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Força de Ataque Sul

A história do Esquadrão Nº 1 de Harrier GR Mk 3


da RAF, na Batalha do Atlântico Sul

Quando a 1 de Maio de 1982 as forças aéreas Britânicas e Argentinas entraram


em combate pela primeira vez, em disputa das Ilhas Malvinas ou Falklands, os
analistas militares - profissionais ou amadores - começaram a discutir os
méritos e as fraquezas das armas empregadas, e em especial por aquelas que
estavam sendo utilizadas pela primeira vez. O Harrier / Sea Harrier era uma
dessas armas, principalmente porque espelhava uma nova concepção de
utilização do poder aéreo.

Harriers GR Mk3 e Sea Harriers a bordo do HMS Hermes.

Operando no padrão STOVL (Short Take-Off and Vertical Landing), o Harrier


mostrou e justificou a perseverança britânica na idéia abandonada por outros
países, em favor de um projeto mais convencional de aeronave. O empuxo
vetorado (vectored thrust) dos Sea Harrier foi um sucesso no combate aéreo
contra os Mirage/Dagger e Skyhawk e a capacidade dos Harriers GR Mk3 da
RAF de sobreviverem a danos de fogo antiaéreo e de ataques de mísseis terra-
ar mostrou que os ingleses estavam corretos.

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Quando a Força Tarefa 317 partiu de Portsmouth no dia 5 de abril daquele ano,
estava claro que os 20 Sea Harriers a bordo do HMS Hermes e do HMS
Invencible (mais tarde oito novas aeronaves se juntariam), seriam insuficientes
para defender a esquadra britânica de ataques aéreos e de realizar ataques às
forças terrestres argentinas. Os Harriers GR Mk3 da RAF eram as únicas
aeronaves capazes de reforçar a esquadra e proporcionar uma capacidade de
ataque ao solo, permitindo então que os Sea Harriers se concentrassem na
defesa aérea. O Esquadrão Nº 1, lotado em Wittering, único esquadrão desse
tipo de aeronave não lotado na Alemanha, foi escolhido para a tarefa, e num
grande esforço conjugado da RAF e da British Aerospace (fabricante do avião),
os Harriers foram preparados para o transporte, transferencia e operação em
duas semanas.

O Esquadrão Nº 1 estava lotado na Força Móvel da OTAN, cuja tarefa era a de


desdobramentos rápidos e de apoio aéreo aproximado às forças terrestres, por
isso diferentemente de outras aeronaves similares, seus aviões estavam
equipados para reabastecimento aéreo (sistema que poderia ser montado ou
desmontado por dois mecânicos em 30 minutos) e seus pilotos estavam
amplamente treinados nas operações de reabastecimento como também no uso
do sistema RWR (Radar Warning Receivers). Esses Harriers voavam
normalmente com dois pods com canhões ADEN de 30 mm na fuselagem, um par
de tanques de combustível (455 l cada) nos suportes internos e duas bombas
cluster BL 755 nos suportes externos. O GR Mk 3 é capaz também de utilizar
uma bomba de 1.000 lb (queda livre ou retardada), foguetes MATRA SNEB 68
mm em pods com 18. São também equipados com visor Ferranti à laser e
marcador de alvo.

Embora bastante equipados para ataque ao solo, os Harriers baseados em


terra, teriam que ser adaptados para utilização em operações navais e os
pilotos da RAF rapidamente descobriram que para as operações embarcadas
precisavam muito mais do que simplesmente deixar a barba crescer !! Reuniões
entre a British Aerospace e o Ministério da Defesa foram realizadas e em dois
dias detalhes foram acertados e em cinco, os desenhos para as modificações
estavam prontos.

As primeiras modificações diziam respeito à proteção do Harrier quanto a


contaminação por água salgada, amarração da aeronave nos decks, e
procedimento de alinhamento do sistema Ferranti FE 541 INS para um deck de
porta-aviões em movimento. Trens de pouso dos Sea Harriers disponibilizados,
algumas peças foram seladas para evitar ingestão de água salgada e drenos
foram colocados para evitar o acumulo da mesma em outros locais. Transponder
com Banda-I, já existentes no Sea Harrier foram instalados. Uma série de
pequenos outros detalhes foram estudados e instalados.

