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ENSINO SUPERIOR: FINALIDADES ensino superior insere-se no contexto social gobal que determina e é determinado também pela agéo dos sueitos que af atuam. Em se tratando da discussdo das finalidades da universidade,, é preciso situd-la, analisd-la e critictla ‘como instituicdo social que tem compromissos historicamente defnidos. As alteragées que a instituigdo universitdria vem experimentando no decorret das ikimas dEcadas poem em discussdo esses compromissos ea sua relagto com a sociedade em que esd inserida Entendendo que a valorizago da docéncia no ensino superior ocorre de formas diversas, conforme 0s con- textos institucionais em que se realiza, ¢ € fortemente impregnada do significado que se atribui a universidade na sociedade contemporinea, passamos a expliitar os diversos entendimentos da finalidade dessa instituig4o, apontando explicitamente o nosso. préprio. Este entendimento determina nosso modo de compreender adocéncia, as finalidades e os modos de ensinar ¢ 0 que ‘esperamos como resultados do ensino de graduacao. 1, Universidade: instituicao educativa Entendemos a universidade\como instituigfo edu- cativa cuja finalidade € 0 permanente exercicio da crf- ‘A ienfcgio das ‘andes de eabho (i so subsets os Eecoes univers, sreenadas na ‘Pane, Cato, revlon dasa ‘des que esto marcas ‘onredade rd on pverno nese 161 2+ ree 162 tica, que se sustenta na pesquisa, no ensino e na exten- so. Ou seja, na produgéo do conhecimento por meio da problematizagao dos conhecimentos historicamente produzidos, de seus resultados na construcao da socie- dade humana e das novas demandas e desafios que ela apresenta. Estes, por sua vez, so produzidos ¢ identi- ficados também nas andlises que se realizam no proprio processo de ensinar e na experimentagio e anilise dos projetos de extensio, mediante as relagées estabelecidas entre os sujeitos e os objetos de conhecimento. ‘Assim, poderiamos dizer, com Edgar Morin (2000, p. 9-10), que “a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma heranca cultural de saberes, idéas e valores, que acaba por ter um efeito regenerader, porque a universi- dade se incurmbe de reexamind-la, atualixd-la etransmit-la (Ao mesmo tempo em que) gera saberes, idéias e valores que, posteriormente, fardo parte dessa mesma heranga. Por i8s0, auniversidade é conservadora, regeneradora e eradora (em, pois,) uma fungao que vai do passado ao futuro por intermédio-do-presente” (da critica do presente), em diregio & humanizagag, uma vez que o sentido da edu- cagao éa aimaniaagad, isto 6, possibilitar que todos os seres humanos tenham condicdes de ser participes desfrutadores dos avangos da civilizagao historicamente construida e compromissados com a solucéo dos pro- blemas que essa mesma civilizagdo gerou. Em sua relagéo com a sociedade, a universidade desempenha papel de antagonismo e de complemen taridade, ou seja, conserva e transforma. Nao se trata de apenas modemizar a cultura, mas de culeura- lizar a modemidade. A universidade conclama a sociedade a aadotar sua mensagem e suas normas: ela introdue na sociedade uma cultura que ndo é feita para sustentar as formas tradi- cionais ou efémeras do aqui e agora, mas esté prota para aj day 0s cidadios a ever seu destino hie et nunc. A Universidade defende, iustra e promove no mundo sociale poltico valores intrinsecos cultura universitéria,tais como a autonomia da ‘onsciéncia e a problematizayao, o que tem como conseqién- cas 0 fato de que a investigngdo deva manter-se aberta eplu- ral, que a verdade tenha sempre a primasia sobre a uilidade, que 4 ética do conhecimento seja mantida (Morin, 2000, p. 10). Em decorréncia dessas finalidades, dois principios organizacionais e de funcionamento se impdem: a con- vicgdo de que os espagos institucionais, democratic mente constituidos, por expressarem e contemplarem a diversidade e a pluralidade de pensamento, sio espa- 0s legitimos para efetivar essa finalidade; a convicgao de que o processo educativo de qualidade resulta da patticipacio dos sujeitos nos processos decisérios, 0 que se traduz no fortalecimento de praticas colegiadas na condugio dos projetos e das agées educativas na universidade. _ Assim, as fungSes universitaria’ podem ser siste- matizadas nas seguintes: criagéo, desenvolvimento, transmissao e critica da ciéncia, da técnica e da cul- | tura; preparagao para o exercicio de atividades profis- | sionais que exijam a aplicagéo de conhecimentos | métodos cientificos e para a criaglo artistica; apoio cien- | tifico e técnico ao desenvolvimento cultural, social \.€ econdmico das sociedades. Severino (2001) destaca a educagio como “pris fe- cundada pela significagao simbdlica, resultante da atuagiio subjetiva”. Ao consolidar a condicéo humana, contti- buindo para sua integragao no universo do trabalho, da sociabilidade e dos simbolos, € atravessada por uma in- tencionalidade teérica, sendo pratica simultaneamente técnica, ética e politica. Técnica, quando o conheci- mento é saber competente para um fazer eficiente, con- textualizado e cientifico, sendo a qualificagao técnica do aprendiz process i a 163 ou reciclagem e superando a busca de simples eficécia técnica e a submissio a légica opressiva do mercado de trabalho. Politica, pois tem que ver com as relagbes de poder que permeiam a sociedade, advindo daf a impor- tancia dos processos educacionais que possibilitam a construgao da cidadania com os estudantes, superan- do o treinamento para a submissio, para a subser- iéncia e para as diferentes formas de dominacéo. E, , pois a clareza na opgio de conceitos e valores tor- nam-se em referéneias bisicas para a intencionalidade do agir humano, uma vez que a “ética se apresenta como rea de investigagdo filosifica para explicar nossa sensibli- dade moral e mostrar seus fundamentos”. O autor nos lembra que também no campo epistémico, estético ético ocorrem processos de alienagio, pois hé a possi- bilidade de manipulacao das sensibilidades subjetivas, destacando os critérios de verdade (referente ao conhe- cimento), a autenticidade (na ago moral) e a felicidade (sentir estético) no cultivo da subjetividade. Assim, oensino’na universidade, por sua vez, cons- titui um processo de busca, de construgio cientifica e de critica a0 conhecimento produzido, ou seja, ao seu papel na construgao da sociedade. Nesse sentido, algu- mas atribuigbes o marcam: a) propiciar o dominio de um conjunto de conheci- mentos, métodos ¢ técnicas cientificos, que assegurem © dominio cientifico e profissional do campo especifi- ‘coe devem ser ensinados criticamente (isto é, em seus nexos com a produgio social e hist6rica da sociedade). Para isso, 0 desenvolvimento das habilidades de pes- quisa é fundamental; b) conduzir a uma progressiva autonomia do aluno na busca de conhecimentos; ¢) considerar o processo de ensinar/aprender como atividade integrada a investigagao; d) desenvolver a capacidade de reflexao; ) substituir a simples transmissio de contetidos por um processo de investigagao do conhecimento; f) integrar, vertical e horizontalmente, a atividade de investigacao & atividade de ensinar do professor, 0 que supée trabalho em equipe; ) criar e recriar situag6es de aprendizagem; |h) valorizar a avaliagao diagnéstica e compreensiva da atividade mais do que a avaliagéo como controle; i) conhecer 0 universo cultural e de conhecimentos dos alunos e desenvolver, com base nele, processos de ensino e aprendizagem interativos e participativos. Essas atribuigdes do ensinar na universidade exigem ‘uma ago docente diversa da tradicionalmente pra cada. Na docéncia, enquanto prestador de um servigo sociedade mediante sua profissio, 0 professor uni- versitério precisa atuar como profissional reflexivo, critico e competente no ambito de sua disciplina, além de capacitado a exercer a docéncia e realizar atividades de investigacio. No mundo contemporineo, podem-se identificar ‘trés aspectos que impulsionam o desenvolvimento pro- fissional do professor universitario. Sio eles: a trans? formagio da sociedade) de seus valores e de suas for- ‘mas de organizagao e trabalho; o avanco exponencial da ciéncia nas diltimas décadas; a consolidagio pro- gressiva de uma’Ciéncia da Educag40) possibilitando a todos o acesso aos saberes elaborados no campo da Pedagogia. 