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abordagem do ciclo de politicas proposto por Bowe, Ball ¢ Gold (1992) para compreender como esses discursos so produzidos, circulam e produzem sentidos sobre o que ¢ ¢ sobre 0 que deveria ser o ensino de Cincias no Ensino Fundamental I (EF No tercciro capitulo, apresenta-se o desenvolvimen- to do trabalho de campo realizado em duas escolas da rede municipal do Rio de Janeiro. Sio explicitadas as opgbes metodolégicas, os impasses ¢ as dificuldades surgidos como foram superados. Retomando a ideia da abordagem do ciclo de politicas, explicitam-se as condigées de fun- cionamento, 05 objetivos ¢ os desafios enfrentados na rede de ensino do municipio do Rio de Janeiro, localizando as propostas para o ensino de Ciéncias postas no perfodo em que a pesquisa foi realizada. Nesse processo, foi nevessério realizar entrevistas com outros atores que permitiram esta- belecer triangulagécs importantes na andlise desse material (ANDRE, 1997). A datar dessa explanagio, séo apresen- tados os relatérios produzidos a partir das observacdes/in- terpretagdes realizadas nas necessérias articulagées com 0 objeto de estudo. Finalizando, desenvolvem-se algumas consideragoes suscitadas pelo estudo que podem contribuir para a rea- \co de outros que, com novas perspectivas de andlise, continuem ampliando o processo de reflexio sobre as pro- dugées do campo curricular. 30 REFLETINDO SOBRE A CONSTITUICAO DE HEGEMONIA DO SABER CIENTIFICO A PARTIR DA TEORIA DO DISCURSO, [A.citncia nfo é uma colegio de truques. uma atitade perante o mundo, um modo de vier. (CH. Waddingron in: The scientific atticude) Na primeira secdo deste capitulo, apresenta-se 0 re- ferencial tedrico-analitico que sustenta 0 processo de pro- dugdo desta tese. Trata-se de uma sintese realizada a par- tir da apropriagio de pressupostos pés-estruturalistas, em especial dos conceitos implicados na Teoria do Discurso desenvolvida por Ernesto Laclau (1996; 1998; 2000; 2001; 2005; 2006a; 2006b; 2009) ¢ Laclau e Mouffe (2010). Essa apropriagio envolven um longo processo de des- construgao de certezas e conceitos ¢ a realizagao de aproxi- 1agGes entre perspectivas tedricas distintas, o que sempre implica assumir tiscos. Nessa caminhada, foi fundamental a contribuigio de virios estudiosos de Laclau (BARRET, 1996; BURITY, 2008; MENDONGA, 2003; 2007; 2008; MOUEEE, 2001), parceiros com quem foi possivel estabe- lecer uma longa ¢ exaustiva interlocugao acerca dos concei- 3 tos desenvolvidos pelo autor, de forma a referencial que permitiu a construcio do objeto de estudo em questio, dando sentido a tese, ainda que esta se apre- sente como uma construgio provi Na segunda sesfo, a andlise é desenvolvida de manei- ra identificar a producio ¢ a fixagio de sentidos em um discurso especifico: o discurso cientifico, Trata-se de senti- dos que, em meio a relagées de poder, prod modos de set ¢ estar no mundo que se tornaram expresso do projeto da modernidade. A constituigio da hegemonia do discurso cientifico é assumida como um elemento im- portante para a consolidagio desse projeto. Na terceira segio, 0 mesmo referencial tedrico ana- ico € utilizado de forma a estabelecer relagdes entre 0 proceso de constituigao hegeménica do discurso cientifico © a consolidagio da escola como instituigio tipica da mo- deridade. O pressuposto é 0 de que esses dois processos, mutuamente influenciados, foram fundamentais para processo de instauragio das formas de ser e de perceber 0 mundo associadas a um tipo de racionalidade espeeifica: a racionalidade cientifica. Na quarta segio, retoma-se a ideia de hegemonia como construcéo discursiva proviséria e permanente. O objetivo € identificar, nas diferentes concepgdes de ciéncia que emergem ao longo do século XX, sentidos de um dis- sta que permanecem, de forma recontextua- lizada, apresentando o saber cientifico como a forma mais adequada para se conhecer a realidade. Na quinta segio, sio analisadas as influéncias que a racionalidade cientifica exerce sobre as concepgdes de cur- riculo ¢ de ensino. Além disso, ica-se a forca dessa tradicio mesmo entre os teéricos crf curso ci EFLETINDO SOMKE ACONSTITLAGAO DF HEGENONIADO SARE. wolvidos na selecio daquilo que é legit nado na escola. Por fim, encerrando este capitulo, o conceito de sa- ber ensinado € discutido a partir da perspectiva de cultura de negociagio cultural desenvolvida por Garcia Canclini (2006), Hall (1997; 2003) e Bhabha (2007). ado para ser en- ‘Teoria do discurso: uma teoria da hegemonia No desenvolvimento deste trabalho, a teoria de dis- curso proposta por Ernesto Laclau é tomada como abor- dagem tebrico-analitica que permite compreender 0 pro- cesso de legicimagio do saber cientifico e suas implicagbes! relagdes com o process de escolarizacdo moderna. Essa opcio decorre da compreensio de que 0 discurso produz a realidade social, Para Laclau, o ato de nomear produz co- nhecimento, ¢ essa produgao é movida pela necessidade de der. Nessa perspectiva, 0 conhecimento produzido pela também produz sentidos que constituem a realida- 4 de social (BURITY, 2008). ‘A capacidade que a ciéncia moderna demonstrou para elaborar prognésticos possibilitou que ela se transfor- masse em um poderoso instrumento a scrvigo das forgas produtivas. No entanto, essa capacidade nao elimina o fato de ela se constituir em um dominio de saber guiado por principios autorreferenciados (ARAUJO, 2010). A propa- ada objetividade que legitima a ciéncia é estabelecida em tum jogo de linguagem préprio (LYOTARD, 1989) cursivamente, se apresentou como a tinica forma valida de conhecer (LACLAU, 2006). Esse entendimento sustenta a za, uma construgio social que acontece em meio a relagbes, de poder. Nessa perspectiva, 0 aporte da teoria do discurso ido para identificar as articulagdes que poss ram entender que o saber cientifico — um tipo de saber particular — passou a encarnar o sentido de universalidade. Antes de prosseguir, € necessirio esclarecer como La- clau concebe discurso, categoria analitica que desempenha papel central em suas reflexes. Burity (2008) afirma que, ‘em Laclau, o discurso é, 20 mesmo tempo, uma forma de comunicacao ¢ um sistema de regras em que os sentidos si0 produzidos. Dessa forma, para Laclau, o discurso é uma categoria teérica que permite investigar os mecanismos pe- los quais os sentidos sio produzidos e como eles conferem orientagio aos fendmenos sociais. Nao é uma orientagio predeterminada, mas algo que se produz ese transforma na propria dinamica discursiva. Por outro lado, para Laclau, para além da fala, 0 discurso envolve ainda um campo de priticas que produz sentidos. Uma “unidade complexa de palavras e agdes de elementos explicitos e implicitos, de es- tratégias conscientes ¢ inconscientes. E. parte insepardvel da ontologia social dos objetos” (BURITY, 2008, p. 42). ‘Ao se resgatar a ideia presente no titulo desta sesso € com a contribuicdo de Burity, é possivel pensar a teoria (- do discurso como uma teoria da hegemonia porque, em Laclau (1998), a hegemonia é concebida como uma opera- |, Slo discursiva que busca constituir a universalizagdo de um 94 discurso a partir da fixagao de sentidos de forma a alcangar a plenitude que falta ao social. Laclau (1998) trabalha com a ideia de uma subjeti- vidade dividida e iluséria construida com base na imagem do outro. Essa subjetividade busca fora de si mesma as referencias que podem suprir aquilo que ela deseja endo possui, Uma subjetividade que “anseia pelo eu unitério € pela unidade com a mae da fase imaginéria, e esse an- seio, esse desejo, produz a tendéncia para se identificar com figuras poderosas e significativas fora de si préprio” 34 EFLETINDO SOBRE ACONSTTTLIGAO DE HECEMONIA DO SABER (WOODWARD, 2000, p. 64). Trata-se de uma sul dade que € sempre referencial Assim, o conceito de hegemonia diz respeito a capa- cidade de um discurso particular passara representa algo que € maior que ele (LACLAU, 1998)} Portanto, a utiliza- cio da categoria hegemonia como instrumento de andlise ide aos processos con- tingentes de constituicao do social (MENDONCA, 2007). Taclau (1998) assume, entio, a constituigio de pro- cessos hegeménicos em uma perspectiva que rompe com a égica essencialista presente em algumas abordagens mar- xistas, em que a hegemonia implica a definigao prévia e a fixagio absoluta dos sentidos que serio produzidos na luta por hegemonia e das identidades envolvidas nesse processo. [Nessa perspectiva, a contra-hegemonia é entendida como a produgao de sentidos ¢ identidades em contraposicio 4 ligica hegeménica também como uma definicio a priori Rompendo com esse binarismo, Laclau nos permite pen- sar em hegemonias sendo permanentemente disputadas no campo da discursividade, sem que possamos prever expta- mente quais sentidos ¢ identidades serio ree da que algumas dessas construgdes assumam uma configu- ragio mais estavel, elas sero sempre contingentes ¢ fluidas. Para Laclau (2000), a constituigao de hegemonia apontard permanentemente para tentativas de recomposi- Gio c rearticulagio de sentidos, com o objetivo de superar a impossibilidade da totalidade, No entanto, a fixasio desses sentidos serd sempre contingente ¢ proviséria e in € acontecerd sibilidade, Ela carrega sempre “uma dimensio de indeterminagio e de fal- ta constitutiva, de modo que nio dada a priori” (BURITY, 2008, p. 36). Segundo Barret (1996), © processo de constituigio de hegemonia em Laclau implica pensar o social como ‘um corpo politico cuja pele est permanentemen- te dilacerada, exigindo um plantio intermindvel ra sala de emergéncia por parte dos cirurgides da hegemonia, cuja sina é tentar fechar os cortes, temporariamente e com dificuldade (Esse paciente nunca chega a sala de recuperacio) (p. 249). A hegemonia é, pois, concebida como uma operasio discursiva que apontard permanentemente para tentativas de recomposicio e rearticulagzo na diregio de superar a im- possibilidade da toralidade. No entanto, a diresio que essa tentativa tomaré nio esté dada anteriormente ao proceso, no € algo a ser revelado ou descoberto, mas uma constru- ‘Gio que acontece em meio a relagdes assimétricas de poder. Laclau e Mouffe (2010) explicam essa operagio de- senvolvendo a ideia de discurso como prdtica articulatéria, ‘como operasio em que diferentes demandas dispersas no campo da discursividade so ordenadas em uma cadeia de cequivaléncia. Os autores entendem essas demandas como elementos cujo ordenamento ocorre em fungio de um ex- terior constitutivo, elementos expulsos da cadcia de equi- valencia e que possibilitam que demandas diferenciadas abram mio de scus contetidos particulares para constituir uuma articulagio que poderd se romnar hegemonica. E.0 ex- imigo comum, que torna possivel 0s processos de identificagio em uma cadeia de equivalén- cia. Ele expressa os tragos da exclusio que tornam posst- vel a identificagio entre formagées discursivas diferentes (MOUFFE, 2001). ‘Assim, segundo os autores, a articulagio de deman- as diferenciadas s6 € possivel pela constituigio de pontos nodais que passam a expressar um sentido comum entre 36 EFLETINDO SO8RE ACONSTTTUGAO DE HEGEMONIADO SABER cles. Esse sentido é apreendido como comum, pois confere equivaléncia entre os elementos diferentes, transforman- do-os em elementos equivalentes ou “momentos” (MEN- DONGA, 2003). No entanto, Laclau e Mouffe (2010) também argu- mentam que um momento sempre guarda referéncia com ‘elemento que o originou. Por isso, mantém uma parti laridade que impede que, em uma cadeia de equivaléncia, cles se igualem entre si, Momentos séo sempre posigoes di- ferenciadas articuladas em um discurso, cujos contetidos particulares anteriores foram modificados, mas nunca a ponto de tomné-los completa ¢ definitivamente iguais. A operacio hegeménica, que tem por objetivo fixar sentidos, nunca se completa totalmente, dado que as diferengas entre 15 elementos permanecem existindo. Essa concepgio de hegemonia toda a preseritl pressuposto a poss plica a rejeigao de lade teérica € social que tenha como dade de as Tormagio discursi- ‘Mouffe (2010) desenvolvem ee para demons- trar que a contingencialidade ¢ a precariedade, inerentes