O Esquadrão Nº 1, considerando os aspectos operacionais a serem realizados,


bem como a possibilidade de serem interceptados por aeronaves hostis,

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solicitou a colocação de mísseis para autodefesa. Anteriormente essa opção já
havia sido considerada pela RAF para suas aeronaves de ataque, mas restrições
orçamentarias limitaram a aplicação aos Buccaneers baseados na Alemanha a
aos futuros Tornados GR Mk1. O embarque inicial dos Harriers estava previsto
para o dia 23 de abril, ficando um prazo muito apertado para colocação dos
mísseis, entretanto como aconteceu um pequeno atraso, houve tempo suficiente
para a British Aerospace produzir uma instalação simplificada e, no dia 26 de
abril foram entregues os primeiros 12 kits. Em 29 de abril foram instalados os
primeiros kits e naquele mesmo dia os pilotos do Esquadrão Nº 1 já praticavam.
Além da instalação de equipamentos, era necessário uma prática na ski jump em
Yeovilton. Os foguetes MATRA tiveram que ser substituídos pelos RN 2, devido
ao alto campo magnético existente nos navios, e a pressão hidráulica dos trens
de pouso foi aumentada para permitir operação com peso de decolagem
alterado.

Um Harrier GR Mk3, preparando-se para decolar utilizando a ski-jump.

A preparação dos Harriers para operarem no Atlântico Sul demandou um alto


grau de cooperação e interesse entre as partes envolvidas, objetivando
incorporar modificações a baixo custo, no prazo, e com alto grau de
confiabilidade. As decisões foram tomadas rapidamente, com o envolvimento de
poucas pessoas. Os operários e técnicos trabalharam até 100 horas por semana,
ignorando fins de semana e feriados, e o resultado final foi perfeito. A British
Aerospace durante o período de guerra enviou para a área de combate mais de
10.000 peças de reparo além de elementos de apoio.

Enquanto os hangares do esquadrão mais pareciam uma linha de produção de


uma indústria aeronáutica, os pilotos, sob comando do Wg Cdr Peter Squire,
estavam se preparando para o combate. O primeiro desafio era a familiarização
com os procedimentos do ski jump, e em 14 de abril os primeiros aviões foram

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deslocados para Yeovilton para praticarem a decolagem na rampa, tendo cada
piloto realizado pelo menos três. Em seguida, as montanhas no País de Gales
foram cenário de vôos ultra baixos, bem como de alvo para as bombas.
Lightnings e Hunters participaram dos treinamentos como agressores. Mais
tarde, Mirages e Super Etendards franceses se juntaram para simular quase
que realisticamente o que seria encontrado no Atlântico Sul, ao praticarem
combates dissimilares. Os pilotos da RAF ficaram eufóricos, ao perceberem
que conseguiam combater e vencer seus oponentes até com extrema facilidade.
Essa euforia aumentou quando da realidade, pois a Força Aérea Argentina,
praticamente não molestou os Harriers da RAF. Enquanto isso, outros pilotos
testavam os Sidewinders e os foguetes RN 2.

Os Harriers não embarcaram no navio Atlantic Conveyor conforme fora


inicialmente planejado, por isso tiveram que voar até a Ilha de Ascensão (7.400
km em vôo com duração de 9 horas e 15 minutos), com apoio dos Victors K Mk2
reabastecedores, para então serem embarcados. Dos dez enviados, seis foram
embarcados, um retornou à Inglaterra com um problema crônico de vazamento
de combustível e os três restantes ficaram lotados na ilha como defesa até que
os Phantoms do Esquadrão 29 chegassem no dia 21 de maio, quando então foram
deslocados para a área de combate.

Imagem do transporte do Harriers GR Mk3 no Atlantic Conveyor.

Empacotados em sacos plásticos, os Harriers da RAF foram colocados no


convés do Atlantic Conveyor, juntamente com outros Sea Harriers, e com os
helicópteros Chinooks (4) e Wessex (6). O Wg Cdr Squire e o Sqn Ldr Bob
Iveson acompanharam os aviões, enquanto que os demais pilotos e mecânicos
foram embarcados no Norland. As duas embarcações saíram da Ilha de

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Ascensão na madrugada do dia 7 de maio. Mais tarde, outros pilotos e aviões
(8) chegaram à Ilha de Ascensão.

