coligado o perigo da
despersonalização.
6.44. O objetivo psíquico (inconsciente) possui a maior intensidade energética, e ainda mais, todos os
arquétipos isolados são contaminados um pelo outro, e dessa maneira o Ego depara-se não apenas com um
arquétipo, mas com a totalidade de todos os arquétipos que poderiam ser conscientizados e por isso
eventualmente seria por eles assimilado. O Ego, ao renunciar as suas muralhas unilaterais e pessoais - erguidas
contra o objetivo-psíquico para abrir as portas para a natureza soterrada, está também com isso entregue a
todos os perigos da natureza. Natureza psíquica e imagens arquetípicas são idênticas.
6.45. Na natureza humana tudo está contido estruturalmente. Bem e Mal, lúcido e escuro, forte e fraco, quer
dizer, tudo o que a consciência tem que distinguir e rasgar em opostos. Quando o Ego se submete ao objetivo
processo psíquico ativam-se todas as potências de opostos e com isso estabelece-se a relativa disposição
consciente-epistemológica.
6.46. Por isso o Ego é ameaçado pelo dissolver-se no geral e pela inconsciência da psique primitiva, que é
apenas coletiva e não conhece nenhum discernimento individual, a fascinação afetiva das constelações
arquetípicas associa-se, como mais uma dificuldade, o fato de que a atuação própria da imaginação mal
possibilita uma tradução adequada na linguagem da consciência, já que não existem formas conscientes de
compreensão para os conteúdos psíquicos. Se tivessem existido, seu conteúdo vivente há muito tempo teria se
abstraído em conceitos e figuras da linguagem.
6.47. O Ego pode enfrentar com uma firmeza igualmente sólida, dificuldades e perigos para a sua integridade
e para a sua realidade concreta. Por essa extrema situação conflitual entre a personalidade particular e o
objetivo psíquico serão então gerados aqueles símbolos arquetípicos que representam o problemático do
processo - por exemplo, a desintegração na figura de ser tragado e a integração no evento da transmutação.
Tais e semelhantes motivos constituem o itinerário para a cooperação do Ego com o objetivo-psíquico
(inconsciente).
6.48. Os arquétipos da transmutação são, por isso, as antecipações inconscientes da centração da personalidade
total, a qual cria-se pelo relacionamento com o objetivo-psíquico. As imagens da transmutação indicam a
diminuição da preponderância do objetivo-psíquico sobre a personalidade consciente. Ao mesmo tempo o
equilíbrio interno entre a consciência e o inconsciente só será reestabelecido se o cerne individual da
personalidade não se deixar dissolver pelo processo autônomo ao longo do trajeto inteiro. Conseguindo isso,
o processo continua através da formação dos símbolos unificadores, os quais são o meio e o caminho para a
centração da personalidade.
7.1. O símbolo unificador pertence, de acordo com sua fenomenologia, mas não inteiramente, por sua
estrutura, aos modos de manifestação do inconsciente. A denominação "símbolo unificador" seria uma
tautologia se não fosse por ele circunscrito um fato preciosamente determinado, que tem que ser distinguido
de outros.
7.2. A expressão "símbolo" denota uma complexidade psíquica pictorialmente representada, a qual não pode
ser reproduzida por uma noção ou por qualquer denominação consciente, já que tanto na sua forma como no
seu significado contém elementos que se encontram acima do entendimento consciente. Se não fosse este o
coso, o fato "simbolicamente" expressado poderia ser reproduzido pela linguagem racional. Nesse caso não
se trataria de um símbolo, mas de uma alegoria, em que conteúdos conscientes e conhecidos estão sendo
intencionalmente traduzidos numa linguagem semiótica e por isso podem ser em qualquer momento
retraduzidos.
7.3. O símbolo, ao contrário, abrange fatos psíquicos que no momento não podem ser ainda conscientes e que,
no caso de uma posterior conscientização, em certas circunstâncias, nem se deixam traduzir com um todo em
uma linguagem racional. "Símbolo" literalmente significa algo juntado, jogado junto. Psicologicamente pode
ser definido como uma imagem abrangente de dados conscientes e inconscientes.
7.4. Por isso um símbolo verdadeiro nunca pode ser totalmente interpretado, já que se encontra acima da
compreensão momentânea. Seu lado racional pode ser captado pelo entendimento consciente ao compará-lo
com paralelos histórico-culturais correspondentes. Seu lado irracional, isto é, inconsciente, embora não
acessível a razão, atua tanto mais sobre o estado de ânimo. De fato, o significado do símbolo vivente reside,
antes de tudo, no seu efeito. É a "figura vivente" (Schiller); fenômeno e significado são dois lados inseparáveis
da sua índole. A forma especial em si transmite o sentido especial ou o sentido especial escolhe a forma
especial. Reside, então, na natureza do símbolo, que só é efetivo em um configurar objetivado.
7.5. Também sonhos e fantasias arquetípicas são símbolos autênticos. Exprimem sempre fatos psíquicos
complexos capazes de serem conscientizados e não se deixam expressar ainda, ou nunca, de modo racional.
Distinguem-se, todavia, tanto entre si como do símbolo unificador, pela estrutura e extensão da configuração
complexa, como também pela relação dessa para com a consciência.
7.6. O sonho também pode ser definido, "grosso modo" como um símbolo que apresenta um material
complexo, constelado num dado momento e relacionado com a psicologia pessoal do indivíduo. Tal material,
através do método da interpretação construtiva - exceto os sonhos arquetípicos - pode ser traduzido na
linguagem consciente e tem que ser assimilado psicologicamente pelo indivíduo, que se valerá dela na vida
concreta.
7.7. A fantasia arquetípica é um símbolo que expressa material coletivo, objetivo-psíquico, pertencente a um
dado momento. O material só pode ser entendido em termos de comparação e tem que ser menos interpretado
do que configurado e experimentado. Os componentes coletivos das funções psicologicamente inferiores são
contaminados, em geral, com material coletivo-psíquico e a intensificação das funções inferiores conduz
então, necessariamente, ao aviventar do inconsciente coletivo. Aqueles conteúdos e ações das funções
inferiores, que não podem ser assimilados pelo Ego porque estão em oposição a personalidade; serão
vivenciados, assim, em forma simbólica. A linguagem simbólica não pode ser traduzida na linguagem da
consciência; embora para certos conteúdos e processos possam ser cunhados conceitos, estes, porém, frente
ao evento total, são incomensuráveis.
7.8. A ativação das fantasias arquetípicas é um processo que não pode ser arbitrariamente estacionado, já que
dura até o material coletivo-inconsciente que compensa a situação dada, chegar a ser exaurido. O Ego tem que
se adaptar, pois, ao processo autônomo simbólico, que é o experienciar do objetivo-psíquico enquanto este se
contrapõe ao Ego. Por isso aparece o objetivo-psíquico personificado por figuras e personalidades típicas com
as quais o Eu terá que se deparar.

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