165 2st 166 O aperfeigoamento da docéncia universitéria exige, pois, uma integragio de saberes complementares. Diante dos novos desafios enfrentados pela docéncia, faz-se necessério valorizar seus profissionais. Além de salérios e condigdes de trabalho adequados, investir no seu desenvolvimento profissional, para além do domfnio restrito de uma érea cientifica de conheci- mentos. O desenvolvimento profissional envolve a formacio inicial e continuada, articulada a um proces- so de valorizaco identitéria e profissional dos profes- sores. Identidade que € epistemolégica, ou seja, que reconhece a docéncia como um campo de conhecimen- tos especificos configurados em quatro grandes conjun- tos, a saber: 1) contetidos das diversas 4reas do saber e do ensi- no, ou sefa, das ciéncias humanas e naturais, da cultu- rae das artes; diretamente 2) contetidos didético-pedag6gii relacionados ao campo da pratica profissional; 3) contetidos relacionados a saberes pedagégicos mais amplos do campo teérico da pritica educacionals 4) conteddos ligados & explicitagio de sentido da existéneia humana individual, com sensibilidade pes- soal e social. ‘A identidade do professor é também profissional; ou seja, a docéncia constitui um campo especifico de intervengio profissional na pritica social. Essa perspectiva possibilita ao docente, medianteva aco educativa, a construgao da consciéncia, numa so- ciedade globalizada, complexa e contraditéria. Cons- cientes, docentes e discentes fazem-se sujeitos da edu- cago. O saber-fazer pedag6gico, por sua ver, possibi- lita 20 educando a apreensio e a contextualizagéo do conhecimento cientifico elaborado.. 2. Finalidades da universidade no contexto atual Nas instituigGes de ensino superior, podemos veri- ficar crescente divércio entre as finalidades da uni- versidade enquanto instituigdo social e as esperadas pelo Estado nacional de carter neoliberal. Este se ca- racteriza, entre outras coisas, pela busca da estabili- dade monetéria, da contengio de gastos sociais e da alta taxa de desemprego; pela quebra do poder dos sindicatos e movimentos operdrios; pelo corte drésti- co dos encargos sociais; por uma reforma fiscal que in- centiva os investimentos privados mediante a redugo de impostos sobre capital e fortunas e aumento de impostos sobre a renda individual (trabalho, consumo e comércio); pela supressao de investimentos estatais zna produgdo, deixando que o proprio mercado, em sua racionalidade, opere a desregulagio. A regulamentagio desses fatores deriva em vasta legislacSo antigreve vasto programa de privatizagao (cf. Chau‘, 1999). E nesse contexto que as fungées da universidade pre- cisam ser analisadas, visto que a ago de docentes € discentes nao se dé num universo a parte da realidade social na qual se insere. A propria defini¢ao de seu projeto politico-pedagégico institucional estar dire- tamente relacionada a esses determinantes. Em anilise realizada por Chau‘ (1999 e 2001), fica explicita a diferenciagao entre a universidade enquan- 10 insticuigdo social — proposta ¢ razéo de ser desde 0 infcio de sua existéncia, no século XII — e enquanto centidade administrativa, dotagao que lhe é imposta no modelo neoliberal. Enquanto instituigio social, a universidade se carac- teriza como agio e pritica social, pautando-se pela idéia de um conhecimento guiado por suas préprias necessidades e por sua propria lgica, tanto no refere A descoberta ¢ invengéo quanto & transmissao desse conhecimento. Desde suas origens, a universi- dade buscou efetivar os principios de formagio, cria- sho, reflexio e critica, tendo sua legitimidade deriva- da da autonomia do saber ante a religiéo e o Estado. ‘No contexto atual, a universidade vem perdendo es- sa caracteristica secular de instituigo social e tornan- do-se numa entidade administrativa; ou seja, atuando segundo um conjunto de regras e normas desprovidas de conteddos particulares, formalmente aplicados a todas as manifestacées sociais. Transmudou-se numa entidade isolada, cujo sucesso & éfic4cia sio medidos em referéncia a gesto de recursos e estratégias de de- sempenho, relacionando-se com as demais por meio da competicao. Enquanto entidade administrativa, é regida por idéias de gestao, planejamento, previso, controle e éxito, néio the competindo discutir ou ques- tionar sua existéncia e sua fungio social. Esté, desse modo, em posigo oposta a de uma instituigdo social, que tem a sociedade como seu principio e referéncia normativa e valorativa, que € determinada, mas é também determinante, que se percebe inserida na di- visio social e politica (Chaut, 1999). ‘Ainda segundo Chauf (1999), a passagem da uni- versidade brasileira da condigao de instituigéo social para a de entidade administrativa € parte do contexto de alteragao geral da sociedade e do Estado. Essa pas- sagem deu-se por etapas: iniciou-se com a universidade funcional, dos anos 70, valorizada socialmente por pos- sibilitar prestigio ascens4o social, mediante a gradua- do universitéria, e por propiciar répida formagio de mo-de-obra para o mercado. Nesse perfodo, a uni- versidade passou por alteragées em seus curriculos € programas, visando & insergo dos profissionais gradua- dos no mercado de trabalho. Na etapa seguinte, nos. anos 80, surgiu a universidade dos resultados. Iniciada ‘ha etapa anterior, agrega dois novos componentes: a ‘expansio da rede privada de ensino superior e a parce- ria entre universidade e empresas, por intermédio de financiamento para pesquisas, conforme interesses daquelas Gltimas. E a terceira etapa, nos anos 90, chamada de universidade ope que, caracterizan- do-se como entidade administrativa, deixa de voltar- se para o conhecimento ou para o mercado de traba- Iho e passa a voltar-se para si:mesma, sendo avaliada por indices de produtividade, estruturada por estraté- gias de eficdcia organizacional. Nao mais priorizando seu compromisso com 0 conhecimento e a formacao intelectual, “opera e por isso ndo age” . Nesse sentido, a funcao da universidade restringe-se a “dar a conhe- cer para que nfo se possa pensar. Adquirir e reproduzir para ndo criar. Consuamir em lugar de realizar o trabalho de reflexiio” (Chau, 2001, p. 62 — grifos da autora). A partir dos anos 90, a formacao de profissionais nessa universidade operacional resume-se & transmis- sio répida de conhecimentos, habilitacao répida para graduados que precisam entrar rapidamente no mer- cado de trabalho: busca-se restringir o papel da uni- Enstno sureboe: NALDADES 169 , versidade ao treinamento, adestramento... “A univer- sidade, exatamente como a empresa, estd encarregada de produzir incompetentes sociais, presas faceis da dominagdo e da rede de autoridades (...) tanto menos se deve ensinar € tanto menos se deve aprender” (Chau, 2001, p. 55). Nessa perspectiva, a universidade esta encarregada de tornar a cultura num instrumento a servigo de suas préoprias concepgées: nao diferencia conhecimento e pensamento, reduzindo a esfera do saber & do conhe- ccimento; ignora o trabalho do pensamento; adminis- trao conhecimento, reduzindo-o, dividindo-o, dosan- do-0, quantificando-o ¢ nao o inter-relacionando; des- considera 0 necessério proceso de apreensio das relagdes dos determinantes e as contradigées da reali- dade com 0 pensamento do aprendiz. ‘O