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THEODOR VW. ADORNO ENSAIOS SOBRE PSICOLOGIA SOCIAL E PSICANALISE A telagao entre Adomo een um eixo maior de suc e» ici intelectual. $ materialista e suas estratégias Pate Bs S o ys O Petal eM ieee alias esas oa Pelee’ tnesp FUNDACAO EDITORA DA UNESP Preside do Cooslbo Custer “Mario Sérgio Vasconcelos Diraor-Presidene ftio Hernani Bomfim Gutiesre Supeinendeme Adminstenive ¢Fiventio. ‘William de Souza Agostinho Cons EvrialAsadiice Danilo Rothberg Luis Fernando yerbe Marcelo Takeshi Yamashia Moria Cristina Pereira Lima Milcon Terumitsu Sogsbe Newton La Scala inior Pedro Angelo Pago Renata Jungueira de Souza Sanden Aparecida Feseeiea Valévia dos Santos Guimaraes ElicoesrAdjues Anderson Nobara Leandro Rodrigues THEODOR W. ADORNO Ensaios sobre psicologia social e psicandlise Tradugio Verlaine Freitas editora, unesp {© Suhrkamp Vel Brnkfrt sm Main 1972, 1977 £9 2067 Euitora Unesp Tielos origins Sacobiic Shfn (Die ede Pychomnalyce [A psc vei] + a. “yn Wels von Sxl nd aythelog ebeeseaga Sumario nae seiloginepicolog]« Ant Semi snd Fait Propganda Stent ape Faslr rc ha | cof Fascist Propaganda { Teoria freudiana © o padrio da zanda fascists] * | enrages dba Neues (Cherie ak erence] ° Thesen bes Bens (Tees sa econ) Kol va Gs It (Seruatobs und Rech heute [Titus semis edie boj]) Disctos de publicagie reservadas Fandagio Edtora ts Unesp (FED) aged S108 1901-900 ~ Si Paulo SP sob Coleck BE aT Introdugio a Colegio. 7 Bass (Oxs11) 3242-7172 4 ‘wuiveditoraunesp combe Apresentagio 3 edigio brasileira . 11 won arianespeom atendenta ede @nspbr CIP-Beasil. Catalogagio na publiesgto Sindieato Nacional dos Editores de Livros, RJ Ensaios sobre psicologia geral ¢ psicanslise. 41 Aisoe — A psicanilise revisada.43 Adarna, Theodor W, 1903-1969 FEneios sobre prcalogs socal e picanlse/ Theodor Sobre a telagio entre sociologia e psicologia. 71 : Wont Vee Fee = et Se Pl | Ealuous Unesp, 2015. [Antissemitismo e propaganda fasci “Teadusio de Sagolercte Sefer (selecto) « Kelton \ tissemitismo ¢ propaganda fascista 37 : and Gea HE (selegio) | : « . (ui I cecie) ‘Teoria freudiana e 0 padrio da propaganda fascista 153 1, Puicanélise ~ Discursos, msaios, confecéecin. 2 Psi- cologia social ~ Discursos,ensains, confertncias, I. Teva 15-2816, DD: 133.54 COU! 159.9642 Observagdes sobre politica e neurose. 191 “Tabus sexuais e direito hoje. 199 Editor afiinda Teses sobre a necessidade . 229 = Indice onomistico . 237 Introdugdo & Colecao Figura maior no panorama filoséfico do século XX, Theo- dor W. Adorno foi responsével por uma experiéncia intelectual getada pela confrontagio incessante da filosofia com 0 “campo da empiria’, em especial « Teoria Social, a Critica Literdtia, a Estéti¢a Musical e a Psicologia. Nessa desconsidetagio sobe- rana pelas feonteiras intelectuais, estava em jogo a constitui gio de um conceito renovado de reflesto Siloséfica que visava livrécla da condigio de discurso que se restringe A cematizagio insulac de seus prprios textos. Sempre fiel aum programa que tracou para si mesmo jd em 1931, quando assmira a cacleiea de professor de Filosofia da Universidade de Frankfurt, Adorno construird uma obra capaz de realizar a constatagio de que: “plenitude material e concregio dos problemas é algo que a Filosofia s6 pode aleangar a partir do estado contemporineo das ciéncias particulates, Por sua vez, a Filosofia nfo poderia clevar-se aciona das citncias particulares para omar delas 0s re- saltados como algo pronto e mediar sobre eles a uma distincia mais segura. Os problemas filos6ficos encontram-se continua e-em certo sentido, indissoluvelmente presentes nas quest&es 7 Tiodor WY Adorne mais determinadas das ciéncias particulares”." Essa caracteris- cerdisciplinar do pensamento adorniano permitiu que seus leitores desenvolvessem pesquisas em campos distintos de sabetes, colaborande com isso para a transformagto da Teoria Critica em base maior para a reflexdo sobre a contemporanei- dade e seus desafios. Uma transformagio que influencion de maneira decisiva a constituigio de tradigdes de pesquisa no Brasil, a partic sabrerudo da década de 1960. No entanto, o conjunco limicado de eradugées das obras de Adorno, assim como a inexisténeia de uma padronizagio capaz de fornecer aparatos criticos indispenséveis para textos dessa complexidade, fez que virias facetas ¢ momentos do pensamento adorniano ficassem distantes do pablico leicor brasileiro. Foi o desejo de suprir tal lacuna que nos levou a organizar esta Colecio. A Colegio editaré os teabalhos mais imporcantes de Theodor ‘Adorno ainda nao publicados em portugues, assim como algu- mas novas tradugées que se mostraram necessarias tendo em vista padtdes atuais de edigio de textos académicas. Todos os seus volumes serio submetides aos mesmos critérios editotiais, Registrario sempre 2 pigina original da edicio candnica das Gesammelte Schriften e dos Nacklaf, indicada por duas bactas ver- ticais inclinadas (//) no texto, Serio sempce acompanhados por uma Introducio, escrita por especialistas brasileitos ot estrangeiros. Tal Introdugia tem por fungio contextualizar 4 importincia da obra em questio no interior da experiéncia intelectual adomiana, atualizar os debaves dos quais esta fazia 1 LW.Ademo, Die Aktualitt der Philosophie. In: Gente Scion Feankfurea, M: Subrkamp, 1973, p.3 334 8 Ensaios sobre prcolrgia sociale psicadise parte, assim como expor os desdabramentos e as influéncias da referida obra no cendrio inceleccual do século XX. Ao final, 6 leitor encontrar sempre um indice anomistico, Em todos 0s volumes sero inseridas apenas notas de contextualizagio, evitando-se a0 maximo a introdugio de notas de comentario ¢ explicagio. Trata-se de uma convengie que se impée devide a recusa em interferir no texto adorniano ¢ em projecar chaves de interpreragio. Hi quacro coleeaneas exclusivas desta Colegio, Duas se~ guem a orientagio temitica das Gusammele Sbrfian: Esrites sobre andsica © Esritos sobre socologia. Nesses dois casos, 0s eritérios de escotha dos cextos foram: importincia no incerior da obea adorniana ou inediismo de abordagem (agsunces relevantes, porém pouco abordados em outros eextos) ‘As duas outsas coletancas, Indistria eultural e Ensaios sobre pscologia social ¢ psicandlise justificany-se em vietude de algumas especificidacles da xecepgio brasileira da obra de Theodor Adorno, Sabemos que um dos piblicos mais importantes de leivores universitirios de Adorno eneontra-se em faculdades de Comunicacio ¢ pés-geaduagées de Estudos de Midia, Por isso, a edigio de uma colevanea com alguns textos fundamen- tais sobre indiscria cultusal e cultura de massa visa, sobrecudo, aalimencar o debace que ali se desenvolve, Isso também vale pata outro importante priblico-leivor de Adore no Brasil: os pesquisadores de Psicotogia Social e Psicanslise Se a dialécica pode ser pensada como a capacidade de in- suflar vida no pensamenco coagulado, enti uina abordagem dialécica do legado de Adorno nio pode abrir mio dessa pers- pectiva critica, como jf sugeria o Preficio de 1969 a segunda edicio da Dialéviea do esclareimento, abea escrita em patceria com 9 | Theodor W. Adora Max Horicheimer: “no nos agarramos a tudo o que esta dito no livro, Isso seria incompativel com uma teoria que acribui A verdade urn ndcleo temporal, em vez de op6-la a0 movimento histérico como algo de irmucivel”, Pensar o axual teor de verdade do pensamento