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PDF Boa Ideia BARRICHELO
PDF Boa Ideia BARRICHELO
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Provavelmente, o que você mais presencia ao espaço sideral. Para isso, dependemos de tercei-
seu redor também são os cenários (b) e (c). Um ros - pessoas, instituições, obras de referência –
analista qualquer oferece uma ideia e não recebe que gozam de condições mais favoráveis para nos
atenção, mas quando um outro executivo, mais dizer boa parte do que precisamos saber a respei-
popular, utiliza os mesmos argumentos, é ouvido to do mundo. Precisamos de algo que se chama
de forma muito mais séria. Argumento da Autoridade.
Fica óbvia a indignação. Uma obra de arte é Por isso, utilizar especialistas para embasar as
subjetiva e, do ponto de vista comercial, até pode conclusões é absolutamente legítimo. Todo mun-
depender de um artista renomado que a decrete do que já precisou comprar um carro usado já se
como arte, mas ideias não podem. Para argumen- sentiu inseguro sobre o real estado dele. O econo-
tos, não deveria existir uma racionalidade uni- mista George Akerlof é conhecido pelo conceito do
versal a ponto de qualquer ouvinte entender como Mercado de Limões. Na gíria americana, um limão é
uma boa ideia ? Não deveria existir parâmetros um carro que é encontrado defeituoso somente de-
objetivos sobre como avaliar se uma ideia é lógica pois de ter sido comprado. O grande problema na
ou ilógica, verdadeira ou falsa, plausível ou não venda de carros usados é a chamada Assimetria de
plausível? Informações entre compradores e vendedores.
Como comentei na introdução, uma ideia de- Uma vez, ao comprar um carro usado, eu ti-
veria ser boa pelos próprios méritos do seus argu- nha consciência de que o vendedor sabia mais do
mentos, e não por influência da pessoa que a ex- que eu e ele poderia estar escondendo algum de-
pôs. Mas nem sempre é assim. Isso ocorre porque feito. Pedi provas sobre o bom estado. Ele me ex-
entre em cena (a) a reputação de quem fala e (b) os plicou com uma série de termos técnicos, fotos e
vieses de quem escuta. documentos para provar que os argumentos dele
eram verídicos e que o carro estava em boas con-
dições. Mesmo assim, apelei para o argumento
O ARGUMENTO DA AUTORIDADE: da autoridade. Chamei um amigo mecânico, que
QUANDO PRECISAMOS DE AJUDA tem mais conhecimento que eu, para conversar
com o vendedor e dar sua opinião a mim.
ESPECIALIZADA Quando você não tem um amigo ou empresa
Quando nos deparamos com assuntos mais comple- especialista, você pode consultar organizações e
xos, precisamos de certos conhecimentos e expe- publicações setorizadas. Um bom exemplo é a re-
riências para entender as razões e conclusões. As vista Consumer Reports, nos EUA, que faz avaliações
vezes pode ser difícil para você julgar sozinho a de uma grande gama de produtos. O lema deles é a
força de um argumento. independência – eles não são patrocinados por ne-
Anthony Weston, no livro A Construção do Argu- nhum provedor de produtos exatamente para não
mento, comenta que ninguém pode, por experiên- perder a credibilidade e autoridade na opinião.
cia direta, ser um especialista em todas as coisas. Na prática, recorremos a autoridade para ava-
Não podemos degustar todos os vinhos do mundo liar uma ideia o tempo todo. Empresas contratam
para saber qual é o melhor. É improvável que sai- consultores externos em certas especialidades.
bamos, sem intermediários, o que está acontecen- Vamos ao médico especialista no lugar do clíni-
do na câmara dos deputados, no Sri Lanka ou no co geral. Pedimos uma campanha de publicidade
O VIÉS DA AUTORIDADE: QUANDO CONFIAMOS DEMAIS EM ESPECIALISTAS QUE ERRAM 5
O fato das autoridades se enganarem com fre- das a sério em setores que ultrapassam suas com-
quência é apenas um dos problemas, afinal, er- petências. Por exemplo, quando um profissional
rar é humano. O segundo problema, muito mais do tênis recomenda uma máquina de café ou uma
grave, é que nós, na presença de uma autoridade, atriz famosa indica comprimidos para enxaqueca.
