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“Derrubada de estátuas, vandalismo ou reparação histórica?


Robson da Silva Rezende1

Resumo: O presente trabalho tem a intenção de apresentar algumas reflexões sobre os


acontecimentos ocorridos no ano de 2020 e 2021, uma escalada de violências e
vandalismos contra diversos monumentos históricos ao redor do mundo. Atos de
apagamento histórico através de derrubadas de estatuas ou livre expressão cultural e
democrática?

Palavra-Chave: Vandalismo, iconoclasta, reparação histórica atos de rasura.

Os protestos que culminaram com a derrubada de estatuas pelo mundo teve seu
início com os protestos antirracistas iniciados nos EUA em consequência a morte de
George Floyd, morto por sufocamento por um policial branco. Esse protesto deu início a
uma série de protestos antirracistas mundo afora, um exemplo foi a derrubada em 7 de
junho de 2020 da estatua de Edward Colston – conhecido traficante de escravos -, por
uma multidão em Bristol, cidade inglesa (figura 1).
Figura 1: derrubada e jogada ao rio da Estatua de Edward Colston

(Bristol, Reino Unido, 2020)

Outro exemplo, podemos citar a Bélgica, onde moradores de Antuérpia


vandalizaram a estatua do Rei Leopoldo II, conhecido por colonizar parte do Congo e
nesse processo ter exterminado milhões de congoleses (figura 2).

1
Bacharel em direito pelo Centro Universitário de Barra Mansa (1994). Especialização em Direito
Processual pelo Centro Universitário de volta Redonda - FOA (2004). Professor contratado da UERJ -
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado, aluno de Licenciatura em História – UNIRIO.
Figura 2: Estatua de Leopoldo II vandalizada

(Antuérpia, Bélgica 2020)

No brasil, tais movimentos e protestos chegam sempre atrasados, na maioria das


vezes por copismo, nem sempre por razões certas ou por desenvolvimento de uma teoria
que lhe dê suporte. Assim, seguindo os movimentos acontecidos os EUA, que se
chegaram a Inglaterra e Europa, movimentos sociais brasileiros vandalizaram e tentaram
destruir com de fogo o Monumento a Borba Gato, em julho de 2021 (figura 3), que tem
como autor o artista plástico Júlio Guerra, uma estátua de gosto duvidoso (não vamos
discutir aqui a polemica estética que causa tal monumento), que fica na Praça Augusto
Tortorelo de Araújo, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo. Esse protesto brasileiro
ocorreu mais de um ano após os atos ocorridos em outros países.
Figura 3: Vandalização da Estatua de Borba Gato

(São Paulo, Brasil 2021)


