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FACULDADE CATÓLICA DE FORTALEZA

BACHARELADO EM FILOSOFIA

JANAILDO LUNGAS DA SILVA

EPICURO E O CAMINHO PARA A FELICIDADE

FORTALEZA
2021
Janaildo Lungas Da Silva

EPICURO E O CAMINHO PARA A FELICIDADE

Monografia submetida à Coordenação do


Curso de Filosofia da Faculdade Católica
de Fortaleza, para obtenção do grau de
Bacharel.

Prof. Dr. Halwaro Carvalho Freire


Orientador(a)

FORTALEZA
2021
Janaildo lungas da Silva

EPICURO E O CAMINHO PARA A FELICIDADE

Trabalho de conclusão de curso


apresentado como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em
Filosofia pela Faculdade Católica de
Fortaleza.

Aprovado em: ____/_____/______

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Prof. Dr. Halwaro Carvalho Freire (FCF)
Orientador (a)

_________________________________________________

Profa. Ma. Virgínia Braga da Silva Santos( UECE)


Leitor(a)

FORTALEZA
2021
Dedico este trabalho primeiramente a
Deus e depois à minha avó Corina, por te
me educado e me ensinado a ser um bom
cristão e acima de tudo ser um bom
cidadão. Dedico também à Congregação
Sagrada Familia de Nazaré por ter me
dado a capacidade de poder adquirir o
saber filosófico. Por fim dedico aos
professores da FCF que me ensinaram o
valor que a filosofia tem na transformação
da realidade.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida, por ter me permitido diante
de tantas dificuldades chegar neste momento. Agradeço à minha família em
especial à minha avó Corina que me educou e me criou, me ensinado os valores
cristãos, principalmente me ensinado a ser um cidadão do bem. A minha mãe
Ivoneide por ter me trazido à vida aos meus irmãos Vanubia e Daniel.
Agradeço à Congregação Sagrada Família de Nazaré que me deu a
oportunidade e o suporte necessário para que eu consegue-se ter essa graduação
em minha vida, me dando também a capacidade de desfrutar do saber filosófico.
Quero também, de maneira especial agradecer a alguns padres e pessoas
que marcaram esse período da minha caminha: ao meu atual reitor Pe. Ronaldo
Negreiro, pelo empenho formativo e acompanhamento colaborativo, a meu primeiro
Reitor Pe. Valdomiro, por te me acompanhado nos meus primeiros passos
vocacionais e ao Pe. Valdeir por sua ajuda espiritual e sua amizade e ao Pe. Emilio
que foi meu diretor espiritual e confessor.
Agradeço de maneira especial à minha promotora vocacional Ir. Maria José
que pelo empenho dela e o amor as vocações, pode fomentar e ajudar alimenta a
vocação em mim. Como também por todo o cuidado comigo me tratando com um
filho espiritual e sempre rezando e intercedendo por mim nos mementos difíceis da
minha caminhada. A ela sou eternamente grato.
Como também quero Agradecer à Ir. Nazaré porque diante das dificuldades
que passei nesta etapa da minha caminhada ela pode me ajudar com os seus
conselhos e escuta, e a ela eu sou eternamente grato também.
Agradeço de maneira especial ao meu irmão Wanderson aquém compartilhei
muito das minhas histórias de vida e de caminhada. Como também agradeço de
maneira especial à Dannuza que disponibilizou um pouco do seu tempo para me
ajudar neste tempo de escrita deste trabalho, como também por todas as
contribuições dada até agora na minha história.
Agradeço de forma especial ao meu orientador, Prof. Dr. Halwaro Carvalho
Freire que se propôs a me ajudar neste trabalho de conclusão de curso e que me
deu tanta força dedicando o seu tempo em me ajudar.
Dentre aquilo que a sabedoria prepara em
vista de garantir a felicidade ao longo da
vida, de longe o mais importante é a
posse da amizade. (Epicuro)
RESUMO

O objetivo desta pesquisa é apresentar segundo a teoria filosófica de Epicuro como


se alcançar a felicidade. Com isto, será levado em consideração o percurso filosófico
e esquemático desenvolvido por Epicuro, partindo da sua canônica que é a base da
sua filosofia, passando pela sua física que vai possibilitar ao sujeito conhecer a sua
realidade, como também vai dar a ele subsídios para mostrar como se livrar dos
temores que tira a Eudaimonia, até chegar à ética. Diante deste caminho, um
questionamento norteará o percurso desta pesquisa: “é possível, diante das
perturbações que tiram ataraxia, chegar à felicidade?”. Diante desse questionamento
o intuito é perceber a maneira como este filósofo conduz as pessoas diante das
perturbações, para que elas possam chegar à sua Eudaimonia. Com isso, pretende-
se chegar à conclusão de que existem alguns elementos tais: não temer a morte ,os
deuses e vivenciar de maneira sadia prazeres, como também a prender a suportar a
dor. Elementos esses que são essenciais a Epicuro para se chegar à Felicidade.

Palavras- Chave: Epicuro. Felicidade. Canônica. Física. Eudaimonia


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 CANÔNICA E FÍSICA: DOIS PASSOS PARA ALCANÇAR A FELICIDADE ....... 13
2.1 CANÔNICA ...................................................................................................... 13
2.2 SENSAÇÕES E PROLEPSE ........................................................................... 14
2.3 FÍSICA ............................................................................................................. 17
2.3.1 Corpos e Vazio ............................................................................................ 19
2.3.1.1 O ÁTOMO E A ALMA ................................................................................. 21
3. A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E FELICIDADE EM EPICURO ............................... 24
3.1. OS QUATRO REMÉDIOS (TETRAFARMACON) ........................................... 25
3.2 O TEMOR DOS DEUSES ................................................................................ 25
3.2.1 o medo da morte ......................................................................................... 27
3.2.1.1 AS DORES E OS PRAZERES ................................................................... 28
3.2.1.1.1 AMIZADE E SUA IMPORTÂNCIA NA CONQUISTA DA FELICIDADE .. 33
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 35
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 38
9

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa monográfica aqui apresentada está pautada em uma sociedade


marcada pelo período Helenístico que se estende de Alexandre Magno até a
dominação de Roma, período esse que se configura do fim do século IV a.C. ao fim
do Século I a.C., destacado pelas dominações de Alexandre o grande, isto é, pelas
suas expansões territoriais. As expansões causaram um grande impacto no mundo
grego, tendo em vista a mistura cultural com os povos conquistados, levando os
gregos que estavam acostumados com as suas cidades, enquanto polis1, a
perderem o sentido dela.
Era nessas polis que eles desenvolviam e viviam a política, porém com as
mudanças causadas pelas expansões e enculturações, começaram a perder esse
sentido de centralizar tudo em uma cidade estado. A consequência disto, foi que o
olhar do grego não mais se voltava apenas para a política, pois “Os filósofos da
época helenista, diante de suas incapacidades de agir na cidade, teriam
desenvolvido uma moral do indivíduo e teriam se voltado para a interioridade “2, ou
seja, os gregos buscaram encontrar, neste contexto, o sentido da vida voltado mais
para o lado da interioridade.
Epicuro foi um filósofo deste período helenístico que apontou meios para que
os indivíduos, encontrando-se desnorteados diante dessas incertezas vividas nesse
tempo, possam descobrir um sentido para a vida e serem felizes. Por isso, o filósofo
desenvolverá uma doutrina para ajudar as pessoas que viviam assoladas,
principalmente pelo medo da morte, aliado ao medo dos deuses, como também
viviam de forma desmedida os prazeres. Tudo isso fazia com que os indivíduos
vivessem em uma constante dor por não conseguirem se livrar de todos esses
sofrimentos. Pensando nisso e em toda as suas circunstâncias, Epicuro vai para

1
Polis- a República de Platão é a expressão máxima da estreita ligação que os gregos estabeleciam
entre a formação dos indivíduos e a vida da comunidade; e a afirmação de Aristóteles de que o
homem é por natureza um animal político tem o mesmo significado). (ABBAGNANNO,2007, p225)
2
HADOT, Pierre. O que é a Filosofia Antiga? Trad. DAVI, Dio Macedo. Editora Loyola, São Paulo,
Brasil,199 p.139-187.
10

