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Farmacologia Ilustrada 9

transdérmica.) Fármacos com intensa biotransformação de pri-


meira passagem devem ser administrados em dosagem sufi- Os fármacos administrados por via
ciente para assegurar a quantidade necessária de fármaco ativo oral são expostos primeiro ao
fígado e podem ser extensamente
no local de ação desejado. biotransformados antes de alcançar
as demais regiões do organismo
b. Solubilidade do fármaco: Fármacos muito hidrofílicos são
pouco absorvidos, devido à sua impossibilidade de atravessar
Os fármacos administra-
membranas celulares ricas em lipídeos. Paradoxalmente, fár- dos por via IV entram
macos extremamente lipofílicos são também pouco absorvi- diretamente na circula-
ção sistêmica e têm
dos, pois são totalmente insolúveis nos líquidos aquosos do acesso direto às demais
organismo e, portanto, não têm acesso à superfície das célu- regiões do organismo
las. Para que um fármaco seja bem absorvido, ele deve ser
basicamente lipofílico, mas ter alguma solubilidade em solu-
ções aquosas. Essa é uma das razões pelas quais vários fár-
macos são ácidos fracos ou bases fracas.

c. Instabilidade química: Alguns fármacos, como a benzilpenici-


lina, são instáveis no pH gástrico. Outros, como a insulina, são
destruídos no TGI pelas enzimas digestivas. IV

d. Natureza da formulação do fármaco: A absorção do fármaco


pode ser alterada por fatores não relacionados com a sua es-
trutura química. Por exemplo, o tamanho da partícula, o tipo de
sal, o polimorfismo cristalino, o revestimento entérico e a pre-
sença de excipientes (como os agentes aglutinantes e disper-
santes) podem influenciar a facilidade da dissolução e, por
isso, alterar a velocidade de absorção.
Circulação
portal
D. Bioequivalência
Duas formulações de fármacos são bioequivalentes se elas apresentam
biodisponibilidades comparáveis e tempos similares para alcançar o pico
de concentração plasmática.

E. Equivalência terapêutica Circulação


sistêmica
Duas formulações são terapeuticamente equivalentes se elas são equi-
valentes farmacêuticos, isto é, se apresentam a mesma dosagem, con-
têm a mesma substância ativa e são indicadas pela mesma via de admi- Figura 1.11
nistração, com perfis clínicos e de segurança similares. (Nota: a eficácia A biotransformação de primeira
clínica com frequência depende da concentração sérica máxima e do passagem pode ocorrer com
tempo necessário [após a administração] para alcançar o pico de con- fármacos administrados por
centração. Portanto, dois fármacos que são bioequivalentes podem não via oral.
ser terapeuticamente equivalentes.) IV, intravenosa.

IV. DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS

Distribuição de fármacos é o processo pelo qual um fármaco reversivelmente


abandona o leito vascular e entra no interstício (líquido extracelular) e, então,
nas células dos tecidos. Para fármacos administrados por via IV, onde não
existe absorção, a fase inicial (isto é, imediatamente após a administração
até a rápida queda na concentração) representa a fase de distribuição, na
qual o fármaco rapidamente sai da circulação e entra nos tecidos (Fig. 1.12).
A passagem do fármaco do plasma ao interstício depende do débito car-
díaco e do fluxo sanguíneo regional, da permeabilidade capilar, do volume
do tecido, do grau de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas e tissula-
res e da lipofilicidade relativa do fármaco.
10 Whalen, Finkel & Panavelil

A. Fluxo sanguíneo
A taxa de fluxo de sangue para os capilares dos tecidos varia ampla-
1,5 mente. Por exemplo, o fluxo de sangue para os órgãos ricos em vasos
(cérebro, fígado e rins) é maior do que para os músculos esqueléticos.
1,25
O tecido adiposo, a pele e as vísceras têm fluxo sanguíneo ainda menor.
Concentração no plasma

1 A variação no fluxo de sangue explica parcialmente a curta duração da


Fase de hipnose produzida por um bólus de injeção IV de propofol (ver Cap. 13). O
0,75 eliminação elevado fluxo sanguíneo, junto com a elevada lipossolubilidade do propo-
0,5 fol, permite-lhe distribuição rápida ao SNC e produz anestesia. A subse-
Fase de quente distribuição lenta aos músculos esqueléticos e ao tecido adiposo
0,25 distribuição diminui a concentração plasmática, de modo que a concentração elevada
no SNC se reduz, e a consciência é recuperada.
0 1 2 3 4
Tempo
B. Permeabilidade capilar
Injeção do fármaco em bolus
A permeabilidade capilar é determinada pela estrutura capilar e pela na-
tureza química do fármaco. A estrutura capilar varia em termos de fração
Figura 1.12 exposta da membrana basal com junções com frestas entre as células
Concentrações do fármaco no soro endoteliais. No fígado e no baço, uma fração significativa da membrana
após uma injeção única do fármaco. basal é exposta em razão de os capilares serem descontínuos e gran-
Admite-se que o fármaco se distribui des, através dos quais podem passar grandes proteínas plasmáticas
e subsequentemente é eliminado. (Fig. 1.13A). No cérebro, a estrutura capilar é contínua, e não existem
frestas (Fig. 1.13B). Para entrar no cérebro, o fármaco precisa passar
através das células endoteliais dos capilares do SNC ou ser transporta-
do ativamente. Por exemplo, um transportador específico leva o fármaco
levodopa para o interior do cérebro. Em contraste, fármacos lipossolúveis
entram facilmente no SNC, pois se dissolvem na membrana das células
endoteliais. Fármacos ionizados ou polares em geral fracassam tentando
entrar no SNC, pois não conseguem passar através das células endo-
teliais, as quais não apresentam junção com frestas (Fig. 1.13C). Essas
células intimamente justapostas formam junções estreitadas que consti-
tuem a barreira hematencefática.