método tradicional de ensino — no que restou da proposta jesuftica, com os resultantes da organizacao administrativa francesa, com a separagdo entre ensi- no e pesquisa (e/ou sua quase exclusio), com a adesio a0 modelo de organizagio, incluindo adogao de valo- tres e metas — configura um campo de trabalho com caracteristicas opostas as necessérias a uma universi dade entendida como instituigdo social. A universida- de operacional “ndo forma nem cra pensamento, despo- jaa linguagem de sentido, densidade e mistério, destréi a curiosidade e admiragao que levam a descoberta do novo, anula toda a pretensao de transformagdo hist6rica como cdo consciente dos seres humanos em condigdes material- mente determinadas” (Chaui, 1999, p. 222). Em nossa ago no ensino de graduagao, essa con- cepsio de universidade organizacional se faz presente por meio da forga do modelo metodol6gico tradi- cional, da manutengio da visio moderna de ciéncia e de um saber escolar tomado como inquestiondvel, de um processo predominantemente expositivo por parte do professor e passivo por parte do aluno, fun- dado basicamente em miemorizagéo, e das proprias relagbes individualistas, competitivas e de ndo-comu- nicagdo entre docentes e — em decorréncia — entre disciplinas curriculares, assim como entre os alunos. Analisar essas préticas presentes em nossas universi- dades ¢ instituigées de ensino superior, em seus vin- culos com os modelos oponentes de universidade, o social e © organizacional, permitira que se explorem suas contradigdes. 3. Projeto politico-pedagégico institucional ‘Um dos elementos para o enfrentamento desse desafio, por contradigao, é uma exigéncia do préprio sistema legal: a construgao coletiva do projeto institu- ional, recuperando as raizes da instituigao social que a universidade e questionando criticamente as fun- «ges que hoje se espera que ela exerca. Esse projeto € (Pedagogicd, porque discute o ensinar e o apreender ‘Tum processo de formagao, de construgao de cidadania, no apenas de preparago técnica para uma ocupa- ¢4o temporal. E, por isso, tambéni politico} porque tra- ta dos fins e valores referentes ao papel da universidade naanilise critica e transformagao social e nas relagdes entre conhecimento e estrutura de poder. E, ademais, Goletivo) possibilitando e exigindo que seus constituin- Participem do proceso de andlise, discussio e tomada de decisio quanto aos rumos que, consciente e criticamente, definem como necessérios e possiveis A instituigéo universitéria, LLDBEN, argo Bt 7 | | | | | Na construgio coletiva do projeto politico-peda- g6gico institucional, os problemas detectados deverao ser tomados como pontos de partida para andlise da realidade e para definigdo de prioridades e metas de acio. Dados da avaliagéo institucional poderdo ser levantados. Em experiéncias de elaboragio coletiva de pprojetos institucionais realizadas em instituigdes de en- sino superior, tem sido constatada uma inadequagio pedagégica no desempenho do docente das IES, tanto nos dados da avaliagao dos professores pelos alunos quanto nos préprios instrumentos de auto-avaliagio do docente, o que reafirma a necessidade de processos de profissionalizagdo, nos quais a formagio pedagégica discuta fundamentalmente as finalidades da universi- dade enquanto instituigao social mediante processos de reflexo sistemética, que amplie a compreensio dos professores sobre o seu fazer condicionado, mas tam- bém possa interferir nos contextos mais amplos. Nas ages e depoimentos de docentes que partici- pam dos programas de desenvolvimento profissional, temos encontrado as caracteristicas apontadas por Chauf com respeito a universidade nas décadas de 70, 80 e 90. Por exemplo, quando se referem ao prestigio e ascensio social almejados por meio de uma gra- duagio universitéria e as alteragdes curriculares que ajustam o ensino de graduagio as necessidades do mer- cado, mesmo que essas nao resultem em emprego. Grande ntimero entre os professores encontra-se atuando em instituigées particulares de ensino supe- rior. Nas instituig6es piblicas, por sua vez, hé a in- tensa controvérsia sobre a parceria entre universidade empresas no que concerne ao financiamento para pesquisas de interesse destas tiltimas. Por outro lado, vivemos 0 momento da avaliagio por indices de pro- dutividade, sob a égide da eficdcia organizacional,alheia 20 conhecimento e a formago intelectual, fungao es- sencial de nosso trabalho na universidade. Preocupadas com os resultados do ‘provao, muitas instituig6es de ensino superior vém adotando medi- das as mais “acorrentadas”, incluindo aulas de recu- peracdo as vésperas do evento, pautando seu ensino pelas respostas as quest6es dos provées anteriores, treinando os alunos para as respostas corretas, etc. Milton Santos alerta sobre a importéncia de refletir sobre a questo: ‘a tirania da informagdio nao é apenas a da midia, porque inclui, também, 0 nosso trabalho na universidade . Quero insistir nes- satecla, porque o nosso trabalho como professors Eabase com @ qual se educam e se reeducam as geragdes. Quanto mais 0 nosso trabalho for livre, mais educaremos para a cidadania. Quanto mais o nosso trabalho for acorrentado, mais estaremos produindo individualidades débeis. E uergente que 0 ensino tome consciéncia dessa sitwagdo para esbogar a merecida reagio, em 0 que corremos o grande rsco de ficar cada vex ‘mais distantes da busca ideal da verdade (Santos, 1998, p. B). E preciso considerar as pressdes para as mudangas e as diregdes apontadas para elas quando se discute papel esperado da universidade. A universidade nao de- ve simplesmente adequar-se &s oscilagées do mercado, mas aprender a olhar em seu entorno, a compreender assimilar os fendmenos, a produzir respostas as mu- dancas sociais, a preparat globalmente os estudantes para as complexidades que se avizinham, a situar-se ‘como instituiggo Iider, produtora de idéias, culturas, artes e técnicas renovadas que se comprometam com a humanidade, com o proceso de humanizacao. Diante das contradigées presentes na realidade que se refletem na universidade como instituigio social, € yam Nacional de Ces Gra, do pels La .BIBS Tem por ‘objetivo ainentar os proves de des e Je Ferma de gies sold pra 3 mchoria (oscuro de pcg. preciso discutir a'diferenciagad entre treinamento e formacdo, ciéncia e tecnologia, informagao e conheci- mento e set compromisso com 0 social ou com o capi- tal. Os mecanismos de avaliagdo externos, nosso des- preparo para a docéncia e a forma de constituigio precéria de muitas instituigdes de ensino superior dificultam 0 aprofundamento ¢ a reflexio sobre esses, aspectos. Em muitas dessas instituigées nem sequer ha discussées mais sistematizadas a propésito das fina- lidades do ensino de graduacio, da organizagio curri- cular, da visio de conhecimento, do saber escolar, do ensino e da aprendizagem, da relagao entre professor, aluno e conhecimento, da possibilidade de construgio da cidadania com 0 coletivo dos alunos. ‘As universidades, centros universitarios, faculda- des integradas e institutos ou escolas superiores, con- forme suas definigdes na LDB/96, sio instituigSes de ensino superior que se diferenciam entre si pela abrangéncia de ages e pelas condigées de trabalho de seus docentes. No entanto, todas tém em comum a graduacéo de profissionais de diferentes éreas, o que, por si, jé seria indicador suficiente da necessidade de uma profissionalizagio da categoria docente que con- sidere a anilise dos elementos caracterizantes de uma profissio: 0 ideal, o objetivo social, a regulamentagio profissional, o conceito, a formagao académica inicial ‘econtinuada, os contetidos especificos da area e, prin- cipalmente, que mais falta: os contetidos da érea pedagégica. E nesse sentido que damos continuidade a esse processo