Você está na página 1de 16
10 O Sistema de Contabilidade Nacional 4.1. Os Primeiros Passos ‘A concepgio de um Sistema articulado de contas s6 surgiu em 1947, mas foi a partir da década de 20 que se denotaram os primeiros esforgos nesse sentido. Em 1928, a Sociedade das Nagdes promoveu uma reunito internacional para incentivar a compilago das estatisticas econémicas tornar mais uniformes os métodos para a sua apresentago. A grande depressiio de 1929, a 2* Guerra Mundial, por um lado, ¢ 0 desenvolvimento da teoria econémica, por outro, contribuiram para tornar evidente a necessidade de estatisticas do rendimento nacional, Numa altura de reconstrugéo, como o pés 2* Guerra Mundial, foi necessério conhecer mais acerca dos rendimentos nacionais de cada um dos paises, dado que as organizagdes internacionais necessitavam de um critério para afectar as suas despesas. ‘A génese do Sistema, entendida como a primeira tentativa de articulagdo de uma sequéncia de contas, aparece na publicagaio das Nagdes Unidas de 1947', sendo particularmente importante 0 apéndice de Richard Stone’, intitulado “Definigéo e Avaliago do Rendimento Nacional ¢ Totais Relacionados”, Pretendendo reflectir a realidade econ6mica, este autor apresentou uma sequéncia de trés contas® que, inspirada nas igualdades macro-econémicas da teoria keynesiana, ilustrava as formas da actividade econémica. Era uma proposta inovadora. ‘Na primeira conta, registar-se-iam todas as transacgdes relacionadas com a produgéo, com o objectivo de medir o rendimento da actividade produtiva. Na segunda, apareceriam todas as transacgdes relacionadas com 0 consumo (as despesas de consumo € os impostos directos sobre " Nagdes Unidas (1947), Avaliaedo do Rendimento Nacional e a Construedo das Contas Sociais, Estudos « Relatorios em Métodos Estatisticos, n° 7, Relatério do Sub-Comité sobre Estatisticas do Rendimento, Nacional do Comité de Peritos Estaticistas da Sociedade das Nagdes. 2 Galardoado com o prémio Nobel da Economia em 1984, o seu contributo na iirea das Contas nacionais foi extremamente importante, Outros dois laureados do prémio Nobel apostaram neste domfnio de investigagio: Simon Kuznets (1971) e James Meade (197). Carson, C. (1998), 50-Year Restropective of the IARIW — The Early Years, Paper Prepared for the 25° Conference of The Intemational Association of Research in Income an Wealth, England: Cambridge. ‘wirw.ons.gov.uk/iariw ‘0 consumo), com o objectivo de medir a poupanga. Na terceira ¢ iltima conta, registar-se-iam os rendimentos de capital, bem como a sua subsequente utilizagao. Paralelamente a estes trabalhos, outros economistas preocupavam-se em medir 0 rendimento, sendo de destacar 0 contributo de Simon Kuznets* para a teoria do crescimento econémico © para a definig&o conceptual dos agregados “produto”, “rendimento” e “despesa™. ‘Apés a publicagio de 1947, passaram-se seis anos até que as Nagées Unidas apresentassem um novo Sistema de contas. Em 1953, propdem um conjunto de seis contas normalizadas e referem, 0 contrério da publicagio de 1947, a necessidade de ter em conta realidades especificas, como as dos PVD. Mas, desde logo, afigurou-se necesséria uma revisio de maior vulto, dado 0 niimero de publicagées que apareceu posteriormente, com pequenos ajustamentos. Para 0 cumprimento desta tarefa, peritos de instituigdes como a ONU, OCDE ¢ IARIW reuniram-se, com 0 objectivo de elaborarem um manual de contas, um Sistema normalizado que permitisse cefectuar comparagdes entre os diversos paises. 1.2. O SCN6B ea evolugiio até ao SCN93 © Manual das Nagdes Unidas de 1968 apresentou um conjunto de 20 contas, o que traduziu um maior detalhe do que o previsto anteriormente. Descrito como “absolutamente conceptual”, representava um Sistema mais completo, onde era dada maior atenglo as estimativas a pregos cconstantes, desagregada a conta de produco em contas de entradas-saidas, desagregadas as contas de rendimento, de capital, para os diferentes sectores da economia. O principal objectivo do Sistema afigurou-se como um papel de normalizagao ¢ um guia orientador para os varios + simon Kuznets e Richard Stone foram, entre outros, fundadores da International Association of Research in Income and Wealth (JARIW) que na altura (15 de Setembro de 1947) definiu os seguintes campos de interesse: medigio da riqueza e rendimento, contabilizagio socal (“social accounting”) ¢ & ‘promogio de comparagdesintemacionais (César das Neves, J. (1998), Nobel da Economia ~ As tres primeiras décadas, Cascais: rincipi ublicagdes Universtérias e Cientificas © Teillet, P. (1988), Impressions sur la Revision en Cours des Systemes Intemationaux de Comptabilite Nationale, in: Archambault, E. e Arkhipoff, O. Noveae Aspects de La Comptabilite Nationale, Paris: Economica. 