C. Ligação de fármacos a proteínas plasmáticas e dos tecidos


1. Ligação a proteínas plasmáticas: A ligação reversível às proteí-
nas plasmáticas fixa os fármacos de forma não difusível e retarda
sua transferência para fora do compartimento vascular. A albumina
é a principal proteína ligadora e pode atuar como uma reserva de
fármaco (à medida que a concentração do fármaco livre diminui,
devido à eliminação, o fármaco ligado se dissocia da proteína).
Isso mantém a concentração de fármaco livre como uma fração
constante do fármaco total no plasma.

2. Ligação a proteínas dos tecidos: Vários fármacos se acumulam


nos tecidos, levando a concentrações mais elevadas no tecido do
que no líquido extracelular e no sangue. Os fármacos podem acu-
mular como resultado da ligação a lipídeos, proteínas ou ácidos
nucleicos. Os fármacos também podem ser transportados ativa-
mente aos tecidos. Os reservatórios nos tecidos podem servir de
fonte principal de fármaco e prolongar sua ação ou causar toxicida-
de local ao fármaco (p. ex., a acroleína, metabólito da ciclofosfami-
da, pode causar cistite hemorrágica porque se acumula na bexiga.)

D. Lipofilicidade
A natureza química do fármaco influencia fortemente a sua capacidade
de atravessar membranas celulares. Os fármacos lipofílicos se movem
Farmacologia Ilustrada 11

mais facilmente através das membranas biológicas. Esses fármacos se


dissolvem nas membranas lipídicas e permeiam toda a superfície celular.
O principal fator que influencia a distribuição do fármaco lipofílico é o
A Estrutura
no fígado
de capilares
fluxo de sangue para aquela área. Em contraste, os fármacos hidrofílicos
não penetram facilmente nas membranas celulares e devem passar atra- Grandes frestas permitem aos
fármacos mover-se entre o sangue
vés de junções com fendas. e o interstício no fígado

E. Volume de distribuição
O volume de distribuição aparente, Vd, é o volume de líquido necessário
para conter todo o fármaco do organismo na mesma concentração pre-
Fármaco
sente no plasma. O V d é calculado dividindo-se a dose que alcança a Célula
circulação sistêmica pela concentração no plasma no tempo zero (C 0): endotelial
Junção
com fenda
Vd = quantidade de fármaco no organismo
C0
Membrana
basal

Embora o Vd não tenha base física ou fisiológica, pode ser útil para com-
parar a distribuição de um fármaco com os volumes dos compartimentos Estrutura de um
de água no organismo.
B capilar cerebral
1. Distribuição no compartimento aquoso do organismo: Logo Processo podal do astrócito
que o fármaco entra no organismo, ele tem o potencial de distribuir-se
em qualquer um dos três compartimentos funcionalmente distintos Membrana basal
de água corporal, ou ser sequestrado em um local celular.

a. Compartimento plasmático: Se um fármaco tem massa mo- Célula


lecular muito alta ou liga-se extensamente às proteínas, ele é endotelial
muito grande para atravessar as fendas dos capilares e, as- cerebral
sim, é efetivamente aprisionado dentro do compartimento
plasmático (vascular). Como resultado, ele tem um Vd baixo Nas junções estreitadas,
duas células adjacentes
que se aproxima do volume de plasma, ou cerca de 4 L em fundem de modo que as
um indivíduo com 70 kg. A heparina (ver Cap. 22) tem esse células são sicamente
tipo de distribuição. unidas e formam uma
parede contínua que
impede vários fármacos
b. Líquido extracelular: Se um fármaco apresenta baixa massa de entrar no cérebro
Junção
estreitada
molecular, mas é hidrofílico, ele pode passar através das fen-
das endoteliais dos capilares para o líquido intersticial. Contudo,