reflexivo. Capitulo I Il O DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR O docente do ensino superior A deterioragao da imagem, do status sociale do estatuto profissional da profssdo docente, resultado de uma construgfo histérica, é fato presente de modo difuso, mas significativo na consciéncia social e nas determinagées efetivas das politicas educacionais, das administragdes piblias e privadas, das polticas de financiamento e da universidade, manifestando-se, outrossim, no sentimento dos préprios docentes Tal fato se expressa nos baixos salérios dos professores, nna desqualificagdio do ensino em favor do prestigio atribuido a pesquisa — como se ambos constiutssem atividades dicotémicas ~, na identificagdo da profssdo docente com 0 sexo feminino e suas pseudocaracteristicas préprias e na baixa auto-estima manifesiada por professores dos diferentes nivis de ensino. ‘As causas sociais, econdmicas, politicas, culturais, C2" : : io tém oon) Et, académicas e epistemol6gicas desse desprestigio tm oats, sido analisadas ao longo deste livro. Neste capitulo, Revi Vn, 1953 deter-nos-emos na anélise da natureza do trabalho docente, buscando compreender como ela tem sido determinada segundo modelos do conhecimento cien- tifico e apontar as insuficiéncias desses modelos domi- nantes ante as necessidades que se apresentam & docéncia na sociedade contemporiinea, que comega a reconhecer a relevancia desse clissico oficio na media- are do entre informacio e conhecimento e seus nexos ‘com a construgao da democracia social. Considerando que a docéncia se efetiva numa ins- tituigao social com os compromissos jé discutidos e que a agio docente nao se efetiva com a qualidade neces- siria de forma magica ou espontinea, pode-se inda. gar: que docente se faz necessdrio na universidade? | Como os modelos ideol6gicos vém influenciando a ago do coletivo dos professores que atuam nas insti- tuigdes de ensino superior? Nesse contexto, a ago de pesquisar o ensinar torna-se numa possibilidade e, a0 ‘mesmo tempo, num desafio, tanto na construgéo da identidade do docente como profissional professor quanto na revisio das ages em sala de aula. 1, Modelos ideolégicos e a acdo de professores A profissio docente é uma pratica educativa, ou seja: como tantas outras, € uma forma de intervir na realidade social; no caso, mediante a educagao. Por- tanto, ela 6 uma pritica social. Para melhor compreen- der © significado da pratica docente como pratica educativa, Sacristén (1999) estabelece diferenga entre pratica e agdo. A(prdtica é institucionalizada, sao as for- mas de educar qué ocorrem em diferentes contextos institucionalizados, configurando a cultura e a tradi- do das instituigdes. Essa tradigio seria o conteddo e ‘0 método da educagio. ACaciig refere-se aos sujeitos, seus modos de.agir € pensar, seus valores, seus compromissos, suas opgdes, seus desejos e vontade, seu conhecimento, seus esque- © ocr 90 exswo sueo8 ‘mas te6ricos de leitura do mundo. Ela se realiza nas pré- ticas institucionais nas quais os sujeitos se encontram, sendo por estas determinada e nelas determinando. Essa imbricagdo de sujeitos com instituig6es, de agao com prética, é que é preciso compreender, se se pretende alterar as instituigdes com a contribuigao das teorias. Entendendo a pritica como a tradi¢ao que identifica as instituigbes, os desafios da Pedagogia moderna esta- iam na harmonizagio da reprodugao e na depurago para melhoria das tradigGes educacionais. Para isso, 0 autor aponta formas de ultrapassar as praticas didati- cas de ensino mediante o entendimento da prética como série de agdes individuais, ligadas as destrezas de pessoas concretas, sendo tais destrezas limitadas as técnicas especificas isoladas do contexto da cultura. Tém uma hist6ria, motivada por pressupostos que a dirigem. Portanto, a compreensio dessas ag6es con- textualizadas e de seus determinantes histéricos € que possibilita a transformagio das instituigdes. Nesse pro- cess0, 0 papel das teorias é 0 de iluminar e oferecer ins- ‘trumentos e esquemas para andlise e investigacao, que permitam questionar as préticas e, a0 mesmo tempo, Or as préprias teorias em questionamento, uma vez que sao explicagées sempre provisérias da realidade. A prética educativa é um trago cultural compartilhado que tem relagSes com o que acontece em outros imbi- tos da sociedade de suas instituigdes. Portanto, pes- quisar a pratica impée-se como caminho para a trans- formagao delas. Essa tendéncia tem recebido a denominagio de epistemologia da prética (Schin, 1992; Sacristn, 1992; Stenhouse, 1987; Cart, 1996; Fioren- tini, Geraldi e Pereira, 1998; Pimenta, 2001). 179 A pratica educativa tem sido comumente identifi- cada com a dimensio técnica de ensinar, que carac- teriza a didética instrumental e envolve técnicas, mate- tiais didaticos, controle de aula, inovagées curricula- res, competéncias e habilidades do professor segundo © prisma do controle eficaz do processo. A prética edu- cativa institucionalizada, tradicional, que identifica as instituigdes, manifesta-se nesses tracos caracteristicos. € diz algo dos pressupostos que as orientam. Para ultrapassé-las, transformé-las, inové-las, é necessério um movimento de andlise e compreensao dessa cul- tura institucionalizada em sua historia. ‘Nos processos de transformagdo das priticas edu- cativas, € necessério conhecer e valorizar a forga e a importancia da tradigao, pois esta € contetido e méto- do da educagao. Reconhecer o valor da tradicéo ou da cultura acumulada néo significa ser tradicionalista, uma vez que hi formas tradicionais de defender a tra- digo — como, por exemplo, o fundamentalismo ¢ 0 imobilismo — e hé formas abertas de valorizar as tra- digdes, de maneira nao tradicional — como, por exemplo, garimpando e depurando as que apontam para novas possibilidades diante dos novos desafios. Para isso, € importante explicitar a diferenca que Sacristén (1999) constata entre a pratica educativa e a pratica cientifica. Esta € corrigida e alterada com base em seus resultados comparados com os modelos pré- vios e as modificagSes no processo de anilise. A prati- ca educativa, ao contrdrio, nao é guiada pela racionali- dade. Para superé-la em seus resultados, que tendem a conservar e reproduzir as prdticas dominantes, é necessirio descobrir o sentido que ela tem, desmas- carar seu cardter hist6rico herdado ao habitus e as ins- titigdes, para devolver aos agentes a consciéncia de suas ages, pelo menos de maneira simbélica indireta. Nesse processo, é necessério observar a forgacda habi- tus e da institucionalizagao. Para Bourdieu (1991, p. 92), © habitus consiste em sistemas de disposigées duradouras e tremsferiveis,estruturas predispostas a funcionarem como estruserantes, ou sea, como princtpiosgeradores eonganizadores de prdica ede represen- tagdes que podem estar objetvamente adaptadas ao seu fi, sem supor a busca consciente de fins e dominio expresso das ‘operagoes necessiias para alcangd-los, objetvamente “regu ladas" e “regulaes”, sem sero produto da obediéncia a regras , 40 mesmo tempo, coletivamente onquestradas sem ser ro duro da ago organizadora de wn divetor de orquestra. O conceito de institucionalizagao, paralelo ao de habitus, refere-se as realidades sociais cristalizadas pelo habitus. Por insttuigdo entende-se o conjunto de regras cons- titutivas que definem ¢ determinam posigées ¢ relagdes em determinada érea de maneira conven- cional (cf. Mostrin, 1987). A institucionalizaga cumpre fungies basicas de cardter educativo, a sabe a) assegura a continuidade da sociedade, introdu- zindo os sujeitos na meméria coletiva; b) permite descarregar e liberar esforcos, a0 nfo ter de se reinventar sempre; ©) permite o exereicio do controle da agéo e regula aconduta; 4) ajuda a facilitar a percepgéo do outro, a