O HMS Hermes, o maior dos dois porta-aviões, era a base do Esquadrão 1, e no


dia 18 de maio, os primeiros quatro, voaram do Atlantic Conveyor para o
Hermes. No dia seguinte mais um fez o mesmo percurso, sendo que dessa vez,
devido ao mau tempo, foi obrigado a fazer uma parada no Invencible. Os
treinamentos começaram imediatamente, e

O Wg Cdr Peter Squire, comandante do Esquadrão Nº 1, pousando no HMS


Hermes no dia 18 de maio de 1982, após decolar do Atlantic Conveyor.

nesse mesmo dia, os Harriers do Esquadrão 1 tiveram contato com o inimigo,


quando foram vetorados para interceptar um Boeing 707 da Força Aérea
Argentina, sem atacá-lo. No dia seguinte, três aeronaves fizeram o primeiro
ataque, quando bombardearam barris de combustível que estavam sendo
rebocados para a Fox Bay.

Foto obtida quando da interceptação do Boeing 707 da Força Aérea Argentina.

O desembarque em San Carlos e na Ajax Bay, na manhã do dia 21 de maio, deu


início a um período de intensa atividade para o esquadrão, o qual durante os 27
dias em que esteve embarcado ficou apenas 2 dias impossibilitado de voar

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devido ao mau tempo. Nesse mesmo dia, o Sqn Ldr Pook e seu ala Flt Lt Hare,
fazendo uma patrulha de madrugada, surpreenderam quatro helicópteros
argentinos, que estavam em uma base avançada perto do Monte Kent, tendo
sido creditado ao Sqn Ldr Pook a destruição de um Chinook e de dois Puma. O
quarto conseguiu escapar. Os argentinos não aprenderam a lição, e no dia 26 de
maio, os mesmos dois pilotos encontraram no mesmo local um Puma, que desta
vez foi destruído com bomba, em vez do canhão de 30 mm utilizado
anteriormente.

Foto aérea de Pebble Island, após um ataque dos Harriers.


Observa-se um Pucará destruído e outros três bastante danificados.

No mesmo dia 21 de maio, o esquadrão sofreu sua primeira baixa, quando o Flt
Lt Glover foi abatido por um Short Blowpipe SAM, durante um vôo de
reconhecimento em Port Howard. O piloto se ejetou, mas o pára-quedas não
teve tempo suficiente de abrir totalmente, caindo na água , sendo recolhido por
soldados argentinos, tornando-se o único prisioneiro de guerra do esquadrão.
Um par de Harriers retornou a Port Howard ao meio dia de 23 de maio para
completar a tarefa, em área que seria atacada por terra dois dias mais tarde.

Tropas argentinas surpreendidas pelo Flt Lt Mark Hare, quando fazia uma passagem baixa,
com seu Harrier. Observa-se o soldado à esquerda com um lançador de míssel Short Blowpipe.

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O esquadrão esteve ocupado em atacar vários aeródromos nos primeiros dias
da campanha. No dia 22 de maio, o aeródromo de Weddell foi destruído,
evitando-se que os C-130 argentinos pudessem utilizar a pista para
ressuprimento. O de Goose Green, próximo à Baía de San Marcos (local onde
seria realizado o princial desembarque das tropas britânicas) foi destruído na
tarde deste dia, sendo que pela primeira vez houve alguma antiaérea. Em 23 de
maio o de Pebble Island foi arrasado, bem como os Pucarás que lá estavam. A
27 de maio, o esquadrão retornou a Goose Green, e o Sqn Ldr Iveson foi
abatido pela antiaérea. Ele conseguiu se ejetar, ficou escondido por três dias,
sendo resgatado por um helicóptero Gazelle dos Fuzileiros Reais.

Um Harrier GR Mk3, tendo ao fundo um Sea Harrier.

As forças britânicas se dirigiam agora para Port Stanley, capital das Ilhas
Falklands, com os Harriers como sempre por perto. O aeroporto da cidade era
o principal local de pouso dos C-130 de suprimento e base dos Pucarás e dos MB
339, por isso era de vital importância que fosse neutralizado. Os Harriers do
Esquadrão Nº 1 fizeram um primeiro ataque no dia 24 de maio. Inicialmente
dois Sea Harriers, utilizando seus canhões mantiveram as defesas ocupadas,
enquanto que dois Mk3, lançaram bombas de 1.000 lb.

Os Harriers retornaram no dia seguinte, para manter a pressão, sempre


utilizando bombas clusters. Três ataques ocorreram neste dia. No dia 26 e no
dia 28 novos ataques foram realizados, e no dia 31 de maio, o aeródromo sofreu
ataques de mísseis vindo da armada. Nesse período, três Harriers foram postos
temporariamente fora de ação, com seus pára-brisas rachados, vazamento nos
tanques de combustível e estilhaços gerais.

