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PASSOS Soares De. Poesias
PASSOS Soares De. Poesias
de Soares de Passos
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Poesias
de Soares de Passos
SOARES DE PASSOS
(ESCORÇO BIOGRÁFICO)
portuguesa. Esta corrente estética, que foi geral na Europa, é explicada pelo estado de
depressão dos espíritos depois dos grandes abalos morais da sociedade moderna,
depois da explosão temporal da Revolução Francesa. Compreende-se isto: passada a
catástrofe, vem a emoção como reacção da sensibilidade, chora-se depois do perigo.
Pela época em que nasceu Soares de Passos, e pelas crises tremendas da nação
portuguesa em que desabrochou a sua vida, o seu espírito devia naturalmente pender
para a reconcentração subjectiva. Esses acontecimentos influíram na sua constituição
orgânica; fizeram dele um doente, um débil, com um retraimento que lhe agravou a
sensibilidade com uma tristeza de incompreendido. A poesia apareceu-lhe como um
recurso de expressão para esse subjectivismo melancólico, que a fatalidade da doença,
que o vitimou no esplendor do seu talento, tornou de uma sempre impressionante
verdade. Esse lirismo pessoal de Soares de Passos, aparece isento do artifício e mesmo
da pecha de atrasado ultra-romantismo, conhecendo-se a sua biografia. É uma
condição imprescindível para bem avaliar os seus versos.
António Augusto Soares de Passos nasceu na cidade do Porto em 27 de
Novembro de 1826; foram seus pais Custódio José Passos, estabelecido na Praça
Nova, nº 111 a 113, com um armazém de drogas, em cujo prédio habitou sempre a sua
família, e D. Ana Margarida do Nascimento Soares de Melo. Deste consórcio nasceu
um outro filho, também de nome Custódio José Passos, que seguiu o comércio e
continuou a casa, e uma menina. Esse ano de 1826 era o início de uma nova época de
perturbação terrível: inaugurava-se o regime constitucional parlamentar com a Carta
outorgada por D. Pedro IV, mas ia desencadear-se a mais tremenda reacção dos
absolutistas apostólicos e realistas, começando pela regência pérfida da devassa Isabel
Maria e pelo governo de D. Miguel, que atraiçoou a causa constitucional que jurara,
proclamando-se rei absoluto, e exercendo a soberania pela violência canibalesca das
forcas, dos confiscos, das perseguições, dos cárceres e dos caceteiros assalariados. O
Porto foi o ponto escolhido para o absolutismo miguelino se impor pelo terror rubro; a
fuga dos chefes da resistência liberal no Belfast justificava a repressão. O honrado
negociante Custódio José Passas, pelo seu espírito liberal, foi um dos inúmeros
perseguidos, tendo de fugir, escondendo-se e homiziando-se para não ser preso e
sucumbir no cárcere. Sob a pressão destes terrores, a mãe do poeta contraiu os
sofrimentos, que nunca mais a abandonaram; e diante da sua casa, na Praça Nova,
foram levantadas as duas forcas, em que a Alçada miguelina mandou executar os nove
liberais, com que entendeu cimentar o prestígio do realismo brigantino. Numa carta de
Rodrigues Cordeiro ao jornalista Martins de Carvalho, vem uma nota pessoal deste
quadro tremendo, contado por Custódio Passas, irmão do poeta: «O irmão de Soares
de Passos disse-me que defronte da janela da casa da sua família, na Praça Nova,
estiveram levantadas duas forcas durante três anos; que o irmão se lembrava delas
com horror; e que isso influíra bastante para o seu espirito liberal.
Na poesia – Ao Porto – escreveu ele, referindo-se ao que vira, quando os
soldados de D. Pedro chegaram à Praça:
1
Carta de 17 de Junho de 1874, perguntando a Martins de Carvalho sobre as execuções
políticas da Praça Nova de 1828 a 1831 (Conimbricense, nº 5 131 (1896); e nº 5 394 (1899).
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poética, como no século XVIII Garção, Dinis, Tolentino e José Anastácio da Cunha,
árcades e proto-românticos, e no princípio do século XIX os autores das tragédias
voltaireanas, que precederam a revolução liberal, os poetas didácticos como Castilho,
os românticos como Garrett, os ultra-românticos como João de Lemos, os
sentimentalistas como Soares de Passos e João de Deus, os revolucionários como
Antero de Quental, parnasistas como Gonçalves Crespo, simbolistas, decadistas,
nefelibatas, de uma exuberante seiva da mocidade.
Para Soares de Passos, a poesia foi um refúgio, a Turris eburnea em que se
confinara. Era nesse meio turbulento da Coimbra das grandes troças, que ele passava
absorvido e alheio a toda a expansão da mocidade, mal conhecendo os condiscípulos,
resguardando-se na intimidade quase exclusiva de Silva Ferraz e de Alexandre Braga.
Em Março de 1852 começou-se a publicar no Porto um jornal de versos intitulado O
Bardo, de que eram fundadores o poeta satírico Faustino Xavier de Novais, e o
ncgociante metrificador António Pinheiro Caldas. Pela sua amizade pessoal obtiveram
de Soares de Passos a distinção de publicarem poesias suas. Aí apareceram pela
primeira vez a balada do Noivado do Sepulcro, as odes À Pátria, Rosa Branca (no
álbum da Exª Srª D. J. Maria de Figueiredo), Canção, Desejo, Saudade, com variantes
que merecem estudar-se, porque revelam o seu processo artístico. No texto definitivo
da mais popular das suas composições, o Noivado do Sepulcro, em geral as
modificações que adoptou na edição de 1854 são inferiores à redacção primitiva d'O
Bardo (Março de 1852). Confrontemos esta lição com as variantes ulteriores:
2
(2) Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Porque atraiçoas, desleal, mentida,.