2 paises’ mas, a sua orientagéo prética cra limitada, prevendo-se a publicagio de manuais suplementares. Com efeito, a execugio pratica do SCN68 nio foi pacifica. Os responséveis pela concepgao do Sistema no acompanharam a sua aplicagdo, pelo que a responsabilidade passou a ser dos executores que enfrentavam problemas didrios, face as debilidades do Sistema. Este aspecto tera contribuido, para se falar num novo processo de revisio. Também as organizagies internacionais ficaram desanimadas, perante a lentidgo da maior parte dos paises em aplicar as normas, entretanto aceites. A instauragio de um novo processo de reviséo levou a constituigaio de um Grupo de Trabalho Inter-Sectorial de Contas Nacionais e envolveu varias entidades: 0 FMI, a OCDE, o Servigo Estatistica da Unio Europeia — Eurostat, as Comissdes de Estatistica ¢ ComissGes Regionais ‘das Nagées Unidas e BM, bem como peritos na area de estatistica de cerca de 40 paises. O processo de revisio teve, portanto, a preocupaglo de envolver varios especialistas com experigncias diferentes, iniciou-se em 1982 prolongou-se até 1993, data de divulgagéo do novo manual. ‘A condugo do processo de revisio caberia, naturalmente, as Nagdes Unidas que, no entanto, nao dispunha de meios financeiros e humanos, capazes de assegurar as tarefas de secretariado administrativo e redacgo. Por outro lado, 0 FMI € 0 BM, dispondo dos meios, no possuiam as competéncias necessérias, porque o FMI niio estava preocupado com 0 campo das contas ¢ 0 BM nio tinha a vocagio de recolher € difundir estatisticas. Por estes motivos, 0 processo de revistio foi marcado por dificuldades de organizagio e pela incapacidade da ONU em conduzir este proceso’. Deste ponto de vista, a situagdo do FMI é paradoxal, dado que, dispondo dos meios necessérios, poderia contribuir fortemente para o desenvolvimento de um Sistema Estatistico coerente e exaustivo, andlogo ao das contas nacionais. Mas, a anilise que efectua dos 7 SCN93, pp XXIX-XLVI "Vd. Teillet, P., Ob. cit 1B PVD assenta, quase exclusivamente, em trés dreas “estanques”: balanga de pagamentos, contas do sector pitblico e nos dados sobre o financiamento interno e externo da economia. ‘Apesar da forma como decorreu a organizagio, 0 prolongado processo de revisio reflectiu, segundo o relatério da Comissio Estatistica das Nagdes Unidas, “uma grande melhoria, em relagio ao SCN de 1968”. © novo Sistema deve ser encarado, mais uma vez, como um estédio de evolugiio das contas nacionais, pelo que é, logo a partida, incentivada a investigagio adicional nesta area. Estio ja agendados 0s seguintes t6picos, alvo de discussiio © investigagio futura: os Servigos de Intermediago Financeira Indirectamente Medidos (SIFIM), 0s subsidios ao consumo, o custo do capital, a distingao entre 0 sector informal e formal, a contabilidade do ambiente, entre outros. (0 SCN93, com uma vocagio universal, prevé-se que seja aplicado por todos os paises membros ddas Nag6es Unidas, pelo que pretende ser um Sistema flexivel. Preocupa-se, em particular, com © problema das contas externas e da inflagdo clevada, dedicando dois capitulos a estas temiticas. A sua aplicagdo aos PVD permanece ainda um problema em aberto ¢ a formulagio técnica, em alguns casos, pode no ser a adequada. Dada a sua utilizaglo ainda precoce nestes paises, é provavel que tenha de se esperar ainda alguns anos, para concluir acerca da sua real flexibitidade, Refira-se que a Uniti Buropeia claborara um Sistema de Contas ~ 0 Sistema Europeu de Contas de 1970 (SEC70) e, posteriormente, uma versio revista (SEC79), baseados no SCN68. Agora, a elaboragao do SCN93 levou a execugdo de um novo manual europeu: 0 SEC9S, jé com estatuto de regulamento’, sendo a sua aplicagao obrigatoria. O Eurostat preparou este Sistema Europeu, em colaboragio com os quinze Estados Membros da Unido Europeia ¢ 0 objectivo é a perfeita comparabilidade entre os agregados econdmicos, como o défice ¢ a divida piblica, 0 PIB ou o PNB. O défice e a divida so utilizados no ambito do programa de estabilidade & ° Regulamento n® 2223/96 de 25 de Junho. 