Você está na página 1de 14
ye O “BI” em bilinguismo na educacao de surdos Eee aU ats Mente Leo} Bi(multi)linguismo em meio a tantos desencontros 0 Brasil, assim como vérios outros paises do Continente America- no, 6 identificado como pais monolingue. No entanto, também é sabido que apresentam vérios grupos falantes de outras linguas caracterizendo © status bilingue desses paises, embora nao reconhecidos como tais. In- teressante ¢ que na histéria dos paises europeus também es politicas linguisticas sempre favorecam alguma lingua em detrimento de outras (GROSJEAN, 1982). Assim, percebe-se um movimento politico que obs- curece a realidade linguistica de varios pafses, dentre eles a do Bresil. Pensa-se que no Brasil todo falante adquire a lingua portuguesa como primeira lingua (L1). Ignora-se, portanto, que temos falantes de familias imigrantes (japoneses, alemées, italianos, espanhéis, etc.), os de varias co- munidades indigenas que falam varias linguas nativas (mais de 170 linguas indigenas de familias totalmente diferentes) e, também, “felantes’, digo, ¥ Graduada em Pedagogia pela Universidade de Canias do Sul |UCS); Mestre © Doutora am Linguistica Letras pela Pontificia Universidade Catdlica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estigio ne Univer. sity of Connecticut; Pés-Doutora pela Univesity of Connecticut e Galleudet University: Protessora ‘Assoclada da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Pesquisadora 2 do CNPq; Membro ‘editorial dos sequintes periédicas: Espaco (INES) e Sign Language & Linguistics. Editora Mediagao unauisuo § souearko OF sUROOS “sinalizentes” da lingua de sinais brasileira (os surdos e familiares de surdos bresileiros). Todas estas linguas faladas no Brasil também sao linguas bra- sileires caracterizando 0 pals que o Brasil realmente é, um pais multilingue. Neste contexto, percebe-se que definir bilinguismo depende de varias Ses de ordem politica, social e cultural. Assim como nos Estados Uni- no Brasil, as politicas linguisticas tém a tendéncia de “subtrair” as in- invés de utilizar uma politica linguistica “aditiva’ (no sentido de UMMINS, 2003}. Em outros termos, a ideia equivocada é de que uma lingua uso da outra e, neste caso, “subtrai”. Assim, nao é incentivado 2 de linguas com qualidade, nao é trazido para dentro do espago es- multiplicidade lingufstica brasileira, Pelo contrério, o ensino da lingua ‘2 & quase exclusivo, uma vez que representa a lingua “oficial” do cas pliblicas de educacao sao de “assimilago” nao sé linguis- cultural também. Se o aluno nao consegue assimiler um curriculo és organizado de uma determinada forma, ele € visto como nao da 6 0 modelo de escola inclusiva que temos em nosso pais. as demais Iinguas faladas e sinalizadas no pais? Por que 2s ndo dividem espagos dentro das escolas? uma perspectiva “aditiva", saber mais linguas apresenta vanta- no campo cognitive quanto nos campos politico, social e cultu- so estimulados a conhecer diferentes formas de organizar 4s das diferentes linguas em diferentes contextos culturais. pesauisas realizadas nos dltimos 36 anos evidenciam 0 que ésofo alemo, disse uma vez: a pessoa que conhece apenas 1c a conhece de fato. As pesquises sugerem que criangas 4m podem desenvolver mais flexibilidade cognitiva, em fun- o processamento de informagao através de duas diferentes NIMINS, 20037. nen 150 research studies conducted dusing the past 35 years strongly ‘pailesopher, ance said: The person who knows only one language othe research suggests thar bilingual children may also develoo ‘35 result of processing information through two different languages Editora Medi ‘Ana Claudia Balieio Logi et al. (Orgs.) Tentando encontrar o “bi(multijinguismo” em meio a tantos desen- eontros, percebe-se