Os movimentos sociais brasileiros seguem tendências que vem ocorrendo mundo
afora, mas isso não significa que estão corretas ou fazem parte da nossa cultura. Tais
movimentos devem ser estudados e avaliados para uma verdadeira sincronização com a
nossa cultura e nossa história. Copiar só por copiar não faz do movimento algo legítimo.
Portanto, precisamos entender o que está acontecendo e se aquilo que é tendência em
outros lugares se adequa e pode ser adaptado a nossa história e cultura. No direito
constitucional existe um pensamento que diz “a Constituição, só é Constituição porque é
aceita pelo povo, a partir do momento que não é mais aceita torna-se uma folha de papel
em branco”. Podemos, através desse pensamento, transportar para os movimentos sociais
que “somente é legítimo aquilo que realmente está conectado com a nossa realidade
cultural e histórica e aceita pelo nosso povo, caso contrário não passa de uma atuação
copista que torna o ato em uma folha de papel em branco da historia brasileira”.
Dito isso, vamos nos ater nesse artigo ao que realmente é nosso, é brasileiro, é
historia nacional: Os “Bandeirantes”, também nominados “Sertanistas”, essas
personagens foram os exploradores pioneiros a desbravar os sertões brasileiros, entre os
séculos XVI e XVIII. Personagens que podem ser considerados anjos por uns e demônios
por outros, dependendo do ponto de vista que se aborde ou da forma que se conte a
história.
Os bandeirantes aumentaram as fronteiras estabelecidas pelo Tratado de
Tordesilhas, conquistando "palmo a palmo" cada região a partir de cada expedição
realizada. Não a custa de muitas mortes e escravização de índios e negros fugidos.
“De partida, vale distinguir as ações dos bandeirantes daquelas perpetradas pelo
Governo oficialmente, a saber, as “Entradas”, financiadas pela coroa, mas circunscritas
ao Tratado de Tordesilhas.
Por sua vez, as “Bandeiras” eram expedições particulares, muitas vezes com
apoio extra oficial da coroa, para obtenção de metais e pedras preciosas, conhecidas como
“bandeiras de prospecção”; para a captura e escravização de indígenas (primeiramente
os mais arredios, depois, os já catequizados nas missões jesuíticas); e aquelas conhecidas
como “Sertanismo de Contrato”, nas quais os bandeirantes eram contratados como
mercenários para combater índios agressivos e negros quilombolas” (TODA MATÉRIA,
2022).
Assim, nem toda expedição era ruim, nem toda expedição era oficial, nem tudo
era bom, nem tudo era mau. Devemos distinguir cada época e cada incursão realizada
pelos Bandeirantes. Saber dividir e interpretar a história de forma correta pode nos levar
a varias reflexões e avaliar o que era certo e o que era errado, o que é fato e o que é
exploração de figuras para apresentar heróis à nação.
A discussão de ideias, num ambiente democrático, mesmo que antagônicas deve
ser estimulada, não para que haja um vencedor, mas para que cada lado tenha a
possibilidade de expressar sua opinião, direito natural e sagrado numa democracia, onde
cada lado, seja ele dois, três ou plural, possa desenvolver conhecimento e chegar a
consensos para a melhoria do povo, bem como o desenvolvimento da nação como
sociedade.
Uma reflexão é se seria um ato legítimo e/ou efetivo esse vandalismo e derrubada
de estatuas e monumentos erigidos a personagens claramente escravagistas, traficantes e
em algum ponto genocidas, que hoje em dia, em países democráticos seriam julgados
com todo rigor da lei ou será que seria mais producente permanecer com esses
monumentos e nos valermos da informação e da democracia para contar o outro lado da
história, fazendo valer o direito democrático e natural da livre expressão e opinião como
um contraponto a história contada pelos colonizadores.
Um exemplo utilizando essa forma democrática e expressão livre da opinião pode
ser visto no ocorrido no Arkansas, sudeste dos EUA, em ato diametralmente oposto aos
fatos narrados acima, um movimento que luta em defesa do estado laico, em vez de
vandalizar ou destruir estatuas e monumentos erigido a santos e anjos do sistema judaico-
cristão, organizaram um protesto em frente ao Capitólio Estadual de Little Rock
e colocaram a estátua de Baphomet2 temporariamente em frente ao Capitólio Estadual de
Little Rock. O grupo Templo Satânico levou a peça, de cerca de 2,5 metros de altura, até
o local, em um protesto em defesa do estado laico (Figura 4).

Figura 4: estatua temporária de Baphomet

(Little Rock, Arkansas, EUA, 2018)

2 Baphomet, Bafomete ou ainda Bafomé (do latim medieval Baphometh, baffometi, ocitano Bafomé) é
uma criatura simbólica que apareceu como um ídolo pagão em transcrições do julgamento
da inquisição dos Cavaleiros Templários no início do século XIV. O nome apareceu pela primeira vez na
consciência popular inglesa, no século XIX. No que respeita a sua imagem com cabeça de animal com
chifres, ela foi criada por Éliphas Lévi, um ocultista francês, que o publicou no seu livro Dogma e Ritual
de Alta Magia.
“O problema começou em 2017, quando houve a instalação de um monumento
em homenagem aos 10 Mandamentos nos arredores do Capitólio Estadual, com apoio do
senador republicano Jason Rapert” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2022).
Precisamos olhar para o movimento iconoclasta em contraponto ao monumento
que tem a intenção de lembrar, aconselhar, alertar e contar a história. Precisamos ver o
monumento e o que ele quer contar e qual foi a intenção daquele que o erigiu. Partindo
desse pressuposto, estatuas (monumentos) como os erigidos por ditadores em seus países,
como na Coreia do Norte, antiga União Soviética, etc., não querem alertar, aconselhar ou
contar a história, apenas serve como culto a personalidade dos ditadores. Entretanto,
outros monumentos podem conter a biografia de pessoas importantes para um
determinado momento da história e país. Nesse caso é importante saber se seus atos
podem ser considerados nobres e virtuosos e até mesmo se existam atos que possam depor
contra quem se quer homenagear.
Derrubar ou retirar tais monumentos de locais públicos nem sempre quer dizer
apagar a história, entretanto, ao se fazer isso, se deve basear em fatos e argumentos
relevantes e sempre de forma democrática e pacífica.
Ricardo Santhiago3 disse que “para ele, o fenômeno da derrubada das estátuas e
dos monumentos históricos é bastante compreensível, afinal de contas, esses lugares de
memórias expressam ódio. Por outro lado, ele diz considerar mais interessante os
chamados “atos de rasura”, que não apagam o objeto, mas o transformam, produzindo
novas camadas, desafiando a memória e aguçando a disputa pela cidade, além de
explicitar o conflito” (CAFÉ HISTÓRICO, 2022).
Esse ato relatado pelo professor, vem no sentido de praticar uma disputa do local,
de memória, da cidade, para que ela seja de todos e não apenas daqueles que erigiram o
monumento. Esse ato, seria uma forma de explicitar o confronto de ideias, o conflito tão
constitutivo da experiência urbana e humana.
Nesse diapasão, a convicção não é apagar os vestígios de que as sociedades que
nos antecederam ou de outros grupos sociais com quais não nos identifiquemos

