Você está na página 1de 3

dolorosos, às vezes alegres — foram um curso avançado na

arte e nas armadilhas do viver. Eles me levaram muito além na


estrada da compreensão.
Quando escrevi A Estrada para o Caráter, ainda estava preso na
cadeia do individualismo. Eu acreditava que a vida era melhor
quando agimos individualmente, quando assumimos a direção
de nosso próprio navio. Ainda acreditava que o caráter era algo
construído principalmente por conta própria. Identificamos
nosso pecado central e, então, exibindo toda nossa força de
vontade, fortalecemos nossos pontos fracos.
Não acredito mais que a formação do caráter é uma tarefa
sobretudo individual, ou que seja alcançada de pessoa em
pessoa. Não creio mais que a construção do caráter é como ir à
academia: que você se exercita e desenvolve sua honestidade,
integridade e determinação. Agora acho que o bom caráter é
um subproduto da doação de si mesmo. Você ama coisas que
valem a pena ser amadas. Você se submete a uma comunidade
ou causa, compromete-se com outras pessoas, cria uma
floresta densa de ligações amorosas, perde-se no ato diário de
servir aos outros enquanto eles se perdem nos atos diários de
lhe servir. Caráter é algo bom de se ter, e há muito o que
aprender no caminho até ele. Mas existe algo melhor de se ter
— contentamento moral. E essa serenidade chega à medida
que nos aproximamos de incorporar o amor perfeito.
Além disso, não creio mais que as estruturas morais e culturais
de nossa sociedade estejam bem e tudo o que temos que fazer
é consertar a nós mesmos individualmente.
Ao longo dos últimos anos, como resultado de eventos
pessoais, nacionais e globais, eu me tornei radical.
Agora eu acho que o individualismo desenfreado da nossa
cultura atual é uma catástrofe. A ênfase no eu — sucesso
individual, autossatisfação, liberdade individual,
autorrealização — é uma catástrofe. Não basta trabalhar
nossas próprias fraquezas. Todo o paradigma cultural precisa
mudar da mentalidade do hiperindividualismo para a
mentalidade relacional da segunda montanha.
POR QUE ESTAMOS AQUI
Escrevi este livro em parte para me lembrar do tipo de vida
que quero viver. Nós, escritores, lavamos a roupa suja em
público, mesmo sob o pretexto de fingir escrever sobre outra
pessoa. Ou seja, tentamos ensinar o que realmente precisamos
aprender. Minha primeira montanha foi incrivelmente
afortunada. Alcancei muito mais sucesso profissional do que
esperava. Mas essa escalada me transformou em um certo tipo
de pessoa: distante, invulnerável e retraída, pelo menos
quando se tratava de minha vida privada. Eu me esquivava das
responsabilidades do relacionamento. Minha ex-esposa e eu
temos um acordo de não falarmos sobre nosso casamento e
divórcio em público. Mas quando me recordo, em geral, dos
erros, falhas e pecados da minha vida, eles tendem a ser falhas
de omissão, falha em estar realmente presente para as
pessoas a quem eu deveria ser próximo. Tendem a ser os
pecados da ausência: evasão, vício no trabalho, evitação de
conflitos, falta de empatia e falha em me expressar
abertamente. Tenho dois velhos amigos que vivem a 400km
de distância, por exemplo, e o lado deles da amizade exigiu
uma paciência e um perdão imensos por todas as vezes que
estive ocupado demais, desorganizado demais, distante
demais, quando eles precisavam ou estavam disponíveis. Eu
olho para essas amizades queridas com uma mistura de
gratidão e vergonha, e esse padrão — de não estar presente
para o que eu amo por priorizar o tempo em vez de pessoas,
produtividade a relacionamentos — é um tema recorrente em
minha vida.
O pagamento do pecado é mais pecado. Minhas falhas se
acumularam e desabaram sobre mim em 2013. Naquele ano, a
vida me jogou no vale. As realidades que definiam minha vida
sumiram. Meu casamento de 27 anos terminou e, na esteira
desse compromisso fracassado, eu me mudei para um
apartamento. Meus filhos estavam chegando à idade adulta e
já haviam saído de casa para estudar ou estavam preparando-
se para isso. Eu ainda conseguia vê-los quando saíamos para
jantar e tal, mas sentia falta daqueles encontros de 15
segundos no corredor ou na cozinha de casa. Havia passado
toda a minha vida adulta no movimento conservador, mas meu
conservadorismo não era mais o prevalecente, então também
me vi descomprometido intelectual e politicamente. Muito da
minha vida social foi passada em círculos conservadores, e
essas conexões se distanciaram. Percebi que tinha muitas
amizades superficiais. Poucas pessoas se abriam comigo, pois
eu não transmitia uma sensação que encorajava a
vulnerabilidade. Eu era ocupado demais, sempre correndo.
Não tinha raízes, estava sozinho, humilhado, confuso. Lembro-
me de passar por esse período em um estado que

Você também pode gostar