O amor eterno que te ouvi jurar?
3
Abandonado neste chão repousa
Há já três dias não vieste aqui...
4
Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor...
7
Em seguida a estas estâncias aparece uma estrofe, que o poeta omitiu na edição
de 1856; não se compreende porque a desprezou; ei-la:
5
Saudosa, ao longe, vês no céu a Lua?
Ah, vejo sim... recordação fatal;
Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final,
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(6) Esta a nação de laureada frente,
Esta a ditosa pátria minha amada,
Ditosa e grande, quando foi potente,
Hoje abatida, sem poder, sem nada.
7
Pátria minha, que tens, que em desalento
Vergas a fronte que alterosa erguias?
Porque fitas o gélido moimento
8
O ano da formatura findava; mas ficava assinalado esse ano de 1854 pelo
estrondoso conflito entre os estudantes da Universidade e a população de Coimbra,
que é conhecido pelo nome da Tomarada. Os estudantes resolveram abandonar
Coimbra, e retiraram-se em tropel para Tomar, onde o governo os sustou sem
violência, mas por acordo, fazendo-os, sob promessa, voltar a Coimbra. Essa energia
transformou-se então num sistema de resistência organizada na Liga Académica, sob a
forma de associação secreta. Começava assim a iniciar-se entre os académicos o
espírito associativo, criando-se nesse ano de 1854 a Sociedade Civilizadora, de que
eram membros os dois companheiros de Soares de Passos, Silva Ferraz e Aires de
Gouveia, Ernesto Marecos e Tomás Ribeiro, também poetas, e outros que lhes
sucederam, como Silva Leal, Correia Harcourt, Filipe de Quental e Ernesto do Canto.
O poeta deixava Coimbra no período mais turbulento da vida académica, que
retomava todo o seu espírito de revolta medieval.
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5e sente morrer, como no Desalento, Anelos, a Vida e Consolação; o outro era uma
tendência para a Ode filosófica, a alta contemplação que dá a visão subjectiva mas
científica do Universo, como síntese racional, fase que deixou esboçada no
Firmamento e na Visão do Resgate. Explica-se esta fase de idealização científica por
sugestão de conversas do seu último ano de Coimbra. O Firmamento é a manifestação
de uma nova maneira, em que a intenção filosófica e a forma sintética do quadro dão
ao lirismo uma grandeza de ideal, mais verdadeiro e belo do que o tema da
imaginação individual.
Para esta alteração do processo estético houve decerto uma forte sugestão
exterior. No Almanaque de Lembranças de 1875, contou Rodrigues Cordeiro: «Depois
de uma conversa que se travou entre Soares de Passos e o seu amigo o Sr. Eduardo
Augusto Falcão, que nas suas ambiciosas, por não dizer exageradas teorias, queria a
poesia da ciência na arte moderna, e quase que não admitia outra, levou-lhe este um
dia o Système du Monde de Laplace. O poeta leu-o, e daí a muito pouco tempo, diz-me
o Sr. Falcão, apresentou-lhe a ode ao Firmamento, perguntando-lhe se havia ali poesia
da ciência». A história psicológica de todas as obras belas provoca o mais vivo
interesse; e no Firmamento, além da sua beleza estrutural, há os novos recursos de
idealização do poeta. O Sistema do Mundo é uma grandiosa síntese cosmogónica, que
tem dominado e ainda prevalece na astronomia, e dá vontade de convertê-la numa
Epopeia, num hino. O génio surpreendente de Edgar Poe converteu essa alta hipótese
cosmogónica no seu belo quadro fantástico Eureka! Era plausível que um poeta
elaborasse algumas estrofes eloquentes sobre a visão subjectiva da formação e
destruição do universo sideral, saindo da grande Nebulose central pela condensação e
voltando a ela pelo predomínio das forças repulsivas. Suares de Passos não era
repentista; e a leitura rápida do Sistema do Mundo só depois de uma laboriosa
assimilação poderia sugerir ao seu deísmo uma nova idealização poética. Pelo menos
a obra de Laplace serviu-lhe para sistematizar ideias vagas recebidas nas conversas
científicas de Coimbra, no meado do ano de 1854.
O ano de 1856 foi-lhe tormentoso; quatro meses sucessivos velou à cabeceira de
seu irmão Custódio Passos, durante uma grave doença. Na biografia do Poeta, este
irmão deve ocupar o lugar luminoso que lhe compete; conhecemo-lo ainda quando
residimos no Porto; mas para o retratar condignamente, a ele, também tão reservado,
transcreveremos alguns traços do estudo Os Dois Irmãos, do professor Augusto Luso,
que assim o define: «Este era dotado de um espírito claro e pensador; pouca gente o
conhecia bem. A sua honradez aparecia em todos os actos da sua vida... Conhecia o
latim, entretendo-se mesmo em ler os clássicos nesta língua; havia estudado o grego;
lia, escrevia e falava o francês, conhecia o inglês, o alemão e o italiano. Tinha
estudado os três primeiros anos de matemática na Academia desta cidade (Porto), bem
como a física e a química... Os seus conhecimentos em história, geografia e literatura
eram em geral muito vastos, e sobrepujavam aos de seu irmão, apesar de este se tornar
mais conhecido.