4 erescimento ¢ 0 PNB, no céleulo das contribuigdes dos Estados Membros para 0 orgamento 0 comunit Em sintese, apresentam-se alguns aspectos que caracterizam 0 SCN93": > Maior subdivisto das contas e a sua integrago com as contas de patriménio; > Introdugo das contas de produgo para todos os sectores, com classificagdes cruzadas do valor acrescentado, por ramos de actividade e sectores institucionais; > Aparecimento de um novo conceito, denominado “rendimento misto””, para as empresas no constituidas em soci > Introdugdo dos conceitos de saldo dos rendimentos primérios ¢ de Rendimento Nacional Bruto (RNB). © saldo dos rendimentos primérios deriva da distribuigho do valor acrescentado pela mo-de-obra (remuneragao dos empregados), capital (rendimentos de propriedade) e administragdo publica (impostos, liquidos de subsidios, sobre a produgiio e a importagio), excedente de exploragio ¢ rendimento misto. © RNB (B.5*) substitui a anterior designagio de PNB ¢ resulta da soma do saldo dos rendimentos primérios de todos ‘0s sectores da economia; > Subdivistio revista do sector das sociedades financeiras, para reflectir a mutagio operada neste sector, nos mercados e instrumentos financeiros; > Nova sub-sectorizagio das familias, com base no tipo de rendimento auferido e distingao entre actividades de produgdo formais ¢ informais'®; > Avaliago do trabalho voluntério com base nas remuneragdes pagas, O Sistema considera que nio 6 devida nenhuma remuneracao pelo trabalho ndo remunerado, se efectuado numa base voluntaria (inclui-se 0 trabalho prestado pelos membros de uma familia, em empresas © Temam, D. (1999), Vingt Ans aprés, la Comptabilité Nationale s'adapte, Association de Comptabilité Nationale, Bulletin n° 43, Paris: INSEE, 1" SCN93, pp 760-784. ® © rendimento misto reflecte a remuneragio do trabalho executado pelos proprietérios das empresas no ‘constituidas em sociedade traduzindo a compensagao por este tipo de actividade empresarial. ® Ao contririo do SCN68, o novo sistema reconhece a importancia em distinguir estes dois tipo de actividades nos PVD. 15 iio constituidas em sociedade) ¢, desde que, néo se destine a produgo de activos corpéreos; } Inclusio de actividades produtivas ilegais, dado que se considera que 0 seu caricter de ilegalidade nao justifica a sua exclusio do Sistema; > Recomendada a identificagio de fluxos nilo monetérios ¢ a sua correcta contabilizagio; > Distingo entre os pregos de base, pregos no produtor € pregos de aqui fo, na valorizacao da produgdo e dos consumos. Por exemplo, para 0 céleulo do PIB, a soma dos valores acrescentados a pregos de base, € necessirio adicionar todos os impostos Ifquidos de subsidios sobre os produtos, incluindo os impostos ligados 4 importagao. .gamos uma breve descrigdo da arquitectura geral do Sistema, tendo em conta, sobretudo, a estrutura das contas © a sectorizago institucional (“quem?”). Mais adiante referir-se-Ao as operagdes do Sistema de Contas (“o qué?”), com especial importancia para o nosso objecto de estudo. 1.3. A Arquitectura Geral do Sistema O Sistema (SEC95, § 1.31) regista "dois tipos de informagao: os fluxos ¢ os stocks. Os fluxos referem-se a aogdes efeitos de eventos que se verificam, num dado perfodo de tempo, ao passo {que os stocks se referem a situago em determinado momento." "(SEC95, § 1.33) Uma operagio é um fluxo econémico que consiste na interacgio entre unidades institucionais, de comum acordo, ou numa acco, no Ambito de uma mesma unidade institucional, que é util tratar como uma operagdo, frequentemente, porque a unidade opera em dduas qualidades distintas”. De uma forma sucinta, as o| - operagdes sobre produtos (descrevem a origem - produgo ou importagio e a sua utilizagio - consumo intermédio, consumo final, formago de capital ou exportago); 16 = operagées de distribuigao (descrevem a forma como o valor acrescentado é distribuido