Atenas onde constrói o seu jardim3 e neste dar direcionamentos para que as
pessoas possam alcançar a ataraxia4 diante de todos esses medos.
Esse jardim será alvo de muitas críticas, uma vez que ele recebia a todos sem
distinção de classe ou de cor e isso viabilizou “mal-entendidos que pôs o epicurismo
em outras rotas, dando a ele outros significados”5, ou seja, foi o que levou o
epicurismo a ser entendido de forma diferente por alguns, como se o pensamento
epicurista se resumisse a uma busca de prazer libertino. Porém, o que se mostra
aqui é o contrário, uma vez que, como se verá no decorrer desse trabalho, Epicuro
traz uma vivência do prazer de maneira harmônica e que beneficia a ataraxia.
Por isso é que, nesse jardim, ele começa a colocar os seus ensinamentos
para aqueles que estão dispostos a encontrar a sua tranquilidade de espírito. Vale
ressaltar que essa comunidade por ele idealizada é fruto de suas observações da
realidade, porque, vendo o sofrimento do povo, decidiu encontrar uma forma que os
direcionassem a encontrar a felicidade, elemento fundamental para o bem viver.
É essa felicidade apontada por Epicuro que será o ponto chave para esta
pesquisa, uma vez que, durante toda a sua vida, ele vai dedicar-se a mostrá-la
àqueles que os segue, de modo que a felicidade seria o bem último da vida humana,
ou seja, aquilo pelo qual a vida vale ser vivida, isto é, a felicidade. Essa felicidade é
a ausência de sofrimentos físicos e das perturbações da alma6. Ou seja, a felicidade
seria o bem último da vida humana, aquilo pelo qual a vida deveria ser cultivada e
estimada, como também a felicidade será a ausência de dor (aponia7) e de
perturbação, a (ataraxia), aliada a vivência de um prazer duradouro da serenidade
do espírito, que faz com que o ser se encontre em si e encontre paz.
Por isso, para se chegar a essa felicidade, Epicuro desenvolve a sua filosofia
em três partes fundamentais, são elas: canônica8, física e ética. A canônica versará

3
O Jardim, efetivamente, veio a ser uma comunidade, mas que uma escola, na qual se vivia uma vida
simples em parte por princípios, em partes por falta de dinheiro (SPINELLI,2009, p31)
4
. ATARAXIA (gr. àxapa^íoc; in. Ataraxia, fr. Ataraxie, aí. Ataraxie, it. Atarassia). Termo usado
primeiramente por Demócrito (Fr. 191), depois pelos epicuristas e pelos estóicos, para designar o
ideal da imperturbabilidade ou da serenidade da alma, em decorrência do domínio sobre as paixões
ou da extirpação destas (v. APATIA). (ABBAGNANNO,2007, p87)
5
SPINELLI, Miguel. Os caminhos de Epicuro. São Paulo: Edições Loyola,2009.415p.
6
OLIVEIRA, Táuria, Gomes. A ética de Epicuro: Um estudo da carta a Meneceu.Metavóia, São João
del-Re,n. 5, p.147-162,jul.2003.
7
APONIA (gr. à7tovíoc; in. Aponia-, fr. Aponie, aí. Aponie, it. Aponia). A ausência de dor como prazer
estável, e, portanto, eticamente aceitável na ética de Epicuro (Fr. 2, Usener). (ABBAGNANNO,2007,
p74)
8
Termo que Epicuro utiliza que advém CÂNON (gr. Rato; in. Canon; fr. Canon;
11

sobre a fundamentação lógica da sua teoria e a física tratará sobre o estudo do real
e de suas constituições. Já a ética traçará o fio de conduta do homem, ou seja, o
que se deve adotar e o que ele tem que evitar. Assim, ele desenvolve essas partes
de sua teoria com intuito de mostrar para os indivíduos os elementos que eles
podem usar para conseguir viver bem. Portanto, “A missão da filosofia de Epicuro
será, antes de tudo, terapêutica: será curar a doença da alma e ensinar o homem a
viver o prazer”9, o que significa dizer que a filosofia desenvolvida pelo nosso filósofo
é, antes de tudo, terapêutica, tendo em vista que ela busca sanar as doenças da
alma e assim ensinar a cada indivíduo a viver de maneira prazerosa.
Diante desse contexto colocado, esse trabalho terá, em sua estrutura teórica,
dois capítulos que procuram mostrar o caminho percorrido por Epicuro. O primeiro
capítulo abordará as bases epistemológicas da teoria filosófica epicurista e estará
divido em canônica e física. A canônica é a teoria do conhecimento e buscará os
fundamentos, ou seja, apontará os critérios de verdade e será apresentado, como
fator dessa canônica, as sensações, elementos fundamentais para a formulação do
conhecimento, segundo Epicuro. Ainda neste capítulo, será apresentada a física
responsável por facilitar o conhecimento da realidade, uma vez que dá subsídios
para mostrar como se livrar dos temores que porventura tiram as pessoas do
caminho da felicidade. Aliado a essa física, será tratado sobre os corpos e o vazio,
assim como sobre átomo e alma.
O segundo capítulo desta pesquisa tratará da ética e da felicidade em
Epicuro, o qual trabalhará a questão ética, visto que ela constitui a razão de ser da
filosofia epicurista e se dedicará com todo o esforço para libertar a alma humana dos
equívocos de crenças e medos que impedem o ser de conseguir ser feliz. Esse
capítulo está dividido com base no Tetrafarmacon10, em quatro partes: uma mostrará
os temores dos deuses, o medo da morte, as dores e os prazeres e, por último, será
tratado sobre a amizade e sua importância na conquista da felicidade.

ai. Kanon; it. Cânone). Critério ou regra de escolhas para um campo qualquer de conhecimento ou de
ação. [...] Epicuro chamou de canônica a ciência do critério; para ele, critério é a sensação no
domínio do conhecimento e o prazer no domínio prático (DIÓG. L., X, 30). (ABBAGNANNO,2007,
p114)
9
HADOT, 2014, p. 171
10
TETRAFARMACON (gr. T£Tp0C9ápp.aKOV). Com este termo (que significa propriamente um
medicamento composto por quatro elementos), Filodemo (Herc. Voi, 1005, 4) indicou o conjunto das
quatro máximas fundamentais da ética epicurista: í- nào temer a divindade, que não se preocupa com
homem; 2- não temer a morte; 3a ter em mente a facilidade do prazer; 4a ter em mente a brevidade
da dor (cf. EPICURO, Ep. aMenec, 123, 124. 133.(ABBAGNANNO,2007, p.958)
12

Portanto, é nesse caminho que esta pesquisa vai se deter, buscando trazer os
elementos apontados por Epicuro para que se possa chegar a eudemonia11. Porém,
diante deste caminho apresentado por ele, um questionamento se faz necessário,
tendo em vista todo o período que ele está inserido: “é possível, diante das
perturbações que tira ataraxia, chegar à felicidade?” Esse questionamento norteara
essa pesquisa, buscando entender como Epicuro vai os conduzindo a chegarem à
felicidade.

11
Eudaimonia é um termo muito utilizado na Grécia antiga que vai significar Felicidade.
13

2 CANÔNICA E FÍSICA: DOIS PASSOS PARA ALCANÇAR A FELICIDADE

Neste capítulo, para alcançar a felicidade que é o escopo deste trabalho, vai
se fazer necessário passar por alguns caminhos que irão nortear a direção que
Epicuro postulará em seus estudos, tais como o da canônica e o da física. Esses
conceitos de canônica e física aqui citados serão elementos primordiais para o
desenvolvimento do caminho percorrido por ele, para assim chegar à afirmação da
felicidade e da ataraxia. Portanto, serão apresentados dentro dessas duas bases
alguns conceitos primordiais para compreensão de como ele vai desenvolver as
mesmas, traçando um fio que vai levar a eudaimonia. Na canônica, serão
desenvolvidos conceitos como a sensação e, na física, compreenderemos os
seguintes conceitos: átomos e vazio. Com isso, a análise que será feita aqui diz
respeito à leitura atenta dos conceitos das obras de Epicuro, como também a
compreensão de alguns comentadores sobre o autor, que irão facilitar a
compreensão da linha de seu pensamento e de como ele a estrutura. Dessa forma:

Epicuro determinava assim o objeto das três partes da ciência: a


canônica estuda “o juízo, os fundamentos e os elementos da lógica",
física, “a gênese, destruição e a natureza”; a moral, “o que se tem de
adotar e o que se tem de evitar, a maneira de viver e os fins do
homem.12

Tendo em vista isso, neste capítulo serão trabalhados dois pontos que estão
dentro dessa tripartição. A canônica que deve elaborar os cânones dos quais vai se
reconhecer a verdade, ou seja, os fundamentos lógicos de sua teoria, de seu
caminho para a felicidade. Já a física vai trazer um estudo do real e sua constituição,
partindo da natureza. Ligada a essas duas partes vêm à ética, que será trabalhada
no capítulo seguinte. Ela vai mostrar o que o homem deve adotar e também o que
ele tem que rejeitar, tendo em vista uma vivência frutuosa como um fim na
felicidade.