abaixamos nosso pensamento a um nível inferior. Empresas de consumo sabem bem disso ao con-
Em relação às opiniões de especialistas, somos tratar artistas para fazer propaganda de algum
muito menos cautelosos do que em relação a ou- produto. Talvez seja intuitivo desconfiar quando a
tras opiniões. Pior ainda, obedecemos às auto- própria empresa diz “meu produto é melhor”, mas
ridades mesmo quando não faz nenhum sentido muitos aceitam como verdade se uma atriz, desde
do ponto de vista racional ou moral. Esse é o cha- que possua boa reputação, diz que o sabão em pó
mado Viés da Autoridade. Alguns autores também da marca tal é melhor que o do concorrente.
chamam de Falácia da Autoridade Cega. Outra autoridade que passa desapercebida
Como vimos, o argumento de uma autoridade das críticas é simplesmente um parente ou ami-
é um recurso útil para (a) comparar nossa opinião go. “Meu pai disse que o aquecimento global vai
com a de especialistas que sabem mais e (b) sus- se intensificar nos próximos anos. Eu confio em
tentar sua nossa proposição (citando fontes, por meu pai. Portanto, é verdade que o mundo vai
exemplo). Entretanto, abusamos demais na con- aquecer ainda mais”. Entretanto, a menos que
fiança alheia (“já que o especialista sabe mais que seu pai seja realmente um especialista e te forneça
você, então não vou nem te ouvir”) e caímos em mais argumentos do que apenas essa frase, você
várias situações em que os especialistas não agre- pode cair nessa falácia da autoridade e estar equi-
gam nada. vocado. Não é porque seu amigo Pedro disse que os
Dobelli cita uma caso interessante. Nas últi- vinhos italianos são os melhores do mundo que,
mas décadas, as companhias aéreas aprenderam portanto, seja realmente verdade, mesmo que ele
que o viés de autoridade é perigoso. Muitos aci- seja um grande conhecedor de vinho. Você precisa
dentes provêm do fato de o copiloto, mesmo tendo ter um bom discernimento sobre quem fala, qual
percebido o erro cometido pelo comandante, não o conteúdo da fala e como você vai usar a informa-
ter ousado notificá-lo por pura confiança em sua ção que recebeu.
autoridade. Hoje em dia, pilotos de quase todas as Além de aceitarmos recomendações de espe-
companhias aéreas são formados de acordo com o cialistas, artistas ou parentes, também somos in-
chamado "Crew Resource Management" (geren- fluenciados “quando todo mundo está dizendo”.
ciamento dos recursos da tripulação). Com ele,
aprendem a comunicar, de maneira rápida e aber-
ta, todo tipo de disparates. Em outras palavras: os
pilotos treinam arduamente para se livrarem do NÃO É PORQUE SEU AMIGO PEDRO DISSE QUE
viés da autoridade. OS VINHOS ITALIANOS SÃO OS MELHORES DO
A tentação é grande. Os especialistas querem MUNDO QUE, PORTANTO, SEJA REALMENTE
ser reconhecidos – médicos e pesquisadores com
jalecos brancos, diretores de banco com terno e
VERDADE, MESMO QUE ELE SEJA UM GRANDE
gravata. Mas a situação torna-se completamente CONHECEDOR DE VINHO.