pelos factores de produgdo e como se efectua 0 processo de redistribuigio do rendimento e riqueza); = operagées financeiras (descrevem as variagbes liquidas de activos e passivos financeiros e so, na maior parte das vezes, contrapartida das operagbes ndo financeiras); - outras operagées: 0 consumo de capital fixo € as aquisigdes liquidas de cessbes de activos nao-financeiros ndo produzidos. O consumo de capital fixo (SEC9S, § 6.02) representa “a depreciagiio de activos fixos verificada, no decurso do periodo considerado, como resultado do desgaste normal e da obsolescéncia previsivel, incluindo uma proviso para perdas de activos fixos, como consequéncia de prejuizos acidentais segurdveis". Por seu turno, as aquisi¢&es liquidas de cesses de activos nfo financeiros niio produzidos referem-se aos terrenos © a activos corpéreos (por exemplo, activos no subsolo, como as reservas de carvio, petréleo © gas natural) e incorpéreos (como as patentes, 05 contratos de arrendamento ou 0 goodwill adquitido) Quanto ao momento de registo, é importante dizer que, no SEC9S, as operagbes registam-se pelo principio de especializagaio econdmica, (§ 1.57) "o Sistema regista os fluxos com base nas ‘operagdes, isto é, quando o valor econdmico ¢ criado, transformado ou extinto, ou quando se criam, transformam ou extinguem os direitos ¢ as obrigagdes". Sistema constr6i-se & volta de uma sequéncia de contas que esto interrelacionadas, mas que nilo serdo alvo de uma descrig&o detalhada, ‘Segundo o SEC9S (§ 8.04), as contas-correntes evidenciam o processo de eriagao, distribuigdo redistribuigdio do rendimento © a sua utilizagdo em consumo final, permitindo 0 céleulo da poupanga. ‘As contas de acumulagao permitem averiguar sobre as diferentes componentes das variagSes de activos © passives. A sua diferenga ¢ igual as variagdes do patriménio liquido. Por ultimo, as contas de patriménio traduzem os actives e passivos detidos por cada unidade inst inicio e fim de cada periodo considerado. Cada grupo de contas atris referido 6 desagregado da seguinte forma: entre as contas correntes aparece a conta de produgdo, as contas de distribuigdo e utilizago do rendimento. As contas de acumulago que se subdividem, por exemplo, na conta de capital, conta financeira ¢ conta de outras variagSes no volume de activos. As contas de patriménio so compostas pela conta de patriménio inicial, conta de variagdes de patriménio e conta de patriménio final. Apresenta-se, no Anexo 1, a estrutura das diferentes contas. Entende-se por unidade institucional, (§ 2.12) "o centro elementar de decisio econdmica.(...) Considera-se que uma unidade residente constitui uma unidade institucional, desde que goze de autonomia de decisio no exercicio da sua fungdo principal, disponha de uma contabilidade completa, ou que seja possivel e significativo, tanto de um ponto de vista econdmico como |juridico, elaborar uma contabilidade completa, se tal for nocesséri Perante a necessidade de apresentar valores para o total da economia, as unidades institucionais so agrupadas cm sectores institucionais. O critério seguido para constituir um sector institucional relaciona-se com o tipo de produtor. A respectiva actividade principal e fungio de cada unidade institucional so considerados indicadores do tipo de comportamento econémico. ‘A excepedo, quanto 4 composigdo sectorial apresentada no SEC95, € o resto do mundo (S2), (SEC9S, § 2.20) "é um agrupamento de unidades institucionais que nio é caracterizado por objectivos e tipos de comportamento similares; agrupa as unidades institucionais nfo-residentes, rna medida em que estas efectuem operagdes com unidades residentes.” ‘A.um nivel mais agregado, 0 SEC95 apresenta 0 conjunto dos seguintes sectores (decompoem- se em subsectores): ~ Sociedades ndo-financeiras (S11); - Sociedades financeiras (S12); 18 ~ Administragdes piblicas (S13); - Familias (S14); - Instituigdes sem fim Incrativo ao servigo das familias (S15); = Resto do mundo (82). O nosso objecto de estudo incidira, sobretudo, no sector das administragdes publicas, dado que ¢ sector financiador da ajuda piblica ao desenvolvimento. No ambito da actividade produtiva de cada agente econémico (bens ¢ servigos produzidos, consumes utilizados ou