de Adorno significa, portant, a dapla tarefa de repensiclo em face dos dilemmas do mundo contemporineo refletic sobre o quanto esses dilemas podem ser iluminados sob o prisma de suas obras, Comissiv Edicorial Joage de Almeida Ricardo Barbosa Rodeigo Duacte Vladimir Safatle 10 Apresentacdo & edicdo brasileira Critica da Psicologia A bem-vinda compilagio dos cexcos de Theodor Adorno sobre psicanilise e psicologia social merece uma apresentagio circunstanciada, Sem isso se perders a radicalidade de suas ineuigies ea novidade de sua critica. Adomo dizia que “na psi- canilise nasa tio versladeiro quanto scus exageros" ‘ pois bem, se poderia dizer que, na recepgio brasileica de suas obras psico~ lipgicas, tnd é verdadero exceto sens exageves. Nada mais acrénice do que pensar que 0 autor de A psicanilise revisnda seria uma espécie de oponence da psicanslise, ou que o que ele mesmo chamava de * psicologia social analiticamente orientasa” seria uma espécie de psicologia social liberta da psicandlise, Portanco, a primeira confusio a desfazer diz vespeito ao acelhimento disciplinar lepartamental desce aspecco do pensamenco de Adorno. Devemos lembrar que em 1912 a nomeagio do psicdlo- go experimental Erich Jaench para a eftedra de Filosofia de TT W.Adome (1951), Minin Moral, Lishoa: Edigies 70, 1990, p39. n Theodor W. dorms Marburg, preterindo Ernst Cassires, desencadeou forte e or- genizada reagio por parce dos filésofos alemies. Em 1913 aparece © manifesto assinado por £06 professoxes contra 0 que entendiam set uma usurpagio da filosofia pela psicolo- gia. Este aconcecimento deixou marcas indeléveis na culeuca universitdria alema ¢ explica por que a convivéncia entce as duas disciplinas, naquele pais, € ainda hoje problemscica* Compreende-se assim que alguém como Adorno, que havia estudado filosofia, psicologia e sociologia na Universidade Johan Wolfgang Goethe nos anos 1920, canhecesse bem tanto ‘95 argumentos kantianos contra a psicelogia racional quanto sua renovagio empreendida por Huser, aids, objeto teérico cde sua tese de 1924, Engendeac um novo tipo de pesquisa, que a0 mesmo tempo respondesse As exigéncias cientificas e empi- ricas das cigncias psicoldgicas e sociais, e escivesse a altura da critica filoséfica dos conceitos e da dialética da eazio, objeciva e subjetiva, emerge como tareta urgente nesse contexto. O que ajuda a entender por que Adorno jamais se deixou afastar da nogii de natuseza, empregou escalas psicoréenicas eestatistica em sua investigagio sobre a personaliclade autocicicia criti- cando, a0 mesmo tempo, metodicamente, o metodologisme psicoligico, o tervitorialisme académico e a administragio ordenada dos saberes. © encontro com a psicanilise permicia responder a este duplo cricério desde que se fizesse um ceparo importante, em veada pesquisa empfrica psicol6gica tradicional, o fundamento “sensivel” da psicandlise & a clinica e a psicopatologia, Neste 2M, Kaise-El-Safti: W. Loh, Die Pyvblogioms-Koniovese, GBcingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 2011 12 Enos sabre piclagia scale pteansice poate Adorno alinha-se ao empceendimento consagrado pela cpistemologia marxista dos anos 1930, de Poliezer a Luskacs, nos anes 1960, absorvido pela teadigio francesa de Séve e Al- thusser, que buscava uma teoria critica do sujeito psicalégico. Isso significava recusar tanto a psicologia académica, herdeita lo neckantisme do século XIX, baseada na descrigio de pro- cessos mentais, divididos em fung6es psiquicas que redunda- vam em uma atomizagio da experiencia, quanto a psicologia experimental nascence dos herdeiros de Wunde, que depositava lemasiaca conflanga nos métodes que objetivavam a experién- cia psicolégica em comportamentos, atitudes e disposigbes, Desligada do aparato universitario oficial e distante da cradigio filoséfica convencional, a psicanilise parecia uma candidata suficientemente forte para responder a tais exigén- cias. Note-se que aqui abre-se 0 caminho para considerarmos, 4 psicanslise como uma antipsicologia ¢ uma ancifilosofia. E importante lembrar a estada de Adorno em Viena, por volta de 1925, onde, além de seus estudos musicais, ele se depara com 4 psicandlise como uma forca emergence para as vanguardas atisvicas,ciencificas e cultucais, Separar a psicandlise das tra- digdes psicolégicas que a antecederam, valorizae seu veio em- pitico, enquanto método clinico, hem como defender 0 carter ‘no mecafisico da nogio freudiana de inconsciente parecem ter sido o objetivo da segunda tese de Adorno, em sua habilitasio para a dacéneia: O conceita de inconsciemtee« Tora sranscendental da signe, Ainda que seu manuscrito tenha sido recusado por sew orientador, a propesta teria side maseras, contra as variedades psicolégicas do inconsciente em Nietzsche ou Spengler, como ra psicandlise o inconsciente era uma “arma afiada consra toda 13 Theodor W Adorno centativa de criar uma metafisica dos instintos e deifiear com- pletamente uma natureza orgénica’? Eneee 1937 © £949, 0 pensamenco de Adorno esti mareado por um segundo contato coma psicanslise. Desta vez ela é uma forsa ascendente nos Estados Unidos, marcada pelo contexto da Segunda Guerra Mundial. A imigragio obrigow muitos psicanalistas a vefazer ou fazer cursos de medicina para se hhabilicarem @ clinicas. Outros tantos dependiam de compro- issos académicos ou insticucionais para encontrar trabalho «¢ reconhecimento. Uma parte expressiva deles era egressa de perseguig6es ancissemitas e estava exposta 3 vigilancia contra © pensamento de esquerda, E um periodo no qual a psicandlise se depara com os primeiros efeitos de sua prdpria institucio- nalizagio, A conerovérsia em torno das regras de formacai queselas tebricas ea palémica em torna da apropriagéo do lega- as do. de Freud tornavam a psicandlise norte-americasa dos anos 1940-1950 um assunte complexo e politicamente expiosive. Os psicanalistas cinham concea si a dificil tarefa de Fazer ve- conhecer a legitimidade de suas conceps6es segundo critérios de cientificidade um pouco distintos dos padzdes europeus. Eles se viam obrigados a dialogar e a incorporat teorias locais de grande prestigio como a psicologia do desenvolvimento (René Spitz), 0 pragmatismo da medicina psicossomatica (Franz Alexander) eo culcuralismo antropolégico (Margareth Mead e Ruth Benedict), Nesse contexto a psicanilise comega 4 ser desdobrada em intimeras abordagens clinicas congéneres, como a psiquiatcia psicodinamica (Adolf Meyer), a psicotera- 3S, Milller-Doohm, Adon: A Biagrapy, Malden, Ma Polity Press, 2005 ig Ennis sobre paclgia soil oeanive pia incerpessoal (Harry Sullivan) e os testes psicométcicos de cunho projetivo (David Rapaport) © culeuralismo neofreudiano: Fromm e Horney Atendéncia que Adorno designa como culturalista, neofteu- dliang ou mais especificamente revisionisca cem em comum a objecio de que 0 pensamento de Freud era demasiadamente de- pendente de seu contexto de invengio: uma sociedade patriareal, cepressiva, cujo moralismo teria se infiltraclo nas concepgies psicanaliticas. Ademais como neurologista ¢ pesquisador em cigncias nacurais, Freud ceria se deixado levar demasiadamence pelas ideias decerministas de sua época. Daf o projeto de refor- molar a tearia de Freud 3 luz das novas concepsies da psicologia e da ancropolagia, bem como fazer ama revisio de sttas cone cepgées, principalmence sobre a mulher, a homassexualidade, © casamento ea maternidade. © cermo