interpre- tar sua conduta e a prever suas reagées. Exemplo: pro- fessor e estudante sabem o que se espera um do outros ©. v0ce 00 sno surEBOR 181 ¢) tem duas faces: olhar para tras — resultado de atos passados; ¢ olhar para a frente — modelos a seguir; £) proporciona muita informagio explicita sobre a ago ou 0 que se pode esperar de uma situagio; 8) pode ser obstculo, quando se transforma em rotina rigida e apresenta dificuldade de adaptagao a novas circunstancias; passo extremo do h) a instituigdo leva a reificacio: processo de objetivagio. Nos processos para implantac&o de transformagies e mudangas, nos quais nao se observa a forga do habi- tus ou da institucionalizagio, tem-se gerado um volun- tarismo pedagégico, um discurso te6rico ilustrado e vanguardista, um reducionismo politico militante e sal- vacionista em oposigio as situagbes que se pretende transformar. Essa postura, como sabemos, em nada contribui para gestar novas praticas, apenas denuncia culpados, entre 0s quais os préprios professores. A tealidade e as praticas so sociais, construfdas, recriadas individual e coletivamente. Na educagio, a pratica se constitui por meio da continuidade propor- cionada pelo “dislogo” entre as ages presentes ¢ pas- sadas dos individuos. A pratica gera a pratica. As pré- ticas sio reprodutoras das regularidades, nas quais foram geradas, requerem a sobrevivéncia de um pas sado ativo e reativado pela sua reativagio. A pratica seria 0 trem que suporta seus proprios trilhos. Entre 0 individuo e a realidade social o habitus funcionaria como mediagéo. Essa compreensao do papel do habi- tus e da instituigdo permite que se compreenda como 08 conceitos se tornam em priticas consolidadas nas agées dos sujeitos. © voceare 00 HsN0 sFERION Para analisarmos as transformag6es necessérias & ago educativa dos professores, comecemos por consi- derar alguns modelos que tém marcado a pritica docen- te institucional,__ _No enfoqu tradicional ou pratico-artesanal) a finali- ensino-€-a de ratismitir os conhecimentoy diretamente vinculados as habilidades para fazer coi- sas ou objetos e aos modos, usos, costumes, crengas € habitos, reproduzindo-0s e, portanto, conservando os modos de pensar e agir tradicionalmente consagrados ¢ socialmente valorizados. Nessa perspectiva, ensinar se identifica com trans- tir, de geragao a gerago, os valores, os modos de pen- ‘sar, os costumes € as praticas. Desse ensino necessario para a manutengao das espécies e sociedades tem-se 0 modelo de “professor artesio” ou “tradicional”, cuja atividade é artesanal. Portanto, sua formagio se dana prtica, a semelhanga do aprendiz, que “aprende com © mestre”, ou silent fazer, fazendg) Trans- posto para a educacdo escolar, esse modelo valoriza 0 ensino que é praticado nas instituig6es e que € com- posto da tradigfo, da inércia, dalpermanéncia do hab us consagrado, que deve ser Beecais ‘ele, a for ‘magio do professor ocorre na pritica institucional e 0 conhecimento profissional é resultado de amplo pro- cesso de adaptacio & escola e de seu papel social de conservagio, néo sendo necesséria formagio prévia especifica. A cultura da escola 60 critério de avaliagéo da atividade docente. Nesse modelo{docéncia € considerada um “dom. inatol’: 0 professor j4 nasce “pronto” e deve tio- somente ser treinado na pratica profissional, nao sendo necessério investir na sua formagio e no seu 183 ae 184 desenvolvimento profissional. Esse prisma assume con- tornos claramente ideol6gicos. nas sociedades com go- vernos neoliberais, para os quais é preciso reduzir 03 aparelhos estatais de sustentagao da escolaridade pi- blica, especialmente das universidades, cujos profes- sores tém experimentado visivel redugio de sua for- magio académicae cientifica. No enfoque @enico_ou academicisi@> o contedido do ensino é composto dos conhecimentos cientificos e sua finalidade é a transmissio dos conhecimentos elaborados produzidos pela pesquisa cientifica. Assim, © ensino é compreendido como um campo de aplica- go desses conhecimentos, sendo tarefa do professor traduzi-los em um fazer técnico para transmiti-los aos alunos, que aprenderao & medida que introjetarem a verdade cientifica. Ha clara subordinagao entre conhe- cimento teérico e conhecimento pratico aplicado. O te6rico deriva do conhecimento cientifico, elaborado externamente e indiferente a qualidade de sua apli- cacao prética, O professor, nesse enfoque, deve ser formado para adquirir competéncias comportamentais com o obje- tivo de executar esse conhecimento. Nao necessita ter dominio dos conhecimentos cientificos, mas apenas dominar as rotinas de intervencio deles derivadas, desenvolvendo habilidades técnicas. O investimen- to, portanto, deve ser na sua formagio técnico-ins- trumental. Nessa perspectiva € que se desenvolveu amplamente o saber didatico como o dominio das téc- nicas, recursos ¢ estratégias para operacionalizar as situagdes de ensino, pois também a Didatica ficou subsumida como um campo aplicado das teorias da edu- cago e do ensino. Suas preocupagées restringitam-se & © voce 20 esi SuPEHOR busca de’métodos eficazes para garantir os resultados esperados, sem questionar a natureza e os interesses na determinagio dos critérios desses resultados e sem se preocupar com a diversidade e a desigualdade das condigées de aprendizagem. A crenca que se estabe- leceu com base nesse enfoque € a do avango cientifico e tecnolégico, que, incorporado a0 ensino, natural ‘mente daria bons resultados, pois estaria diretamente relacionado A positividade das técnicas, origindrias das verdades cientificas. Ora, 0s limites da neutralidade da ciéncia e de seu poder na direc da construgo da sociedade humana em decorréncia do avango civilizatério estéo ampla- mente explicitados na sociedade contemporanea. Insistir no modelo da racionalidade técnica na forma- gio do professor, por sua vez, equivale a tomar a parte pelo todo, isto é, atribuir As técnicas um poder que elas, por mais avan que sejam, nao tém. No enfoquethermenéutico ou reflexivo,.o ensino é uma atividade complexa que ocorre em cendrios singulares, claramente determinados pelo contexto, com resulta- dos em grande parte imprevistveis, carregada de con- flitos de valor, o que requer opgées éticas e politicas. professor, por sua vez, deve ser um intelectual que tem de desenvolver seus saberes (de experiéncia, do campo especifico e pedagégicos) e sua criatividade para fazer frente as situagdes tinicas, ambiguas, incer- tas, conflituosas nas aulas, meio ecolégico complexo. Assim, o conhecimento do professor € composto da sensibilidade da experiéncia € di indagagio tedrica, Emerge da pratica (refletida) e se legitima em projetos de experimentagio reflexiva e democratica no pré prio processo de construcao e reconstrucdo das préti- as institucionais. 