consumidos, técnica de produgio empregada), ¢ apresentada a informagio por ramo de actividade™. A produgdo & descrita (SCN93, § 6.6) como uma actividade, pela qual a unidade institucional consome bens e servigos (inputs) para produzir outros bens e servigos (outputs). No Sistema, é articulada a informagio entre os sectores e os ramos de actividade, resultando numa sequéncia de contas econémicas integradas na elabora¢ao de quadros fundamentais, como o quadro dos recursos ¢ empregos, ou ainda, o quadro de operagbes financeiras. Pelo acima exposto, fica-se com uma ideia generalizada acerca da arquitectura do Sistema, sendo alguns aspectos abordados com maior detalhe, no decorrer do nosso trabalho. Tendo-se descrito a origem e evolugéo do Sistema, importa apresentar algumas das criticas vulgarmente apontadas ao Sistema de Contabilidade Nacional, bem como, tecer algumas consideragdes quanto as perspectivas futuras de evolugio.. 1.4, As lacunas do Sistema ‘A introdugo da figura das contas satélite no Sistema de Contas Nacionais permite, pelo menos do ponto de vista te6rico, colmatar algumas lacunas do Sistema de Contabilidade Nacional. Um ramo de actividade consiste num grupo de estabelecimentos dedicados aos mesmos, ou similares, tipos de actividades. 19 © actual Sistema deve ser encarado, como jé foi dito, como uma fase de transigfo, Embora a orientagdo do SCN93 seja discutivel em alguns aspectos, contribui de forma bastante positiva para a evolugdo do Sistema. © certo € que escapa ao actual Sistema a possibilidade de contabilizago de determinados fenémenos. O SCN93 (§ 1.74) prevé a necessidade de estimativas e imputagdes, para registar nas contas as actividades, cujos produtos no sto objecto de operages monetérias com outras unidades (caso do autoconsumo). Este tipo de operagbes pode-se designar de “nio monetér ou de “subsisténcia”"’, significando que o resultado de uma dada actividade niio se destina ao mercado mas que ¢ conservada pelos seus produtores (ou familiares), para seu proprio uso. ‘Ainda hoje, os métodos utilizados para estimar a proporgao destas actividades naio monetarias ros paises em vias de desenvolvimento apresenta um grau de qualidade questiondvel. Tal deve- se, em parte, a uma insuficiéncia da informagdo estatistica de base, podendo conduzir a cstimativas com um baixo grau de qualidade. Por esta razio, ha autores que alertam para 0 facto de, muitas vezes, se acreditar que é melhor possuir estatisticas falsas do que nao possuir quaisquer estatisticas'®, No nosso entender, é necessério tecer dois comentirios: a utilizagaio de determinadas estatisticas € feita muitas vezes de forma abusiva e, apesar da presstio exercida para a sua obtengio, em algumas circunstincias, no deveriam ser divulgadas. Por outro lado, pode acontecer que 0 produtor de informagao estatistica alerte para a necessidade de ter em conta certos pressupostos inerentes ao seu célculo, que acabam por ser esquecidos, quando da divulgagao dos dados. Como foi dito, muitas vezes, na falta de informagao de base, 0 edlculo dos dados resulta de estimativas. £ preciso conhecer 0 processo de calculo inerente ao célculo dos dados, para avaliar a sua qualidade, Se a sua qualidade for m4, o bom senso aconselharé sua nao divulgago. Na pratica, as coisas podem néo ser assim tio simples, dado que é com base 15 Blades, D. (1975), Activités Non Monétaires (Subsistance) Dans Les Comptes Nationauec des Pays en Voie de Développement, Paris: Centre de Developpement de I'Organization de Cooperation et de Developpement Economiques. 16 Hill, P. (1986), Development Economics on Trial ~ The Anthropological Case for a Prossecution, England: Cambridge University Press. 