estar diante de grupos sociais que utilizam diferentes Seouas em diferentes contextos, em diferentes espacos. Bilinguismo, en- ‘So, entre tantas possiveis definicdes, pode ser considerado: 0 uso que as pessoas fazem de diferentes linguas (duas ou mais) em diferentes contex- tos sociais. Aqui ja temos uma relativizac&o do “bi” em bilinguismo, uma gue genericamente o termo é usado para se referir a0 uso Ge mais de wma lingua, apesar de haver 0 uso do termo “multilingue” nesse sentido. No contexto bilingue, as pessoas usam rentes linguas em contextos completamente diferenciados. Vale lembrar um relato de um colegs indiano sobre sua situago multilingue nao reconhecida por ele mesmo, vez que, 20 ser perguntado sobre quantas linguas falava, respondia que felave apenas uma lingua. Somente apés algum tempo, tomou consciéncia de que, de fato, falava cinco linguas diferentes. Por que ele nao reconhecia inicialmente que falava todas estas linguas? Porque utilizava cada lingua em um contexto deter- minado (uma lingua na sala de aula, outra lingua em cerimoniais religiosos, ou- ‘tra em casa e assim por diante) e, também, porque ele era um “felante Unico”. Conhecer varias linguas nao representa uma ameaga, mes ebre um leque de manifestacées linguisticas dependentes de diferentes contextos. Vale mencionar ainda mais um caso: de um menino ouvinte cujos pais eram surdos, a empregada ouvinte, os familiares ouvintes. E jd produzia algumas combinacdes de sinais da lingua de sinais brasileira, bem como algumas combinagées de palavras do portugués. Como ti mos interesse em ver a sua produgao em sinais, fizemos algumes tas em sinais para ver suas respostas. Eramos ouvintes sinaliza lingua de sinais. Ela prontamente respondeu em portugués. Em seguida, fez alguns sinais ao se dirigir ao pai sinaliza’ de sinais brasileira. Neste caso, 0 sujeito bilingue e faz ar cédigo (codeswitching) de acordo com o interlocutor ouvinte ou cutor surdo de forma apropriada. Vemos aqui que as lingues se tornam. ‘op¢ées que séo ativadas pelos falantes/sinalizantes diante des pessoas com quem falam, das fungdes que as linguas podem desempenher e dos contextos em que podem estar inseridas. Editora Mediagao LeTRamenTo, siinauIsto € EDUCACRO DE SURDOS O “bi” em bilinguismo: © ensino tardio nas escolas brasileiras Se nao fosse a diferenca na modalidade, todos teriam tranquilidade em reconhecer as pessoas surdas como bilingues. Elas nascem no Brasil ©, portento, falariam a lingua portuguesa. Convivem com surdos, logo, sam @ lingua de sinais brasileira. No entanto, néo é dessa forma que ca- racterizamos a situagao billngue dos surdos brasileiros, se 6 que podemos consideré-los genericamente com este status. Varios aspectos devem ser nsiderados no caso especifico dos surdos: ~ a modalidade das linguas: visuoespacial e oral-auditiva; ~ surdos filhos de pais ouvintes: os pais néo conhecem a lingua de singis brasileira; ~ 0 contexto de aquisicao da lingua de sinais: um contexto atipico, uma vez que a lingua 6 adquirida tardiamente, mas mesmo assim tem status de Li; ~ a lingua portuguesa representa uma ameaca para os surdos; ~ a idealizagao institucional do status bilingue para os surdos: as po- piiblicas determinam que os surdos “devem” aprender portugués; ~ 0s surdos querem aprender “na” lingua de sinais; ~ revise do status do portugués pelos préprios surdos: reconstru- de um significado social a partir dos préprios surdos. ‘sar no “bi” do bilinguismo na educagao de surdos requer, m pensar nas consideragées apresentadas. ‘ato de as linguas de sinais serem adquiridas pelos surdos de for- stemética, ou seja, de forma espontanea diante do encontro surdo- surde", assim como acontece a aquisicaéo de quaisquer outras Iinguas por ° cultura