a toda formagio discursiva, impedem que os sentidos por clas produzidos sejam completamente fixados. discurso como consequéncia de uma dup! de. A pri sistemas discursivos diferentes. Assim, 0 corte antagénico constitui uma fronteira que impede a completa prolifera- ‘sto de sentidos em uma cadeia de equivaléncia e funciona ‘como uma barreira que separa o “nés”, dentro de uma for- magio discursiva, do “eles”, que estio fora dela. “Nao hi ‘como passar essa fronteira e continuar sendo ‘nds’. Nao ha ‘como vir de lé e continuar sendo ‘eles” (BURITY, 2008, p. 45). Porém, essa constatagio também implica reconhecer a i respeito ao antagonismo existente entre 7 ~ quatio-dimiensbes da Tagica hegem@nicn cexisténcia de um outro que é outra coisa diferente do “nés”, ‘mas que define o que somos “nds”. Mendonga (2003) des- taca que essa impossibilidade decorrente do antagonismo pode ser caracterizada como uma falta, dado que tudo aquilo que esté além dos limites de um sistema discursivo nfo pode produzir sentidos em seu interior, Se a primeira impossibilidade decorre da barreira imposta a proliferagio ilimitada de sentidos, a segunda decorre exatamente dessa proliferasao de sentidos no inte- rior de uma formagio discursiva e que ¢ condigéo para sua universalizacao. Contudo, a “abundancia de sentidos que podem ser incorporados, constituides ou perdidos por um discurso impede a sua completa fixagio” (MENDONGA, 2003, p. 143). Isso porque diferentes sentidos entram em relagio ¢ se modificam incessantemente, impedindo que ‘um Ginico, atribuldo a determinado objero particular, possa ser definitivamente fixado. Dessa forma, 0 cariter precitio do discurso pode ser explicado como resultado das altera- .gbes que ocorrem nos sentidos que ele procura fixar. Para Laclau (1998), um discurso se rorna heger co na medida em que consegue articular intimeras deman- das diferenciadas, tornando-se capaz de representé-las, ou melhor, de ma presentadas. E nessa perspectiva qui {que elas passem a se sentir por ele re- autor desenvolve as egundo ele, ‘constituem o proprio fundamento da politica (LACLAU, 2000). ‘A primeita dimensio tem como pressuposto a desi- gualdade de poder (LACLAU, 2000). A dilaceragao a que se refere Barret (1996), citada anteriormente, expressa uma disputa de poder incessante em que diferentes discursos tentam impor suas significagGes para se tornar hegeméni- cos. Dessa forma, a constituigao de hegemonia nada mais é do que a tentativa de apresentar um desses discursos como 38 [EFLETINDO SOBRE ACONSTITUIGKO DE HEGENONIA DO SABER capaz de encerrar um sentido que contemple os demais. Ela expressa a capacidade de um discurso articular diferentes demandas em uma cadeia de equivaléncia, na medida em que busca representar a totalidade desejada, embora impos- sivel (LACLAU; MOUFFE, 2010). ‘A segunda dimensio se rclaciona com a primeira ¢ tem como caracteristica a supressio da dicotomia entre particular € universal (LACLAU, 2000). Laclau (1996) S99 questiona essa polarizagao afirmando que particular ¢ uni- _— versal so mutuamente referenciados. O “inés’ sé se viabi liza discursivamente pela projesio do “eles” fEntretant discurso que articula “nds” precisa incoxporar sentidos di Ferenciados que permitam que os diferentes “nds” se sintam por ele representados|Ou seja, para se tornar hegeménico, tum discurso precisa encarnar contetidos particulares de ele- mentos diferenciados, de forma a ser capaz de represent Jos. Desa forma, o discurso hegeménico, que se apresenta como universal e passa a ser concebido como tal, é carrega- de decerminado particular como universal nao pode acon- tecer com o total abandono de seus contetidos particulares -iniciais.{Ao integrar uma cadela de equivaléncia, um ele- ‘mento nunca se transforma completamente em momento. ‘As identidades articuladas em uma cadeia de equivaléncia se transformam, mas nao se tornam iguais, ou seja, clas permanecem referenciadas em seus contetidos particulates, € sio esses contetidos que permitem 0 reconhecimento de tum deles como universal. Assim, nenhuma partcularidade pode constituir-se sem manter uma referénci a universalidade.