Amava em extremo a Poesia, e tinha um fino tacto e delicado para a critica, que
era sempre justa, baseada e segura. Viveu quase sempre desgostoso, vendo
desaparecer-lhe, roubada pela morte, toda a sua família, com quem vivia e a quem
amava extremosamente: sua tia, seu caro irmão, a sua querida irmã, sua terna mãe e
seu bondoso pai; mas forte pela resignação, pôde sobreviver a tudo, porque nunca
desamparou esta virtude. – Custódio José Passos, desde que deixou as aulas da
Academia, viveu sempre doente, aumentando-se-lhe o sofrimento até sucumbir
também. – Escreveu alguns versos e algumas traduções, mas nada publicou, porque a
14
muita modéstia lho proibiu. 13 E Foi nesta crise da doença de seu irmão que Soares de
Passos elaborou as poesias O Mendigo, o Filho Morto, Infância e Morte, Amor e
Eternidade, a Mãe e a Filha, e Tristeza. Neste mesmo ano colige o seu livro Poesias,
publicado pelo tacanho livreiro alfarrabista Cruz Coutinho. O pequeno volume de
versos produziu uma grande impressão no público, cansado das banalidades de
impertinentes versejadores. Em carta de 5 de Agosto de 1856, Alexandre Herculano
felicitou Soares de Passos pela sua obra, considerando-o como sucessor de Garrett,
dizendo também de si: «Fui poeta até aos vinte e cinco anos». 14 Numa carta do grande
tribuno Passos Manuel ao pai do poeta, afirmava-lhe com entusiasmo: «O jovem poeta
era o primeiro, o maior e mais ilustre dos poetas da nova geração...» Depois de 1856
parece que nada mais escreveu, além de uma tradução da Monja de Uhland, e ainda
três versões de Heine, que apareceram em alguns números da Grinalda de Nogueira
Lima, incorporadas na sétima edição das Poesias de 1890. O entusiasmo provocado
pelo livro fez que logo em 1858, o tacanho editor fizesse uma reprodução, retocada e
ampliada. A doença de sua mãe influiu também para esta apatia. Fechado quase
sempre no seu quarto, junto dele reuniam-se alguns amigos íntimos, entre eles Gomes
Coelho (Júlio Dinis), o autor d'As Pupilas do Senhor Reitor e de outros romances no
tipo das novelas inglesas. Gomes Coelho fala dessas reuniões, «nas sempre lembradas
noites em que, entre poucos mas escolhidos amigos, víamos na sua casa correrem as
horas como instantes, e passarem as longas noites de Inverno como um sonho». A
família de Júlio Dinis, também se extinguiu completamente vitimada pela tuberculose,
sendo o insigne romancista derrubado quando estava no apogeu do talento e da glória.
Sob o peso desta fatalidade morreu-lhe seu irmão José Joaquim Gomes Coelho;
Soares de Passos consagrou-lhe estas duas quadras até hoje ainda não incorporadas
nas suas Poesias:
13
Eis uma pequena Elegia de Anastacius Grün, traduzida por Custódio Passos:
AS LÁGRIMAS DO HOMEM
15
Citada no Discurso de Rodrigues de Freitas na Abertura da Academia Politécnica em 1
de Outubro de 1867.
16
Foi publicada dois anos depois da sua morte; Nota quadragésima dos Fastos de Ovídio,
tomo I, pág. 167, § 21. Traz esta versão anotações de mais de cem escritores portugueses
contemporâneos, 1862.
16
De V. Exª
O mais ard.te adm.or e
respeitoso discípulo
A. A. Soares de Passos. 17
17
Ms. 449 da Biblioteca Nacional (Inventário).
17
esta aliança natural, que em tempos antigos produziu todas as formas esplêndidas da
Arte grega, e ainda na Idade Média provocou um original vigor estético, que não saiu
do seu estado rudimentar em virtude da instabilidade política dessa época fecunda e da
posterior direcção erudita dos espíritos que iniciaram a Renascença pela imitação de
obras que correspondiam a um outro estado social. É certo que o estado mental
moderno produz um novo estado de consciência humana, e que esta modificação que
se revela pelas noções morais, actua sobre os costumes e formas da actividade social.
Enquanto se fez a transição, nesse período da Revolução Francesa e nas reacções
inconscientes da Santa Aliança, apareceu um espírito superior, Byron, que idealizou
os seus cantos dando expressão ao mal-estar moral de uma época perturbada por
forças repressivas, e a sua eloquência e sublimidade vem-lhe da oportunidade do
protesto. Byron, como o notou Comte, admiravelmente (Cours de Phil., IV, 366), foi o
génio que deu uma enérgica expressão de revolta contra este estado de retrogradação
transitória, como o grito de uma consciência atropelada. Essa fase passou;
preponderam as forças propulsivas dos dois grandes poderes espiritual e temporal que
se afirmam por novas manifestações, a unificação moral pelo regime da Ciência; e a
cooperação social dirigida ao bem-estar de todas pela Indústria. É desta fase
organicamente construtiva que provém a missão de uma nova Poesia. Porém, como?
Pondo a ciência em verso, como considera o boçalismo retórico? Não. Compreenda-se
a orientação social correspondente a estes progressos intelectuais, e formule-se a
aspiração aí implícita, esboçando a futura síntese do estado normal humano. Assim se
estabelecerá o acordo entre a multidão e o artista, e só assim se conceberá e realizará a
nova poesia, suprema pela sua missão construtiva.
A poesia não consiste nos versos bem medidos, mas na verdade do sentimento
humano, tão complexo nas suas manifestações individuais e sociais. A falta de
conhecimento da realidade das coisas, não deixa o poeta impressionista ver para
dentro do mundo moral, cobrindo esse vácuo com o efeito da frase, com os símiles e
comparações, com rimas imprevistas e pitorescas as desvairadas correntes literárias. A
individualidade do poeta é também uma obra faceada pela acção forte da sua época.