2.1 CANÔNICA

12
JOYAU. E. Epicuro. IN: EPICURO, Antologia de textos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os
Pensadores)
14

A canônica é a parte inicial do pensamento de Epicuro neste caminho que


leva à felicidade, visto que ela é a teoria do conhecimento e vai buscar os
fundamentos, ou seja, ela vai buscar apontar os critérios de verdade, haja vista que
“O que faz o valor da canônica é que ela fundamenta em nós a certeza; ora, a
certeza é um dos contrafortes da felicidade, visto que só ela dá a segurança e
ataraxia”.13 Segundo ele, o que vai dar real significância a canônica é que ela vai
fundamentar nos seres a certeza, que é, na verdade, um ponto forte na felicidade,
visto que essa garante uma segurança, como também uma ataraxia ao ser.
Em outros termos, pode-se dizer ainda que essa canônica é trazida, tendo em
vista que qualquer processo de conhecimento, necessariamente, precisa partir de
alguma categoria de certeza fundamental, pois, dessa maneira, não incorreria no
erro de um vício lógico de uma regressão ao infinito.14 Com isso, Epicuro desenvolve
esse cânon para não cair nessa regressão, tendo dois conceitos cruciais de verdade
para isso: a sensação como ponto inicial e as prenoções (Prolepse), que será
pormenorizada a seguir.

2.2 SENSAÇÕES E PROLEPSE

As sensações (aisthéseis) possibilitam o conhecimento verdadeiro daquilo


que se dá na realidade sensível, fazendo com que o indivíduo conheça a sua
realidade, como também “Deve servir-nos para proceder, raciocinando, à indução de
verdades que não são acessíveis aos sentidos”15 Ou seja, as sensações, para ele,
além de dar uma certeza de verdade daquilo que é aparente, vão trazer também a
possibilidade de pensar em verdades que não são acessíveis pelos sentidos.
Ligado a essa questão, Reale traz umas das provas de veracidade das
sensações colocadas por Epicuro.

A sensação é objetiva e verdadeira, porque é produzida e garantida


pela própria estrutura atômica da realidade. [...] As sensações são
registros objetivos dos simulacros tais como eles são mesmo aqueles
que erroneamente são considerados ilusões dos sentidos, como as

13
EPICURO, 1973, p.11.
14
EPICURO, apud, CECÍLIA. Maria. G. Reis. Carta a Heródoto. São Paulo: Editora Schwarcz A.
S,2021.95-109p.
15
EPICURO, 1973.p.14
15

diferentes formas segundo as quais um objeto aparece, segundo o


lugar ou a distância em que nos encontramos.16

Ele explicita aqui que as sensações são objetivas e verdadeiras, tendo em


vista, que elas vão ser garantidas pela própria estrutura atômica, como também que
as sensações são registro objetivo dos simulacros, chamados de imagens, ou seja,
de complexo de átomos que emanam e que formam as imagens das coisas 17, até
mesmo aquelas imagens que são consideradas erroneamente como ilusões dos
sentidos, como também as diferentes formas de como um objeto se apresenta, isso
também considerando o lugar ou até mesmo a distância que se encontram dele.
Tendo apresentado o que são as sensações e como elas se colocam e se
desenvolvem em princípio, serão aqui acrescentados alguns critérios que vão
colaborar para assegurar a veracidade das sensações colocadas por Epicuro. A
primeira é a prolepse, peça crucial para a canônica, dado que ela vai se constituir
diretamente das sensações. Levando em consideração isso, vai fazer com que elas
sejam consideradas como representações mentais de experiência já vividas.

Epicuro colocava as "prolepses", “antecipação” ou “pré-noção”,


sendo as representações mentais das coisas, as quais não são
senão memorias daquilo que frequentemente mostrou-se do exterior.
A experiencia deixa, pois na mente uma “impressão” das sensações
passadas e essa “impressão” permite-nos conhecer
antecipadamente as características das coisas.18

Essas antecipações são memórias guardadas, advindas das sensações


passadas. Isso facilita o processo de conhecer, uma vez que agora se pode
conhecer as características das coisas que vêm novamente a se apresentar, ou
seja, quando as sensações colocarem novamente algo que já se apresentou
anteriormente em algum momento, isso vai possibilitar ao indivíduo conhecer, de
maneira imediata, o que novamente a ela se apresenta sem precisar outra vez
experimentar para conhecê-la.

16
ANTISERI, Dario; REALE,Geovanni. História da Filosofia (voll. I).2 ed. São Paulo, Paulinas, 1990,
p 238-251
17
EPICURO, 1973.p14.
18
REALE, 1990, p.240
16

Aliado a essa prolepse, entra a afecção que é esse sentimento de prazer e de


dor dado na sensação, que vai possibilitar uma garantia de um valor de verdade
sobre as sensações, visto que:

As sensações e prolepses e os sentimentos de prazer e dor


têm uma característica comum que garante seu valor de
verdade, a qual se consiste na evidência imediata. Portanto,
desde que firmemos a evidência e acolhamos como verdadeiro
o que é evidente, não pode errar, porque a evidência é sempre
dada a partir da ação direta que as coisas exercem sobre o
espírito.19

Contudo, as sensações, as prolepses têm uma relação com os sentimentos


de prazer e de dor, no que consiste um valor de verdade na evidência imediata das
sensações. Por isso, desde que firme a evidência e acolha como verdadeiro o que é
evidente, não se vai errar porque as evidências são sempre dadas pela ação direta
que as coisas realizam sobre o espírito, haja vista que as sensações e as prolepses
são sempre verdadeiros.
Porém, em contrapartida, vem às opiniões que ora são verdadeiras, ora
falsas. Portanto, tem que se ter certa atenção com relação às opiniões para não cair
no erro de acolher algo que não transmite uma verdade. Reale traz um esquema de
identificação das opiniões que são verdadeiras, como também daquelas que tentam
passar uma verdade, mas, na realidade, apenas apresenta um sofisma.

[...] as sensações, as prolepses e os sentimentos são sempre


verdadeiros, as opiniões poderão ser ora verdadeiras, ora falsas.[...]
São verdadeiras as opiniões que: a) “ recebem testemunhos
comprobatórios”, isto é, confirmação por parte da experiência e da
evidência e b) “ não recebem testemunho contrário", ou seja,
recebem desmentido da experiência e da evidência; por sua vez,
são falsas opiniões que a) “ recebem testemunho contrário, ou seja,
são desmentidas pelas experiências e pelas evidências e b) “ não
recebem testemunho probante”, ou seja, não recebem confirmação
da experiência e da evidência20

Ele salienta aqui que as sensações, como também as prolepses e os


sentimentos, são sempre verdadeiros, pois as opiniões terão dois lados: um

19
REALE, 1990, p.240
20REALE,1990, p.241
17

verdadeiro e um falso. Aliado a isso, ele coloca como se deve identificar a


verdadeira e a falsa, tendo em vista que as verdadeiras são comprovadas quando
recebem algo que comprovem por parte da experiência ou da evidência, como
também quando recebem algum testemunho não contrário àquilo que se apresenta
tanto pela experiência como pela evidência. São falsas quando não recebem algo
que comprovem, pela experiência e pela evidência, aquilo que se apresenta.

A falsidade ou o erro está sempre no juntar-se de uma opinião [...]


não haveria erro se não concebêssemos também outro movimento
em nós próprios, unido com ele, mas distinto: por isso, se não é
confirmado ou desmentido nasce o erro, se é confirmado ou não
desmentido, a verdade.21

Com isso, a falsidade ou possibilidade de errar vai ser sempre possível no


juntar de uma opinião. Portanto, ele fala que não haveria erro se concebesse outro
movimento que está no próprio ser e que é unido a ele, mas, ao mesmo tempo, é
destino da apreensão imaginativa. Com isso, de acordo como esse movimento se é
desmentido e não confirmado, dessa forma, nasce o erro ou mentira. Contudo, se for
confirmado e também não for desmentido nasce então a verdade. Porque este
movimento vai possibilitar essa prova de veracidade. Aliado a canônica com todos
os seus conceitos base vem a física que vai se desenvolver através dos cânones
aqui apresentados acima.

2.3 FÍSICA

A física que Epicuro vai desenvolver tem grande relevância no percorrer de


seu caminho, pois ela possibilita-o conhecer a sua realidade, como também dá a ele
subsídios para mostrar como se livrar dos temores que porventura tiram as pessoas
do caminho da felicidade. Epicuro tendo como base Demócrito, e nele buscou
elementos que o ajudaram no desenvolver de sua física, como é o caso do átomo no
que tange o materialismo.

Sua física trata da teoria dos átomos e de suas implicações na


constituição do universo em geral. Versa também sobre a pessoa
humana, composta de corpo e alma que, ambos, nada mais são do
que átomos; ocupa-se, ainda, dos deuses, igualmente formados por

21EPICURO, 1973, p.14.