|“O universal emerge do particular nio como um prinefpio sublinhando ¢ explicando o particular, ‘mas como um horizonte incompleto suturando uma iden- tidade particular deslocada’ (LACLAU, 2001, p. 240). 39 do de sentidos particulares. Por outro lado, Laclau alerta que o reconhecimento a (Ou seja, para o autor, toda identidade se constitui na relagio com algo que the ¢ externo, um exterior cons- titutivo. Portanto, 0 social nada mais é que um todo cujas as diferengas sio discursivamente articuladas. Dessa Forma, ainda que aparentemente se apresente como coeso € © social estd irremediavelmente cindido. A iden- tidade universal fixada, que tem a pretensio de representé- lo, depende de outra(s) identidade(s) que foram expulsas € que nio podem ser incorporadas, sob pena de perda da uunidade desejada. Por outro lado, quando dada articulagao sio articuladas, transformando os contetidos da identida- de tida como siniversal e constituindo uma nova formagio hegemdnica Neste ponto, cabe destacar que, para 0 autor, esse processo est implicado em relagées de poder. Trata-se de relagbes assimétricas de poder, pois universal é “aquilo que de poder que me permite fazer ssal” (SILVA, 2000, p. 77). Dessa forma, podemos concluis, a partir das consi- deragoes de Laclau, que a representacio da plenitude ~ a universalidade ~ no pode eliminar completamente o par- cular que pretende representar, pois isso corresponderia a ‘uma situagio em que o sentido encarnado 0 corpo encar- nante se confundiriam, estariam superpostos, passariam a set iguais ¢ nao equivalences. Para 0 autor, a encarnagio se refere a uma plenitude ausente que utiliza um objeto dife- rente de si mesmo como meio de representagio (LACLAU, 2001): Portanto, 0 corpo encarnante tem de, necessaria- mente, expressar algo distinto de si mesmo. ‘No entanto, esse algo distinto carece de identidade prépria e s6 pode constituir-se por meio dos contetidos pertencentes ao corpo encarnante. Assim, o universal sé pode se constituir como tal ao incorporar contetidos par- 40 EFLETINDO SOBRE ACONSTTTUIGAO DE HEGEMONIA DO SABER. ticulares, razio pela qual Laclau (2006) conclui que toda eo a gotten reel deal ni oe xtra como uma relacio de miitua excluséo: universal e particular io podem ser coneebidos como incompativeis, mas sim como mutuamente constitufdos| © contetido pai parte integrante do contetido que se pretende universal universal nada mais & do que um contetido particular que, em determinado momento, passa a se apresentar como sc fosse universal. ‘A terccira dimensio da hegemonia diz a produgio de significantes varios e tem a ver com os me- ‘anismos que tornam possivel que um particular possa re- presentar a plenitude ausente se afirmando como universal (LACLAU, 2000; 2006a; 20066). ae ficante vazio é uma categoria utilizada por La- clau (2006b) como um instrumento que procura explicar © processo de hegemonizagio de um discurso, O autor de- fine como significante vazio aquele que, no processo das priticas articulatérias, assume a posigio de uma demanda maior capaz de articular outras intimeras ¢ diferentes de- mandas presentes no campo da discursividade. Trata-se de um significante sem contetido determinado e, sendo forma scm conteido, flusua, podendo ser preenchide por qual- ico o converte em receptéculo de miiltiplos contetidos, permitindo-lhe con- ciliar significados aparentemente irreconcilidvcis ¢ possibi- iando que algo que seja particular passe a representar a lidade. Ou seja, cada elemento que expressa um contetido particular, ao se transformar em momento, empresta um sentido para que a cadeia de equivaléncia possa expressar aquilo que se pretende. Com isso, os sentidos passam a de- 4 signar algo diferente, assumem novos significados, porque seus contetidos sio deformados. A ideia de significante vazio sustenta que, quanto ‘mais ampla certa cadeia de equivaléncia for, me- ros a demanda que assume a responsabilidade de representé-la como um todo vai possuir um