escolhico por Adorno para caracterizar esta forma de psicanslise, ou seja,revisonisia, sugere uma analogia enere a renovagio do pensamento de Freud, feita pelos emigeados centro-europeus em solo americano, ¢ as diferentes interpretagSes de Marx, feicas pelos socialistas, pelos trotskistas e até mesmo pelos partidos comunistas. Os revisio- nistas ameticanos podem ser agrupados entre as cultucalistas, como Erich Fromm, Karen Horney ¢ Erik Erikson, ¢ 08 que tentam incroduzir a psicologia do eu no interior da psicanslise, como Keis, Hartman, Nanberg e Lowenstein, A critica de Adorao a Beich Fromtn traz um context adi« cional. Fromm fora divetor do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt em 1930, quatro anos depois tornava-se professor 1a Universidade de Columbia (Nova York) e nove anos mais ay Theodor W. Adorno tarde deixava a Escola de Frankfurt, segundo seus eriticos, em fungio de sua “falea de édio pelo exiscence"* Fromm reviu o conceite de necessidade no contexto do relativismo elacionalidade, teanscendéncia, ensaizamento, senso de identidade, orieatag socioldgico introdazindo valores como: estimulagio, unidade ¢ efetividade. Fromm substituiu peso da sexualidade em psicandlise pelo papel da emotividade ¢ parecia propugnat um conceito bastante liberal de liberdade, ineluindo-se af 6 papel da farnilia, esponsivel pela interioriza- io de um supereu menos cruel, sobrepajado pelas experigneias deamor e seguranga, Em 1943, com amorce de Karl Landauer no campo de concentragio de Bergen-Belsen, o projeto de uma pesquisa incerdisciplinar deixa de cantar com a participasio de psicanalistas. Alexander Mitscherlich acaba mitigando esta dificuldace, mas jd em outro momento, no qual ele precisa dividie sua dedicagio aos estudos criticos coma medicina psi- cossomitica ¢ coma prépria resisténcia cultural 3 reintrodugio da psicanilise na Alemanha do pés-guerra. © fioco de critica de Adorno aos culturalistas é Karen Hor- ney, de quem Exich Fromm se aproxima atéa Findagio do Ins acuco de Psiquiatria, Psicanstise e Psicologia William Alanson White, em 1946. caso Horney afigura-se assim como inicio de uma série de ventacivas de coerigi criticamence as teses fecuclianas, de anunciar seu anacronismo, de decrerar sua obso- lescéncia, de instituir seu limite historico, sem nenhuma aten- io 01 adverténcia a0 sentido ideolgico deste movimento.* 4 R. Wiepgershaus, 4 Exala de Fenfjct, Rio de Janeiao: Difel, 2002, 5 J-M, Rabaté, The Death of Freud: What Is 20 Be Preferced, Death for Obsolescence? Qui Parl: Griteal Hiemeninies and Socal Scents, 19) 1.1, outono-inverno de 2010, p.37-63, 16 Ensaios sobre psicolegia sociale pricandlise Desde sua conturbada analise com Karl Abrsham em Berlim, até sua extensa atividade de ensino, primeiro em Chicago e depois em Nova York, Horney colocou-se contra as teses frcudianas sobre a sexualidade feminina, em particular a ideia dle que as mutheres interpretaziam 0 préprio corpo como defi- citétio, experienciando a castragio nos termos do sentimento de inveja do penis (Penis Nrid). Uma leitura alcernativa seca buscada por Horney nos termos de uma ceoria psicanalitica da idencidade da mulher. Ora, uma concepgio como esta é, senao secundaria, ausente em Freud, Isso levou Horney a expandir € investigat a génese do en, sua necessicade de amor, bem como as primeiras expeciéncias de apego ¢ ligagio, de nacureza nfo necessariamente sexual, mas.que ainda assim teriam lagae fundamental na formagio da personalidade, Adorno critica este movimento, que coloca, no lugar do problema freudiane clas pulses de autoconservagio, uma teoria essencialista das paixdes, da idencidade e da liberdade pré-constituida, E possivel que a eleigio de Horney, come interlocutora ¢ paradigma da psicanilise neofeeudiana, deva-se também 20 fac die que em 1936 ela visita Berlim, onde profete a conferéncia “A necessidade neurérica de amor”, assistida por Mathias Giving, diretor do Instituto de Psicoterapia (arianizada), quea pacabe- niza pelo sew antifreudismo.‘ Neste sentido, Adorno é um dos primeitos a perceber a complexidade do processo de imigracio dos psicanalistas, os impasses tcazidos pela disseminagio cul- taal da psicandlise, bem como as negoriagSes “evisionistas” aque foram oferecidas em troca da subsisténcia © E. Roudinesco; M, Plon, Diciandvo de prcandise, Rio de Janeiro: Jorge Zabas, 1997, p356. Theodor W. Adorno Jaina década de 1930 a ceftica da teovia feeudiana da fernini- lidade no era um problema isolado para os psicanalistas, mas as diferentes solugses encontradas, seja por Helene Deutsch, por Joan Riviere ¢ até mesmo por Melanie Klein, nio so cotejadas por Adorno. Ele privilegia o exame discursive do vocabulério de Homey, denunciando suas origens nas teorias psicolégicas de século XIX. Publicado em 1937,A personalidade -nowrtica de nose peed” pertence ao genero cle investigagio psica- nalicica que tenta capcar as mudangas nas formas de sofrimento em tecmos de variagdes culturais, cuja origem é o artigo de Freud sobre a Moral sexual civilizada e doenga nervosa moderna.® Q principal movimento clinice do texte € deslocar a etiologia das neuroses da sexualidade para a necessidade neurdtica de afeto. A recusa ou impossibilidade intersubjetiva de pactilhar a formagio de aferos, emogGes e sentimentos assume valor patdgeno nao quando se consideram sintomas come conver= sées hiistéricas, ideias obsessivas ou fobias, mas quando, na apresentagio clinica predominam sintomas como depressbes, sentimentos de inadequagio c transtornos de cacdtex Detiva de Homey a tese desenvolvida por Arthur Koestles” sobre a neurose politica. Como muitos liberais contempor’- rneos que querem parologizar a psicologia de ses oponences, Koestler quis ver uma celagio entee experiéacias infaatis neu- cotizantes e disposigdes politicas. Apesar do escudo sobte 2 Posonalidade autoritéria cet sido cecebido e interpretado nesta 7K Harney La Pesoualiy nevrorgne de woee temp, Pats: UAtche, 2953 8 , Freud (1908), Die Kedharlle Seualmoral and die Moderne Nerves. Sigmund Freud Stadienausgabe, vIX, Frankfurt Fischer, 1975, 9 T.W Adorno (1954), Oks sobre plitienenarase. Ver neste vol ne, p19I-8. 18 Ensaios sobre picolegia soo «pease ditegio, aqui Adorno ¢ enfitico: a libido polities & mais um caso de sociologizagio de conceitos psicanaliticos, © “recalque da culpa” como explicagie para a ascensio do nazismo € ousro exemplo de uso do conceito em senso comum. “Nio hi nenhu- ma ‘neurose politica”! nem de esquerda nem de direita, Os individuos autoritiries nao s4o mais neurdticos de que outros, Em Horney nao € a angitstia que funciona como afeto fun- damental, como em Anna Freud, mas sentimentos sociais como, a busca de poder, de prestigio ede posse. Isso a feva a localizst, no centro do conflito neurotico, a competigio ea concorténcia Diante dele a resposta newrStica, apresenca-se, principalmente, como evitagio e fuga, Isso explicaria a génese do sentimento neur6tico de culpa ¢ sua adesio ac sofrimento, em particular 9 sofeimento masoquista. Esta dessexualizagio do conflito se ligars com umentendi- mento um tanto restrito do conceico freudiano de repetigio. Para Horney © metadiagnéstico da neurase é a infantilizacio, ddaf que sua cura seja orientada para o progresso e maturidade. (O neurético seria alguém fixado na infancia, nao havendo nada de muito novo na canstituigzo do individuo depois dos cinco anos de idade. Dat a fragilidade da teoria feudiana para fidar com as diftculdades da vida adulca, sem reduzi-la a repetigbes de padres infantis. E 0 principal conflico da vida adulta seria a conquista da auconomia. Adorno percebe a fragitidade da nogio de auronoinia aqui empregada, ainda mais seela se apoia nna reduggo da importincia das experidncias infancis destrutivas ¢ sexuais ¢ em um conceito identitarista de repetisio. 