185 2+ nae Nesse processo, incorpora © conhecimento elabo- rado nao como norma ou prescrigao externa, mas co- mo ferramenta para a compreensio do real. Nas ativi- dades institucionais, por sua vez, procede a uma cons- trugio dialética, na qual dialoga com o real, com os outros, com a experiéncia, com a teoria e formula conhecimentos, sempre provis6rios, sobre o ensinat, suas finalidades, seus modos, seus resultados, cujos critérios de validacdo séo necessariamente piiblicos e sociais (cf. Pérez-Gémer, 1995). A formacio do professor, no que se refere aos co- nhécimentos cientificos de seu campo e do campo da Educagio, da Pedagogia e da Didatica, requer investi- mentos académicos. Nela se exigiré um ensino que permita ao docente os nexos com 0 campo € 0 con- texto de produgao dos conhecimentos na histéria e na sociedade. Uma formagiio que tome o campo social da pratica educativa e de ensinar como objeto de anilise, de compreensio, de critica, de proposigio, que desen- volva no professor a atitude de pesquisar, como forma de aprender. Ele requer também que se invista em sua formagao continua nas instituig6es, nas quais instau- te priticas democriticas e participativas de andlise, de compreensio, de critica, de proposigao de novas prati- cas institucionais que visem tornar o ensino numa conquista para todos os alunos. Esse cardter aberto da profissao docente, em decor- réncia da considerago do ensino como uma atividade dilematica, impede a implantago da ordem iluséria e dos modelos paralisantes das burocracias determinis- tas. A indeterminagio é resultante da acdo dos sujei- tos, de suas opgdes, de sua autonomia e liberdade soma- das ao peso da cultura das instituigées, dos costumes © voctnTe 00 eso suNHIOR do pensamento social compartilhado. E necessario considerar os professores como sujeitos, agentes que interpretam as propostas, as idéias, e como tradutores de contetidos, como atores de projetos curriculares flexiveis. Essa é uma perspectiva que se opée a do enfoque tecnolégico e pseudocientifico. E entre essa racionalidade limitada e a realidade nao enclausurada, conforme Sacristén (1999), que encontramos as meti- foras do professor como pesquisador, intelectual criti- co, a importincia da pesquisa na ago, do ensino refle- xivo e da autonomia dos professores. Para isso, as universidades, instituigSes formado- ras, e as escolas, instituigses da atuagdo profissional dos professores, necessitam constituir préticas demo- craticas participativas, valorizando 0 método da deli- beracao colegiada, e articular a diversidade e a neces- sidade de professores competentes que respondam & incerteza, fazendo uso das maiores cotas posstveis de racionalidade e senso comum. O saber fazer do profes- sot vai sendo alcancado apés a sondagem inteligente € com a comunicagéo compartilhada da experiéncia. A anilise da ago pedagégica que supere o ponto de vista instrumental, oferecido pela racionalidade téc- nica, tomard também os elementos de subjetividade que interferem na agdo dos sujeitos atuantes na edu- cago. Esse projeto investigativo requer sélida for- ‘macio intelectual e cultural dos professores. As exigéncias de pensar a formacao em outras ba- ses se explicam por varios aspectos. Os professores encontram-se em situagio parado- xal. Em relagio & sociedade da informagio, espera-se deles que sejam ao mesmo tempo liderangas catalisa- doras (aceleradoras) e elementos de resisténcia. Hoje, 187 0s professores e a profissionalizago docente esto presos em um triangulo de interesses ¢ imposiges con- comitantes: 1) ser catalisadores da sociedade do conhe- cimento e de toda a oportunidade e prosperidade que ela promete trazer; 2) ser elementos de resisténcia & sociedade do conhecimento e a todos os riscos e amea- gas a igualdade, & comunidade e & vida publica; 3) ser vitimas da sociedade do conhecimento em um mundo onde o aumento das expectativas em relagio a educa- ao € contrabalangado com solugdes padronizadas, ofe- recidas com custo minimo. Essas trés vertentes e seus efeitos modelam a luta a respeito do que se considera ‘como profissionalismo, do que significa ser profis- sional e da prépria viabilidade do ensino como uma pprofissdo na era da informagio. ‘Como catalisadores da sociedade do conhecimen- to, os professores devem ser capazes de construir um tipo especial de profissionalismo, no qual: a) pro- movam um aprendizado cognitivo profundo; b) sejam ‘comprometidos com uma aprendizagem profissional continua; c) aprendam a ensinar de modo diferente de como foram ensinados por seus antigos mestres; d) trabalhem e aprendam com seus pares (em grupos); e) desenvolvam a capacidade de mudar, arriscar ¢ pesquisar; f) construam, nas escolas, organizagoes de aprendizagem. Além do componente cognitivo, intelectual, 0s pro- fessores da sociedade da informagao também possuem aspectos sociais, emocionais, afetivos. Daf serem con- siderados como elementos de resisténcia a essa sociedade. Como tais, devem: a) promover a apren- dizagem e 0 comprometimento social e emocional; 'b) comprometer-se com o desenvolvimento continuo © vocent vo mmo suREHOR tanto do aspecto profissional quanto do pessoals ) aprender a se relacionar, construindo ligagdes fortes e duradouras com as pessoas; d) trabalhar e aprender ‘em grupos cooperativos. Nao obstante esses paradoxos e exigncias, ha diversas iniciativas na area de formagéo de profes- sores que apontam para melhorias na profissionaliza- go docente e na aprendizagem dos estudantes, pau- tadas pela pesquisa da prética e pela exploragéo dos saberes da experiéneia que vém sendo desenvolvidas junto a docentes do ensino superior. 2. Pesquisar o ensinar: o porqué dessa nova tendéncia Para explicitar essa tendéncia de valorizagio da pesquisa no processo de ensinar, é necessdrio retomar seus pressupostos acerca da concepgo de ensino e de professor: 0 ensino, fendmeno complexo, enquanto pratica social realizada por seres humanos com seres hhumanos, 6 modificado pela acio e relagio desses su- jeitos, que, por sua vez, s40 modificados nesse proces- so. A identidade nao é um dado imutdvel nem exter- no, mas se dé em processo, na construgao do sujeito historicamente contextualizado. A profissio de pro- fessor emerge em dado contexto e momento histéri- co, tomando contornos conforme necessidades apre- sentadas pela sociedade, e constr6i-se com base nos significados sociais que Ihe séo dados. Como tem acontecido 0 desenvolvimento profissional continua- do do docente do ensino superior? Sabemos que a docéncia exige 0 dominio do método de ensino. Em 190 que consiste esse método e em que nivel se d4 nosso dominio dele? Profissionalmente, qual a valorizagio dada ao dominio do método de ensino pelos docentes universitdrios, pelas instituigdes de ensino superior e pelo sistema legal? Pela atual legislagio, constata-se a exigéncia de um percentual significativo de docentes com conclusio de cursos de especializacio, de mestrado e de doutorado. Pode-se verificar que, nos quadros docentes existentes hoje nas instituigdes de ensino superior, hé um con- tingente significative com experiéncia sistemdtica de pesquisa, vivenciada ao cursar as especializagées e, mais, especificamente, os mestrados e doutorados. Confor- me Censo do Ensino Superior, INEP/MEC, 1998, dos 165.122 professores universitérios, 35% (57.766) possuem especializagio, 27,5% (45.482) concluiram mestrado € 18,8% (31.073) concluiram doutorado. ‘Mesmo considerando apenas as experiéncias de mestra- do e doutorado como sistematizagio de pesquisa e, portanto, de apropriagéo de seu método, haveria j4 «um total de 46,3% do professorado com esse dominio. Pode-se considerar, por conseguinte, a existéncia de ‘um avango na formago de docentes quanto ao méto- do de pesquisa, uma vez que o objetivo fundamental da pés-graduagao é a pratica sistematica da pesquisa, avango que vem acontecendo tanto por iniciativas pessoais quanto institucionais e em decorréncia tam- bem da exigéncia legal. ‘No entanto, verifica-se que ser um reconhecido pesquisador, produzindo acréscimos significativos aos quadros te6ricos existentes, nao é garantia da exce- léncia no desempenho pedagégico. Sabemos que, como a pesquisa ¢ a producao do conhecimento sio objetivos das atividades de pés-graduagéio, os docen- tes, quando participam desses programas, sistemati- zam e desenvolvem habilidades prOprias ao método de pesquisa. Para explicar 0 método de ensinar com pesquisa e a importncia de pesquisar 0 ensinar, apre- sentamos inicialmente em que consistem os dois mé- todos, o de ensino e o de pesquisa, e os resultados dessas agdes comuns para o docente, no ensinar e no pesquisar. A seguir faremos uma anilise, explicitando componentes presentes nos dois métodos, em relagio as finalidades do ensino e da pesquisa. Esses compo- ‘nentes so: os