surda mostra uma nostalgia curios em relagio a uma ‘eomunidads saramente ou profundamente transformada, seno destruida na contato com a ©. age como reguladora da formacso da identidade surds, que se reaviva nove surdo-surda’. Este encontro é um elemento-chave para o modo de produio cul- ‘Ane Cleusia Baliciro Led et al. (Orgs.) Sutros falantes de outros grupos sociais, caracterize 0 processo de aqui- ‘Seo da linguagem em sua plenitude. Este fato também implica rever 0 =rocesso de aquisicfo da lingua falada no pafs, no caso do Brasil, de lingua dade sortuguesa, uma vez que este acontece por meio do ensino. Os surdos, Brasi em sua grande maioria, crescem em familias de pais que falem e ouvem . © portugués e ndo adquirem esta lingua (apesar de estarem we ca- Eles olham as bocas se movimentando e sabem que, através movimentos, as pessoas expressam pensamentos e ideies, havendo tal percepcao, néo compreendem esta lingua. Sos, passam por processos terapéuticos intensos e che; agua portuguesa, mas de forma sistemética e limitade. A modalidade da lingua e do acesso a ela implica diferenca n aquisig&o dessa lingua. Os surdos privilegiam 0 visuoespeciel © de sinais 6 visuoespacial. Varios estudos (MEIER, 1980; LOEW, 19 LILLO-MARTIN, 1986; PETITTO, 1987; KARNOPP, 1994; QUADR 1995) evidenciam que o processo dos surdos, adquirindo lingu: ocorre em perfodo anélogo a aquisicao da linguagem em surdo do uma lingua oral-auditiva. © fato de 0 processo ser concret vés de linguas visuoespaciais, garantindo que a faculdade de se desenvolva em sujeitos surdos, exige uma mudanga nas esse proceso vem sendo tratado na sua educacdo. Os alunos surdos tém tido acesso a lingua de sineis diamente, pois es escolas ndo oportunizam 0 encontro a surdo. Eles encontram os surdos adultos na fase da adolescén mente, por acaso. Como diz Perlin (1998, p. 54), este encon © encontro com 0 mundo, mini- {ural ou de Hontidade, pols implica um impacto na ‘vida Interior, e lembra de ‘na construpso da subjetvidade do sujelto surdo © na construcdo da ident agente pessoal” (MIRANDA, 2001} ‘Nale destacar que “imerso” aqui se refere a estar junto e convivend com pe portuguese. Isso ndo significa que, na caso dasses surdos, ples tenham “zoess ‘guess, pols, por ser uma lingua oral-aucitiva, ndo ha imerséo no sentido de es fico com alingua, Tanto ¢ vardace que 08 Suidos no adquirom a lingua portug simpleemonte por eonviverem com pessoas falantes de portugues, 191 oe 5 . dos narram. Ela se parece a um ima para a questéo de identidades cruzadas. lings h Esse fato 6 citado pelos surdos e particularmente sinalizado por ume mulher a aa surda de 25 anos: aquilo no momento de meu encontro com os outros sur- = ns ut dos era o igual que eu queria, tinha a comunicaggo que eu queria. Aquilo que Bishan m eles identificava a mim também e fazia ser eu mesma, igual. _ a surdo-surdo € essencial para a construgao da identidade surda, € aes © abrir o bat que guarda os adornos que faltam ao personagem eos an en tir desta compreensao, os surdos precisam ter a chance de aes rr do encontro surdo-surdo. Os pais ouvintes precisam descobrir do essencialmente visuoespacial e conhecer a lingua de sinais. seus pais ouvintes poderiam compartilhar o bilinguismo: lin- esa ¢ lingua de sinais brasileira e ir além, descobrindo os os cultures @ identidades que se entrecruzam, Possibilitar @ aqui- ‘ailn gem de alunos surdos implicaré um desenvolvimento mais dine oe ‘2 2 escola com uma lingua consolidada, terao possibilidades volver habilidades de leitura e escrita com muito mais consistén- mo : os alunos surdos precisam ter acesso & lingua de sinais com ares ina uentes desta Iingua muito cedo. Estes sinalizantes sdo pes- osu ri ©, normalmente, nao fazem parte do circulo de