confusa quando as autoridades querem ser leva-
A FALÁCIA DO ATAQUE A AUTORIDADE: QUANDO QUEREMOS DESMERECER QUEM FALA 7
AUTORIDADE
MESMO QUE MILHÕES DE OS VIESES NA PUBLICIDADE
PESSOAS AFIRMEM UMA A publicidade, as vezes, se aproveita desta
BESTEIRA, ELA NÃO SE nossa fraqueza mudando a fonte da autori-
dade. No lugar de colocar uma celebridade,
TORNA UMA VERDADE POR mostram muitas entrevistas de “pessoas co-
muns como eu e você” e estatísticas do pro-
CONTA DISSO. duto “mais vendido”. Um exemplo interessan-
te com até implicações legais é fornecido por
Quando vemos muita gente fazendo ou pensando Albert Rutherford, no livro Models for Critical
algo, tendemos a copiá-los. É como seu fosse uma Thinking. Todos nós já vimos os comerciais de
autoridade coletiva. Isso se chama Prova Social, creme dental que afirmam que o produto é pre-
que poderia ser resumida assim: comporto-me ferido ou recomendado por oito em cada dez
de modo correto quando me comporto como os dentistas. Essa é uma poderosa ferramenta de
outros. Em outros termos: quanto mais pessoas marketing que capitaliza o que ele chamou de
acharem uma ideia correta, mais correta essa “cascata informacional”, quando as pessoas ge-
ideia será - o que, naturalmente, é um absurdo. ralmente permitem que as escolhas dos outros
Seguir cegamente os conselhos de especialis- ou os conselhos de especialistas orientem suas
tas ou o consenso de um grupo significa abdicar tomadas de decisão. Seria fácil supor que, como
nosso poder de decisão com base em outras pes- os dentistas são especialistas em seu campo,
soas e impede de tomar uma decisão objetiva, suas recomendações devessem ter muito peso
racional e informada. Aplicar nossas habilidades quando decidimos qual creme dental comprar.
de pensamento crítico pode nos ajudar bastante a No entanto, a Advertising Standards Au-
evitar enganos. Como Dobeli coloca, mesmo que thority proibiu esse slogan de ser usado pela
milhões de pessoas afirmem uma besteira, ela empresa Colgate em 2007, pois foi considera-
não se torna uma verdade por conta disso. do uma alegação enganosa e uma violação das
regras de publicidade. A Colgate realizou uma
pesquisa telefônica com dentistas, mas permi-
A FALÁCIA DO ATAQUE A tiu que eles recomendassem mais de uma mar-
AUTORIDADE: QUANDO QUEREMOS ca de pasta de dente, o que resultou que outras
empresas também alcançassem um alto núme-
DESMERECER QUEM FALA ro de recomendações que ela (mas obviamente
Até agora ofereci dois conselhos. Primeiro, você não disse isso no comercial).
pode usar especialistas para avaliar argumentos e
é justo que outros também usem. Segundo, não Aqui vai o terceiro conselho. Se por um lado
confie demais neles a ponto de escutá-los incon- você não pode superestimar os especialistas,
dicionalmente. É importante questionar mais as cuidado para não subestimar os “nã0-especia-
autoridades, caso contrário perderá o senso crítico listas”, os quais podem ter uma boa ideia bem
e a oportunidade de ouvir outras pessoas. fundamentada.
8 Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem fala?
Um bom exemplo é relatado por Christian tamento em questão. Ainda pode existir a von-
Morel, no livro Erros Radicais e Decisões Absurdas. Ele tade de não ser o portador do ataque à coesão do
conta que, em certo momento na história, a Coca- grupo. Os opositores ficam em silêncio para não
-Cola decidiu modificar o gosto de sua célebre be- enfraquecer os demais e para não se auto excluí-
bida. Quando os diretores da Coca-Cola se senta- rem. É melhor ir junto em direção ao absurdo do
ram na sala de reuniões para decidir o lançamento que ficar sozinho.
da nova fórmula, cada um encontrou diante de si
um copo cheio com a bebida tradicional e outro
copo cheio com a nova fórmula. Segundo David POR QUE NÃO EXISTE TESTE CEGO
Greising, o biógrafo de Roberto Goizueta, CEO da
empresa, a maioria dos participantes se mostrou
PARA ARGUMENTOS?
cética quanto ao novo gosto. Mas eles não mani- Existe um episódio no documentário Brain Games
festaram seu desacordo, e Goizueta foi incapaz de (da National Geographic) que relata um experimento
perceber. A reação foi polida e o novo produto foi social interessante. Ele demonstra como um mes-
adotado. O resultado foi uma grande rejeição do mo produto exerce diferente influência sobre as
público. pessoas, dependendo de como ele é descrito. Em
O silêncio das pessoas que estão em desacor- uma praça pública, os pesquisadores fingem ser
do com uma decisão é um fenômeno muito fre- de uma empresa e querem a opinião da população
quente. Christian Morel chamou isso de o Silên- sobre dois bolos de chocolate. Adicionalmente,
cio sobre os Desacordos. dizem que o primeiro
Apesar dos diretores não bolo seria vendido por
gostarem da nova fór- 15 dólares (o bolo in-
mula, ficaram quietos e APESAR DOS DIRETORES NÃO GOSTAREM teiro), enquanto que o
omissos. Seria uma boa segundo seria vendido
DA NOVA FÓRMULA, FICARAM QUIETOS E
estratégia as empresas por 55 dólares.