18

átomos muito sutis. Inclui, finalmente, algumas ideias a respeito da


origem dos seres vivos e dos homens22

A física desenvolvida por Epicuro vai tratar das teorias dos átomos, bem como
de suas implicações na formação do universo em geral. Aliado a isso, ele também
vai versar sobre a pessoa humana que é composta de corpo e alma, mas ele vai
dizer que, na verdade, os dois são compostos de átomos. O autor ainda tratará dos
deuses, dos quais as pessoas nutriam grande temor, porém ele diz que até mesmo
eles eram formados de átomos, só que de átomos mais sutis. Por fim, inclui até
mesmo algumas ideias a respeito da origem dos seres vivos e dos homens.
Portanto, o conhecimento da realidade, para Epicuro, é a única forma de se
livrar dos temores que, consequentemente, fazem com que o ser não consiga
chegar a sua realização plena. Isso implica dizer que sem o estudo da natureza não
se pode chegar à felicidade em seu estado mais puro, ou seja, livre de temores. Por
isso, a física vai ser uma propedêutica para a ataraxia, porque, a partir do momento
que se conhece a natureza e a cosmologia, abre-se um horizonte de possibilidade
para se viver uma vida feliz.
A primeira concepção a ser considerada neste caminho da física é o que
Epicuro vai dizer: nada vem do nada. Isso levaria a entender que nada precisaria de
um princípio, ou seja, tudo surgiria do nada, mas isso parece muito contraditório,
pois não se pode vir nada de onde já não existe nada. Assim, Epicuro dirá que do
nada, nada provém, pois, se assim fosse, tudo nasceria sem a necessidade de
haver sementes ou um princípio qualquer para a geração. E, se se dissolvesse no
nada tudo o que desaparece, todas as coisas seriam destruídas, anulando-se as
partes nas quais se decompunham.23
Isso implica dizer que nada provém do nada porque, se assim fosse, não
existiria a necessidade de haver algum princípio como ele mesmo fala da questão da
semente que é, na verdade, um princípio de uma árvore. E se se dissolvessem em
nada, todas as coisas desapareceriam, assim, todas as coisas seriam destruídas e,
com isso, anular-se-iam as partes das quais elas se decompõem.

Ademais, o todo sempre foi tal como agora é, e sempre tal será; pois
nada há em direção ao qual se transforme; porque, para além do

22
SANDRINI, Marcos. As origens Gregas da Filosofia. Petrópolis, RJ: Editoras Vozes, 2011.196-
198 p.
23
EPICURO, 1973, p.15
19

todo, nada há que possa lhe penetrar e produzir a mudança.[...] E


ainda o todo consiste em corpo e vazio[...]24

O que acarreta como consequência que o todo sempre foi como é agora e
dessa forma permanecera. Uma vez que, nada há em direção ao que vai se
transformar, visto que para além do todo, nada vai haver que se possa penetrar ou
de alguma forma produzir mudança. Portanto, o todo sempre foi como é desde o
princípio, nada então poderia o modificar, nada pode penetrar nele e nem mesmo
faz qualquer modificação. Aliado a esta discussão, entra a questão dos corpos e o
vazio.

2.3.1 Corpos e Vazio

Os corpos e o vazio vão fazer a constituição geral do todo, uma vez que esse
se constitui de corpo como também de vazio. Os corpos, sendo matéria, vão
possibilitar que eles sejam sempre atestados pelos sentidos, como já foi
demonstrado pela canônica na seção anterior, que fala sobre os sentidos como
sendo a base para que se possa dar continuidade ao conhecimento. Isso implica em
dizer que os corpos só são percebidos por conta dos sentidos.
Tendo em vista que esses sentidos vão percebidos a partir do fluir dos
átomos, pois é o que cria as imagens das coisas que são aparentes. Por exemplo, o
fluxo dos átomos de um cachorro é o que cria em nós a imagem desse cachorro.
Isso vai tornar possível ter sensações dessas imagens e, dessa forma, é gerada a
percepção de mundo, formado pelas diversas combinações de imagens. Faz-se
visível esse fato quando Epicuro diz que:

Da superfície dos corpos se depreende um fluido contínuo, que se


não manifesta como diminuição, visto que se encontra compensado
pelo afluxo e conserva durante muito tempo a posição e a ordem dos
átomos dos corpos sólidos.25

Portanto, da superfície dos corpos vai se soltar um fluido atômico que é


contínuo que não se manifestará de maneira diminuta, visto que vai se achar
compensado pelo afluxo. Isso vai garantir durante um bom período, tanto a posição
quanto a ordem dos átomos que são dos corpos sólidos, tendo em vista que é

24
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
25
EPICURO, 1973, p14.
20

exatamente por isso que se consegue perceber algo através desse fluido, fazendo
com que os corpos dos átomos parem e os objetos sejam percebidos pelos sentidos
através da sensação. Além do que é matéria, vem o que não é evidente, como é o
caso do vazio que precisa ser acrescentado, tendo em vista que se não houvesse
vazio onde os corpos ficam não haveria espaço para eles se moverem, como já é
sabido que eles se movem.

Também o universo é corpo e espaço: como efeito, a sensação


testemunha em todos os casos que os corpos existem e,
conformando-nos com ela, devemos argumentar com o raciocínio
sobre aquilo que não é evidente aos sentidos. E se não existisse o
espaço, que é chamado vazio, lugar é natureza impalpável, os
corpos não teriam onde estar nem onde se mover-se.26

O que foi dito por Epicuro aqui, é que o universo, em sua totalidade, é
composto de corpos e de vazios. Com isso, a prova de que os corpos existem vem
por meio das sensações que vão a todo o momento confirmar isso, tendo em vista
que é através delas que se é possível perceber os corpos. Vale ressaltar ainda que
se deve também argumentar através do raciocínio sobre aquilo que não é evidente
aos sentidos, porque se não existisse o vazio, o lugar e a natureza impalpável, ou
seja, inatingível pelo material, os corpos não teriam onde estar e nem mesmo onde
se moverem, pois é no vazio que eles se movem e se direcionam.
Na formação dos corpos, uns vão ser compostos e outros serão aqueles que
formarão os compostos. Essa relação vai ser algo imutável e indivisível, porque nem
tudo de fato é destinado a se destruir no não ser, pelo contrário, existem aqueles
que subsistem a dissolução dos compostos. Dessa maneira, é compactado em sua
natureza, não tendo nem como nem por onde ser dissolvida.27
Diante disso, entende-se que o todo é ilimitado, porque, se fosse limitado, ele
necessitaria de uma extremidade, porém o todo não tem uma extremidade, logo ele
é ilimitado. Isso implica dizer, portanto, que tanto os corpos como o vazio são
ilimitados. Epicuro, em sua Carta a Heródoto, diz que se o vazio fosse ilimitado e a
quantidade de corpos definida, em nenhum lugar seria possível à permanência
desses corpos, visto que eles seriam levados a se dispersarem pelo vazio ilimitado,
isso sem algo que o sustentam ou até mesmo fazem com que eles recuassem

26
EPICURO,1973, p15.
27
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
21

depois de colisão. Se o contrário acontecesse, uma vez que os corpos são ilimitados
e o vazio limitado, então os corpos não teriam, desta maneira, lugar para que possa
se movimentar.

2.3.1.1 O ÁTOMO E A ALMA

O átomo, na teoria física de Epicuro, tem lugar de destaque, uma vez que é a
base para a constituição da realidade. Ele vai ser inconcebível em suas formas,
tendo em vista que se as formas dos átomos fossem limitadas, eles não teriam a
capacidade de conceber uma variedade de formas. Para cada forma, são
absolutamente infinitos os semelhantes, ao passo que as várias variações não vão
ser absolutamente infinitas, mas sim inconcebíveis.

E deve supor-se que os átomos não possuem nenhuma das


qualidades dos fenômenos, exceto forma, peso, grandeza e todas as
outras que são necessariamente intrínsecas à forma. Porque toda a
qualidade muda, mas os átomos não mudam, visto que é necessário
que na dissolução dos compostos permaneça alguma coisa sólida e
de indissolúvel que faça realizar as mudanças não no nada ou do
nada, mas sim por transposição.28

O exposto acima alude que o átomo não vai possuir nenhuma das qualidades
dos fenômenos, exceto três que são as formas: peso e grandeza e,
consequentemente, todas as outras que não são inerentes a forma, tendo em vista
que todas as qualidades vão mudar, mas não a dos átomos, porque, na dissolução
dos compostos, necessitará que algo sólido permaneça, que seja indissolúvel e que
possa realizar as mudanças, isso não em nada, mas sim por uma transposição. Com
relação a essa constituição de tudo, Sandrini traz que tudo, sem exceção, vai ser
constituído de átomos e esses não serão atingidos pelos sentidos29, pois
apresentam os corpos com seus movimentos e, para haver movimento, é necessário
que haja um vácuo.
Sendo átomo inconcebível por conta da sua infinidade, Sandrini, em sua
interpretação, traz que tudo é constituído de átomo e isso sem exceção. Assim, vale
ressaltar que eles não são atingidos pelos sentidos em sua forma primeira, pois é
impossível aos sentidos captar as pequenas partículas que formam os átomos.
Porém, o que se consegue ver são os elementos que os átomos formam na
28
EPICURO, 1973, p.16.
29
SANDRINI, 2011. p.197
22

realidade sensível. Ou seja, os átomos apenas vão apresentar os corpos como


também os movimentos deles. Para que se possa haver esse movimento, é
necessário que haja o vácuo, no qual os átomos se movem.