pessoas que eles nme usualmente teriam contato, Os pais teréo que conhecer @ comunidade mur surda que usa esta lingua. oe ea contexta bilingue 6 completamente atipico de outros contextos udados, uma vez que envoive modalidades de linguas diferen- ir os lagos de tais cruzamentos & das fronteiras que sao estabe- oeeo lecidas ¢ desefiador tanto para os surdos como para os ouvintes envolvidos. : Diante de uma politica de subtrag&o linguistica aplicada aos surdos fem que 0 portugués deveria ser a dnica lingua @ ser adquirida, os surdos negam esta lingua por ter representado por muitos anos uma ameaca 20 uso da lingua de sinais. Essa realidade implica processos de delimitagao de fronteiras ¢ de poderes. Os surdos tém razo em assumir uma postura de- fensiva diante do portugués, uma vez que essa lingua foi tida (ainda ¢ tide) Editora Mediagao ‘Ana Claudia Balieito Lodi et al. (Orgs.) como a lingua melhor, a lingua oficial, @ lingua superior em oposigao & ingua de singis brasileira representada como uma op¢ao, como um instrU- mento utilizado apenas caso o aluno surdo néo tenha conseguido acessar 2 lingua (entende-se lingua aqui, como a lingua portuguesa e, portanto, 0s sinais como néo lingua). Nas tessituras das propostas atuais de educacdo de surdos, encontramos muitos indicios desta postura: a lingua de sinais é vista como secundaria. Os surdos politizados jé no aceitam mais isso e, portanto, implementam um movimento de resisténcia ainda no sentido de subtracéo, uma vez que 0 movimento € de oposicéo. ‘Apesar disso, percebe-se que 0 espago de negociacdo ¢ um espaco possivel. Entre algumas liderangas surdas, hé movimentos de resistén- cia buscando um bilinguismo aditivo considerando 0 portugués como um instrumento essencial de poder. Nesse sentido, no caso dos surdos, se ¢ bilingue, porque a lingua portuguesa passa a ter uma represe social diferenciada para os préprios surdos @ nao porque as politices puiblicas determinam que a educa¢ao de surdos deva ser bilingue. No entanto, as propostas bilingues esto estruturades muito mais no sentido de garantir que © ensino de portugués mantenha-se como & lingua de acesso ao conhecimento. A lingua de sinais brasileire parece estar sendo admitida, mas 0 portugués mantém-se como @ lingue meis importante dos espacos escoleres. Inclusive, percebe-se que © uso “ins- trumental” da lingua de sinais sustenta as politicas publicas de educecao de surdos em nome da “inclusdo”. As evidéncias das pesquises em re- laco ao status das linguas de sinais incomodam as propostes, mas no chegam a serem devidamente consideradas quando da sua elaborecao. A lingua de sinais, ao ser introduzida dentro dos espacos escolares, passa a ser coadjuvante no processo, enquanto 0 portugués mantém-se com © papel principal. As implicacées disso no processo de ensiner-sprender caracterizam préticas de exclusao. Os surdos querem aprender na lingua de sinais, ou seja, a lingua de sinais 6 a privilegiada como lingua de instrugao. O significedo disso val além da questdo puramente linguistica. Situa-se, sim, no campo politico. Os surdos esto se afirmando como grupo social com base nas relecdes Editora Mediagio LeraAMENT, BLGUISMO E FOUCACAO D= SURDOS de diferenga. Como diferentes daqueles que se considera iguais, ou seja, os ouvintes, os surdos buscam estratégias de resisténcia e de au- toafirmaco. Sao eles que sabem sobre a Iingua de sinais, so eles que sabem ensinar os surdos, séo eles que séo visuoespaciais. Com base nisso, a questéo da lingua passa @ ser também um instrumento de poder nas relagdes com os alunos surdos. Sendo a lingua de sinais brasileira a lingua de instrucdo, os professores surdos (e/ou instrutores surdos) so os que mais dominam a lingua. Quando so professores, séo os mais