sujeitos envolvidos, o tempo, os resul- tados, 0 método e 0 conhecimento. ‘Naatividade de pesquisar, esses componentes se con- figuram como se segue. Quanto aos sujeitos envoluidos na pesquisa, o traba- Iho pode ser efetuado individualmente ou em grupo, sendo mais comuns 0s processos individualizados, pois ‘© momento de cursar as disciplinas dos programas de pés-graduagio — o que é feito em grupo — nem sem- pre esta diretamente associado as necessidades do tema/problema de pesquisa. Pode haver momentos de composigéo em duplas, em grupo e momentos indi- viduais, mas formalmente pesquisador, iniciante ou nao, ter necessariamente a parceria do orientador ao longo das diferentes etapas da pesquisa. O tempo € outra variavel a ser considerada: na pes- quisa, é habitualmente previsto em blocos, conforme ‘o projeto ou o nivel de avango dela, e comporta altera- es justificadas, por imprevistos, levantamento de novos problemas ou questées a superar, novos proces- 0s, submetendo-se dessa forma a certa flexibilidade. Os resultados obtidos constituem 0 conhecimento gerado ao término da pesquisa sobre 0 problema, = © boca Do exsNo surenO8 191 mw 192 podendo acusar a confirmagio da teoria existente ou levar a revisio parcial ou total do referencial cientifi- co estudado, na busca das explicagdes das determi- nagées da realidade, que é essencialmente dindmica. O conhecimento obtido, por ser sempre historico € temporal, constitui sintese que precederé as novas sinteses dos quadros te6ricos futuros. Esse novo co- nhecimento, que refuta ou confirma hipéteses, res- pondendo a questées ou problemas da realidade por incorporagdo ou superacio das teorias existentes, pos- sibilita ou no novas teorias cientfficas. Quanto ao método, ele é definido ao propor-se 0 problema a ser pesquisado, uma vez que hé estreita e direta relagio entre o objeto, o campo de conhecimen- to 20 qual ele se refere e 0 método de apreensio de seus determinantes. Habitualmente, trabalha-se com ‘métodos ja existentes, que refletem modelos cientifi- cos ji testados e aceitos pela comunidade cienttfica, havendo, portanto, clareza das etapas a seguir na bus- ca da solugao do problema pesquisado. Ao longo do processo, recebe-se assessoria do orientador ou do grupo de pesquisa do qual se participa. Esses so, resumidamente, aspectos essenciais de- senvolvidos na vivéncia de uma pesquisa sistematiza- da, efetivada pelos docentes de ensino superior em seus mestrados e doutorados. As sinteses obtidas, por via de regra, viréo compor programas das disciplinas pelos quais os docentes sio responsaveis. As vezes 0 Programa disciplinar acaba se reduzindo ao tema pes- quisado pelo professor, ficando o papel docente redu- ido ao repasse e a formagio dos alunos, a um médulo. ‘Na atividade de ensinar, esses componentes se con- figuram como se segue. © voce 00 eNsNo sUREOR Quanto aos sujeitos envolvides, o professor se con- fronta com outros sujeitos. Em primeiro lugar, seus pares institucionais: chefias departamentais, coorde- nadores e colegas docentes que, colegiadamente, devem planejar a organizagdo curricular da qual faréo parte os alunos. Um primeiro desafio j4 surge af: tra- balhar colegiadamente, em torno de um projeto insti- tucional comum, a ser efetivado no projeto do curso especifico em que atua como docente. Nesse projeto, serio definidas as decisdes que competem a sua disci- plina, Ou, no caso de instituigdes com organizagéo curricular mais avangada, ao quadro do programa de aprendizagem em que atuard e com respeito ao mo- mento do curso em que se inserem as atividades de integragao curriculares. Assim, exige-se uma relagéo muito diferente daquela determinada pela pesquisa, que envolve orientador e orientando. ‘Tomar decisdes sobre as agdes docentes em equipe € posicionar-se, deixar-se conhecer profissionalmente, substituir formas inicialmente pensadas por outras, definidas pelo coletivo. Exige flexibilidade para atuar ealterar formas de ago. Exige saber ouvis, ponderar, decidir. Além da equipe docente, o professor confronta- se com outros sujeitos do processo na pessoa de seus alunos, que constituem a razio de ser da profissio docente. Esses alunos sio sujeitos histéricos e contex- tualizados, com caracteristicas e especificidades pré- prias, a serem conhecidas no processo de efetivagio do ensino e da aprendizagem. Na maioria das vezes, esto muito distantes dos alunos idealizados que gostarfamos de encontrar na sala de aula. Esses gru- pos interagem com os docentes por perfodos determi- Refers nora formas de orang curl, ‘como, por emp, ‘propane de peerage por Projets, por avd, ‘uma perpectes Inverse conned yor Hl tuperara visio Fragnereda de conheinecto Justaponigso de icin ‘anscterteas do cat cupades A repeode ‘erperencas de ares Intescpoay. ee Braga, AM. Reflede ae 2 perio do Conbecnento fragmento no aoe degrada In ste, (ort) Pela setters Barto Alegre Elta UFRGS, 199 193 194 nados (semestrais ou anuais), ¢ nao existe a menor garantia de que um proceso que funcionou com um grupo v4 funcionar da mesma forma com outro. Nova- mente, a atitude de flexibilidade, de abertura, a capaci- dade de lidar com 0 mprevisto e o novo se tornam essen- ciais ao desempenho e sucesso da atividade docente. O tempo, no ensino, estrutura-se diferentemente do tempo na pesquisa: nao ha flexibilidade, e 0 pro- cesso de ensinagem tem de se adequar ao semestre (qua- tro meses de aullas) ou a0 ano (oito meses, em média), para os fechamentos necessarios ao programa previs- to. A adequagio temporal dos cronogramas curricu- lares constitui desafios e limites legais existentes no proceso de ensino. Quanto aos conhecimentos a serem trabalhados, dife- rentemente da situagio de pesquisa, trata-se de con- tetidos j& existentes, sistematizados, elaborados e organizados, em sinteses mais ou menos definidas para serem apropriadas — no sentido de se tornarem réprias aos alunos —, o que deve ocorrer sob a orien- tagio do professor, mas sob responsabilidade conjun- ta. Os conhecimentos devem ser traduzidos pelos sujeitos do processo, professores ¢ alunos, com base no quadro te6rico da disciplina, do programa de apren- dizagem e do curso como um todo, considerando os elementos a que todo conhecimento esté submetido — ou seja, movimento, mudanga, contradigdes —, € destacando sempre seus determinantes e nexos inter- nos. Novas sinteses ocorrem, entio, sendo produzidas tanto pelo docente — que, ao efetivar a aco de ensi- nar os contetidos, acaba por reorganiz4-los sob forma qualitativamente superior — quanto pelo aluno — mo- tivo pelo qual diz que a construgio de conhecimento © vocott 00 meio uMHOR (que, para ele, & novo) se efetivou ao ocorrer a apro- Priagao dos contetidos. Quanto aos resultados, 0 ensino deve propiciar no- vas elaboragées e novas sinteses, tanto por parte dos professores quanto por parte dos alunos, em relagio 0s conhecimentos e processos, ampliando dessa for- ‘ma a heranga cultural e propiciando ao aluno a cons- trugio de uma apreensio sempre qualitativamente superior dos quadros te6ricos e da pr6pria realidade. A respeito do método de ensinar e de fazer apren- der (ensinagem), pode-se dizer que ele depende, ini- cialmente, da visio de ciéncia, de conhecimento e de saber escolar do professor. Se o docente vé o curricu- lo como uma somatéria de disciplinas dispostas lado a lado ou como grade — como é habitualmente chamado —e toma a disciplina que leciona como fim em si mesma, adotara um método de transmissio e reprodugao do conhecimento. Nessa visio de ciéncia, o conhecimen- to é tomado como neutro, descontextualizado, como fim em si mesmo, distanciado de seu processo de pro- dugio, definitivo e verdadeiro. Entretanto, € possivel considerar a ciéncia de modo diferente, em que o méto- do seja, inicialmente, determinado pelo campo disci- plinar, com sua légica interna propria e a clareza de seus determinantes, seus conceitos, leis e princfpios, sua historicidade e seu processo de produgio, e con- siderar a forma de apreensfo objetivada pelos sujeitos envolvidos, sendo todo 0 processo planejado, delibera- damente, conforme as metas e objetivos do projeto pedagégico. Desse modo, o método deve ser construf- do em parceria. Embora se trate de responsabilidade compartilhada, inclui agées diferenciadas de profes- sores e alunos. 