C Permeabilidade de
fármacos hidrofílicos não podem se mover através das mem-
branas celulares lipídicas para entrar no líquido intracelular. Por um capilar cerebral
isso, esses fármacos se distribuem em um volume que é a
soma do volume de plasma com a água intersticial, os quais,
juntos, constituem o líquido extracelular (cerca de 20% da mas-
Fármaco
sa corpórea, ou 14 L em uma pessoa com 70 kg). Os antimicro- ionizado
bianos aminoglicosídeos (ver Cap. 39) mostram esse tipo de
Fármacos
distribuição. lipossolúveis
Passagem
c. Água corporal total: Se um fármaco apresenta baixa massa mediada por
molecular e é lipofílico, ele pode se mover para o interstício transportador
através das fendas e também passar através das membranas
celulares para o líquido intracelular. Esses fármacos se distri-
buem em um volume de cerca de 60% da massa corporal, ou
cerca de 42 L em uma pessoa com 70 kg. O etanol tem este Vd. Figura 1.13
2. Volume de distribuição aparente: Um fármaco raramente se as- Corte transversal de capilares
socia de forma exclusiva a um único compartimento de água corpo- hepáticos e cerebrais.
ral. Ao contrário, a maioria dos fármacos se distribui em vários com-
partimentos, com frequência ligando-se avidamente a componentes
12 Whalen, Finkel & Panavelil

celulares – como lipídeos (abundantes em adipócitos e membranas


A celulares), proteínas (abundantes no plasma e nas células) e ácidos
nucleicos (abundantes no núcleo das células). Por essa razão, o
Fase de Fase de
volume no qual o fármaco se distribui é denominado volume de dis-
distribuição eliminação tribuição aparente (Vd). O Vd é uma variável farmacocinética útil
4
para calcular a dose de carga de um fármaco.

3. Determinação do Vd: Como a depuração do fármaco geralmente é


Concentração no plasma (Cp)

A maioria dos fármacos


um processo de primeira ordem, pode-se calcular o Vd. A primeira
1 ordem considera que uma fração constante do fármaco é elimina-
apresenta diminuição
exponencial na concen- da por unidade de tempo. Este processo pode ser analisado de
tração em função do modo mais fácil lançando-se em um gráfico o log da concentração
2 tempo, durante a fase
de eliminação do fármaco no plasma (Cplasma) em relação ao tempo (Fig. 1.14). A
concentração do fármaco no plasma pode ser extrapolada para o
tempo zero (o momento da injeção IV) no eixo Y, para determinar
1
C0, que é a concentração que teria sido alcançada se a fase de
distribuição tivesse ocorrido instantaneamente. Isso permite o cál-
culo do Vd da seguinte maneira:
0
0 1 2 3 4
Tempo
Injeção rápida do fármaco Vd = dose
C0

B Por exemplo, se 10 mg de um fármaco são injetados em um pa-


Extrapolação até o ciente, e a concentração plasmática extrapolada para o tempo zero
tempo “0” fornece o C0, (C0) é igual a 1 mg/L (do gráfico na Fig. 1.14B), então Vd = 10 mg /
o valor hipotético de 1 mg/L = 10 L.
concentração do fárma-
4 co previsto se a distri- 4. Efeito de Vd na meia-vida (t1/2 ) do fármaco: O Vd tem influência
3 buição fosse alcançada importante na meia-vida do fármaco, pois a sua eliminação depen-
2 instantaneamente
de da quantidade de fármaco ofertada ao fígado ou aos rins (ou
Concentração no plasma

outro órgão onde ocorra a biotransformação) por unidade de tem-


C0 = 1
po. A oferta de fármaco aos órgãos de eliminação depende não só
do fluxo sanguíneo, como também da fração de fármaco no plas-
0,5
0,4 ma. Se o fármaco tem um Vd elevado, a maior parte do fármaco
0,3 está no espaço extraplasmático e indisponível para os órgãos ex-
0,2 cretores. Portanto, qualquer fator que aumente o Vd pode aumentar
t1/2 a meia-vida e prolongar a duração de ação do fármaco. (Nota: um
0,1 valor de Vd excepcionalmente elevado indica considerável seques-
tro do fármaco em algum tecido ou compartimento do organismo.)
0 1 2 3 4
Tempo
V. DEPURAÇÃO DE FÁRMACOS
POR MEIO DA BIOTRANSFORMAÇÃO
Injeção rápida
do fármaco
Logo que o fármaco entra no organismo começa o processo de eliminação.
A meia-vida (tempo necessário para As três principais vias de eliminação são biotransformação hepática, elimina-
reduzir à metade a concentração do ção biliar e eliminação urinária. Juntos, esses processos de eliminação dimi-
fármaco no plasma) é igual a 0,69 Vd/CL
nuem exponencialmente a concentração no plasma. Ou seja, uma fração
constante do fármaco presente é eliminada por unidade de tempo (Fig. 1.14A).
A maioria dos fármacos é eliminada de acordo com uma cinética de primeira
Figura 1.14 ordem, embora alguns, como o ácido acetilsalicílico em doses altas, sejam
Concentrações do fármaco no plasma eliminados de acordo com cinética de ordem zero ou não linear. A biotrans-
após uma injeção única de um formação gera produtos com maior polaridade, que facilita a eliminação. A
fármaco no tempo zero. A. Os dados depuração (clearance – CL) estima a quantidade de fármaco depurada do
de concentração foram lançados em
uma escala linear. B. Os dados de organismo por unidade de tempo. A CL total é uma estimativa composta que
concentração foram lançados em reflete todos os mecanismos de eliminação do fármaco e é calculada pela
uma escala logarítmica. seguinte equação:

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