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Tropas entrincheiradas, posições de artilharia e de morteiros passaram a ser
os alvos, enquanto que as tropas inglesas se aproximavam de Port Stanley. O
objetivo principal era remover os argentinos das posições vantajosas no Monte
Kent, Monte Longdon, Monte Harriet, Monte Willian e Monte Tumbledown.
Cerca de 30 missões foram realizadas, normalmente por pares de Harriers Mk3
utilizando os foguetes RN 2, uma vez que boa parte das bombas clusters fora
perdida com o afundamento do Atlantic Conveyor no dia 25 de maio.

As tropas argentinas recuavam conforme o esperado, mas passou-se a ter


agora uma enorme concentração de pequenas armas de fogo, e os Harriers
voando muito baixo, tornaram-se os alvos preferidos. No dia 30 de maio, um
Harrier comandado pelo Sqn Ldr Pook, teve seu tanque de combustível furado,
sendo obrigado a se ejetar a 42 milhas antes de atingir o Hermes, tendo
permanecido 10 minutos nas águas gélidas do Atlântico Sul antes de ser
resgatado por um helicóptero naval. O esquadrão havia então perdido três
aeronaves, tornando-se necessário que os Sea Harriers passassem a
acompanha-los nas missões.

Dois novos Harriers, fazendo um vôo longo desde a Ilha de Ascensão chegaram
nesse dia, e foram muito bem vindos, da mesma forma que outro par que chegou
no dia 8 de junho, já que um outro Harrier fora danificado em operação
terrestre, quando estava pousado em uma pista preparada pelo Real Corpo de
Engenheiros em Port San Carlos. Durante os últimos dias da guerra, a principal
missão dos Harriers era a de reconhecimento armado, procurando encontrar
supostas posições de mísseis Exocet, mas nada foi encontrado. A última missão
dos Harriers da RAF foram dois ataques com Bombas Pave Way contra posições
inimigas no Monte Tumbledown, no dia 13 de maio. No dia seguinte, o Sqn Ldr
Harris decolou para continuar o ataque, mas quando ele estava se posicionando
para iniciar a corrida de bombardeio, o Controlador Aéreo Avançado falou ao
rádio que bandeiras brancas foram avistadas em Port Stanley. A guerra havia
terminado.

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Três Harriers GR Mk3 a bordo do Hermes, tendo como companhia um Sea Harrier.

Os Harriers da RAF realizaram 150 missões de guerra, das quais 126 foram
diretamente sobre as Ilhas Falklands, perdendo-se três aviões em combate
devido a ações inimigas, um número alto se comparado com os Sea Harriers que
perderam dois aviões em um total de 1.200 missões (embora dessas apenas 90
tenham sido de operações ofensivas em suporte à tropa). Os numerosos
radares dispostos por todo o arquipélago deram enorme trabalho aos Harriers,
embora tenham conseguido identificar e interferir em suas operações. No final
da campanha, quando do assalto a Port Stanley, a concentração de armas
antiaéreas de 12,7 mm, 20 mm, 30 mm e canhões de 35 mm guiados por radar
foram realmente um problema para as operações. Em torno do aeródromo de
Port Stanley foram encontrados oito radares, quatro posições SAM - Tigercat
e Roland - seis canhões Oerlikon de 35 mm e nove canhões de 20 mm e de 30
mm, além de diversos SA-7 e Blowpipe SAM.

Embora utilizassem tanques extras com 455 l cada e um perfil de ataque HI-
LO-HI, a necessidade de voarem em rota não direta de ida e de volta do
Hermes (ficava a aproximadamente 190 milhas a leste das ilhas), fazia com que
os Harriers tivessem pouca reserva de combustível. O uso operacional de uma
aeronave baseada em terra, a partir de um porta-aviões, pela primeira vez
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, apresentou poucos problemas, além do
taxi da aeronave em um deck que se movia, normalmente ao nascer ou ao
entardecer, em condições de pouca luminosidade. Apenas 20 mecânicos da RAF
estavam embarcados no Hermes, e por isso o auxílio do pessoal da armada foi
fundamental, principalmente quando houve necessidade da troca de uma
turbina. A RAF aprendeu muito com essa experiência, e a eficiência das
aeronaves de ataque será muito aumentada com ela.

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