10 Iba, p.196. Theodor W Adorno Psicoverapia Comega a se formar aqui uma espécie de constelagto de temas que serio reaproveitados pelo empreendimento exitico adorniano, Por exemplo, a identidade nio pode ser pensada como uma catalidade originscia, harmoniosa ¢ unificada. Fla obtém tal apresentagio por meio de “um sistema de cicatrizes, que somente poderiam ser integradas sob sofrimento”,"* um ano (Beschidlgurg) que se repete porque sua experiéncia nfo se concluits, Por isso os sintomas sio “os fenémenos propriamence ctiticos da psicologia”"* e nio sua acomodagio narcisica em ama caraccerologia que deriva da identificaggo do ex com a historia do sofrimento que o consticuiu. Ou seja,antes de sua evpressio masoquista, sua incorporagio como traco de catfter e do apego 4 sua inerente compulsio repetitiva, Adorno valoriza 9 sentido formativo da experiéncia de softimenco e dor fisica, instante de “idencidade (ainda que negaciva] entre sociedade e individuo".?* Para o autor de psicandlize revsade, ama concepgio que pensa a individualizagdo a partie de experiéncias genéricas de seguran- a ou satisfacio tende a localizar a etiologia de tais sintomas nas “relagées humanas” do em fatos mais espectficos como ‘es que ¢ 0 Complexo de Edipo. Dai que, isento de contradigées ¢ antagonismas, o individuo assim considerado s6 pode ser efeito de uma pseudoindividualizagio, @ sistema de contrat Lembremos que um dos problemas elinicos centrais da psicandlise dos anos 1940 refere-se a como mitigar a force 11 T.W Adorno (1952), psteandle revise, Neste volume, p48. 12 Ibid., p49, 13 T. W. Adorno (1968), Sabre 4 ago cote sovilagie« pricolegit, Neste volume, p.134 20 Ensnios sve piclogia ecole prconsize copressiva c cruel do superen. A perspectiva dos culturalistas neofreudianos pensaré a formagio da moral, a relagio com a autoridade © 4 interiotizagio da lei antecipando a relagio encre normas ¢ valores, confundindo causa e consequéncia, exacamente como faziam os autores da filosofia moral peé- -kaatiana, Bste procedimento encodre dois problemas ctuciais, produzindo a ilusio de té-los explicado. © primeieo problema diz respeito 4 origem e dissolucio psicolégico-genética das re- presentagies morais na origem do supereu, ou seja, qual seria o fundamento real da le? Bla se origina na mera incorporagio da norinatividade exterior ou ha algum elemento pré-moral, amo- ral, no proprio sujeito? O segundo problema que inceressa 2 Adorno, ¢ que é obstetido pelo culturalismo, diz respeito 4 ori- gem do sencimento neurstico de culpa. Seria ele um sucedineo do concraste com os valores ad-toe implantados pelo processo civilizacério? Em caso contririo, qual seria sua experiéncia fundadora, a concorréncia, o medo A libecdade, a perda da seguranga ¢ da espontaneidade,"" ov 0 desamparo e a angustia (Hilfloighit)> Aqui a solagio adomniana antecipa as pesquisas de Lacan: a formagio da moral e seu sentimento de culpa nao derivam de uma distorgio da lei, mas do fato de que a prépria lei, ela mesma, comporca grande dose de irracionalidade. E por isso que “as experiéncias de impocéacia real sio tudo, exceco ireacionais; nem mesmo propriamente psicolégicas”,!* ainda que elas estejam no niicleo de nossa experiéacia moral. Adorno introduz aqui uma ideia de grande repercussio para a psicologia vindoura, A aceitagio social de uma teoria psico~ {4 Aldoeno (1952). A pscandliewvisnd. Neste volume, 57 15 Adorn (1955), Sabre a seg one soci pola, pI 2 Theoden We Adorno Logica pode ser apenas a confirmagio robusta ¢ cautolégica da ade, Uma concepgio psicolégica pode ser percebida come verdadeita jus perspectiva de adaptagio do individuo a uma soci tamente porque se apossa e confirma os process0s ideoldgicos de individualizagao que a tornam necesséria, A imagem de um homem positive, dotade de autoconfianga, iniciativa ¢ cota gem, cheio de talencos e potencialidades surge assim no lugar clo homem desamparado e trigico de Freud. A confianga em relagées auténomas,livees de conflito, produzidas por homens jd auténomos, agentes livres de contratos livremence estabe- Jecidos, nfo era uma ilusio freudiana. Assim ele se esquivava do erro de no perceber nestas mesmas celagées a onipresensa da forma mercadoria e seu principio de néo equivaléncia e falsa-liberdade. Dai a formula de que “Freud tinha razio onde ele nio tinha razi0",)* ou seja, onde ele nao aplicou a razio para pensar psicanalicicamente a iniquidade dos contratos humanos, a autonomia ¢ a liberdade sob o capitalismo. A rea- slo contra os “traces despéticos do pensamento freadiano”” produziu um monstro de docilidade conformista, ratificando a sociedade patriarcal e androcéntrica que Horney e Fromm goscariam de criticar, O que nfo se percebeu com clareza é que acrivics de Adorno contra 0 tratamento psicanalitico volta-se, majoritariamence, contra as consequéncias desta culturalizagio quanto aos ob- jetivos da cata, Freud teria sido mais feanco a0 assamir a na- tureza mediada da terapia, do que Horney ¢ Erich Fromm, ao valorizar cura pela aprovacio ¢ calor humano. O use do amor 16 Adora (1952).A paandive evsads, Neste volumne, p62. 17 Ibid, pot Ensaivs soe paicolgia sociale pricandice como um instrumento psicoteripico, a postulagio de categorias semidiagndsticas, como a dependéncia pacoldgica, o horizonte explicito de busca da “adapcagio social do paciente”, sio defle- tidos por Adorno com o uso rigoraso dos textos de Freud sobre 4 técnica e mais precisamente sobre o “amor de transferéacia” Da anilise do inconscience, eles fazem una pacce da culeuzo cde massa industrialized; de um instsumento do esclarecimento, tum inseremenco da aparéncia iuséria de que sociedade ¢ indivi- duo se recobrem, tal como a adapracio 4 realidade onipocente & a Felicidade." ‘Admitir que a psicanilise tornou-se parte do problema que precendida resolver, que sua inevitsvel culturalizacio exige uum trabalho de critica interna permanente, ndo indiferente is demandas conformistas inerentes 3 sua prética ¢ 3 promessa tecap2utica, foi também o sentido de muitas leituras entre as quais Adorno se inscreve como pioneito. De Reich a Lacan, de Ferenczi ao casal Torock, eencontramos 0s mesmos pontos levantados pela ceftica seminal de Adorno. A pritica clinica deve ser criticada quanto & irracionalidade de seus fins, adaptagio e conformismo social, como “sio 0s campos de trabalho ou de conceneragio onde ele é aproncade’, bein invegrado”, onde sua condisio de indiv(duo resume-se & ingularizada” ou “md~ de “agente de contratos livres”, igue: nada psicodinamies isolada”. Trata-se, portanto, da psicologia como ideologia e da psicoterapia como uma espécie de sutura 18 Ibid, p.69. 19. Adotno (1955), Sobre arog core scislegia «pls, p87. 