Disse Milton: The life of Poet is a true poem – a vida do poeta é um verdadeiro
poema. O que quer isto dizer? A vida acidentada, complicada pelo conflito dos
interesses e das aspirações ideais é que faz os Poetas, como Dante banido de Florença
nas lutas políticas, como Milton envolvido na Revolução de Inglaterra, como Byron
quebrando o convencionalismo inglês de uma aristocracia hipócrita e verberando o
retrocesso da Santa Aliança, como Vítor Hugo protestando contra os vinte anos de
traição e infâmia do segundo Império; e se olharmos para a nossa península como
Camões desterrado da corte beata de D. João III, escrevendo a Epopeia da nação
portuguesa nos cruzeiros doentios, nos cárceres e misérrimos hospitais, nos naufrágios
e perseguições, como Cervantes escondido no convés de uma nau na batalha de
Lepanto, e escrevendo o Dom Quixote no cárcere de Argamasila, ou ainda Garrett,
colaborando na legislação que renovou as instituições portuguesas, e acordando a
consciência da nacionalidade nas lutas do cartismo e do cabralismo. A vida destes
poetas é na realidade um verdadeiro poema; não viveram em si e para si, e é por isso
que foram grandes na sua obra.
18
NOTA BIBLIOGRÁFICA
inglês, língua que presumo lhe andava ensinando, e ouvi ao Sr. Aires de Gouveia: –
Hoje não pode ser; hei-de entregar amanhã uma dissertação, e só tenho esta noite para
escrevê-la.
– Também eu vinha tirar-lhe o tempo, disse eu; e visto isso, retiro-me.
Insistindo em que me demorasse, supondo ser algum escrito, rogava-me que lho
desse.
– São versos, que trago de memória, mas o assunto precisa de longas
explicações, e hoje não há tempo, nem ocasião para elas; e despedi-me.
Ao sair, topo com Soares de Passos e Silva Ferraz defronte do quarto de Miguel
Teixeira Pinto, para onde entrámos.
Este quarto era, por sinal, esquinado; eu sentei-me perto da janela, numa das
duas cadeiras que tinha, Soares de Passos na outra, Silva Ferraz debruçou-se sobre a
mesa de estudo, e assim se conservou quase todo o tempo que ali estive com eles.
1 – FIRMAMENTO
Quando em direcção à minha casa, que era na Rua do Correio, passei na que
corre por detrás do Observatório, de cujo nome me não recordo, soava uma hora na
torre da Universidade.
No começo da conversação observei que o estudo das ciências e da filosofia
muito devia convir aos poetas.
Então o Sr. Soares de Passos atalhou-me com a seguinte pergunta:
– O Sr. Almeida nunca fez versos?
A esta pergunta deve Soares de Passos uma parte da sua glória, e eu alguns
dissabores de que podia ter-me dispensado; respondi:
– Tenho apenas duas poesias em estado de poder recitá-las, mas uma delas ainda
está incompleta, e a outra desejo corrigi-la em algumas passagens. Esta versa sobre
um assunto tão original e inesperado, que receio, publicando-a, me chamem louco ou
extravagante. Imagine o Sr. Passos, é a destruição de todo o universo suposta como
provada pela ciência.»
Até aqui a narrativa da palestra da Rua dos Militares antes das férias de 1854,
que durou até à uma hora da noite. É natural que o Sr. Lourenço de Almeida, que por
esse tempo se graduara na Faculdade de Filosofia, fantasiasse um quadro poético,
contrário às doutrinas de Laplace e de Marcel de Serres, e sugerido pelas novas
teorias baseadas no cálculo, que demonstrava o encurtamento à órbita do cometa
de Encke; é portanto improcedente o seu argumento: «Que as estâncias do
Firmamento se baseiam em suspeitas e induções só minhas, mas de um carácter
científico bastante para se afirmar – que só quem soubesse reflectir sobre certos factos
astronómicos e outros geológicos os podia conceber e depois desenvolver em formas
poéticas». 18
Versos que trago de memória foi o que declarou a Aires de Gouveia; admitida a
hipótese, que recitasse esses versos sobre a destruição de todo o universo, que
desejava corrigir em algumas passagens, não é aceitável, que por uma simples audição
de uma conversa muito complexa, Soares de Passos retivesse de memória uma Ode
constando de dezoito estrofes em oitavas. E demais sabendo-se o estado de doença
nesse ano final de formatura. Quando o Dr. Lourenço de Almeida quer recorrer à
prova, cai em contradições que anulam a sua afirmativa; assim na aludi4a carta de 4
18
Distrito de Aveiro, no 1498 (ano XV), 1886.
20
de Julho de 1886, escreve: «Aqui estão minha irmã e meu cunhado, que nas férias de
1853 me ouviram na minha casa em Fermelã recitar o Firmamento, e as primeiras
quadras do Noivado».
É assombrosa a inconsciência! Em Março de 1852 publicou Soares de Passos,
no número 4 d'O Bardo, pág. 50, o Noivado do Sepulcro, de que Lourenço se dá como
autor, compondo em 1853 as primeiras quadras.
Num dos seus artigos de Reclamação das Poesias, confessa que só no fim do
ano de 1854 achou a verdadeira forma do Firmamento completando a concepção:
«Explicarei primeiro a ideia original do Firmamento. Do contraste da natureza, que
supomos eterna, imensa, sempre jovem, sempre bela, com o homem, o mais nobre dos
seres, mas efémero, que decai e não se remoça, e por fim se extingue, formara-se-me
no intimo da alma uma dolorosa impressão, que nunca me largava. Eis aí o gérmen da
poesia. Como se vê, estava ela pedindo para o seu começo um rápido esboço do
universo – o sublime espectáculo da noite, em que se mostra o espaço cheio de sóis e
de mundos, as suas multidões, as suas distâncias prodigiosas, e de envolta o mistério
das origens e dos destinos que encerra o insondável abismo, ofereciam-me o assunto
das primeiras estrofes.