20 numa medida agregada como 0 PIB per capita que as agéncias internacionais concedem financiamentos ou elegem os PVD para a aplicagao de programas especiais de desenvolvimento. Quanto ao processo de recolha estatistica da informagio de base, ¢ muito importante a forma como os téenicos preenchem os inquéritos, tendo de estar sensibilizados para os objectivos daquele instrumento. As questdes colocadas terio de ser apresentadas de forma clara, porque serdo respondidas por pessoas com qualificagdes e ocupagées distintas. O agregado familiar, nas ‘economias em vias de desenvolvimento, nio corresponde a familia-tipo ocidental ¢ marido & mulher poderdo viver separadamente, cultivando terras diferentes ou, inclusivé, as mulheres possuirem um grande grau de autonomia, face aos seus maridos. Este aspecto condiciona a tipificagdo a utilizar dos agregados familiares de pais para pats. Conclui-se, portanto, que as nogdes de produgio, despesa ¢ rendimento’” variam segundo os diferentes tipos de organizagio sécio-econémica. Quanto a este aspecto, o Sistema de Contabilidade Nacional das Nagdes Unidas pode ser alvo de critieas, por se centrar, implicitamente, em vérias circunstincias, em caracteristicas que sio exclusivas dos paises ocidentais. Por outro lado, 0 proprio SCN93 enfatiza a existéncia de uma margem de flexibilidade defendendo, por exemplo, que a apresentagio dos agregados macro-econémicos nfo seja efectuada de forma standard, mas de acordo com “as necessérias adaptacdes_iis circunstncias e necessidades particulares do pais” (SCN93, § 2.239). Entre os problemas de valorizagio decorrentes do Sistema, contam-se, a titulo de exemplo, os seguintes"*: = nas economias em vias de desenvolvimento, as relagdes impessoais so mais uma regra do que uma excepgao, ao contrério das economias de mercado. Sio muito importantes os fendmenos de inter-ajuda e as relagdes de solidi ‘edade, as trocas nao se processam exclusivamente no mercado. Existe um grande inter-relacionamento entre © meio urbano © L'Harmattan. 2 Anson-Meyer, M. (1982), La Nowvelle Comptabilité Des Nations Unies en Afrique, ™ Harvey, C. (1985), Macroeconomics in Africa, 2" ed. London: Macmillan Publishers. 2 rural, através do envio de poupangas a familiares, ao mesmo tempo que se assiste a uma grande dicotomia entre os dois meios. © meio rural assenta na pequena propriedade, na agricultura de subsisténcia ¢ autoconsumo. As comparagies espaciais sio criticadas, dado que o nivel de pregos nas cidades é superior ao do meio rural ¢ as taxas de inflagio no estio reflectidas nos factores de conversio. Este aspecto ¢ importante, devendo ser tido em conta pelo utilizador, face a existéncia de diferentes hibitos de consumo ¢ prioridades entre 0 dois meios. 0 SCN93 alerta para as comparagdes espaciais (§ 1.38): “quando o objectivo 6 comparar volumes de bens e servigos produzidos ou consumidos “per capita”, os dados ‘em moedas nacionais devem ser convertidos para uma moeda comum, através das paridades do poder de compra e nfo através das taxas de cimbio. E bem conhecido que, em geral, nem as taxas de cdmbio dos mercados, nem as taxas de cimbio fixas reflectem os poderes de compra internos das diferentes moedas”. ‘Uma das actividades que, também, niio se encontra reflectida nas estatisticas do comércio ‘externo € 0 fluxo de contrabando”, registado com paises limitrofes. As razdes da sua existéncia relacionam-se com factores histéricos ¢, em parte, com uma reabilitagdo do comércio pré-colonial, permitindo as populagées africanas a sua insergiio num circuito de trocas monetérias e consumo correntes. Nao ha divida que, com os instrumentos ” tradicionais de recotha estatistica, estes fluxos nfo so medidos pelo Sistema. = Outra das criticas apresentada consiste na nio valorizagao do lazer ou da melhoria do bem- estar, decorrente do aumento da produtividade. Na verdade, 0 Sistema esta orientado para a contabilizagio de actividades produtivas, nao registando o tempo despendido em actividades como comer, beber, dormir ou estudar, dado que (SCN93, § 1.75) “nao podem ser produzidas por uma pessoa para beneficio da outra”. '° Anson-Meyer, M. Ob. cit. ‘No manual do SCN93, reconhece-se, a titulo de exemplo, que (§ 1.75): “o Sistema nfo regista todos 08 produtos, devido aos servigos domésticas ¢ pessoais produzides e consumidos pelos membros da mesma familia serem omitidos. Submetido a esta importante excepgio, 0 PIB pretende ser uma medida completa do total do valor acrescentado bruto produzido por todas as unidades institucionais residentes” ‘A teflexdio sobre a utilizagio dos agregados macro-econdmicos pode, alids, conduzir-nos a uma discussto de Ambito mais geral, sendo oportuno falar de conceitos da teoria econémica, em particular, dos conceitos de crescimento ¢ desenvolvimento econémico. Por