23 Thosdor W. Adorno para o mal-estar trazida pelo gro de verdade do sintoma ow pela experigncia hiscérica do softimenta, Bste é 0 tipo de in- dividuo necessério para uma sociedade tocalizada, do qual esta acepgio de psicologia é um sintoma social em si mesma. Contra o conformismo Adorno mobiliza a interpretasio do dico freadiano “We Es was, sol Ich werden”, no como "as Forgas civilizatérias do eu deve desalojar 0 irracionalismo do Td”, ‘mas como expressio de algo “estoicamente vazio"2" Vige aqui ainda a crfcica kantiana da psicologia, na qual o nticleo da ideia de liberdade ¢ irceconeilifvel com © mundo empirico, nem co- mensurivel com a forma como as setes huumanos¢ instituigées so hoje" Por isso “toda imagem de ser humano é ideologia, exceco a negativa”.® Pata além da fraude psicoterapéutica ba- seada na busca da adaptagio, Adorno interessa-se realmente pelo elas terapéutico da psicanilise, chegando a formulae atese de que: O antagonismo social reproduz-se no abjetive da anslise. que nfo mais sabe, nem pode saber; paca onde quer conduzie o paviente, se para a felicidade da liberdade ou pata a felicidade na nto liberdade* Eu, individuo, sujeito Considerando que a psicanilise seria a “tinica (forma de psicologia] que investiga seriamente as condigSes subjetivas 20 Ibid, poo. 21 Ibid, p.108 22 Ibid, p.103, 23 Ibid, 122-3, Enssie sobre picologia socal pcontlse da irracionalidade objetiva"* resta saber qual seria sua forma particular de aprender este objeto, que no € um objeto, cha- mado sujeito. Vemos aqui Adorno trabalhar dois conceitos que so quase ausentes em Freud, mas que adquicern importincia singular para pensar a separagio entze sociedad ¢ consciéneia individual, a saber, “estrutura” “personalidade”, 0 peimeiro inais sociolSgico, o segando mais psicoldgico. Sua introdegio em psicandlise responde a uma grande preoeupagio come o que era eatendido pelos pés-freudianas como uma lacuna na teori- zago psicanalitica: o eu. Entre os que pensavam 0 eu em opo- sigio aos objetos ¢ os que consideravam o eu em oposigio as suas figuras de alteridade, Adomo escothe recer a concradigio: © eu “é uma parcela da pulsio e ao mesmo tempo um outro”. Lembremos que 0 eu [Jeb] é um conceito relacivamence tardio em Freud. Até 1914, com Introdugio ao narcisiemo,"* 0 eu era dma massa de representagSes, um sistema de inibigdes apto ase dividir diante do contlito, representante das disposicbes morais ¢ o representante de um dos polos do conflico gerador de sintomas, o polo das pulsdes de autoconservacio, que se opunham is pulsées sexuais. & s6 coma chegada dos problemas relativos as psicoses, trazidos pelo grupo suigo (Jung, Bleuler) ¢ berlinense (Abraham), que Freud reconhece que a teoria dda génese de sincomas no pode prescindie de wma pacologia da formagdo do eu. O texto sobre 0 narcisismo ea reformalagio de 1923 com a'tépica do eu, Id e supereu dio mangem assim 24 TW. Adorno (1955), Sobve a sdagio ene pscalgia« soiolgia, Neste volume, p72. 25 Ibid, p.125 26 S. Freud (191.4), Zur Fifi des Navizsmus. Signound Freud Sto dlienausgabe, wlll, Peankfure, Fischoe: 1975 25 Theodor We Adorno a muitas adigées e reinterpretag6es. Levada a cabo por grande parte dos psicanalistas dos anos 1940 ¢ 1950, interessados em extensSes clinicas envolvendo a clinica das psicoses, a psicand- lise com criangas ¢ 0 tratamento de adolescentes “dificeis”, a reformulagio da teoria do narcisismo ¢ sua jungio com a entio chamada hipétese estrutural animaram os empreendimentos de Anna Freud, Melanie Klein, Lacan e Winnicott, Mas nenhum desses autores € mencionado por Adorno, Talvez isso ocorra porque neles uma teoria da génese ou constituigio do sujeito niio se faz 4 custa da recusa da patogénese sexual, razio e raiz tanto da premissa do antagonismo quanto da sensibilidade e ainda da experiéncia fundamental de nfo identidade no interior do sujeito. O préprio Adorno participaré deste movimento a0 propor que “o conceito do eu é dialécico, psfquico ¢ nto psfquico”” Quanto a Anna Freud, a critica de Adorno passa pela ideia de queao descrever categorialmente os mecanismos de defesa do eu, ela confundiria planos légicos distintos. Por exemplo, recalque e regressio nfo sfo separiveise no pertencem a0 mes- mo plano de processos como identificagio e formagio reativa, A dissolugio da sublimagio no recalque também deixa de lado as diferengas metapsicol6gicas salientadas por Freud para estes dois destinos da pulsio, Aqui Adorno novamente acta um ca inho anslogo ao de Lacan. Ambos parecem ter percebiclo que a problemitica relagio entre a teoria das pulses e a ceoria do "27 Adorno (1955), Sobre vlaio ene sola piclagin, p.107, 28 “Recalaie,regressio, formacio reativa,isolamento, anulagio retron- iva, projegio, introjecfo, volta para a prépria pessoa, inversTo a0 contrStio.” (Ibid, p14.) 26 Ensaio sobre pcologia sociale pscandlise inconsciente em Freud se resolve se entendemos que nos dois casos trata-se de recursos para deserever trajetos de negacio, Quando Adorno fala em planos ligies distints pode-se entender queo tipo de negacio envolvida em um pracesso como a ideali- zagio ou a identificagio, que envolvem a relagio a0 objeto, nfo deve ser confundido com 0 recalque,a sublimagio, a volta para a prépria pessoa ou a inversio a0 contririo, que sio destinos da pulsio, A ambivaléncia, dirigida 4s imagos parentais, nfo deve ser posta a0 lado da formagio reativa, do isolamento ou da anu: lagdo retrospectiva, processes tipicas da formagio de sintomas ria neurose obsessiva. Deste diagnéstico semelhante chegamos 20 tratamento andlogo da instfncia que resiste A contradicio, ow seja, © eu, em si mesmo formado pela alienagio e pela projecio. Para Adorno, assim como para Lacan, 0 eu deve ser descons- trufdo (abbaen). Longe de sec uma instincia frégil na neurose, cou desarménica na psicose, 0 eu é desde sempre demasiada~ mente forte, Dafa critica de Adorno contra a dualidade de fins teraptuticos, proposta por Anna Freud, Lembrando que para esta, na neuitose, as defesas do eu devem ser vencidas enquanto na psicose elas devem ser cultivadas. Com este comentério Adorno mostra-se também um precursor da critica psicanalitica do neurético-centrismo e da intuigio de que certos diagn6sti- cos so diferencialmente aplicados, por exemplo, a neurose para «0 ricos, a esquizofrenia para os pobres.”* Se Adorno e Lacan concordam no diagnéstico de que hé ‘uma insuficiéncia na teoria psicanalitica do narcisismo, a qual dleveria explicar a génese e estrututa do eu, eles nfo encami- rnham solugées do mesmo tipo, Pata resolver esta questio seri 29 Ibid, ps, y Theodor W Adorno preciso estar atento as variedades de produgio do conceito & da experiéncia que concerne a0 individuo: o eu psicoldgico, a pessoa juridica, 0 sujeito do conhecimento, 0 self das narrativas da intimidade, Adorno nao se contentari com domesticagio de conceitos originariamente radicais como 2 castragio ¢ a inte- viorizagio da violéncia, com a neucraizagio de conflite nem com a defesa ceérica de uma moralidade conformista acomo- dada sob a égide de ama epistemologia baseada no “pluralismo biolégico-socialégico-econdmico”."” Em vez de falsamente unificar as areas de incidéneia, ou disteibuir metodologica- mente seu objeto, ele prefere manter 0 conceito de individuo, como forma de estudar sua autacontradig&o, Porranto, se recusard tanto a diluiglo do sujeito na categoria de individuo, quanto sua autonomizacio das nosées de pessoa, eu ow sf © que aproxima a petspectiva de Adorno com ade Lacan io é apenas uma homologia entre canceitos, uma paridade de diagndsticos, nem mesmo uma erftica comum 30s descarninhos da psicandlise dos anos 1950, mas uma apreensio dialética, nsegativa, da carefa tedrica e de suas