Os átomos encontram-se eternamente em movimento contínuo, e


uns se afastam entre si a uma grande distância, outros detêm o seu
impulso, quando ao se desviarem se entrelaçam com outros ou se
encontram envolvidos por átomos enlaçados ao seu redor. Isto o
produz a natureza do vazio, que separa cada um deles dos outros,
por não ter capacidade de oferecer resistência. Então a solidez
própria dos átomos, por causa do choque, lança-os para trás, até que
o entrelaçamento não anule os efeitos do choque. E este processo
não tem princípio, pois são eternos os átomos e o vazio. 30

Os átomos vão se encontrar em um eterno movimento, mover esse que é


contínuo e se dá entre eles. Alguns vão se afastar em uma grande distância e outros
vão deter o seu impulso. Quando eles se desviarem acabarão se entrelaçando uns
nos outros e isso formará aqui a natureza do vazio que separará cada um deles,
tendo em vista que eles não têm capacidade de oferecer resistência. Isso mostra
que até a solidez dos átomos, por conta do choque que ele sofre, o lança para trás,
isso até que o entrelaçamento não anule os efeitos do choque. Esse processo não
tem princípio, visto que nem os átomos nem o vazio têm fim, ou seja, eles são
eternos.
Levando em consideração esse movimento, Epicuro vai trazer que esses
átomos se moverão com igual velocidade no vazio e que isso vai possibilitar que se
evite a maioria dos choques causados pelo entrelaçamento deles. Os átomos mais
pesados têm uma velocidade menor do que a dos demais no vazio. Porém, mesmo
com essa diferença de velocidade, desde que eles não encontrem nem um
obstáculo, seja externo ou interno por conta do peso e mantenha a distância eles,
irão atingir um movimento que é mais rápido que o pensamento. Nesta sequência
aqui colocada, se faz necessário trabalhar a questão da alma fazendo uma
retomada as afecções e as sensações.
A alma idealizada por Epicuro, em seu estudo, vai ser um corpo constituído
de partes sutis que, na verdade, são átomos. Por ser constituída de átomos sutis,
ela vai ser um corpo que se assemelha a um sopro e que está ligada a um

30
EPICURO, 1973, p16.
23

aglomerado de átomos que constitui o corpo. Diante disso, é perceptível que a alma
vai estar ligada a esse aglomerado e isso faz com que o corpo possa ter sensação.

Por outro lado, o agregado restante ao perdurar em partes ou de


todo não tem a sensação, caso se separe aquele número de átomos
concorrentes para a natureza da alma, seja qual for a quantidade [...]
Desintegrando-se do todo o agregado, a alma se dispersa e não tem
mais as mesmas capacidades nem movimentos, nem tampouco de
sensação tem posse.31

A carta a Heródoto apresenta o agregado que se constitui de corpo e alma ao


separar, vai causar uma desintegração e isso vai fazer com que a alma se disperse.
Dessa forma, não terá mais a mesma capacidade que ela tinha quando estava junto
do corpo, nem tampouco terá posse das sensações. Mesmo que o corpo não seja o
responsável pela interpretação das sensações, ele vai se tornar um instrumento
necessário para o conhecimento verdadeiro por parte da alma, o que implica dizer
que o corpo separado da alma perde a sensação porque essa faculdade só é
facultada ao composto dos dois.

Diante do exposto aqui, se torna perceptível o quanto o mestre do jardim olha


para sua realidade e, principalmente, para a natureza e como ele retirava elementos
chaves para permear toda a sua filosofia. O próximo capítulo trabalhará os
elementos da ética desenvolvida por ele, como também a sua importância para a
constituição deste caminho rumo à felicidade.

31
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
24

3. A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E FELICIDADE EM EPICURO

Neste capítulo, será apresentada a ética que Epicuro desenvolveu para dar
suporte às pessoas que precisavam encontrar a Eudaimonia. Com isso, ele apontará
elementos que vão ajudar, de maneira prática, nesta caminhada rumo à felicidade,
uma vez que a ética vai constituir a razão de ser da filosofia desenvolvida por
Epicuro, pois ele se dedicará com todo o seu esforço para libertar a alma humana de
equívocos ou de crenças aterrorizadoras e, com isso, alcançar a verdadeira
felicidade, que consiste na serenidade de espírito pelo domínio de si mesmo. Em
outros termos, a ética desenvolvida por Epicuro será um bálsamo para aqueles que
querem encontrar a sua felicidade diante das adversidades que os bloqueiam de
conseguir enxergar a paz. Considera-se então que

A ética é um campo filosófico voltado para os problemas prático do


homem. De modo geral, as pessoas, ao longo da história humana,
têm estado preocupadas com questões concernentes à morte, à
solidão, à angústia, e o medo32.

Por isso, aqui, a finalidade é trazer os elementos constitutivos dessa ética,


considerando o escopo desse trabalho que é entender o caminho que leva a uma
vida feliz. Por isso, serão debatidos os prazeres e suas atribuições dentro da ética e
sua importância na conquista da felicidade e da ataraxia, uma vez que a ética
epicurista significará essencialmente que “o prazer é o princípio e fim da vida feliz”,33
em que o prazer vai ser o critério de escolha como também de aversão, porque
tenderá a evitar o sofrimento e será ainda o critério pelo qual serão avaliados todos
os bens.
Dentro desse conceito de prazer serão trabalhados os conceitos de aponia
(ausência de dor), ataraxia (ausência de perturbação), como também serão trazidas
aqui as distinções dos prazeres, no que diz respeito aos naturais e necessários,
naturais e não necessários e os não naturais e nem necessários. Serão trabalhados
ainda conceitos como: a morte e os deuses. Esses englobam os quatro remédios
indicados por Epicuro, juntamente com suas atribuições que serão pormenorizados
a seguir.

32
Revista Eletrônica print by UFSJ< http://www.funrei.br/publicações/Mετανοία>Mετανοία. São João
del-Rei, n.5, p.147-162, jul.2003.Acesso: 31/08/2021
33
EPICURO,1973, p17
25

3.1. OS QUATRO REMÉDIOS (TETRAFARMACON)

Epicuro desenvolverá uma espécie de remédio que vai ajudar os indivíduos a


conseguirem alcançar a sua ataraxia. Esse é constituído de quatro passos
necessários de serem seguidos. Primeiro, é preciso se livrar do temor dos deuses;
segundo, conseguir se libertar do medo da morte; terceiro, a vivência adequada dos
prazeres e o quarto passo é com relação à superação da dor ou de como superá-la.

Em resumo, os quatro remédios respondem às quatro principais


causas da infelicidade humana: temer a cólera dos deuses apavorar-
se diante da morte, escolher mal os objetos de desejo e angustiar-se
ante o sofrimento.34

Diante disso, será apresentado esse remédio que Epicuro indicará para
superar esses males que vão causar a infelicidade do ser humano, começando por
superar os medos dos deuses, como também da morte, e aprender a escolher bem
os objetos de prazeres e não viver uma vida angustiada diante dos sofrimentos, mas
sim conseguir superá-los ou suportá-los. Serão mostradas, em primeira instância, as
questões dos deuses e da morte, dois conceitos que estão ligados à perda da
ataraxia, por fazerem com que os seres humanos pensem muito nisso e deixem de
procurar o que realmente pode fazê-los felizes.

3.2 O TEMOR DOS DEUSES

No contexto em que Epicuro estava inserido, que data o século IV. a.c. era
predominava o culto aos deuses da mitologia grega. O filosofo em questão andava
pela cidade com sua mãe que adivinhava o futuro das pessoas. A partir disso, ele
teve a “oportunidade de conhecer de perto as superstições populares e os males
que causa a credulidade dos homens”35. Assim, ele perceber o quanto as pessoas
não conseguiam viver a sua vida por conta do medo de ser castigado por seres
divinos e supremos que tudo veem e que tudo controlam.

(a) a ideia de que os deuses se ocupam com os seres humanos; (b)


a ideia de que, quando alguém sofre uma desgraça ou um sucesso,

34
BRUNO, Flavio. Vista do Epicuro e os tetrapharmakon. APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da
Educação, Vitória da Conquista, Ano V, n. 8p. 161-170,2007. Disponível em:
<https://periodicos2.uesb.br/index.php/aprender/article/view/3164/2647> Acessado em: 24/08/2021
35
EPICURO, 1973, p.3
26

isso se deve a uma retribuição divina, e não ao próprio indivíduo. Se


levar esta análise ao extremo, ver-se-á que os deuses terminam por
inspirar medo nos humanos36.