incentivarem a discus-
OMISSOS. O RESULTADO FOI UMA GRANDE Sob a alegação de
são interna para ouvir os REJEIÇÃO DO PÚBLICO. quererem saber qual
funcionários e conversar comercializar, o pes-
sobre os vieses da auto- quisador oferece um
ridade. Caso contrário, pedaço de cada e per-
decisões são tomadas equivocadamente como na gunta qual o mais gostoso. A grande maioria res-
Coca-Cola. pondeu que o bolo mais saboroso era o mais caro.
Muitos imaginam que o silêncio em geral Entretanto, há uma coisa que as pessoas não sa-
serve para não contrariar o chefe, mas existem biam: ambos são idênticos – mesmo ingredientes
outros motivos e variações fáceis de identificar. e mesma fabricação. O experimento não é sobre
Pode existir a crença de que a repetição da men- produzir bolos diferentes e conhecer a opinião so-
sagem de alerta é inútil e percebida como agres- bre eles, e sim sobre a influência ao dizer que um
sividade. Outras pessoas não se sentem autori- é mais caro que o outro. As pessoas respondem de
zadas a falar se não têm profundo conhecimento forma enviesada devido suas experiência anterio-
sobre o problema ou não fazem parte do depar- res sobre preço versus qualidade.
para argumentos? 11
Para eliminar este tipo de viés e fazer com que Agora pense por um momento. Se pratica-
o indivíduo consiga sentir o “verdadeiro sabor”, mos esta técnica para produtos para eliminar as
existe um método chamado Teste Cego. Todos co- influências sobre a real preferência sobre o sabor,
nhecem este conceito na prática: você retira o ró- por que não temos um teste cego para argumen-
tulo do produto e pergunta se a pessoa gostou dele tos? Poderíamos assim opinar ou reconhecê-los
independente da marca ou experiência anterior. sem a influência do autor da frase sobre bom e
Há muito anos, em 1983, a Pepsi veiculou um co- ruim, válido e inválido, certo e errado?
mercial em que muitas pessoas receberam dois co- Pessoalmente, nunca vi tal tipo de situação.
pos sem identificação: um deles tinha Coca-Cola e Seria até engraçado ver uma reunião assim. Da
outro Pepsi. O resultado: a maioria preferia Pepsi mesma forma que em palestras há um espaço para
pelo sabor, independente da vantagem de vendas “perguntas anônimas”, imagine uma reunião em
e marketing da Coca. Em 1985, foi a vez da Coca que os planos e ideias sejam expostos para discus-
lançar um comercial no mesmo formato, com pa- são sem saber quem dos presentes é o autor do ar-
recer favorável ao seu produto. gumento. Creio que não funcionaria, até porque
também existe uma idealização do
executivo que sabe se posicionar com
assertividade.
EM PALESTRAS HÁ UM ESPAÇO PARA
Além disso, a maioria das ideias não
“PERGUNTAS ANÔNIMAS”. IMAGINE UMA são estanques e patenteadas a ponto de
REUNIÃO EM QUE OS PLANOS E IDEIAS seres avaliadas definitivamente como
SEJAM EXPOSTOS PARA DISCUSSÃO boa ou ruim, igual a um bolo de choco-
SEM SABER QUEM DOS PRESENTES É O late, vinho ou refrigerante. Pelo con-
trário, os argumentos e conversas são
AUTOR DO ARGUMENTO. muito fluidos: eu digo algo e você cons-
trói em cima com algum complemento.
Claro, sendo um comercial, não podemos ga- Obras de arte ou produtos podem ser subjetivos e
rantir a integridade do experimento. Mas o méto- há quem goste de abstrato ou concreto, colorido
do é bom. Conheço uma série de amigos que pro- ou branco e preto, doce ou salgado. O que quere-
movem confrarias de vinho e cobrem as garrafas mos eliminar com o teste cego são as influências
com papel alumínio para fazer o teste cego. Não externas sobre a própria opinião verdadeira.