condigées de possibilidade privicas." Aqui reencontramos de forma aguda o princfpio da primazia do objero e sus critica das clisciplinas e da distribuiggo social clos saberes. Mais uma vez, aquila que pode ser lido como uma fatha ou insuficiéncia de Freud deve ser refletido enquanto tal, ances de ser saneado por um avango complemencat. Ao pensar além das distingGes universitérias, a psicandlise jmprimiu ann 30 Adorno (1952). pani rvieds, Neste volume, p60. BN, Safacle, A pune do negtive: Lacan © @ Diakitza, Sao Paulo: Ediara Unesp, 2005, 28 Ensaio be pelo aca prcanaize ponco de visca da totalidade, que, ainda que falso como méto- do, apteende uma eorreta condigio epistemolégica do objeto. Método, Aqui entramos em outro plano de contribuigio das criticas adornianas 3 psicanslise, ou seja, 0 plano do método. Entee individuo e sociedade no hi uma relagio de inclusio, ac modo género ¢ espécie, ou de oposicio simples, entre abstrato € concreto, mas de contradigio zeal, entre particular e univer sal, Assim como @ critica a Homey estabelece uma espécie de paradigma de socializacio da psicologia.a critica a Taleore Par- sons mostrard o caso inverso, de psicologizagio da sociologia. Adorno denuncia no funcionalismo-esteutucal do autor de O sistema social a alsa diferenga entee motivagies econdmicas, como. interesse ¢ o lucto, eas motivagies psicol6gicas, como co medo e a vinganga. Para Adorno “a energia pulsional do Baine ceconomirus, que comanda o bono psyolegicus, € 0 amor”,*? pelo qual @ individuo é instado a amar aquilo que outrora odiou, em sew proceso civilizatério. Um dos efeitos desta inversio, inter na a0 processo civilizatério, & que a irracionalidade social que constrange os individuos torna-se opaca, 20 mesmo tempo em. {que eles creer na transparéncia dos processos econdmicos, bem como se enteegam em sua paixo aucoiludida pelas insticuigbes. lade nao é qualitativa, A diferenca entre individuo e por isso nenhuma sintese cientifica pade reunificar 0 abjeco que € de safda dividido. Do lado do individio sua cicatriz 32 Adorno (1955), Seb e edad ont asi pasa, .78. 29 Theodor W. Adorno constitutiva éa diferenga, tanta como pressio social de homo- geneidade quanto em seu carder de cifra de liberdade. Se a contradigio enere sociedad ¢ individuo é ela mesma social, 0 que se encontra como falso cortelato ideolégica é a tend@ncia 2 emancipagio dos conceitos psicolégicos. Porcanto, quando Heinz. Hartmann elogia em Parsons a formacio de uma lingua- ger conceitual comum entre sociologia ¢ psicologia, confiando no sentido positive de nogdes como fungi ligico-observadore, teste de ralidade e adaptagio, iss0 no corcesponde mais a uma inceragio epistemolégica do que a incorporacio inquestionada da propria psicologia enguanto discurso monadelégico do individuo. Voltamos ao vema da ciéncia sem conscitncia Percebe-se assim um segundo sentido para 0 termo pico logia em Adorno. Ele no corresponde apenas a0 de uma eeoria propriamente dita, com seus conceitos ¢ suas hipdteses expli- cativas, mas, no caso da psicolagia, ele também se refece «certo discurso burgués sobre sua vida privada, com baixa incidéncia de elementos ligados & produgio matetial. E neste sentido que Lukics fatava da esquizofrenia coma consequéncia da alienagio social do sujeico que: “quanto mais adequado 3 eealidade, canto mais se transforma ele préprio em coise”." E também nesta di- regio que se pode dizer, com Adorno, que Marcel Proust era am. “psicdlogo do eu”. Aqui Adorno participa de uma tendéncia, hoje cansolideds, a pensar que nas ciéncias humanas devemos considerar tanto plano do conhecimenco ¢ da experiéacia, como racionalidade intrinseca dos conceicas, quanto o plano do discurso, camo efeico social da cientificidacde que se pratica, 43 Ibid, pou, 34 Ibid, p-108. 3° Ensaio sobre pseloga socal epscanse No quadro desse interesse pela linguagem ordindcia uma perspectiva particularmence fértil inaugurada por Adorno diz respeito & andlise da midlia e da propaganda, tendo em vista o delineamento de disposigies modalidades de “personalidade”, encontrando assim outro sentido para a tradicional critica da ideologia. A pesquisa paradigmstica Personalidade autoritéria,™ na qual Adorno combinou eategorias da psicoparologia psica~ nalitica com esealas estatésticas, apesar de concroversa,é ainda um madela para a pesquisa nesta rea. Os famasos nove tragos aque caracterizam a personalidad aucoritétia fundam verdadei- tas éteas de pesquisa em psicologia social: convencionalismmo, submissio 4 autoridade, agcessividade, anti-intelectualismo, antissentimentalismo, superstigfa e escereatipia, preocupacio com poder ¢ forca, destrutividade e cinismo, projegia e preo- cupacio exagerads com sexo. ‘Ourea variante do mécodo adorniano, relevante para a pes- quisa em psicanilise, € 0 que se poderia chamar de diagnéstico de época, Inaugurada por Hegel, crata-se, neste caso, de aten- tar para e celagio encre as formas de softimenco e as formas de alienacao da conseiéneia como método para apreender, no cempo ¢ no objeto culcural, as contradigdes entre sociedade e individuo, E importante norar que Adorno publica seus cextos em un momento no qual canto psicanalistas quanto ee6ricos sociais comecam a reconhecer que hé uma alteragio substan- cial dos sintomas ocorrentes nas pacientes de Freud e nos pacientes americanos da década de 1950 ou nos pacientes eu- 35 TW. Adorno; E, Frenkel-Brunswi; D. J. Levinson; RN. Sanford, ‘The Antbonterian Pesonaliy, Nova York: Harper and Row, 1950. 3t Theodor Adorn ropeus do pés-guerca. Se para Lacan! esta mudanga aponta para asubstituigéo das neuroses de cransfer2ncia por neuroses de cavéter,e se para Lasch’” isso culminard em uma nova cul- cura do softimento, aarcisicamente organizado, para Adorno a transformagio se dard no sentido da paranoia. "4 Nao hi uma “pecsonalidade nencdtica de nosso cempo” [1] {no entanto,] Confligos na zona do narcisismo ocorrem mais hoje do que hi sessenta anos, enquanto a histeria de conversio recrocede,¢ tanto mais so inegiveis as manifestagdes de tendén= cias paranoicas” A.ctftica de Adorno aos métodos da psicologia situa-se entee a critica da fenomenologia de Hussetl ¢ a objegio a0 “absolu- tismo ligico” de Wicegenstein, ou seja, mio & porque a inten- cionalidade nao pode ser objetivada que ela ndo expeime uma verdade psicolégica. Também nao ¢ porque génese e validade de produtos da cultaca sio separiveis metodologicamente que elas sio independentes objerivamente. A verdade do processo nao pode ser substituida pela génese de sua represencasao,"* « é esta ideia de verdade que Adorno quer mancer como ponto limite da psicologia, para pensar a divisio do objeto. Este é 0 ponto no qual se question a antropologia frea- diana ¢ sua confiange realista em certas hipéteses empiricas, 36 J, Lacan, Complenoe familar forage do iadivituo, Rio de Jaci: Jorge Zahas, 2005. 57 ©, Lasch, A entra do arcstsne, Si Pasler Brasiliense, 1990. 38 T.W Adorno (1951), Tera feudiana ce patio da propagonda fascist Neste vohume, p-153-89. 39 T Adomo (1955), Seba rag ene sciologi « psiclegin. p. 112-3. 