indica- dos para gerantirem o processo de aquisigéo da lingua. Mesmo havendo professores ouvintes altamente qualificados e sinalizantes da lingua de sinais, eles passam a ter um status diferenciado diante dos professores surdos. Essa circunsténcia situa-se no campo politico e se faz necessa- ria. © equilibrio das relagbes somente passard a existir diante da conso- lidac&o da autoestima dos préprios surdos e dos demais professores. A certeza dos limites existentes nas fronteiras entre 0 mundo dos surdos e © mundo dos ouvintes possibilitaré um equilibrio nas relagdes de poder de possibilidades de negoclag&o. Isso reflete os espacos possiveis que as linguas podem ocuper na educagéo de surdos, passando 2 consolidar um bilinguismo aditivo, um bilinguismo autorizado e fortalecido. Uma educago bilingue linguistica e culturalmente adititiva? Como as escolas poderiam estar estruturadas no sentido de se pen- sar em uma educacio bilingue linguistica e culturalmente aditiva? Esta pergunta foi formulada por Cummins (2003) chamando a atengiio para as pesquisas e os resultados encontrados nos tltimos anos em relagdo & educaco intercultural. © “como” poderé ser desvelado, primeiramente, se, ao se pensarem as politicas educacionais, voltar-se para 0 que as pes- quisas tém denunciado, identificado e proposto nos Lltimos anos. Em relacao & educagao de surdos, as pesquisas apresentam varias evi déncias de que os surdos formam grupos sociais com identidades, culturas e linguas especifices (FERREIRA-BRITO, 1993; QUADROS, 19972; SKLIAR, Editora Mediagao ‘Ana Claudia Baliiro Lodi etal. (Orgs) 419972; 1997b; 1997c; 1998; PERLIN, 1998; MIRANDA, 2001). 0 fato de os upos surdos brasileiros terem uma lingua visuoespaciel, @ lingua de sinais, srasileira determina uma reestruturagéo da forma standard de se entender uma escola inclusiva no Brasil. A questéo da lingua implica mudancas na rquitetura, nos espacos, nas formas de interac, nas formacdes de profes- sores bilingues, de professores surdos e de intérprotes de lingua de sinais. ‘A questdo da lingua implica reconhecimento do status de lingue nos niveis linguistico, cultural, social e politico. No nivel linguistico, temos as investigagdes de varias linguas de sinais desde Stokoe, na década de 60, até 0 presente, oferecendo ov dén- cias que tals linguas apresentam todos os niveis de anzlise des teories 17 guisticas. Atualmente, nao hé diivides em rolagdo a0 estatuso linguistico das lingues de sinals. Interessantemente, nos ultimos anos, 2 P=sqVise® lingufsticas esto atentas aos efeitos de modelidade das linguss Per® as teorias com o intuito de identificar néo apenas o que era “iguel” entre lin guas feladas e linguas sinalizadas, mas também o que era “diferente” com © objetivo de enriquecer as teorias lingu(sticas atuais. A perounts ave antes era “Como a linguistica se aplica as IInguas de sinals ov dé conta das linguas de sinais?” passou a ser “Como as linguas de sineis podem Gontribuir para os estudos linguisticos?” (LIDDELL, 1990; 1988) 2000; LILLO-MARTIN, 2002; RATHMANN; MATHUR, 2002; QUADROS, 2002). Para além das questées de ordem tedrica, observam-se também eFeit08 de modalidade da lingua na atuagao dos intérpretes de lingue de sinsis © na forma de aprender e ensinar os surdos. ‘Quando os surdos tém a chance de, no inicio do seu desenvolvi- mento, contar com pais dispostos a aprenderem a lingua de sincis, Com adultos curdos e com coleges surdos, quando eles narrarem em sineis & terem escuta em sinais, a dimenséo do seu process educecione! seré gutra (GOUZA, 2000). Esses surdos estardo transferindo seus conheci- nentos adquiridos na lingua de sinais para 0 espaco escolar. O foto de passar a ter contato com a lingua portuguese com significado trazendo seus conceitos