é raro o vinho preferido ser o mais barato e desco- O problema do teste cego para argumentos
nhecido. A maioria das pessoas não é profissional é que, para possuir uma opinião sobre um argu-
e é influenciada pelo preço, marca e até a beleza do mento, é preciso compreender a lógica por trás das
rótulo. O teste cego previne essa influência. ideias - a relação das premissas e conclusões. Isso
Voltando a caso da reunião de diretoria da Co- requer muito mais esforço cognitivo para a análise
ca-Cola: se Goizueta tivesse oferecido a Coca tradi- do que ter uma opinião subjetiva sobre “arte-não
cional e a nova Coca em um formato de teste cego, arte” ou “gosto-não gosto” dos bolos e vinhos. A
provavelmente os participantes poderiam se ma- tendência em acreditar em alguma autoridade é
nifestar de forma menos enviesada, sem pressão muito grande devido nossa própria ignorância e
hierárquica ou corporativa. nossa preguiça de analisar o argumento.
12 Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem fala?
Argumentar
conjunto de razões que
significa apresentar um
FUNDAMENTAM UMA CONCLUSÃO.
Fazer um teste cego para argumentos nas em- Erroneamente, há quem pense que argumen-
presas parece esquisito, mas o conceito em si não tar é expor algo desagradável, debater, discordar e
deixa de ser bom. Independente do formato, pre- disputar – o que Weston chamou de “pugilato ver-
cisamos parar de ignorar as ideais e as pessoas só bal”. Argumentar não é exatamente isso. Como
porque não foram “vendedoras” e “especialistas”. ele define: “Argumentar significa apresentar um
Você pode perder oportunidades de captar boas conjunto de razões ou provas que fundamentam
ideias. É preciso superar algumas vieses e precon- uma conclusão. Um argumento não é meramente
ceitos tendenciosos sobre pessoas e conseguir ana- uma afirmação de certos pontos de vista. Os argu-
lisar a ideia em si, independente de quem fala. mentos são tentativas de fundamentar determi-
Para isso, portanto, todo mundo precisa au- nados pontos de vista com razões”.
mentar o poder de argumentar e analisar o racio- Weston cita um exemplo:
cínio dos outros pois, muitas vezes, o argumento
é ruim mesmo. É preciso analisá-los para não to- Alguns pensadores e ativistas argumentam,
mar tudo como verdade. por exemplo, que a criação intensiva de gado para
fins de corte provoca imenso sofrimento aos ani-
mais e, portanto, é injustificada e imoral. Estarão
ANÁLISE CRÍTICA: QUANDO O certos? Não podemos responder a isso com base
ARGUMENTO É RUIM MESMO em opiniões preconcebidas. O assunto envolve
muitas questões. Temos obrigações morais para
É verdade que existem todas as falácias sobre Auto- com as outras espécies, por exemplo, ou somente
ridade a ponto das pessoas serem enviesadas para o sofrimento humano é realmente mau?
escutar alguns e não outros. Mas isso não significa Até que ponto os seres humanos podem vi-
que você deve desistir de construir bons argumen- ver bem sem carne? Alguns vegetarianos conse-
tos. Ideias não são frases soltas, elas precisam ser guiram atingir idades muito avançadas. Isso pro-
coerentes, convincentes e razoáveis. Se você argu- va que a dieta vegetariana é mais saudável? Ou é
mentar mal, não pode reclamar que não está sen- irrelevante quando lembramos que alguns não-
do ouvido e não pode colocar a culpa nos vieses dos -vegetarianos também atingiram idades muito
outros. avançadas? Ou será que pessoas mais saudáveis
tendem a se tomar vegetarianas, e não o contrá-
rio? Todas essas perguntas precisam ser conside-
radas com atenção, e as respostas não são claras
SE VOCÊ ARGUMENTAR MAL, a priori.