195 Pode-se constatar, por essa breve descrig&o, que 0 método de ensino ou o ato de ensinar tem especifici- dade propria e nao comporta modelos preestabeleci dos com etapas a serem seguidas. Ademais, por sua complexidade e temporalidade, exige um proceso de reflexao sistemética e, portanto, de pesquisa por parte daqueles que pretendem efetivé-lo com competéncia e seriedade. Considerando essas diferencas entre as atividades de pesquisar e ensinar, talvez nfo seja mais necessério procurar entender por que um excepcional pesqui- sador nao é, necessariamente, um excelente docente. Porém, o que significaria pesquisar nossa propria pra- tica docente? Pesquisar a prdpria pratica na sala de aula é acio realizada com intencionalidade que revela a profissiona- lidade do docente: rever a propria pratica, debrucar-se refletir sobre ela € necessério a toda profissio. Uma agdo profissional competente é diferente de uma agao resultante de uma ocupagio, emprego ou bico. A dife- renciagéo entre profissionalidade e empregabilidade permite maior clareza no processo de construgao dos professores como categoria profissional. Enquanto a empregabilidade caracteriza-se pela capacidade da pes- soa de executar, de forma eficaz, atividades requeridas pelo modelo vigente de desenvolvimento (o que expli- ca o senso comum a respeito de que o docente uni- versitario necessitaria apenas conhecer sua 4rea de atuagio para ser bom professor), a profissionalidade envolve ter capacidade para conceber e implementar ‘novas alternativas, diante da crise e dos problemas da sociedade (Cavallet, 1999). Na origem da escolha de uma profissao esto pre- sentes ideal, objetivo social, conceito. No processo de formago académica hé contetidos espectficos e regula- mentagao profissional a serem considerados, Na atua- 40, os elementos a ter em conta sio autonomia, enti- dades representativas e cédigo de ética, para ter como resultante transformagées da realidade, realizagao de projetos de vida e reconhecimento social (Cavallet, 1999). Embora o mercado de trabalho apresente pos- sibilidade crescente de nimero de vagas nas institui- g6es de ensino superior, somente i medida que formos capazes de transformar um simples emprego ou bico em profissio é que estaremos contribuindo para a construgio de uma categoria profissional significativa ¢ representativa na sociedade e reconhecida por ela como tal. O profissional que inicia sua atuag&o como profes- sor ¢ jé exerce sua profissdo de origem como projeto de vida — com cooperagio, com concepgio de novos processos a cada desafio surgido, visando ao desen- volvimento social — terd mais facilidades de atuar assumir seu papel profissional como docente com essas ‘mesmas caracteristicas do que aquele que exerce apenas uma fungo técnica, numa ocupagio preocupada em atender as demandas normais da sociedade mediante a repetigao de solugdes jé concebidas por outros. Porém, no exercicio da profissao de origem terd o processo de profissionaliza¢o continuada, uma vez que conceber novas safdas para a situacdo de ensinagem exigird co- mhecimentos especificos da rea pedagégica, além da eflexao sistematica acerca da propria pritica. A maioria dos professores universitdrios tiveram sua sgraduacio calcada no modelo de formagio jesuitica ou © voce 09 exsvo suroR 197 técnica e desenvolveram, nos cursos de mestrado e dou- torado, habilidades referentes ao método de pesquisa, ue, como vimos, conta com especificidades bem dife- rentes do método de ensino. Eles sio desafiados a realizar um trabalho profissional na érea educacional, ‘eum dos caminhos para isso tem quem ver com a pat- ticipagdo em processos de profissionalizagio docente continuada, que passa pela reflexio e pesquisa sobre a propria prética em sala de aula. Para a pesquisa da sala de aula, é necessério um posi- cionamento de abertura, flexibilidade e coragem no enfrentamento de nossa ago profissional; trata-se de ‘uma ago profissional, do profissional professor, ¢ no apenas de um profissional de outra 4rea que ocupa uma sala de aula na universidade e fica diante de um grupo de alunos repassando o conhecimento existente. ‘Vasto mercado de trabalho para professores tem sido aberto nas intimeras instituigées de ensino superior, ue, por constituirem demanda imediata, poderio set ‘ocupadas por diferentes profissionais. Estes geralmente recebem um “treinamento” que visa a aquisico de competéncias técnicas imediatas para solugio de pro- blemas, tomados de forma descontextualizada. Entre- tanto, para a vocacao cientifica da universidade, so necessétrios projetos e programas de formagio, que vem hoje sendo denominados de profissionalizagao inicial ou continuada ou de desenvolvimento profissional do professor, tendo em vista a construgio da identidade profissional paralelamente ao proceso de atuagio em sala de aula, Essa deve ser nossa briga. Individualmente, coleti- vamente ¢ institucionalmente, é necessario assumi-la. © ponto de partida posstvel é a anélise dos elementos © voce vo exsio surROR existentes no processo: nés e nossa identidade pessoal; 08 alunos e 0 desafio de melhor aprender as formas de manifestagao dos freqtientadores da universidade de hoje e as formas de comunicagéo com eles; os ele- mentos do quadro te6rico-pritico postos & nossa dis- posigéo pela Pedagogia existente; os contetidos da dis- ciplina ou do programa de aprendizagem de nossa res- ponsabilidade; e a dinamica relacional que envolve to- dos esses elementos. E preciso intensificar esse processo de pesquisa, agio a ser efetivada pelo proprio profis- sional docente. A profissao de professor exige de seus profissionais alteracdo, flexiblidade, imprevisibilidade. Nao hé mo- delos ou experiéncias modelares a serem aplicadas. A experiéncia acumulada serve apenas de referencia, nunca de padrao de ages com seguranga de sucesso. ‘Assim, 0 processo de reflexio, tanto individual como coletivo, € a base para a sistematizagao de principios norteadores de possiveis ages, e nunca de modelos. A pesquisa da pritica individual e coletiva e de seus determinantes possibilita a construgao de um pensar compartilhado sobre nossas préprias incertezas e difi- culdades. Possibilita e exige distanciamento e anilise das ages executadas e das ocorréncias efetivadas & luz dos (quase sempre imprevistos) resultados. Dé vor a0 professor como autor e ator. Favorece uma autocritica extremamente salutar. Reconstréi a teoria existente. Permite esvaziar os aspects e agées imediatistas, levan- do a construcao de uma teoria emancipatéria: torna os professores mais sujeitos de sua propria histéria profissional, fomentando a concepgao e a implemen tagéo de novas alternativas diante do desafio que é ser professor universitério, 2 mare 200 A pesquisa, como investigagao de algo, langa-nos na interrogagio, pede reflexao, critica, enfrentamen- to com o instituido, descoberta, invengio e criagao. E um trabalho do pensamento e da linguagem para pen- sare dizer o que ainda nao foi pensado nem dito, uma visio compreensiva de totalidades, ado civilizatéria contra a barbérie social e politica, em que a teflexio, a critica, o exame de conhecimentos instituidos pos- sibilitam sua mudanga e sua superagéo (Chau, 1999, p. 222). tulo IV Capi Do ENSINAR A ENSINAGEM

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