adquiridos na sua prépria lingua, possibllitars um proces: ce muito mais significativo. A leitura e a esorita podem passar a ter outro Editora Mediagio LETRAMENTO,eLNGUISMO EEOUCACKO DE SURDOS significado social, se o surdo sinalizar sobre elas. Vale ainda destacar que, no campo do letramento, se os surdos se apropriarem da leitura e da escrita de sinais, isso potencializaré a aquisico da leitura e da escrite do portugués. No nivel sociocultural, temos um movimento entre os pesquisado- res, em especial, aqueles que so surdos, que apresentam vieses dos préprios surdos definindo surdez numa outra dimensao. Como diz Wrigley 1996, p. 13), “contrario ao modo como muitos definem surdez - isto 6, como um impedimento auditivo ~ pessoas surdas definem-se em termos cultursis ¢ linguisticos”. No caso dos surdos, hd uma identificagao de uma “cultura e identi- dade surdas”®. Essa culture ¢ multifacetada, mas apresenta caracteristicas que so especificas, ela se traduz de forma visual. As formas de organizar ° ‘ento e a linguagem transcendem as formas ouvintes. Elas so de outra ordem, uma ordem com base visual ¢ por isso tém caracteristicas que podem ser ininteligiveis aos ouvintes. Essa cultura se manifesta mediante a coletividade que se constitui a partir dos préprios surdos que se garantiram através de movimentos de resisténcia com a fundagao de organizagées administredes essencialmente por surdos. Em muitas dessas organizacdes, s no so aceitos no corpo administrative. © que acontece aqui ¢ letividade surda com a constituicgo de suas regras e de s € um confronto de poderes. Nesse espaco com fronteires delimitades por surdos 6 que se constitui a cultura surda. Percebe-se aqui ‘também 2 dimensZo politica da organizacao destes grupos. Perlin (1998) analisa alguns pontos a respeito da identidade surda calcando seus ensaios na questéo do ser igual, da proximidade como necessidade de pessoe surda. A autora use a expresso “6culos surdos” diga-se de passegem, ume expresso especialmente visual, uma expres- so essencialmente surda. intende-se culture surd « [entidade cultural de um grupo de surdos que se define grupo diferente de outros grupos. Como diz Petin (1988, p. 54), "os surdos so surdos em rela 8 experiéncia visual e longe Ge experincia auditiva". “Idemtidade” @ mencionade aqui no st explictado por Silva (2000. p. 68) como “o conjunto de caractersticas que distinguem os 6 srup0s socias e culturais entre si. No campo dos Estudos Culturas, aidentidade cultural 56 fentendida como um proceso social discursiva”. Editora Mediagao ‘Ana Claudia Balisiro Lodi et al. (Orgs.) Para além da questo da lingua, portanto, o bilinguismo na educa- go de surdos representa questées politices, sociais ¢ culturals. Nesse sentido, a educacdo de surdos, em uma perspectiva bilingue, deve ter um curriculo organizado em uma perspectiva visoespacial para garantir 6 acesso a todos os contetides escolares na proprie lingua do surdo, ‘a lingua de sinais brasileira. E a proposi¢o da inversdo, assim esté-se reconhecendo a diferenga. A lingua passa a ser, entéo, o instrumento que traduz todas as relagdes e intengGes do processo que s° coneretiza através das interagées sociais. Os discursos em uma determinada lingua sero organizados e, também, determinados pela lingua utilizada como 2 \ingua de instrugo. Ao expressar um pensamento em lingua de sinais, 0 discurso utiliza uma dimenséo visual que néo € captada por ume lingue oral-auditiva, e, da mesma forma, 0 oposte é verdadeiro. Além desse nivel de representacao lingulstica, os discursos vo expressar relagoes de po der. Ao optar-se por manter a lingua portuguesa como a lingue referencia! da educagéo de surdos, jé se tem indicio das intencdes perpassades em fungio dos efeitos sociais