Na citação acima, é mostrado o dilema entre os deuses que se culpam dos


seres humanos e a ideia de que se o indivíduo sofre algo, seja bom ou ruim, tudo é
em decorrência da retribuição divina e não por mérito do próprio indivíduo. Levando
essas colocações de forma precisa, ver-se-á que, na verdade, ela causa no ser
humano medo e receio para viver a sua vida de maneira prazerosa e feliz.
Por isso, ele buscará mostrar o percurso que essas pessoas devem seguir
com relação a esses deuses dizendo que:

Ímpio é não quem rejeita os deuses da maioria, mas aquele que


atribui a eles as opiniões da maioria. Porque as asserções da maioria
imposta aos deuses não são prenoções, mas falsas suposições, de
que os maiores prejuízos aos maus e os maiores benefícios aos
bons advêm por causa dos deuses.37

Epicuro mostra o ímpio não como aquele que rejeita os deuses que a maioria
acredita, mas sim como alguém que vai atribuir a eles as opiniões da maioria. As
afirmações da maioria impostas aos deuses não vão ser prenoções, mas meras
falsas suposições, considerando a crença de que os maiores benefícios e malefícios
são advindos dos deuses. Por isso, o mestre do jardim traz a questão da formação
desses deuses:
O princípio que leva Epicuro a esclarecer a natureza dos deuses é a
necessidade de que, para que eles sejam deuses, sejam também
incorruptíveis (theònáphtarton),ou seja, não submissos às mudanças
da natureza física. Caso sejam mutáveis, situar-se-ão no nível da
natureza física, e, por isso, perderão a natureza divina38.

Diante disso, o filosofo vai esclarecer a natureza dos deuses através da


necessidade de que, para que eles sejam deuses, primordialmente, também sejam
incorruptíveis, ou seja, que eles não sejam submissos às mudanças da natureza
física, pois caso sejam imutáveis, se situarão no nível da natureza física e por isso

36
FILHO, Juvenal. O Epicurismo e a ética: uma ética do prazer e da prudência
EpicureanismandEthics: anethicsofpleasureandprudenceEpicureismo y ética: una ética
delplacer y de lá prudência. [s.l.], 2009. Disponível em: <https://saocamilo-
sp.br/assets/artigo/bioethikos/68/10a17.pdf>. Acesso em: 17/08/2021
37
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
38
FILHO, 2009, p14
27

perderão a sua natureza divina. Uma exemplificação dessa questão é o motor


imóvel de Aristóteles que tudo cria, mas não faz parte da criação como algo
integrado dela, porque sendo sumamente perfeito, não poderia conter dentro de si o
imperfeito.39
Com essa colocação, percebe-se o que Epicuro quer dizer: sendo os deuses
seres divinos, incorruptíveis e perfeitos, não podem se misturar com a realidade
física, ou seja, não interferem na realidade humana. Isso significa dizer que o ser
humano não precisa mais afligir sua alma com as preocupações relacionadas a eles
e seus benefícios e malefícios, mas apenas viver de maneira feliz, buscando uma
paz interior.
Tendo, portanto, apresentado aqui a questão dos deuses, o medo que eles
traziam sobre os homens e as contribuições de Epicuro para sanar esse medo, será
mostrado agora outro fator que também causava perturbação aos seres humanos e
fazia com que eles não encontrassem a sua paz de espírito: a morte, apresentada
de forma a mostrar o que Epicuro dirá sobre a mesma.

3.2.1 o medo da morte

A morte, assim como deuses, era um dos fatores que mais deixava as
pessoas assoladas pelo medo de encerrarem as suas vidas e perderem tudo o que
estavam vivendo, o que acarretará uma vivência de insegurança e de angústia por
não saberem o dia nem hora que poderiam morrer. Isso os leva a perderem a sua
paz de espírito e viverem em uma constante dor. Epicuro, observando isso, vai
mostrar como se superar esse medo, alcançado assim o viver de modo livre, sem
esse temor.

Habitua-te considerar que a morte nada é para nós, já que todo bem
e mal consiste em uma sensação: ora, a morte e privação de
sensação. Donde um correto conhecimento de que a morte nada é
para nós faz da vida mortal algo apreciável, não por adicionar tempo
infinito e sim por suprimir o anseio de imortalidade.40

39
Sobre isso ver a Metafísica de Aristóteles Livro XII, Trad: ANGIONI, Lucas,205
40
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
28

Epicuro, em sua carta a Meneceu, vai considerar a morte de acordo com os


seus fundamentos naturalista-materialistas, quando diz que a morte não é nada,
tendo em vista que ela é privação de sensação. Em outros termos, a morte não seria
nada, uma vez que não teria nenhuma densidade ontológica com também nenhum
grau de ser, o que implica um correto conhecimento de que a morte não é nada,
possibilitando entender que a vida é apreciável e prazerosa. Mas, isso não porque
ela é infinita, mas sim por suprir um anseio de imortalidade.
Epicuro vai desenvolvendo a ideia que não se deve temer a morte, haja vista
que a mesma e a cessação da vida física, de maneira que não vai haver sofrimento
nela, afinal, sofrimento e prazer, como também mal e bem vão residir na sensação 41.
Isso faz se afirmar que se a morte é a privação da sensação não se poderá dessa
maneira dizer que ela pode vir a causar algum sofrimento a qualquer indivíduo. Uma
vez que estando na morte já não poderá mais sentir qualquer sensação.
Dessa forma, Epicuro mostra que a morte não deve preocupar as pessoas
porque ela nada é. Assim sendo, cada indivíduo deve aproveitar a sua vida e não
ficar se preocupando com algo que não chegou ainda, deixando de viver
prazerosamente, pois, segundo ele, “nada há de terrível na vida para quem
compreendeu que nada existe de terrível no não viver”42. Ou seja, quem entende a
morte, não perde a sua vida se preocupando com a mesma e isso proporciona ao
ser se concentrar na busca pela sua ataraxia.
Atrelado a esses dois passos dessa receita indicada pelo nosso filosofo , para
se alcançar a paz interior, apresenta-se agora mais dois elementos que compõem
esse remédio, são eles: as dores e os prazeres. Esses colaborarão para que o
indivíduo, decidindo seguir o caminho desse remédio, possa conseguir chegar a
uma ausência de perturbação. Ou seja, a partir do momento que o indivíduo decide
seguir o caminho desse remédio ele vai começar a ver as libertações dos medos
que ele tinha. E dessa forma pode se reencontrar consigo e com isso caminhar rumo
a felicidade, ou seja, ausência de perturbação.

3.2.1.1 AS DORES E OS PRAZERES

41
FILHO, 2009, p15
42
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021
29

O prazer desenvolvido por Epicuro tem como finalidade levar o indivíduo a


alcançar a ausência de perturbação (ataraxia), juntamente com ausência de dor
(aponía). Pensando nisso, ele definirá o prazer como sendo o princípio e o fim de
uma vida feliz, uma vez que ele dará a disposição para que o sujeito seja capaz de
escolher os seus caminhos, o que o possibilita ser livre e, consequentemente, feliz.
Porém, a princípio, vale esclarecer o que significa esses prazeres para Epicuro, a fim
de que não se incorra no erro de considerá-los como meras satisfações de qualquer
desejo, permitindo que o indivíduo, no lugar de se tornar feliz, venha apenas viver
algo que não o completa e o faça cair na dor. Por isso:

Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-


nos aos prazeres dos intemperantes ou aos produzidos pela
sensualidade, como crêem certos ignorantes, que se encontram em
desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos
acharmos livres de sofrimento do corpo e de perturbação da alma.43

Quando ele faz menção aos prazeres como sendo o início e fim de uma vida
feliz, não está se referindo a qualquer tipo de prazer. É notório isso observando-o
falar que não está se referindo aos prazeres dos intemperantes, nem mesmo os da
sensualidade, como muitos acreditam por não compreenderem a sua colocação.
Mas, o que ele traz com isso, na verdade, é que os prazeres sadios são os que
darão a capacidade para que o ser possa se achar livre de sofrimento, tanto do
corpo como das perturbações da alma.
Diante disso, ele vai apontar os tipos de prazeres que se tem e que devem
ser observados por aqueles que querem encontrar a felicidade e a paz de espírito.
Assim, são classificados por ele como “naturais e necessários; outros são naturais e
não necessários; outros nem naturais nem necessários, mas nascido de uma vã
opinião”44 . Essas classes de desejos colocadas por Epicuro são uma forma de
apontar sobre quais prazeres se deve cultivar, pois trará benefícios para se
encontrar a ataraxia, como também mostrar aqueles que se deve evitar, a fim de que
não venha causar dor e sofrimento, o que impediria o ser de conseguir alcançar uma
vida feliz. Aqui será pormenorizado cada um desses desejos colocados por ele.
Os primeiros a serem tratados são os desejos naturais como também
necessários, ou seja, que fazem parte da constituição do indivíduo e serão

43
EPICURO, 1973, p.17
44
EPICURO, 1973, p.18
30

essenciais para a sobrevivência e bem-estar do corpo e da alma. Esses são


essenciais para a vida, uma vez que eliminam dor e, consequentemente, trazem
uma paz de espírito.