Estava pois no meu plano fazer sentir a grande mágoa do homem, pela sua breve
decadência em face dos seres que a não conhecem, em face da eterna juventude da
natureza. Mas o supor-se um como resumo da imensidade, segundo uma teoria que
não consegui tornar acessível a Soares de Passos, o atingir pela razão o infinito, o
sentir a beleza das coisas, o eternizar-se pelas gerações sucessivas, vinham consolá-lo
e minorar-lhe aquela mágoa.
Aqui rematava o Firmamento, na sua primeira concepção.
Aproxima-se o fim do 4º ano de Filosofia, que eu então cursava. Indagando
como a Terra se constituiu (sobre o que o ensino e os livros do curso passavam mui de
leve), concebi a suspeita de que assim como o nosso globo, no princípio diverso do
que hoje é, só depois de longas modificações chegou à sua forma e modo de ser
actuais, da mesma sorte era provável que em época mui distante viesse a decompor-se,
alterando pouco a pouco as condições de equilíbrio e de harmonia, que naquele tempo
da Universidade e ainda muito depois se julgavam perpétuas.
A Terra será sempre o que é agora? Durará com ela eternamente a humanidade?
A estas interrogações dá hoje a ciência uma resposta negativa...
Vem daí toda a parte do Firmamento, que a esse assunto se refere. E com isto a
ideia da poesia se completou». 19
Como é que Soares de Passos, não falando já nas estrofes feitas, se apropria da
ideia com que o Dr. Lourenço de Almeida completava o plano da sua trilogia, a que
chegou depois da palestra da Rua dos Militares?
É sobre estas bases: assuntos em que tencionava exercer-se, indicações, que
Soares de Passos glosou no pouco que compreendeu, e estâncias desgarradas de
poesias esboçadas, que julga fundamentar os plagiatos.
Bases inconsistentes em coisas de Arte, porque na idealização estética o poder
criador e a obra genial consistem na forma, no dom da expressão em que se uni-
versaliza o sentimento. Pode qualquer indivíduo ter indicações, tencionar ou projectar
poemas, mas esses temas indeterminados só existem no mundo da Arte e só per-
tencem àquele que soube dar-lhes expressão. Quem negará a originalidade das
tragédias de Shakespeare por se encontrarem a maior parte dos seus argumentos nos
19
A Locomotiva, nº 106, Aveiro, 1884.
21
Novelistas italianos em simples esboços, sem paixões, nem caracteres, nem situações
definidas? Quem negará a La Fontaine a originalidade das suas Fábulas, embora
venham os seus temas de Esopo, de Fedro ou dos Fabliaux da Idade Média, se a forma
é incomparável, pelo cunho de individualidade crítica, pelas alusões ou intenções
morais ou históricas da época de Luís XIV?
Quando muito, só podemos conceder qualquer influxo sugestivo de uma
exposição científica da cosmogonia, ainda assim menos poderosa do que a leitura do
Sistema do Mundo, de Laplace, provocada pelo engenheiro Eduardo Falcão em 1854.
A forma vesânica da Reclamação das Poesias, verifica-se na insistência
continua do Sr. Lourenço de Almeida, e na complicação dos plagiatos abrangendo
mais cinco das melhores poesias de Soares de Passos. As contradições em que
escorrega mostram a inanidade das afirmações; diz que: «No Porto, em 1858, a
primeira vez que soube do embuste de Soares de Passos...» (Carta de 4 de Julho de
1886.) E .antes desse ano, diz do poeta: «Humilhou-se diante de mim, e teve a fortuna
de eu não saber do seu indiscreto abuso senão em Outubro de 1860, depois da sua
morte». (Carta de 20 de Julho de 1886.)
E desde 1854 até ao presente nunca teve ensejo para publicar uma obra poética
que pelo menos justificasse a plausibilidade da delirante afirmativa.
2 – O NOIVADO DO SEPULCRO
___________
Por mais voltas que dê, o Sr. Dr. Lourenço de Almeida não invalida o facto de
ter publicado Soares de Passos em Junho de 1852, no nº 4 d'O Bardo, o Noivado do
Sepulcro, que Sua Exª há muitos anos reclama como tendo-o escrito em Fevereiro de
1853. Todas as suas hipóteses se esvaem diante da descrição bibliográfica dessa
colecção de versos:
O Bardo – Jornal de Poesias inéditas – Publicado desde Março de 1852 a
Março de 1854. (Emblema – uma Lira.) Porto. Na Tipografia de Sebastião José
Pereira, Praça de Santa Teresa, nº 28, 1854.
24
O Bardo, I Parte.
O Bardo, II Parte.
20
Revista Literária, Científica e Artística, nº 320 do Século de 19.XII.904.
25
atrasado d'O Bardo, para incluir aí com antedata de 1852 o Noivado do Sepulcro, que
um sujeito que casualmente encontrou lhe comunicara, só isto basta para reconhecer
falta de sinceridade na ilusão. E nos mesmos voos da imaginação continua o
reclamante com singular hermenêutica:
«Os números de um periódico que nunca saiu do armazém da tipografia que os
imprimia, não se pode negar que fossem reimpressos, não se revestem do carácter de
autenticidade que o Sr. Teófilo levianamente lhe atribui.»