40 Ibid, paz Bz Enaaios sobre pocolaginsvilepsicandlie pot exemplo, sobre © patricidio, a harda primitiva ¢ o caréter abstrato do trauma origindeio.Y O conceito de racionalizagao, ineroduzido em psicanslise por Ernest Jones, é mobilizado para mostrar como hd um engano da psicandlise realisca, que € confundir a racionalizagio privada e o autoengano do espirico subjetivo com a inverdade ideolégica do esptrito objetivo." Mas este engano de mécodo € outra vez um engano produtivo, desde que se supere a falsa oposigao entre mito econhecimento propriamente dio. Psicologia social analiticamente orientada Ao longo dos cexeos aqui rennidos encontramos indicagies do que poderia vir a ser uma psicologia social analiticamence orientada, Fla deveria comecat estuclando os processos de in- vestimento libidinal de abjecos e nZo pela definigio do ex oudo individuo. O primeira critério estabelecido para uma psicologia social analitica é partie do maximo de individualidade que se pode atribuir ao individuo e nde "socializi-lo" completamente de saida, A valotizacio da ceoria da libido tem justamente esta funcio de recer, ainda que miticamente, o elemento pré-social do individuo.” O culturalismo psicanalitico mosera-se uma ideologia justamenee porque traz consigo, junto com a desse- sualizagio, a reintrodugio, sub-repticia, do conceito de norma lidede, escamoteando assim a l6gica psicanalitica do confit, da tensGo entre sexualidade e amos, bem como do sadismo. at Ibid, p95, 42 Ibid, p99. 48 Adoso (1952), A pocandive seuss, p52 33 een een oll Theodor W. Adorno Por isso uma psicologia social critica deveria comegar pela recusa do caréter trivial de nosso catdlogo de necessidades & por uma discussio critica sobre o que so nossas necessidades da vida (Not des Lebens), talvez como se tenha antecipado na controvérsia moral de Mandeville. A andlise das relagSes entre necessidade,§ satisfagfo e sofrimento deve manter a distincia entre psicanslise e teoria social, devendo para isso realizar-se uma “reromada de Freud”? para além da lavagem cerebral neofreudiana, Chegamos assim A terceira acepcio de psicologia que pode- ‘mos encontrar em Adorno, nio s6 psicandlise, nem a narrativa ideol6gica do si mesmo, mas a apreensio critica de cercos obje- tos, como a imagerie, as imagens dialéticas de Walter Benjamin, 0s fendmenos antes escamoteados sob a égide da falsa nogio de “injluéncia”. Inclui-se aqui o problema da “educacao social” ¢ todas as situagdes nas quais a “espontaneidade” resiste a socializagio encontrando seus limites no sujeito** Neste contexto poderia surpreender, portanto, a recupera- Gio adorniana do conccito freudiano de pulsio, seja a pulsto de autopreservacio, seja a pulsto de morte. Este é 0 conceito dialético, que opera a negatividade no interior do pensamento de Freud, segundo Adorno. Ocorre que esta parece ser a oposi- fo correta para quem busca criticar 0 principio de identidade. Se toda a filosofia de Adorno uma tentativa de tornar possivel algo que nos faga ultrapassar o principio da autopreservagio, no devemos olhar para os mecanismos de defesa apenas como 44 Adomo (1946), Tiss sobre a ncessidade. Neste volume, p.229. 45 Adorno (1966), Sabra rag care secilogia ¢pstolagay p.132. 46 Ibid, p.13s. 34 Enssios sobre picolgia sociale psicantlise respostas reflexas de um eu contra algo que Ihes seria estranho, marcado pelo signo da angéstia, mas obscrvar que tais mecanis- mos sio versbes de uma autopreservagio nare(sica. Contudo, o caminho que leva do interesse utilitarista da maximizagio de ganhos e minimizagio de perdas, na esfera do capitalismo, 4 autopreservagio narctsica no € direto, Ele deve ser conseruido pela anilise das mediagbes levada a cabo por uma psicologia social psicanaliticamente orientada. Este iltimo caso foi esbosado diretamente por Adorno, em sua anilise da dessexualizagio do sexo,” no contexto dos tabus sexuais pés-revolugdo sexual. A perseguigio de minorias sexuais, bem como de crabalhadoras do sexo, permanece em nossa sociedade liberalizada. Novos pade6es de higiene e as- cese navcfsica erguem-se de modo ainda mais cruel, dado que ‘© contetido do tabu torna-se cada vez. mais vazio.* Em uma a pornografia e © sexo infantil tornaram-se tabus remanescentes, que concen- “sociedade de casas de video” ** a prostitui tram sobre si fantasias de punigio ¢ a brutalidade que ainda domina a abordagem autoritéria da sexualidade, Nesta diregio ainda nfo se conseguiu estabelecer um conceito real de dano, que poderia estar implicado nas violagées que a lei ocidencal ainda prevé pata o exexeicio da sexualidade agora pensada como “senualidade administrada”.® A psicologia social psicanaliticamente orientada retine, portanto, uma reflexio de método, com o acolhimento de 47 Adomo, Tabus secusto dino bye. Neste volume, p.205. 48 Ibid, p.207. 49 Ibid, p.210. 50 BE Silva, A liberdade sexual adminis comribuicae deitica do conforms ‘mo, Curitiba: Jurus, 2010, 35 ‘Theodor W, Adorno consideragies sobre 0 objeto, que nfo desdenham os temas : preconceito, atitudes, grupos ¢ instituiges. A andlise do antissemitismo e da propaganda classicos da psicologia soci fascista’! enquadram-se como casos tipicos da andlise do fend- meno do preconceito e das conformagées de idlentificagio de grupo, que até hoje sfo replicados em pesquisas na psicologia social.)* O que Adorno parece ter intuido nesta matéria, e que se coloca como uma consideragio importante para pensar a pesquisa psicanalitica ainda hoje, € que, se excetuando os estudos estritamence clinicos, ela deve introduzir teorias de mediagio para poder se apropriar de seus objetos. Isso 6 opos- to de culturalizar seus conceitos. As ciéncias da linguagem, as sociologias crfticas, a ontologia negativa ea filosofia dialécica tornam-se assim condigdes de passagem do método psicanall- ‘ico, no contexto de sua justificagio metodolégica Por exemplo,a descrigio dos esquemas retéricos eas técnicas discursivas, empregados pelos agitadores da Costa Oeste nor- te-americana dos anos 1950, estabelecem tipos que ainda so refer@ncias para detec de tendéncia autorititia: 0 pequeno ‘grande homem, a promessa indeterminada, a sobriedade cinica associada 3 “intoxicagio psicol6gica” a apresencagio estilizada, a economia da gratidio, o rebaixamento calculado de inibigdes, a imitagio de sentimentos, a revelagio e abandono temporério as emogGes, 0 truque do testemunho, assim como 0 reforgo imagindrio de "nds" e da comunidade contra os inimigos f2- bricados. A oferta projetiva de sacrificios permanece viva na 51 Adorno (1946), Anisetioma ¢ propaganda facets. Nesce volume, p.137. 52. L. Crochik, Ponce, inv e cuter, Sao Paulo: Casa do Psicdlogo, 2006. 36 Ensaioe sobre psicolgie sociale psicandice propaganda atual contra o terror, na religiosidade de resulta- dos, bem como nos mais diferences discursos de autoajuda e “ gerenciamento” de relagdes humanas. O que se pode extrair como ligio deste exemplo € que a psicologia social analitica- mente orientada resulta em contribuigées diretas a0 universo normativo, nio se contentando com a descrigio reprodutiva do objeto que toma em consideragio. A.unidade esteuvural do discurso autoritétio, seja de na- tureza paranoica, seja de estilo histérico, nos envia a0 estudo fundador deste tipo de psicopatologia da vida cotidiana, ou seja, Psicologia de massas ¢ andlise do eu.