A voz da carne diz: não passa fome, não passa sede, não sofre frio!
Aquele, porém, que não é condenado a estes padecimentos, ou pode
contar com a certeza de que não venham acontecer, pode comparar
sua ventura à do próprio Zeus.45

Nesse trecho, ao falar da voz da carne, ele se refere aos desejos naturais
que cada indivíduo tem, extremamente necessários para que ele possa se manter
vivo, como por exemplo o desejo de comer, pois todas as pessoas têm a
necessidade de se alimentar. Com isso, ele compara que aqueles que têm todos
esses desejos atendidos de maneira satisfatória podem ser comparados a um bem-
aventurado como Zeus.
Reale, em seu estudo sobre a Ética Epicurista, traz que serão colocados
neste grupo unicamente os prazeres que estarão estreitamente ligados à
conservação da vida dos indivíduos e estes seriam os únicos verdadeiramente
válidos, porque vão subtrair a dor do corpo, como por exemplo, beber quando se
tem sede ou comer quando se tem fome, descansar quando se está cansado e
assim por diante.46
Pode-se dizer ainda que, sem eles, a sintonia do corpo humano se desfaria,
pois os prazeres naturais e necessários vão permitir que o corpo continue se
afirmando na existência, tendo em vista que o indivíduo não os deseja porque eles
vão ser bons, mas eles são bons porque os indivíduos os desejam. Ou seja, eles
não desejarão aquilo que é supérfluo, mas aquilo que vai ser útil para ele, pois
elimina em si aquilo que lhe causa dor, uma vez que ele não buscará apenas um
prazer por si, mas algo que atenda os seus anseios de algo que é necessário para o
seu subsistir.
Já o segundo vai tratar dos desejos naturais e não necessários no sentido
que vai exceder a comum manutenção da vida, por isso versa sobre aqueles
desejos que são naturais, tais como: comer, beber, descansar e entre outros, porém,

45
VALIM, Diogo A. BORDIN, Reginaldo. Epicuro: a ética e o prazer, os caminhos da felicidade.
[s.l.]: , [s.d.]. Disponível em:<http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2008/pdf/c029.pdf>. Acesso em:
17/08/2021
46
REALE, 1990, p.247
31

não serão necessários quando vão ser buscados de maneira desregrada. “Não
naturais e não necessários, por sua vez, envolvem apenas variações naquela
primeira forma de prazer, querer um vinho dispendioso e não a água para saciar a
sede”.47 Sendo variações da primeira classe de desejos por serem naturais, vão se
diferenciar, tendo em vista os aspectos de exigência deles.
Em que consiste em satisfazer os desejos naturais, mas só que de maneira
sofisticada como é o caso de matar a sede com um vinho. Vale ressaltar que esses
desejos não são negados aos indivíduos, porém devem ser sempre satisfeitos com
cautela e, principalmente, sem exageros, para que não venham a perturbar a alma e
possam causar sofrimento a ela.
Reale traz que esses prazeres “já não têm mais aquele limite, porque não
subtraem a dor do corpo, mas variam somente no grau do prazer e podem provocar
notável dano”48.Ou seja, o intuito nessa segunda classe é satisfazer os desejos que
estão causando a dor, porém não com o intuito de sanar a mesma, mas
simplesmente para satisfazer o prazer de maneira refinada e luxuosa, variando
assim o prazer. Agindo dessa forma, o indivíduo está correndo o risco de viver com
a dor e não alcançar a ataraxia.
A terceira classe é formada pelos desejos não naturais e nem necessários,
aqueles que serão considerados por Epicuro como supérfluos, pois estão ligados às
vãs opiniões dos homens. Exemplos: o desejo de honrarias públicas de riqueza e
poder, assim por diante. Desses desejos, segundo o mestre do jardim, o indivíduo
deve se afastar, para que não venha a viver preso a eles, tendo em vista que assim
vivendo, ele se distanciará de uma vida feliz, pois não encontrará alegria neles.

E justamente porque o prazer é nosso primeiro bem, não zelamos


pela obtenção de qualquer prazer, mas deixamos de lado muitos dos
quais finalmente poderia resultar-nos um mal-estar maior ainda. Com
efeito, a muitas dores damos valor mais alto do que a prazeres,
principalmente em certos casos em que depois de um espaço de
tempo prolongado de dor sucede um prazer tanto maior.49

Contudo, pelo fato de o prazer ser o primeiro bem, não se deve zelar pela
obtenção de qualquer prazer, simplesmente por querer, mas escolher entre os

47
CECÍLIA. 2021.p 38
48
REALE, 1990, p.248
49
VALIM, BORDIN, p.9
32

prazeres, deixando de lado aqueles que possam causar um mal-estar, em alguns


casos de dar um valor mais elevado à dor, haja vista que a dor que está sentindo no
momento será revestida em um prazer prolongado no futuro.
Diante disso, Reale vai dizer que:

Sendo assim, a regra da vida moral não é o prazer como tal, mas a
razão que julga e discrimina, ou seja, a sabedoria que, entre os
prazeres, escolhe aqueles que não comportam em si dor e
perturbações, descartando aqueles que dão gozo momentâneo, mas
trazem consigo dores e perturbações.50

Com isso, ele afirmará que a regra da vida moral não é o prazer em si
mesmo, mas sim a razão que julga e discrimina, ou seja, a sabedoria que vai, entre
os diversos prazeres dentro das colocações aqui citadas, escolher aqueles que não
comporão em si dor e perturbações. Dessa forma, rejeitará aqueles que trazem
prazeres momentâneos, mas que depois trarão dores e perturbações ao ser, o que o
impede de encontrar a sua ataraxia.
Tendo apresentado o que é o prazer e seus atributos para a constituição de
uma vida feliz, atrela-se a esses três fatores de seguimento desse remédio o último
passo que é a superação da dor. A dor causa perturbação ao indivíduo, fazendo
com que ele se perca do caminho para chegar à felicidade. Porém, Epicuro vai dizer
em suas máximas principais que.

A dor na carne não dura continuamente: a extrema permanece um


tempo curto e a que excede por pouco o prazer do corpo não dura
muitos dias; as dores crônicas, por sua vez, convivem com um prazer
que supera a dor da carne51.

É demonstrado aqui que a dor sentida pelo indivíduo no corpo não vai durar
eternamente e que aquela que é extrema permanece por curto período de tempo e
excede o prazer, mas por pouco. Porém, as dores que são permanentes não devem
causar tanta perturbação, pois o prazer consegue suplantá-las, fazendo com o
indivíduo possa viver bem. Em outros termos, poderia dizer como na sentença
vaticana que “toda dor é facilmente suportável: a que é intensa dura pouco, as dores
do corpo que dura muito são tênues” 52. Portanto, o homem não deve se preocupar

50
REALE, 1990, p.247
51
EPICURO, apud, CECÍLIA, 2021, p127.
52
QUARTIM, João, M. Sentenças vaticanas. São Paulo: Editora Loyola,2014.77p.
33

com a dor, pois, se ela for intensa, logo passará e se, for crônica, ela pode ser tênue
pela vivência dos prazeres.
Em síntese, diante desse tetraphamakon, é notório que Epicuro perfaz um
caminho, mostrando e desmistificando os elementos que causam, no humano, o
medo e a insegurança, pois eles vivem atrelados aos medos que os impedem de
conseguir acender a sua ataraxia. Aliado a essa libertação dos principais medos
que cercam o homem, Epicuro traz a amizade que é chave mestra para o alcance da
felicidade.

3.2.1.1.1 AMIZADE E SUA IMPORTÂNCIA NA CONQUISTA DA FELICIDADE

A amizade idealizada por Epicuro será decisiva para se alcançar a


Eudaimonia. Com efeito, uma das características mais notáveis da escola epicurista
é a amizade que não cessou de nela prosperar, unindo, por um lado, os professores
e os alunos, por outro, os alunos entre si53, porque essa amizade gerava, entre os
discípulos e o mestre, uma relação de confiança, de lealdade. Isso facilitava a
aprendizagem deles e, se de um lado criava vínculos com o mestre, do outro
também gerava vínculos entre eles.
De todas as coisas que nos oferece a sabedoria para a felicidade de toda a
nossa vida, a maior é a aquisição da amizade54.O filosofo nos traz que, das tantas
coisas que a sabedoria oferece aos indivíduos para se alcançar a felicidade plena, a
maior aquisição vai ser a amizade, porque nela o indivíduo vai alcançar um porto
seguro para assim partilhar as vivências e os anseios que o cercam.
Assim, pensado nessa amizade, não se pode deixar de lançar o olhar sobre
o jardim que ele criou, pois lá é visível a vivência dessa amizade. Em que esse
jardim era organizado em torno de um objetivo comum que era a busca da
imperturbabilidade da alma. Diante disso, vale salientar que o direito à felicidade na
comunidade do jardim era facultado a todos. Então, “A amizade é, portanto, um bem
universal é instrumento indispensável ao artesanato ético interior, pois a presença
do amigo auxilia na procura e na manutenção da sabedoria55. Ou seja, a amizade é
um bem universal e, por ser assim, se torna indispensável na construção da ética