O Bardo imprimia-se para ser distribuído mensalmente aos seus assinantes, e
pelas colecções particulares e bibliotecas públicas existem exemplares, e todos eles
são uniformes, trazendo o Noivado do Sepulcro com a data de 1852 no registo da
folha. Os números que ficaram em depósito ou armazenados foram adquiridos depois
de 1855 pelo livreiro Gomes da Fonseca. Depois desta segunda fantasia vem uma
exigência verdadeiramente fenomenal:
«Apareça um Bardo de 52, ou mesmo de 53 (eu dou largas ao Sr. Teófilo) ou
anterior a 15 de Fevereiro de 1854, e só então se justificará da insolência que me
dirige. Tem obrigação de apresentá-lo. »
Não se pode saber o que entende S. Exª por um Bardo de 52, ou mesmo de 53,
ou anterior a Fevereiro de 54. O único texto do jornal O Bardo compreende os 24
números desde Março de 1852 a Março de 1854, formando um volume completo. É
neste volume, e no nº 4, distribuído em Junho de 1852, que Soares de Passou publicou
o seu Noivado do Sepulcro. Para indicar este facto não nos acusa a consciência de ter
dirigido insolência a quem só carece de piedade, refugiando-se detrás da ininteligível
exigência de um Bardo de 52. E acrescenta ainda o reclamante, torvado se não
iracundo:
«Não era bastante ser vilmente espoliado do que pensei e escrevi, mas sofrer
agora insultos como este, que sem escrúpulo deixou cair da sua pena sobre o meu
nome, o caso era para uni sério desagravo, se o riso medianeiro não viesse atenuar a
indignação que me causa. (!)
Felizmente para mim e infelizmente para o Sr. Teófilo, a falsidade do que me
imputa é que está provada». (!)
Esta cólera, estas afirmações imperativas e explicativas hipóteses, encerram o
bastante para esclarecer o problema literário que há quarenta e seis anos o Sr. Dr.
Lourenço de Almeida, a seu grado, propõe e resolve. Mas quem caiu na ingenuidade
de acusar Soares de Passos de plagiário, ficou sujeito à alçada da crítica rigorosa de
quantos estudarem a obra poética daquele espírito, e às conclusões psicológicas que
deduzirem. 21
21
Revista Literária do Século, 16-1-905.
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POESIAS
A CAMÕES
E as injúrias da sorte.
O OUTONO
Os arvoredos despidos
Se revestem de folhagem;
Ao sopro da branda aragem
Rebenta no campo a flor:
Tudo ao vê-la se engrinalda,
Tudo se cobre de relva,
E as avezinhas na selva
Lhe cantam hinos d'amor.
O NOIVADO DO SEPULCRO
BALADA
DESEJO
BOABDIL
CANÇÃO
A luz infinita
Dos astros, crepita,
Arqueja e palpita,
Serena a brilhar:
Assim o teu seio,
De casto receio,
De tímido enleio
Costuma pulsar.
E a fonte murmura
Por entre a verdura,
E ao longe d'altura
Lá desce a gemer:
Que sons, que folguedos!
Parece aos rochedos
Dizer mil segredos
D'infindo prazer.
Silêncio! o trinado
Lá volta enlevado,
Das noites o amado,
Da selva o cantor;
E o hino que entoa
No bosque ressoa
E ao longe revoa,
Gemendo d'amor.
O facho da lua
39
À PÁTRIA
(1852)
CAMÕES – Lusíadas.
ROSA BRANCA
ENFADO
ANELOS
O FILHO MORTO
«Tarda-me já um sorriso
«Nos teus lábios de rubim;
«Acorda, meu filho, acorda,
«Sorri-te ledo pra mim.»
E à noite no cemitério
Outro jazigo se via:
Era a mãe que ao pé do filho
Na sepultura dormia.
51
SÓCRATES
O GÓLGOTA
(fragmentos inéditos)
A***
E se falardes um dia
A dom Manuel, o feliz,
Dizei-lhe que na agonia
Albuquerque o não maldiz;
Que à beira da sepultura,
Para um filho sem ventura,
Invoco sua ternura,
Se alguns serviços lhe fiz.
A TI
INFÂNCIA E MORTE
O CANTO DO LIVRE
SAUDADE
Astro saudoso
Astro da solidão, quanto me aprazes!
Eu amo o teu silêncio, amo o teu brilho,
Mais que do sol os importunos raios.
Que me importa desse astro a luz e a vida,
Se a luz e a vida me ficaram longe?
Se em meio do rumor que o dia espalha,
A voz não ouço que responde à minha?
AMOR E ETERNIDADE
O ESCRAVO
Perdi-a! só me restava
A virgem do meu amor,
Que a mulher que eu adorava
Quis partilhar a minha dor.
Mas tinha sua beleza
Só dum escravo a defesa...
Devia, oh raiva! ser presa
Do meu infame senhor.
O ANJO DA HUMANIDADE
PARTIDA
CANTO DE PRIMAVERA
Os bosques odoríferos
Se cobrem de verduras:
Nos montes e planuras
Renasce a tenra flor;
Dos perfumados zéfiros
As músicas suaves
Se juntam das mil aves
Os cânticos d'amor.
Abriu-se o tabernáculo
Da terra florescente;
Todo sorri fulgente,
Todo respira amor:
Ressoem nele os cânticos
De mística harmonia,
Dizendo noite e dia:
– Hossana ao Criador!
79
***
CATÃO
Gerou-a o triunvirato,
Esse monstro d'ambição;
Que as eras de Cincinato,
Essas eras já lá vão.
D'olhos fitos sobre a Itália
Eis desce o leão de Gália,
E Arimino já tomou.
É César! ei-lo que assoma:
Abre-lhe as portas, ó Roma,
Que às tuas portas chegou!
A liberdade expirava:
O coração lho prediz.