que se observam. Assim, prestar atenodo nos interlocutores dos alunos surdos também passa a apresentar papel oru- cial, pois 0s discursos reproduzidos nas linguas utilizadas representa 25 relacées existentes na escola. ‘Segundo Skliar e Quadros (no prelo), @ realidade da educagdo © lingue, que vem se constituindo em algumas partes do Brasil, esté cire- tamente relacionada a varidveis ligadas as trejetdrias dos proprios sur dos que estéo sendo maroadas através de diferentes pesquises (SKLIAR, 19972;1997b; 1997c, 1998; 2000; 2001; QUADROS, 19972; 1997b; 2000; PERLIN, 1998; 2000; PERLIN; QUADROS, 2003; MIRANDA, 2001). Os autores citam algumas destas variéveis listadas @ seguir: — a reconstrugéo dos problemas que determinam a educagdo ée surdos em uma perspective bilingue invertendo a I6gica das relacGes per- tindo da perspectiva surda com andlises multidimensionais do processo educacional; Editora Mediagio LermaMcnT,elNGUIsIO €EOUCACKO DE SURDOS ~ a identificacdo dos significados da surdez e do ser surdo no con- texto educacional a participagao dos surdos no planejamento, no desenvolvimento & na avaliac&o das politicas educacionais; a continuidade do projeto educacional; 2 reviso das arquiteturas e ideologias intrinsecas ao projeto poli- tico-pedegégico idealizado. Assim, a educacaéo de surdos na perspectiva ingue toma uma 2 que transcende as questdes puramente linguisticas. Para além da ingue de sinais e do portugués, esta educagao situa-se no contexto de gerantia de acesso e permanéncia na escola. Essa escola esta sendo defi nide pelos préprios movimentos surdos: marca fundamental da consolida- o de uma educagao de surdos am um pais que se entende equivocada- ‘ente monolingue. © confronto se faz necessério para que se constitua uma educagio verdadeira: multilingue e multicultural. Assim, no Brasil, 0 “bi” do bilinguismo apresenta outras dimensdes. Referéncias TERLINE, D. C.; CRONEBERG, C. G.; STOKOE, W. C. A dictionary of rican Sign Language on linguistic principles. (S.\.|: Listok Press, 1976. ‘INS, J. Bilingual children’s mother tongue: why is important for education? Disponivel em: Acesso em: jul. 2003. SREIRA BRITO, L. Integracdo social & educacao de surdos. Rio de Janeiro: bel, 1893 M. C. R. de, Com quem as eriangas surdas dialogam em sinais? In: GOES, M.C. R. de.; LACERDA, C. B. F. (Orgs.). Surdez: processos educativos sub- idede, Sao Paulo: Lovise, 2000. N, F. Life with two languages: an introduction to bilingualism. Cambriedge, Massachussets: Harvard University Press, 1982. KARNOPP, L. 8, Aquisi¢ao do parémetro configuracéo de méo dos sinais da It gua de sinais brasileira: estudo sobre quatro criangas surdes filhas de pais surdos. Porto Alegre, 1994. Dissertago (Mestrado em Letras) ~ Instituto de Letras © Artes, Pontificia Universidade Catdlica do Rio Grande do Sul. Editora Mediagao ‘Ana Ciau KARNOPP, L. B.; QUADROS, R. M. de. Linguistica aplicads brasileira. Porto Alegre: Artmed, 2003. LIDDELL, S. Four functions of a locus: reexaming the structure o CEIL, L. (Ed.). Sign language research: theorical issues. We University Press, 1990. __. Real, surrogate, and token space: grammatical conseq) EMMOREY, K.; REILLY, J. (Eds.). Language, gesture, en New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers, 12: LILLO-MARTIN, D. C, Parameter setting: evidence from use, acquisit in American Sign Language. Ann Arbor, Michigan, 1986. Do: University Microfiims international, University of California, S: __. Where are all the modality effects? In: CORNIER, K. A QUINTO, D. G. (Eds.). Modality and structure in signed lang: language. Cambriedge: Cambriedge University Press, 2002 LOEW, R. C. Roles and reference in American Sign Language: perspective. Minnesota, 1984. Doctoral Thesis ~ University 0: MATHUR, G.; RATHMANN, C. Is verb agreement the same CORNIER, K. A.; MEIER, R. P.; QUINTO, D. G. (Eds.). Modal in signed language and spoken language. Cambriedge: Cambrie Press, 2002, (EIER, R. A cross-linguistic perspective on the acquisition of inf logy in American Sign Language. San Diego, 1980. Salk Institute for Biological Studies, University of California MIRANDA, W. Comunidade dos surdos: olhares sobre os con' to Alegre, 2001. Dissertago (Mestrado em Educacao) ~ Un do Rio Grande do Sul. PERLIN, G. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. (Org.). A surdez: um 0 diferencas. Porto Alegre: Mediacao, 1998. ___. Identidade surda e curticulo. In: GOES, M. C. R. de.; LAC’ (Orgs.). Surdez: processos educativos e subjetividade. Séo Pa PERLIN, G.; QUADROS, R. M. de. O ouvinte: 0 outro do outro MINARIO DE ESTUDOS INTERCULTURAIS, 3., 2003, Fioria Florianépolis: UFSC, 2004. PETITTO, L. On the autonomy of language and gesture: © ‘acquisition of personal pronoums in American Sign Language. C v. 27, p. 1-52, 1987. QUADROS, R. M. de. A gramética da lingua de sinais brasileire. In DA ANPOLL, 2002, Gramado. Anais... Gramado: [s.n.l, 2 __. Phrase structure of Brazilian Sign Language. Porto (Doutorado em Letras) - Pontificia Universidade Catélice do As categorias vazias pronominais: uma andlise altern Tingua de sinais brasileira @ reflexos no processo de aq 1995, Dissertaco (Mestrado em Letras) ~ Pontificia Uri Rio Grande do Sul. sorta LeTRAMENTO,BNGUISMO E EDUCAGRO DE SURDOS ___. Educagéio de surdos: a aquisi¢ao da linguagem. Porto Alegre: Artes Médi- cas, 19972. ‘Aquisi¢o de L1 e L2: 0 contexto da pessoa surda. In: SEMINARIO DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA EDUCACAO BILINGUE PARA SURDOS, 1997, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Educaggo (MEC), 1997. __ Alfabetizagao e o ensino da lingua de sinais. Textura, Canoas, n. 3, p. 53- 62, 2000. SKLIAR, C. B.; QUADROS, R. M. de. Bilingual deaf education in the south of Brazil Bilingual Education and Bilingualism, London, v. 7, n. 5, p. 368-382, 2004. SILVA, T. 7. Teoria cultural e educacéo. Belo Horizonte: Auténtica, 2000. SKLIAR, C. (Org.). Educagdo & exclusdo: abordagens sécio-antropolégicas em ‘educagao especial. Porto Alegre: Mediagao, 1997a La educacién de los sorcios: una reconstruccién histérica, cognitiva y pedagégica. Mendonza: Editorial de la Universidad Nacional de Cuyo (EDIUNC), 1997b. A reestruturagao curricular e as politicas educacionais para as diferencas: 9 caso dos surdos. In: AZEVEDO, J. C. de.i SANTOS, E. S. dos.; SILVA, L. H. da. (Orgs.). Identidade social e 2 construcéo do conhecimento. Porto Alegr Prefeitura Municipal de Porto Alegre/ Secretaria Municipal de Educacdo, 1997c. ___{0rg.). A surdez: um olnar sobre as diferencas. Porto Alegre: Mediagao, 1998. Estudos surdos e estudos culturais em educagéo. In: GOES, M. C. R. d TACERDA, C. 8. F. (Orgs.). Surdez: processos educativos e subjetividade. S40 Paulo: Lovise, 2000. __. Perspectivas politica e pedagégicas da educacéo bilingue para surdos. In: SILVA, §.; VIZIM, M. (Orgs.|. Educacdo especial: miltiplas leituras e diferentes significados. S80 Paulo: Mercado Aberto, 2001 SOUZA, R. M. Préticas alfabetizadoras e subjetividade. In: GOES, M. C. R. de.; LACERDA, C. B. F. (Orgs.]. Surdez: processos educativos e subjetividade. So Paulo: Lovise, 2000. STOKOE, W. Sign and culture: a reader for students of American Sign Language. Silver Spring, MD: Listok Press, 1960. WRIGLEY, 0. The politics of deafness. Washington: Gallaudet University Press, 1996. Note: texto etuelizedo e/ou ampliado. Publicado originaimente em FERNANDES, Eulalia (Org.). Surcez e bilinguismo. 4. ed. Porto Alegre: Mediac&, 2011. Editora Mediacdo

Você também pode gostar