exemplo, Friedmann”? sublinha que o "desenvolvimento € um conceito mais total, mai Jdiferenciado que 0 de crescimento econémico. Um nao pode ser reduzido ao outro, nem o desenvolvimento ser resumido a um simples indice, agregado. E necessaria uma diversidade de critérios, a diferentes niveis de agregagfio territorial (e de outras formas também), para determinar se, de facto, ocorreu ou nfio desenvolvimento (Norgaard, 19892)". Para este autor, as contas do rendimento nacional, como medidas do crescimento econdémico, sfio erréneas. Por serem constituidas com a utilizagdo de pregos de mercado néo incluem , por exemplo, a produgdo doméstica ou as valorizagdes sociais. Os custos de destruigiio ambiental, diz 0 autor, nfo sao acrescentados aos céleulos do rendimento nacional, por no existir um mercado ¢, portanto, um preso para eles. Estamos, entfo, perante um quadro enganador quanto ao bem estar das unidades domésticas e das comunidades dado que se contabiliza como beneficios o que deveria ser contabilizado como custos. Em suma, para Friedmann, 0 modelo dominante da economia nacional apresenta as seguintes deficiéneias: nada diz sobre a istribuigdo social ¢ territorial do rendimento; no nos dé uma medida do bem estar ou do poder econémico, nem sobre a forma como este poder & acumulado ou distribuido; nfo reflecte rigorosamente a valorizagbes sociais; ignora os eustos de produsio suportados por terceiros: 2 Friedmann, J. (1996), Empowerment: uma Politica de Desenvolvimento Alternativo, Oeiras: Celta Eaitora 2B nada diz sobre os custos ambientais e exclui informagaio vital sobre a produgao originada pela agricultura de subsisténcia e de outras actividades primarias, do sector informal e da economia doméstica. Refira-se que Friedmann defende o desenvolvimento de um modelo alternativo, recusando uma versio melhorada do modelo existente, Procura, entéo, elaborar um quadro conceptual nio determinado por relagées de mercado, mas que represente uma relagdo directa com o bem estar das populagdes. O conceito foi pela primeira vez. introduzido em 1983, pelo Vanier Institute of the Family, do Canadé, e € denominado pelo autor por modelo da economia global. As unidades domésticas so 0 centro do modelo dado que é, do seu ponto de vista, que se analisam as relagdes econdmicas. io se pretende analisar a concepgo deste modelo da economia global, mas sim, evidenciar a opiniao de Friedmann: a impossibilidade de melhorar 0 modelo existente. Na nossa opinido, 0 modelo do Sistema de Contabilidade Nacional apresenta ainda varias potencialidades, particularmente, as que slo oferecidas no SCN93. Embora néo colmatem todas as lacunas acima referidas por Friedmann podem, no entanto, contribuir para uma versio melhorada do Sistema. © SCN93 apresenta as contas ou os sistemas satélite (§ 21.4) como um instrumento “para desenvolver as capacidades de anilise da contabilidade nacional em determinadas reas de indole social sem para tal sobrecarregar ou adulterar o Sistema central”. Aumentam os graus de ’ liberdade dum stema central que, em parte, admite insuficiéncias. Passam a poder explorar-se rodugio de dados complementares, a redefinigao de solugdes varias, desde a possibilidade de conceitos do quadro central, dotando o Sistema de uma concepgdio dinimica. De salientar, a forma como as contas satélite sfio apresentadas no SCN93, dado que permitem: ‘a) Disponibilizar informaco adicional sobre aspectos especificos de indole social que revistam natureza funcional ou inter-sectorial; ») Utilizar conceitos ow nomenclaturas complementares ou alternativos ou mesmo adequar a estrutura contabilistica de base, em situagBes em que é necessério introduzir novas dimensdes ao quadro conceptual de referéncia das contas nacionais; ©) Alargar a cobertura de anilise dos custos ¢ beneficios da actividade humana; 24 4) Desenvolver a analise dos dados com base em indicadores ¢ agregados relevantes; ¢) Associar a contabilidade em termos monetérios com as fontes e a aniilise dos dados fisicos”. Pensamos que algumas das criticas tecidas ao Sistema de Contabilidade Nacional devem-se, em parte, a uma grande exigéncia quanto ao poder explicativo de alguns agregados. Nao é possivel obter deste Sistema uma medida compésita, para