Roma, a livre Roma escrava
Ia dobrar a cerviz.
Não se enganou: lá troveja
O fragor d'alta peleja
Em Farsália inda uma vez;
Pompeu vacila e fraqueia;
A liberdade baqueia
De Júlio César aos pés.
O momento de partir!
Com que rosto sossegado
Te vejo à morte sorrir!
Antes do golpe supremo
Tu paras inda no extremo
A meditar com Platão:
Assim a águia alterosa
D'alta penha cavernosa
Mede sublime a amplidão.
AMO-TE
IMITAÇÃO DO ISLANDÊS
LIBERDADE
UM ECO NO CATIVEIRO
ESPERANÇA
O MENDIGO
A VIDA
A meu irmão
UM SONHO
LAMARTINE, Jocelyn.
Tu és inocente e pura
Como a cecém ao abrir
Quando a aurora na candura
Lhe vem um beijo imprimir...
Por uma manhã formosa.
Quando desabrocha a rosa,
Quando o prado rescender,
Hei-de ir em cada florinha,
Em cada tenra folhinha,
A tua inocência ler...
DESENGANO
AGAR
Que um ai desprendeu?
Que pomba tão bela
No manto do céu!
Que penas de prata,
D'azul, d'escarlata,
O espaço retrata
Sereno, sem véu!
É anjo voando!
Que brilho que tem!
Que véus ondulando
De pura cecém!
Que anéis de cabelo
Nos ombros de gelo,
No colo tão belo
Caindo ao desdém!
Descendo, descendo,
Já perto chegou;
E a pobre tremendo
Calada ficou;
E o anjo sorria
Com doce magia,
E à terra descia,
Na terra pousou.
MARIA, A CEIFEIRA
(IMITAÇÃO DE UHLAND)
A MONJA
(TRADUÇÃO DE UHLAND)
O FIRMAMENTO
TRISTEZA
A MÃE E A FILHA
IDADE MÉDIA
No castelo, à beira-mar.
NUM ÁLBUM
O MOSTEIRO DA BATALHA
Lá dormem! um rodeado
Dos brasões da sua glória,
Como depois da vitória,
Sob a tenda a descansar;
Outro à sombra desses tectos
Em campa singela e nua,
Como querendo a obra sua
Dalém da tumba guardar.
DESALENTO
NUM ÁLBUM
CONSOLAÇÃO
O BUÇACO
Tu és grandioso; o ânimo
Que a sós aqui medita
Recolhe altas imagens
De santa inspiração.
Oh! porque veio túrbida
A guerra atroz, maldita,
Soltar nestas paragens
As vozes do canhão?
A UM TEATRO ACADÉMICO
NUM ÁLBUM
NO ÁLBUM
À MORTE
DO TALENTOSO JOVEM
HELIODORO AUGUSTO DE SOUSA
E em mim recolhido
Pensei no coitado,
Ao mundo trazido
Pra ser já ceifado
Tão cedo em botão...
E a fronte pendida,
No peito caída,
E os olhos no chão,
Meus lábios tremeram...
O que eles disseram,
144
VISÃO DO RESGATE
E um astro despontando
Na franja do horizonte,
Alçou a meiga fronte
Coberta d'áurea luz:
Sobre ele campeando
Cercada d'alta glória,
Promessa de vitória,
Brilhava a eterna cruz.
E os povos ao brado,
150
Corriam, chegaram,
E o trono cercaram
Do anjo do mal;
Mas ele! – maldito! –
Das lutas o grito
Soltara fatal;
Na mão, qual espectro,
Luzia-lhe um ceptro
De lume infernal.
E enormes serpentes
Vermelhas, ardentes,
Soltou pelo chão;
Das férreas escamas
Saíam-lhe chamas
De torvo clarão;
Cada uma nos povos
Saltava em corcovos
D'horrenda visão.
E todos, alçadas
As ígneas espadas
Brandiam a par;
Cada uma semelha
Luzente centelha
Cruzando no ar;
Semelha no embate
A onda que bate
Na rocha do mar.
E logo infinitos
Ouvi ledos gritos,
E ouvi maldições;
E soltos aos ventos
Vi centos e centos
D'ovantes pendões;
Vi feitos pedaços
Algemas, e laços
E férreos grilhões.
152
Vi tronos caídos
Vi ceptros partidos
Rolarem no pó;
Vi áureos emblemas,
Vi mil diademas
Calcados sem dó;
Vi povos diversos
Outrora dispersos,
Unidos num só.
O ARCANJO DO CRISTIANISMO
O ARCANJO DA LIBERDADE.
AO PORTO
No regaço da cidade
Que espectáculo não vai!
Do longo exílio a saudade
Em beijos d'amor se esvai.
Findara a ausência amargosa,
Tudo sorri, tudo goza,
O esposo abraça a esposa,
Abraça o filho seu pai.
VERSÕES DE H. HAINE
II
À meia-noite os espectros
165
No dia do julgamento
A trombeta há-de soar;
Mas nós para sempre unidos
Nada havemos d'escutar.
III
Se as florinhas da campina
Soubessem o meu penar,
Em minha chaga verteram
Seu bálsamo salutar.
Se os rouxinóis do arvoredo
Conhecessem minha dor,
Cantavam por distrair-me
Suas cantigas d'amor.
Se ao longe, as estrelas d'ouro
Notassem minha aflição,
O firmamento deixaram
Por dar-me consolação.
Mas nada sabem as flores,
Aves, nem astros do céu;
Ela só conhece tudo,
Aquela que me perdeu.