ESTÁ SENDO OUVIDO E NÃO de as conclusões. Ele oferece razões e provas para
que outras pessoas possam formar suas opiniões
PODE COLOCAR A CULPA NOS por si mesmas. Se você estiver convencido de que
deveríamos realmente mudar a forma de criar ani-
VIESES DOS OUTROS. mais, por exemplo, terá de se valer de argumentos
para explicar como chegou a essa conclusão. É as-
ANÁLISE CRÍTICA: QUANDO O ARGUMENTO É ruim mesmo 13
FATO ARGUMENTO
EXPLICAÇÃO LINGUAGEM
sim que poderá convencer outras pessoas: apre-
sentando as razões e provas que o convenceram
primeiramente. Não é errado ter opiniões firmes.
NÃO É ERRADO TER OPINIÕES
O erro é não ter nada além disso. FIRMES. O ERRO É NÃO TER
Weston lembra que grande parte dos estudan-
tes (assim como adultos) não compreendem bem o NADA ALÉM DISSO.
ofício da argumentação correta. Nos exercícios de
defesa sobre algum tema, produzem elaboradas
afirmações de pontos de vista, mas não apresen-
tam, de fato, nenhuma justificativa que os tenha em linguagem muito semelhante à linguagem ao
levado a crer que seus pontos de vista estão corre- argumento – o uso da palavra “porque”.
tos. O exemplo de Fisher é o seguinte. Imagine
Trata-se de um equívoco natural. Na escola, que você está conversando com um amigo que
ênfase é dada ao aprendizado de temas razoavel- diz: “Jane ficou brava com Bob porque ele bateu
mente definidos e isentos de dúvida. Não é preciso no carro dela”. É natural entender isso como uma
argumentar que a Constituição prevê a divisão do explicação e não um argumento; seu amigo está
governo em três poderes ou que Shakespeare es- explicando porque Jane estava com raiva, ele não
creveu Macbeth. Basta ter o conhecimento desses está tentando convencê-lo de que ela estava com
fatos e seu trabalho será apenas citá-los. raiva. Seria diferente se seu amigo dissesse: “Jane
Mais tarde, na faculdade ou nas empresas, tem todo o direito de ficar com raiva de porque Bob
quando requeridos para fazer trabalhos mais ela- bateu no carro dela”.
borados onde o objetivo é fundamentar as crenças Note que as frases que usam a palavra “por-
e defender opiniões, não conseguem fazê-lo com que” (ou “é por isso”) podem sinalizar (a) uma
facilidade, uma vez que os temas não são bem razão para uma conclusão ou (b) uma explicação
definidos. Sim, a Constituição prevê um gover- causal. Em alguns casos, é muito claro o que o au-
no subdividido em três poderes, mas o Supremo tor pretende, mas outros, não. Por isso, você pre-
Tribunal deve realmente ter poder de veto sobre cisa saber distinguir.
os outros dois poderes? Espera-se que os alunos Algumas afirmações são óbvias como explica-
aprendam a pensar por si próprios e formar sua ção causal, como “John Lennon morreu porque foi
própria opinião para não cair no viés da autorida- assassinado com um tiro”. O autor está nos dan-
de tão facilmente. do uma explicação causal; ele não está nos dando
Muitas pessoas, depois que aprendem que uma razão para acreditar que John Lennon mor-
fato (Shakespeare escreveu Macbeth) é diferente reu, mas está dizendo o que causou sua morte.
de argumento (Shakespeare foi um ótimo escri- Outras são fáceis de detectar como um argu-
tor), começam então a dar explicações no lugar de mento, como “Devemos restringir a produção de
fatos. Mas isso não é suficiente. gases de efeito estufa porque estão danificando
O problema é que, embora sutil, explicação e a camada de ozônio”. O autor está tentando nos
argumento são coisas distintas. Como diz Alec Fi- convencer de uma conclusão; ele está dizendo que
sher, no livro Critical Thinking, a dificuldade de dis- o dano causado à camada de ozônio é uma razão
tinção é porque as pessoas oferecem explicações para limitar a produção de gases de efeito estufa.
14 Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem fala?