lago estrito com aquilo que constitufa originariamente como particularidade, quer dizer, para ter a fungio de representacio universal,a demanda vai ter que se despojar de seu contetido preciso ¢ concreto, afistando-se da relagio com seu(s) significado(s) espectfico(s), transformando-se em um significan- te puto que € 0 que 0 conceitua como sendo um significante vazio (LACLAU, 2005, p. 3). Para 0 autor, o significante vazio funciona como um ponto nodal que rorna posstvel a convergéncia de diferentes elementos anteriormente desarticulados entre si. Os pon- tos nodais permitem que as diferentes demandas se sintam representadas, o que é fundamental para a constitui¢io da hegemonia. No cntanto, com isso, a proliferagio de senti- dos atribuidos a0 significante impede a fixacao definitiva de lo que pretende expressar a universalidade. Assim, € possivel concluir que uma estructura discursiva s6 € -capaz. de fixar sentidos parciais. Os consensos hegeménicos sio sempre provisdrios ¢ contaminados pela precariedade e pela contingéncia (LACLAU, 2000). “Todavia, se € Faro que um significante vario perdeu a capacidade de produzir efeitos especificos, nd sendo clara sua significagio, também é correto afirmar que, em um mesmo campo politico, € possivel identificar, em de- terminadas cadelas de eq) ignificantes cujos sentidos assumem maior nitidez, Aqui, trata-se de um tipo 2 EFLETINDO SOBRE ACONSTITUIGO DE HEGEMONIADO SARE. icante capaz de produzir sentidos especificos ¢ que a aglutinacao de determinadas demandas que se sobre o solo precitio e contingente das articula- . Nao se trata exatamente de um significante atuar como & Segundo Laclau (2005), um significante vazio é uma categoria vinculada & construgio de uma cadeia mais am- do significance vazio é designado como flutuante. O autor destaca que as fronteiras entre os significantes vazio e flutu- ante nao sio bem definidas e, em determinadas circunstin- cias, pode haver superposicio entre eles. Por fim, para o autor, a tiltima dimensio da l6gica hhegeménica diz respeito A generalizagio das relagdes de re- presentagao como condigio de constituigio da ordem so- cial (LACLAU, 1998; 2000). Para que um discurso possa lar diferentes demandas, no esforgo de produzir um iico sentido se constituindo como hegeménico, é necessi- rio que seja capaz de exercer uma fungo de representacao. Ele precisa representar demandas diferenciadas. Nisso, La- clau (1996; 2001; 2006a; 2006b) também identifica uma impossibilidade, dado que a representago nunca poderd ser cotal, como visto na discussio anterior sobre a miitua relagdo entre universal e particular, Assim, para Laclau, a representagio sera sempre distorcida, embora seja condigio para a constituigao de hegemoi Nesse ponto, a nogio de ideologia assume em Laclau (2006a) uma Iégica particular. Bla deixa de ser assumida ‘como falsa consciéncia, como na tradigio marxista, ¢ pas- saa ser concebida como uma operagio discursiva em que um objeto particular é apresentado como tinico capaz de 43 encarnar a plenitude desejada. Em Laclau, a ideologia assume uma dimensio social. Trata-se de ilusio neces- séria, construfda discursivamente, que consiste em fazer crer que o sentido de um contetido particular € 0 tinico possivel. Esse contetido particular passa a ser assumido como Gnico capaz de representar as ausénci: inerentes a outros contetidos particulares. Com base nesse referencial teérico, esta andlise se desenvalve com o objetivo de apreender a constituigio de hegemonia do saber cientifico como processo em que 0 discurso sobre a ciéncia se articula na tentativa de fixar um tnico sentido possivel sobre a naturcza desse saber. ‘Assumir essa hegemonia como uma operacio discursi- va implica pensé-la como uma relagio polftica em que a emergéncia da ciéncia moderna acontece simultanea- mente ao processo de producio de uma nova realidade cultural, em um contexto em que, com o advento da modernidade, est se constituindo uma nova visio de mundo. Na abordagem, di-se destaque & importincia da ciéncia para se na. Nesse sentido, ainda