* Deste texto Adorno retira a ideia de que as massas precisam manter a libido in- consciente, Nao é 0 amor, mas a reconfiguragio dos arcafsmos que organiza a massa, Daf que a propaganda nazista no neces- site set racional, basta que ela mobilize padrées de satisfagdo ”5* para que a devagio ao lider se smente masoquistas cestabelega. Em estado de grupo satisfazemos narcisicamente nossas idealizagées. Diante de nosso desejo de submissio a figura do ditador aucoricério é relativamente supérflua, Diance do igualitarismo repressivo nao é necesséria a invengio de uma nova psicologia ou o entendimento das formulas ocultas de dominagio, que teriam sido empregadas durante a ascensio dos sistemas totalitérios do século passado. Aexperincia os ensinou [os lideres e agitadores autorititios] a fazer uso racional de sua isracionalidade [..] sem saber disso ele 53S. Freud (1921), Meseypyculegie und lb-Anaixe. Sigmund Freud Studienausgabe, IX, Feankfur: Fischer, 1975. 54 Thid, p83. ‘Theodor W. Adorno 6 assim capaz de falar € agir de acordo com a teoria psicolégica pela simples razio de que a teoria psicolégica € verdadeica.* Entenda-se, o fascismo simplesmente coloca em agio a psi- cologia das massas, espontaneamente dirigida. Na anilise do discurso do pregador Martin Luther Thomas, Adorno afirma {que sua eficicia reduz-se ao faro de “tomar as pessoas pelo que clas si0: genuinas eriangas estandartizadas na cultura de massa de quem roubou-se uma grande extensio de sua autonomia ¢ s desindividualizados espontancidade”.** Os dcomos so ¢ “pés-psicolégicos” sio, assim, 0 tipo de subjetividade ideal para esta identificacio de grupo. Registre-se aqui uma sagacida- de clinica importante de Adorno: os participances da massa nao se identificamn realmente (“de coragdo") com o lides, mas ees “agem [act] esta identificagio”*” como uma performance. Daf que se possa falar em uma patologia da crenga, em uma espécie de Frauduléncia compactuada entre o lider e sua massa, no interior da qual as individualidades massificadas “mostram-se" para outras individualidades assim projetivamente consticufdas. ‘Christian Ingo Leng Ducnker Universidade de Sto Paulo Instituto de Psicologia Departamento de Psicologia Clinica 55 Adlorno (1951), Tivia feudiana eo pari da propaganda jasista. Nesta edigin, p82 56 Miller-Doohim, Adorna:A Biography, p.293. 57 Adorno (1951), Tora freudina ee padi da propapanda fascia Vid, plas. 38 Enis sobre pcg socal acne Bibliografia bisica recomendada DAHMER, H. Adorno’s view of psychoanalysis. Thesis leven, LL1 (97), 2012. LERIDER, J. Lalliéincomode, In: ADORNO, T. La psychanalyse revise Paris: LOlivies, 2007, MARIN, I. Psicanslise e emancipacio na teoria erica. In: NOBRE,M (Ong.)- Cis live de eri erties. Campinas: Papirus, 2008. SAFATLE, V. Grande Hote! Abismo: por uma veeonsttugio da teoria do reconhecimento. So Paulo: Martins Fontes, 2012. WHITEBOOK, J. Perversion and atop: a study in psychoanalysis and critical theory. Massachusetts: MIT Press, 1995 Ensaios sobre psicologia geral e psicandlise A psicandlise revisada Hi cercade vinte e cinco anos, tornou-se percepttvel na psi- candlise a cendéncia de atcibuir um papel mais importante do gue até entio era concedido Aquelas motivagies de tipo social cow culcural acessiveis sem maiores dificuldades & consciéncia, em prejuiizo dos mecanismos ocultos do inconsciente. O que se procuta ¢ algo como uma sociologizagio da psicanilise, Re- prova-se em Freud que ele tenha considerado estrucuras sociais eecondmicas como mero efeito de impulsos psicoldgicos, que surgiriam efes mesmos de uma consticuicio pulstonal humana mais ou menos a-histérica. O fato de tragos de cardter como narcisismo, masoquismo ou sindvome anal nfo serem menos produtos do que condicionantes da sociedade e do ambience 6 usado como critica 4s tentativas de explicagto, tal como a da gueeva a partir de impulsos destrutivas ou a do sistema capi- talisca a partir da pulsio colecionadora anal-erdtica, A partic da insuficigncia, aliSs inegével, daquelas derivagdes, conclui- -se que a auténtica ciéncia deve othar detidamente para a acio recipraca entre fatores sociais e psicoldgicos, ¢ que, portant, o objeto da analise nfo deve sera dinimica pulsional atemisti- B a Theodor W. Adorno camente isolada ne interior dos individuos, mas sim o processo vital em sua tocalidade. De fato, a psicologia, como um setor da ciéncia dividida em especialidades, nfo pode dominar a problematica social e eco- ndmica em sua cocalidade. Defender a eodo cusco nescidades come as de Laforgue—que em set liveo sobre Baudelaive tratou © poeta como um newrético, cuja vida poderia ter um rumo rocalmente diferente ¢ mais feliz se ele apenas tivesse resolvido seu vinculo com a mie—dificilmente pode interessar & prépria psicandlise. Sua disposigio maior deve ser que o problema metodoligico de sua relagio com a tearia da sociedade seja investigado de forma profunda. // O mérico da escola neo- freudiana ou revisionista consiste em ger chamado a atengio para isto.’ Deve-se investiga, enceetanco, se sua tentativa de sociologizar direcamente a psicanilise de faco também conduz aos discernimentos criticos sobre a esséncia da sociedade que a psicandlise poderia fornecer. Nesse sentido, aplica-se aos as- pectos propriamente saciolégicas da psicandlise sociologizada a ceitica que os analistas figis aos prinetpios fundamentais da teoria freudiana jé haviam aplicado a ela no ambito psicolégi- 1 As consideragdes que se seguem referemse apenas aqueles escitones revisionstascuja publicagbes oaucor deste veto alisou mais detida- mente, Tease sobretude de Karen Hoey. Noe Hie in der Pycbtna, ‘radusido por Heinz Neumann, Seuetgurt, 1951. Foi necessixio dese considera diferncas tericassignificarias existentes entre os autores revisionists, E comm a todos, enteetanto, a tensncia de impelie 2 psicanlise tquee diecionsmento "vealista” de que ae falasé ne texto [Seguiremos o tertocoriginal em inglés: Nw ys Byclaanaye. Lone dies: Butler & Tanner, 1947, para raduzierodasas passagens citadssn continuagSo desse texto, usando aabreviaturs NWP seguids do ndimero de pigina dessa edigfo. (N. T)] 4 | | | a Emsaios sabre pclae sociale pscandlise co: que ela recai nas superficlalidades de Adler ao substicuis a tcoria dindmica freudiana fundada no principio de prazer por uma mera psicologia do eu, A primeira parte discute alguns dos morivos ¢ contexcos argamentativos que caracterizam de forma definidora a pers- pectiva revisionisca. A segunda ocupa-se com a teoria revisio- niista das relagbes entre cultura ¢ individuo e suas implicagbes, demonstrando também algumas consequéncias para a teoria social. Na terceia, ensaia-se uma breve avaliacio sociolégica dlos neofreudianos e sua elagio com o proprio Fread. 1 O niicleo da divergéacia neofeeudiana em relagio a Freud & expresso por Horney quando afiema “que a psicanilise deveria ulecapassar as limitagSes colocadas pelo fato de ser uma psico- logia das pulses e uma psicologia genécica” (NWP. p.8). © conceita de psicologia das pulsses serve como andterna que de- signa de forma ambigua uma psicologia quc, tal como ocorteat em algumas escolas do final do séeulo XIX, // divide a psique de forma mais ou menos mecinica em certo ntimero de pul- ses e, por outro lado, designa um procedimento psicolégico que nio se contenta em deixar sem anélise a raz3o € 0s modos de compostamento socialmente determinados, pois procura deduazis, « parcit do impulso por aucopreservagio e prazes, os préprios modos de compoctamento psiquicos difecenciados. fato de sec imposstvel uma subdivisio rigida da psique em pulsdes irredativeis, e de a manifestacio concreta das pulsdes poder passat, em grande medida, por vaviagées e transforma ges dindmicas, no € de forma alguma exeluido pela segunda oy

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