Você não precisa chamar uma autoridade de os tipos de alegações e usá-las de acordo. Algu-
trânsito para analisar melhor. Se você reescrever mas apresentam fatos e dados, outras expressam
e não funcionar, então você deve descartar e ten- julgamentos de valor, outras afirmam definições
tar de novo. Por exemplo, faz sentido esta frase? e critérios, outras dão explicações causais ou re-
“Nós precisamos fazer os trens mais atrativos aos comendam algum curso de ação. Por exemplos
viajantes [portanto] existem tantos carros nas es-
tradas que segurança das pessoas está ameaçada”. › Afirmação factual: Segundo dados oficiais, 13%
Claro que não. Neste caso particular, esta frase da população do Reino Unido vive na pobreza.
pode ser reescrita e faz mais sentido assim: › Julgamento de valor: É vergonhoso que uma so-
ciedade tão rica como o Reino Unido permita
Existem tantos carros nas estradas que a que tantas pessoas vivam na pobreza.
segurança das pessoas está ameaçada [e] todo › Definição: Definimos pobreza quando as pes-
mundo quer as estradas menos lotadas, mas todo soas não dispõem de recursos para obter os ti-
mundo também quer a conveniência de dirigir pos de dieta e as condições de vida condizentes
nas estradas [e] as pessoas não abandonarão os a sociedade às quais pertencem.
carros a favor dos trens sem um novo incentivo. › Alegação causal: A pobreza no Reino Unido
[Então], nós precisamos fazer os trens mais atra- tem muitas causas, incluindo desemprego, bai-
tivos aos viajantes. [Portanto], as viagens de trem xa remuneração, baixa escolaridade e doenças a
deveriam ser mais baratas. longo prazo.
› Recomendação: O governo deve eliminar a po-
Todas essas dicas contribuem para que seus breza infantil nos próximos vinte anos.
argumentos sejam mais poderosos e para enten-
der/avaliar o que os outros querem dizer. Essas Todos essas alegações são válidas e impor-
técnicas ajudam a se expressar com clareza e tam- tantes. É preciso usá-las no momento certo e en-
bém prestar atenção nos argumentos ditos a você. cadeá-las para chegar a uma conclusão. Só assim
Em resumo, para aumentar a sua potência uma boa ideia será uma boa ideia independe de
de convencimento e análise, é preciso diferenciar quem fala.
16 Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem fala?
RESUMO 7PASSOS
UM RESUMO EM SETE PASSOS
Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem II
fala? O que sucede a essa pergunta, geralmente, Embora as autoridades nos deem certo con-
é uma indignação. Você já a sentiu na pele em al- forto para algumas decisões, o problema começa
guma reunião - você teve uma boa ideia, reuniu quando respeitamos demais os argumentos delas
ótimos argumentos com premissas e conclusões sem questionar – sejam especialistas, atores, jor-
e... ninguém te ouviu. Por outro lado, uma outra nalistas ou parentes. Este é o Viés da Autoridade e
pessoa apresentou a mesma ideia com os mesmo apresenta dois problemas. Primeiro, os especialis-
argumentos e... foi aplaudido. tas muitas vezes erram. Segundo, na presença de
Esse fenômeno não é inédito. Em obras de uma autoridade, abaixamos nosso pensamento a
arte, você pode gostar de um quadro, mas ele ape- um nível inferior, deixando de analisar bons argu-
nas será considerado “arte” se alguma autoridade mentos de pessoas leigas. Devemos sempre ques-
o decretar como arte. Assim, sua indignação só tionar as autoridades.
aumenta e você pensa:
III
“Espera aí. Uma obra de arte é subjetiva e até Entretanto, se por um lado não devemos su-
pode, comercialmente, depender de um artista perestimar autoridades, não podemos subestimar
renomado que a decrete como arte, mas ideias os “nã0-especialistas”. Muitas pessoas criticam
não podem. Para argumentos, precisa existir a autoridade do leigo de forma preconceituosa, a
uma racionalidade universal a ponto de qual- chamada Falácia do Ataque a Autoridade. A falácia
quer ouvinte entender como uma boa ideia”. ocorre quando se critica o argumentador e não seu
argumento, geralmente com um ataque pessoal
Ou seja, uma ideia deveria ser boa pelos pró- que envolve o caráter ou circunstâncias. Não é
prios méritos do seus argumentos, e não por in- porque seu amigo fuma que então você deva ne-
fluência da pessoa que a expôs. Mas nem sempre gligenciar o conselho dele de que fumar faz mal.
é assim. Neste artigo, eu explico porque isso acon- Precisamos nos policiar para não cometer essa fa-
tece e como contornar a situação. lácia e, portanto, avaliar os argumentos por si só.