jé, que reflicta varidveis econémicas e sociais. ‘A utlizagao de determinados agregados macto-econémicos deverd ser complementar a uma anélise que utilize outro tipo de indicadores, ao pretender-se averiguar acerca do bem-estar de uma sociedade. O actual Sistema dé-nos, de momento, a esperanga de articular medidas do quadro central, de foro estritamente econémico, com outro tipo de indicadores, a figurar, por exemplo, em contas satdlite ¢ 0 mais importante, em articulago com 0 quadro central. Assi para além de desempenhar uma importante fungio estatistica de coordenagao de estatisticas econdmicas (inquéritos 4 indtstria, inquéritos as familias, estatisticas do comércio, etc) acreditamos que o Sistema de Contabilidade Nacional desempenhard, de futuro, uma fungao consistente de coordenagio destes dados econémicos, com dados fisicos e indicadores sociais. Para tal, serd determinante a investigago levada a cabo no dominio das contas nacionais, bem ‘como a canalizagdo de recursos humanos para esta area. Do nosso ponto de vista, os gabinetes de estudo dos diferentes Institutos Nacionais de Estatistica deveriam contemplar a investigagao na érea das contas nacionais. Muitas vezes, a limitagdo dos dados estatisticos divulgados nao se deve a uma incapacidade do Sistema, mas antes & falta de recursos humanos para explorar as capacidades oferecidas por este, ou até para explorar a propria informagio estatistica de base. Reflectindo ainda sobre a evolugdo futura do Sistema, refira-se que actualmente ha a tentativa de obter, a nivel macro-econémico, desagregagées dificilmente obtidas a nivel micro, 0 que pode ser contraproducente. Por exemplo, a classificagio-tipo constante no Sistema, quanto & classificago dos activos (produzidos/nio produzidos) no é facilmente obtida a nivel micro e, face & harmonizagio das normas de Contabilidade Geral, o Sistema insiste em obter desagregagSes por vezes muito detalhadas de certos dados econémicos. No nosso entender & 25 conforme referido anteriormente, seria mais frutuoso explorar a articulago do Sistema, com fontes estatisticas adicionais, ao invés, de se pretender desagregar dados econémicos. Embora este ponto de vista seja clarificado no decorrer deste trabalho, chama-se, desde ja, a atengo para este aspecto. Por outro lado, pensamos que o Sistema nio se deve limitar a compilar dados econdémicos com a ligagio a nomenclaturas especificas deste dominio. O futuro dir qual a possibilidade de utilizar uma perspectiva mais abrangente, em suma, qual a utilidade do instrumento contas satélite, situadas num dominio de interesse social, mais abrangente que o campo de acedo tradicional. Uma das contas satélite que tem merecido grande atengdo entre os quinze Estados-Membros da Unido Europeia ¢ a conta satélite do ambiente, Também, na drea do turismo registaram-se, recentemente, evolugdes significativas. A conta satélite do turismo foi aprovada, no dia 3 de Margo de 2000, pela Comissao Estatistica das Nagdes Unidas, apés um trabalho conjunto da ONU, OMT, OCDE e Unido Europeia. O turismo transformou-se, desta forma, “no primeiro ramo de actividade do mundo, a possuir normas internacionais de avaliagio do seu peso econémico real”, Em sintese, para o SCN93, as contas satélite desempenham um papel duplo "como instruments de andlise e como meio de coordenagio estatistica". As contas satélite, ainda segundo 0 SCN93, estando ligadas ao quadro central das contas nacionais ¢, assim, ao conjunto de estatisticas econémicas em geral, permitem também a ligagio a um domfnio ou temitica ¢, subsequentemente, a0 conjunto de estatisticas desse dominio especifico. As contas satélite revestem-se, no nosso entender, de grande importincia dado possibilitarem a subsequente correcgdo dos dados das contas nacionais. Serd possivel concluir-se, apés elaboragao da conta satélite de uma drea especifica, que a contabilizagdo inicial nao foi efectuada de forma correcta, Facilitam uma andlise detalhada de determinada area e 0 confronto com varias fontes estatisticas, facultando ainda a associagao de dados monetirios a dados nao monetirios. 2 Organisation Mondiale du Tourisme (2000), Compte Satellite du Tourisme (CST), Nota de imprensa divulgada a 8 de Margo.

Você também pode gostar