53
EPICURO, 1973, p.4
54
EPICURO, 1973, p20
55
PESSANHA, apud, VALIM, BORDIN, p.11
34

interior, uma vez que a presença de um amigo ajudará na procura e na manutenção


da sabedoria e, consequentemente, da felicidade.
Porém, essa amizade apontada por ele como um dos meios para se alcançar
a felicidade, não deve ser deturpada, tendo em vista que as falsas amizades,
baseadas em privilégios, tais como financeiro ao pôr outro interesse que não seja o
engrandecimento mútuo um do outro, não são consideradas amizades. Quem se
utiliza da amizade por interesse, não pode ser encaixado com amigos, mas como
alguém que busca apenas privilégios, uma vez que:

Não é amigo quem sempre busca a utilidade, nem quem jamais a


relaciona com a amizade, por que um trafica para conseguir a
recompensa pelo benefício e o outro destrói a confiança e esperança
para o futuro.56

Dessa Forma, ele mostra que os indivíduos que buscam a amizade com o
intuito de saciar os seus desejos, não são amigos, porque, nesta relação de apenas
utilidade, um visará apenas conseguir recompensas pelo benefício que essa relação
de amizade pode causar. Dessa forma, destruirá no outro a sua confiança para as
próximas relações de amizade, uma vez que agora ele estará inseguro para
conseguir manter uma nova relação de amizade.
Além dessa questão, adverte para não aprovar aquele que cria rapidamente
laços de amizade, como também aqueles que demoram em fazê-las, tendo em vista
que o primeiro não tem raízes suficientes para se expor ao perigo por um amigo e o
segundo pode deixar de ajudar por não se achar ainda na condição de amigos
quando vier o momento da dor. Porém, o maior auxílio que um amigo pode prestar é
a confiança de que ele estará pronto a ajudar quando o outro precisar. Assim, a
amizade claramente contribui para um estado de bem-estar e tranquilidade, sem os
quais não se poderia alcançar a felicidade.
Portanto, amizade verdadeira dará suporte ao indivíduo para que ele possa
viver sua vida e, consequentemente, ele conseguirá alcançar a ataraxia, uma vez
que já não mais estará preocupado com todos os problemas que o cercam, mais se
deleitará em uma amizade que o ajudará no seu crescimento pessoal, como também
em relação os outros em comunidade.

56
EPICURO, 1973, p.20
35

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho pretendeu entender o caminho apresentado por Epicuro


para se chegar à felicidade, mostrando assim quais os elementos por ele utilizados e
qual a sua importância para se alcançar uma paz de espírito capaz de dar ao ser
humano a disposição de ser feliz e livre das dores e dos medos. Neste caminho, foi
possível perceber o cultivo dos prazeres e das amizades, levando em consideração
esses fatores. Para tanto, foram desenvolvidos dois capítulos contendo os principais
fundamentos da sua teoria.
No primeiro capítulo, foram mostradas as bases de sua teoria que se constitui
de canônica e física. A canônica permitia ao indivíduo identificar as crenças
infundadas e, dessa forma, ajudava a reconhecer a verdade. Para se chegar a essa
verdade, foi apresentado, aliado a essa canônica, a sensação que captará, de forma
infalível, o ser, como também será critério fundamental para o conhecimento da
verdade. Ligada a essa canônica, encontra-se a física que é atomista e materialista
e, desse modo, possibilitará o conhecimento da realidade.
Com isso, os epicuristas trazem que tudo, incluindo a alma, são compostos de
átomos e que, portanto, o conhecimento da realidade, para ele, é a única forma de
se livrar dos temores que, consequentemente, fazem com que o ser não consiga
chegar a sua realização plena. Isso implica dizer que sem o estudo da natureza não
se pode chegar à felicidade em seu estado mais puro, ou seja, livre de temores. Por
isso, a física vai ser uma propedêutica para a ataraxia, porque, a partir do momento
que se conhece a natureza e a cosmologia, abre-se um horizonte de possibilidade
para se viver uma vida feliz.
Diante das bases da sua teoria, este trabalho também buscou compreender a
ética desenvolvida por ele como elemento primordial do seu caminho que leva a
felicidade, tendo em vista que sua ética terá como base a ideia de que o prazer é um
bem a ser almejado pela ação virtuosa. Pensando nisso, o segundo capítulo foi
desenvolvido com base no tetrapharmako e finalizado com a ideia de amizade
cultivada por Epicuro. Dentro desse capítulo, foi possível perceber o empenho de
Epicuro em desfazer os medos e os bloqueios que as pessoas tinham gerado com
relação à morte e aos deuses, como também mostrou-se os tipos de prazeres, quais
36

devem ser cultivados e quais se deve evitar, aliado a superação da dor ou como
aprender a suportá-la.
Por fim, foi mostrada a temática da amizade em que o filosofo traz que, das
tantas coisas que a sabedoria oferece aos indivíduos para se alcançar a felicidade
plena, a maior aquisição é a amizade, porque nela o indivíduo vai alcançar um porto
seguro para assim partilhar as vivências e os anseios que o cercam. Esses dois
capítulos retrataram a caminhada feita por Epicuro para se chegar a Eudaimonia.
Diante desse percurso, buscou-se responder o seguinte questionamento: é possível,
diante das perturbações que tira ataraxia, chegar à felicidade?
Tendo em vista toda a discursão feita diante dos dois capítulos, essa pergunta
pode ser respondida, uma vez que homem, para alcançar a felicidade, tem que se
livrar de todos os medos e de todas as incertezas que o impedem de viver e ser
livre. É exatamente o que Epicuro apresenta em sua teoria, elementos tais como: o
não temer a morte porque, enquanto ela não vem, se vive e, portanto, deve-se
aproveitar. A vivência dos prazeres, de maneira sadia e proveitosa, que não cause
dor, como também a vivência da amizade, possibilitarão ao homem, diante das
dificuldades, encontrar apoio. Tudo isso leva a um encontro com a felicidade, pois
seguindo o caminho apresentado por Epicuro, é possível, mesmo diante dos males
que tendem a afligir, encontrar meios para ser feliz.
Com isso, é notório que, no decorrer dessa pesquisa, Epicuro realiza, em
primeiro momento, uma análise do que estava acontecendo ao seu entorno e
começa a perceber quais eram as perturbações que afligia as pessoas e que tiravam
ataraxia, consequentemente, não as deixando ser felizes. Assim, para cada mal, ele
apresenta uma solução ou um meio para que o indivíduo sane o medo e consiga a
sua ataraxia e a sua felicidade.
Diante disso, essa pesquisa mostra o quanto as pessoas tiram o foco de si e
se perdem em meio aos problemas em que se encontram. Em consonância a isso, é
possível perceber que, ao longo do percurso apresentado por Epicuro, essa questão
de ser feliz não é algo só de sua época, pois se lançar o olhar para a modernidade,
é possível ver como as pessoas vivem uma busca constante pela felicidade e que,
assim como Epicuro mostrou males que tiram a paz e a felicidade, também na
atualidade existirão males que fazem os seres viverem em função deles e acabarem
por não alcançarem a felicidade.
37

É possível perceber que, na sociedade atual, as pessoas vivem de elementos


passageiros, de amizades passageiras, de um consumismo exacerbado, mas que
não traz felicidade. O indivíduo até busca algo que o faça feliz, mas não encontra e,
por isso, vive sempre em uma corrida em busca de algo que lhe possa trazer
felicidade.
Olhando para essa realidade, à luz de Epicuro, é possível perceber que os
indivíduos ainda não identificaram, assim como Epicuro, aquilo que está os
aprisionando. Dessa forma, acabam como os da época do nosso filósofo, vivendo
em função do medo por não saberem qual caminho seguir ou por acreditarem que,
agindo desse modo, uma hora terão a capacidade de ser felizes e alcançarão a
ataraxia.
Portanto, essa pesquisa mostra, por meio de Epicuro, que ser feliz não é algo
isolado, mas é algo que diz respeito a todos os indivíduos. Só é possível ser feliz
quando se aprende a lidar com o que traz medo e assim controlar as emoções, tudo
isso aliado as vivencias dos prazeres, de maneira que o estado deles sejam estáveis
e equilibrados com um consequente estado de tranquilidade e ausência de
perturbação. Assim, o indivíduo encontra a sua verdadeira Eudaimonia em sua vida.
Essa pesquisa, portanto, não traz resultados que se fecham em si mesmos, mas traz
um leque de oportunidades de aprofundamentos filosóficos. Pode-se dizer então que
esse trabalho é apenas a ponta de um “iceberg” e que existe um vasto campo neste
caminho apresentado por Epicuro para ser explorado e compreendido.
38

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