I IV
Primeiramente, você precisa admitir que, O mundo corporativo é um ambiente fér-
muitas vezes, você também recorre a especialis- til para o Viés da Autoridade e o Ataque ao Argu-
tas para considerar uma opinião. Dependemos mentador. Se você não é um especialista, não
de terceiros – pessoas, instituições, obras de re- tem histórico e trânsito interno e não é o chefe,
ferência – com mais conhecimento que nós. Con- as chances são grandes de não ser ouvido apenas
sultar especialistas para ajudar nas conclusões é pela força dos argumentos. A consequência disso
absolutamente legítimo. Quando você quer con- é perversa: as pessoas param de falar e o silêncio
vencer alguém, você também cita fontes para vence. É o chamado Silêncio dos Desacordos. A re-
embasar sua convicção. Isso se chama Argumento comendação é não ficar quieto ao entender essas
da Autoridade. dinâmicas psicológicas.
recomendaçÃO FINAL 17
V
Na avaliação de produtos, para se livrar das
influências e vieses, existe o chamado teste cego.
Nele, você bebe um vinho ou come um bolo sem
saber a procedência, podendo ser mais genuíno
no julgamento. Por que não temos um Teste Cego
RECOMENDAÇÃO FINAL
para Argumentos? Imagine uma reunião para opi-
nar e ouvir sem a influência do autor da frase. O Para convencer alguém - e não ficar andando
problema do teste cego para argumentos é que, em círculos com a pergunta “Uma boa ideia
para possuir uma opinião sobre um argumento, é deveria ser boa independente de quem fala?” –
preciso compreender a lógica por traz das ideias. são necessárias duas coisas.
Isso querer esforço cognitivo e, infelizmente, vol-
tamos ao ponto de partida: as pessoas preferem a › Os argumentos precisam ser bons por si só
opinião simplista de uma autoridade do se esfor- › Você precisa ter credibilidade
çar para analisar os argumentos.
É impossível ser convincente apenas com
VI um deles. É preciso de ambos.
Apesar dos vieses induzirem as pessoas a ouvir
mais autoridade do que ideias, na prática percebo Argumento SEM credibilidade é frágil.
que, por vezes, o argumento é ruim mesmo. Se você Sempre existirão pessoas suscetíveis aos
argumentar mal, não pode reclamar que não está vieses comentados. No lugar de reclamar que
sendo ouvido e não pode colocar a culpa nos vieses ninguém te escuta, aprenda e desenvolva sua
dos outros. É preciso saber argumentar melhor. credibilidade – seja via especialização, reputa-
Quando você escuta, é preciso saber analisar um ção ou as fontes de autoridade terceiras.
argumento. Lembre-se que argumentar significa
apresentar um conjunto de razões ou provas que Credibilidade SEM argumento é frágil.
fundamentam uma conclusão. Não é errado ter Sempre haverá alguém pronto para cri-
opiniões fortes; o erro é não ter nada além disso. ticar a sua autoridade (como recomendado
aqui). Portanto, você precisa desenvolver suas
VII habilidades de pensamento crítico, oferecendo
As pessoas não argumentam bem porque os argumentos corretos com as respectivas pre-
não foram treinadas desde crianças. Muitos con- missas e conclusões.
fundem fato com explicação e explicação com
argumento. Uma boa técnica para melhorar os Se você fizer ambos, você será um profis-
argumentos é simples. Basta perguntar: Qual sional mais completo, em que ao mesmo tempo
é ponto do autor? O que se deseja provar ou con- (1) entende as dinâmicas psicológicas, (2) in-
cluir? Quando a narrativa está confusa, um bom veste na sua reputação e (3) desenvolve o ra-
artifício é refrasear e incluir os conectores corre- ciocínio lógico e pensamento crítico cada vez
tos: “porque” (como causa) e “portanto” (como mais apurado. BOA SORTE.
conclusão). Esse é o Exercício da Clareza.
18 Uma boa ideia deveria ser boa independente de quem fala?
REFERÊNCIAS
1. JULIAN BAGGINI. O porco filósofo – 100 experiên- FERNANDO BARRICHELO é autor do
cias de pensamento para a vida cotidiana. Editora livro Estratégias de Decisão (www.
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