3 Ricardo Santhiago é historiador e comunicólogo. É professor da Universidade Federal de São Paulo


(Unifesp), onde coordena o Centro de Memória Urbana (CMUrb) e o Amabile - Arquivo da Memória
Artística Brasileira. É graduado em Jornalismo (PUC-SP, 2004), com especialização em Jornalismo
Científico (Unicamp, 2006); mestre e doutor em História Social (USP, 2009/2013), com pós-doutorado em
História (UFF, 2015). É vice-presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO) e editor da
revista História Oral, no biênio 2020-2022. É também membro fundador e integrante da coordenação da
Rede Brasileira de História Pública (RBHP), membro da Coordenadoria de História Pública da Associação
Nacional de História (ANPUH) e membro do Comitê Internacional da Oral History Association (OHA).
consideraram dignos em determinado momento homenagear figuras de racistas,
colonialistas, ditadores, traficantes de escravos e escravagistas, elaborando assim, um
passado que tinham essas figuras como referência. Assim, seria menos interessante
apagar a história da memória, pois estaríamos apagando o próprio conflito, que deve ser
preservado para apresentar um contraponto a essas questões.
Com isso, não seria interessante derrubar o monumento, mas interferir nele nas
mais variadas formas, retorcendo aquele gesto inicial de homenagem e fazendo, de forma
democrática, consciente e de livre expressão da opinião, repensar a história.

Bibliografia
Sítio Toda Matéria, Bandeirantes, disponível no endereço
https://www.todamateria.com.br/bandeirantes/, visto pela última vez em 21/05/2022.
Canal Boas Ideias, Borba Gato: Um bandeirante muito concreto, Historiador
Eduardo Bueno, disponível no endereço
https://www.youtube.com/watch?v=UKHK80py4qo, visto pela última vez em
21/05/2022.
Revista Veja digital, Derrubada de estátuas: vandalismo ou reparação histórica?,
Leia mais em: https://veja.abril.com.br/brasil/derrubada-de-estatuas-vandalismo-ou-
reparacao-historica/; último acesso em 21/05/2022.
Folha de São Paulo/Agência Lupa, Foto de estátua satanista nos EUA é de protesto
em defesa do estado laico, disponível no endereço
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/09/20/verificamos-estatua-satanista-eua/;
visto pela última vez em 21/05/2022.
Café Histórico digital, Especialistas comentam derrubadas de monumentos e
estátuas pelo mundo, disponível em https://www.cafehistoria.com.br/especialistas-
comentam-derrubada-de-estatuas-pelo-mundo/, visto pela última vez em 21/05/2022.

SANTOS, Ana Lúcia Cardoso dos e GRUMBACH, Gilda Maria, A Didática e a


formação dos educadores em diferentes abordagens pedagógicas, disponível no
sítio https://graduacao.cederj.edu.br/ava/mod/folder/view.php?id=3143; visto pela
última vez em 21/05/2022 às 18:24h.

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