A vida como ela é... a adúltera do dia. Claro que, na minha coluna, Nelson Rodrigues (1912-1980) também os homens traíam. Mas o que o público - Jornalista, romancista, dramaturgo; exigia era mesmo a infidelidade feminina. Quando - Responsável pela criação do “teatro moderno” no saí da Última Hora, e acabei A Vida Como Ela É, o Brasil. telefone não parava. Homens e mulheres queriam - Família ligada ao jornalismo. Imprensa marrom; saber se não ia sair mais e por quê. Dir-se-ia que o Jornais: A Manhã e Crítica; problema do brasileiro é um só: – ser ou não ser - Nelson Rodrigues, repórter policial (oito anos na traído.” (RODRIGUES, Nelson. Memórias de Nelson seção de crimes, de 1927 a 1935); Rodrigues, a menina sem estrela. p. 98.) - O jornal Última hora – nacionalista sensacionalista – foi criado em 1951 por Samuel A infidelidade feminina e as tensões sociais Wainer com o objetivo de defender o governo - A pesquisa comtempla a relação entre o tema da Vargas; infidelidade feminina e as tensões sociais - A primeira edição era rodada às onze horas e ocasionadas por uma série de mudanças, que circulava ao meio-dia (CASTRO, 1992, p.237). ocorrem naquele período, relativas às relações de gênero e à definição de papéis de homem e Problemática mulher na sociedade; - Compreender as imagens do feminino, do - O interesse do público leitor por essas histórias masculino, do casamento e do amor produzidas insere esse discurso e essas representações no meio pela narrativa de contos da coluna A vida como social a partir da divulgação de valores, ideias e ela é..., considerando as condições de produção normas de conduta; dessa coluna jornalística de ficção e sua relação com o contexto social e ideológico das relações Relações de gênero na década de 1950 amorosas no Brasil, na década de 1950. - Classe média, grandes cidades brasileiras – impacto da urbanização e da industrialização; Coluna A vida como ela é... - Modelo da família nuclear burguesa; - A publicação das histórias era diária (exceto aos - A vida nas grandes cidades começou a mudar domingos), o que evidencia a ligação dos temas comportamentos e valores, modificando as formas tratados com o cotidiano dos leitores; de sociabilidades; - O Última Hora foi um dos jornais de maior - A cidade proporcionava mais locais de lazer, circulação do período – sua tiragem variou entre propiciando os encontros e dificultando a 80 e 130 mil exemplares diários na década de vigilância (dificuldade em controlar o cinquenta; comportamento feminino). - A coluna teve uma duração de dez anos (entre 1951 e 1961) com pouquíssimas interrupções nesse A “novo mulher” e as permanências intervalo. Assim, vemos que durante uma década - As novas oportunidades que começavam a surgir inteira esse teme estimulou o hábito de leitura para as mulheres não se fizeram acompanhar de das pessoas e fez de Nelson Rodrigues uma profundas alterações na organização da vida personalidade popular. íntima e familiar. - O “bom” comportamento das mulheres tornou-se “(...) Se as novas gerações me perguntassem o que uma questão de confiança na honradez e no era A Vida Como Ela É..., diria: ‘Era sempre a história autocontrole; de uma infiel’. Apenas isso. E o leitor era um - Controle da sexualidade feminina X trabalho - “Valverde, metido num pijama listrado, tremia fora de casa (no meio urbano), avanço educacional, diante dessa virtude agressiva e esbravejante” modernos namoros longe dos pais e possibilidades (Uma senhora honesta). de encontro furtivos que as cidades - “Mirrado, com peito de criança, uns bracinhos proporcionavam. finos e longos de Olívia Palito – o pobre-diabo não - No imaginário social, existiam as mulheres tinha a base física da coragem” (Uma senhora “sérias”, que se comportavam de acordo com honesta). normas; e aquelas que não eram sérias, as - Filadelfo: “Qualquer dia apanho na cara!” (Casal “levianas” e as adúlteras – mulheres que de três). transgrediam as normas e enganavam os homens. - Aderbal, na ocasião da briga entre a sua esposa e a sua mãe: “limitou-se a uma exclamação vaga e O medo do comportamento feminino pusilânime: ‘Mulher é um caso sério!’” (O decote). - Na teoria, a divisão era simples, mas na prática, como saber se uma mulher era “séria” ou não? A vida como não deve ser - As histórias da coluna “A vida como ela é...” - As narrativas ridicularizavam os homens fracos, brincam com o medo existente no imaginário social que não correspondiam ao modelo de da possibilidade das mulheres não cumprem as masculinidade forte e controladora; normas sociais num ambiente urbano onde o - Colocavam as mulheres sempre sob suspeita (daí controle é muito difícil. a necessidade de controlá-las ou de ter certeza de - A construção das personagens demonstra que que eram “sérias”); havia um comportamento considerado adequado - O cômico das histórias aparece como uma forma e que aqueles e aquelas que não se adequavam de controle social. O riso é uma desaprovação do estavam sujeito ao desprezo social e não risível. comportamento socialmente inaceitável. - Controle a sua mulher! Ou então... A confiança à prova – o jogo da dúvida - “dela mesma, se dizia, em toda parte, que era ‘um Conclusões amor’; os mais entusiastas e taxativos afirmavam ‘é - O sentido geral das histórias reproduz o padrão um doce-de-coco’. Sugeria nos gestos e mesmo na de relações pautado pelo modelo tradicional da figura fina e frágil qualquer coisa de extraterreno” família burguesa conservadora. Por serem (Solange, A dama do lotação); conservadoras, compreende-se a permanência da - “O velho e diabético general poderia pôr a mão coluna em um jornal governista e a sua longa no fogo pela nora. Qualquer um faria o mesmo” duração. (Solange, A dama do lotação); - O interesse dos leitores nas histórias estava “Meu querido tem absoluta confiança em mim” vinculado à atração pela técnica relacionada aos (Pecadora). tabus sexuais, à vergonha e à polêmica, tendo em - “voltara, há pouco, de uma festa. Estava de vista as mudanças proporcionadas pelo ambiente vestido de baile, num decote muito ousado, os urbano e pela vida moderna, que causavam medo ombros morenos e nus, perfumadíssima.” e tensão social. (O decote).