que se estabelegam diferencia ges com a perspectiva estruturalista desenvolvida por Habermas (1983), a andlise resgata a ideia de que a i titucionalizagio do progresso cientifico contribuiu para © proceso de racionalizagio da sociedade, entendida como uma forma de dominasio politica que se apresenta como téciica fundamentada na racionalidade cientifica. Essa racionalidade, que se torna um prine(pio apontado como 0 mais adequado para nortear o funcionamento da sociedade moderna, transforma as instituigbes, que ago pro- dutora de novas formas de perceber ¢ estar no mundo. passam a operar em fungio de uma secula 4 MILETND SUE ACONSTITUGAO DE HECEMONIADO SAR. Um saber particular que se universaliza Segundo Peters (2000), a modernidade implica um projeto cultural que tinha como pressuposto no apenas a modernizagéo da méquina estatal, mas também o redi- jonamento da prépria vida em sociedade, a partir da iptura autoconsciente com o velho, o clissico e o tradi- cional, ¢ uma énfase concomitante com 0 novo ¢ no pre- sente” (Idem, p. 12). No entanto, essas caracteristicas gerais nao implicam a existéncia de um movimento homogéneo. Pelo contré- rio, diferentes concepgées de mundo partilhavam e expres- savam o desejo de transformagio ¢ procuravam construir metanarrativas que atribulam diferentes significados a0 moderno. © liberalismo ¢ 0 materialismo histérico sio cexemplos que expressam essa diversidade de significados. Considerando essa hererogeneidade e com base na teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2010), a moderni- dade éassumida como expressio de um projeto se tornou hegemnico, consti ‘medida em que conseguiu articular imimeras e diferencia- das demandas, todas buscando, discursivamente, fazer valer 0s sentidos que, em particular, atribuem aos principios ge- rais que dlefinem a modernidade e que desempenharam pa- pel crucial na conformagio dos sujeitos sociais. Contudo, a abordagem informa que esses sentidos ndo estavam da- dos previamente e, somente ao analisar retrospectivamente esse proceso, ¢ possivel identificar demandas existentes em um dado contexto histérico que permitem compreender a constituigio da hegemonia do projeto cultural moderno (SALES JR., 2006). Assim, 0 projeto moderno se constitui versal em uma operagio discursiva em que diferentes de- wandas presentes cm discursos diferenciados ~ projetos como uni- 45 SUMARIO PREFACIO | 9 INTRODUGAO | 15 REFLETINDO SOBRE A CONSTITUIGAO DE HEGEMONIA DO SABER CIENTIFICO A PARTIR DA TEORIA DO DISCURSO | 31 “Teoria do discuro: uma teria da hegemonia | 33 Um saber parccular que se unversaliza | 45 ‘A consolidago da Escola como insttuiga0 moderna eo processo de cscolatiacio do conbecimentacientfico | 58 Aconsteugio do saber esol | 71 Pensando o cucculoa partir das contibuigses dos Estudos Culras ‘ePGeColoniis | 81 DISCURSOS QUE PRODUZEM SENTIDOS SOBRE O ENSINO DE. CIENCIAS NOS ANOS INICIAIS DE ESCOLARIDADE | 93 Refleindo sobre o proceso de atculago de um diseuso que busa far sentidossobteoensino de Cidncias | 94 emandas articuladas nos textos/dscusosapresentados nos Anais dos Encontros Nacionis de Pesquisa em Ensino de Citncias (Enpec) | 101 (© mundo mudou. A cincia mudou | 106 ‘Acacola nfo muda | 119 © que deve muda? | 134 PENSAR CURRICULO COMO TELA DE SIGNIFICADOS QUE GANHAM SENTIDO NO FAZER DOCENTE | 153 TTomando-me new | 160 ‘Um eubithio de sencidosproduzidos nos cueeuls de Citncasnatras na rede municipal de edueagso | 165 [As Orientages Cuticultes para casino de Cincias no EFT | 172 Projeto Cienistas do Amana | 179 Projeco Cidncia Hoje na Escola | 185 Mas nas escolas outros curriculos slo enuneiados | 191 ‘Asaulas de Dora na ESCOLA CLASSICA (E ‘Asaulas de Beth na ESCOLA POPULAR (1 ALGUMAS FIXAGOES PROVISORIAS | 235 REFERENCIAS | 245 APENDICE A ~ Lista dos trabalhos selecionados nos Anais dos Enconttos "Nacionais de Pesquisa em Ensino de Cincias (Enpec) | 260) ANEXO ~ Orintages Crsculares par 0 5#ano do Exsino Fundamental nna ica de Citncias Naaras | 271

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