166
VERSÕES D'OSSIAN
AO SOL
COLMA
FINGAL
(CANTO PRIMEIRO)
TÍBURE
Ao que parece, era esta cidade já antes da fundação de Roma uma das mais
poderosas do Lácio, segundo os versos do mesmo poeta:
O seu poder não a isentou porém do jugo dos Romanos, que sob o comando de
Camilo a submeteram cerca do ano 400 da fundação de Roma.
Com o andar do tempo fez-se Tíbure mui afamada em toda a Itália pela
formosura da sua situação, e pela presença e amenidade dos seus contornos.
Sobranceira à queda magnífica do Anho, dominando da sua altura extensos
horizontes, cercada de águas, de pomares e de verduras,
ela devia a estas qualidades a reputação em que era tida. Muitos poetas romanos, e
principalmente Horácio que nela residiu, falam da sua amenidade, e celebram as suas
belezas. A frescura do seu clima era tal, que, segundo uma crença popular, fazia mais
branco o marfim, ao que se refere Marcial no epigrama:
A salubridade dos seus ares era também proverbial entre os Romanos, como o
indicam os seguintes versos, em que o mesmo poeta contrapõe Tíbure à Sardenha
naquele tempo mui doentia:
Com estas vantagens, e pela sua proximidade de Roma, era Tíbure, ou antes os
seus arredores, o lugar predilecto onde os romanos costumavam ir passar os verões.
Ali tiveram suas villas, ou casas de recreio deliciosas, Horácio, o grande lírico
romano, os poetas Catulo seu antecessor, e Tíbulo seu contemporâneo, o ministro de
Augusto e célebre protector das Letras Mecenas, Quintílio Varo, o cônsul que depois
foi morto com, as suas legiões na Germânia; e o imperador Adriano. De todas estas
vilas existem ainda hoje mais ou menos restos, sendo os mais consideráveis os das
sumptuosas residências de Mecenas e de Adriano.
A vila de Mecenas, que dominava do alto da colina o vale onde corre o Ânio,
ostenta ainda em seus pórticos derrocados soberbos vestígios do que foi. A de
Adriano, mais sumptuosa, e que abrangia um circuito de dez milhas, apresenta em
suas ruínas menos o aspecto de uma habitação particular que o de uma cidade
destruída, tal era a sua grandeza, e o número de construções que encerrava. Tendo
visitado as províncias do seu vasto Império, este príncipe quis imitar nesses jardins os
monumentos e os sítios que mais admirara nas suas excursões. Bastará enumerar estas
obras, juntamente com os edifícios propriamente romanos incluídos no mesmo
recinto, para se fazer ideia da grandeza daquela vila; é Chateaubriand quem os
menciona fazendo no Itinerário a descrição das suas ruínas. O palácio do imperador, a
biblioteca, os hospícios, a praça de armas, as termas, o hipódromo, o teatro, o estádio,
a naumaquia, os templos de Hércules, de Júpiter, de Diana, de Vénus, de Plutão e
Proserpina, as imitações dos edifícios gregos da Academia, do Liceu, do Pescilo, do
Odeon, do Teatro, do Pritaneu, um templo imitando o de Serápis no Egipto, prados
fingindo o vale de Tempe, outeiros figurando o Ossa e o Olimpo, tudo isto ali fora
aglomerado pelo capricho desse senhor do universo.
Bem menos sumptuosa, porém destinada a não menor celebridade, era a
residência em que um século antes de Adriano habitara nesses mesmos lugares outro
príncipe pela realeza do entendimento. Ainda ao pé da vila arruinada de Mecenas se
descobrem hoje no cimo de um outeiro os últimos vestígios da que pertencia a
Horácio. No dizer de Chateaubriand, que ali passou, a natureza do lugar não permitia
que ela fosse grande; mas em compensação estava belissimamente situada,
desfrutando daquela altura uma vista imensa de paisagem. Era nesse retiro, descrito
pelo poeta no começo da epístola XVI do liv. I dirigida a Quíntio, que ele costumava
passar o melhor tempo do ano, trocando pela solidão do campo a corte de Augusto, e
gozando da convivência com Mecenas. Era à sombra ameníssima desses bosques, e ao
suave murmúrio dessas fontes, que ele colhia, como o diz na ode 3ª do liv. IV, muitas
das inspirações que, a sua musa encantadora nos legou. Ali foram compostas a ode 7ª
do liv. I, em que ele antepõe esses lugares aos mais formosos da Grécia, a ode 13ª do
liv. III em que celebra a fonte de Blandusio, mais esplêndida que o vidro, a epístola vi
do liv. I dirigida a Mecenas, a l0ª do mesmo liv. dirigida a Fusco Arístio, a 16ª do
mesmo liv. dirigida a Quíntio, e outras poesias.
185
O que fica dito refere-se propriamente à antiga Tíbure. A moderna Tívoli, é uma
cidade apenas de cinco mil habitantes, e cuja importância está longe de igualar a que a
tradição atribui à antiga. O que a faz notável, e muito frequentada pelos viajantes, são
as eternas belezas da sua situação e dos seus contornos, e não menos o espectáculo das
ruínas que apresenta. Entre estas as que mais avultam são as da vila de Adriano, e as
dos templos de Vesta e da Sibila Tiburtina, situados sobre o precipício de onde se
despenha o Teverone. Entre as belezas naturais sobressai esta cascata que forma o rio,
caindo ruidosamente na fraga chamada pelos modernos a gruta Neptuno, a cinquenta
pés de profundidade. Além desta outras cascatas menores, formadas por braços da
principal corrente, despenham suas águas no mesmo vale, dando todas a estes sítios os
mais belos aspectos, e essa frescura que os antigos tanto apreciaram.
Nos arredores de Tívoli ainda hoje, como nos tempos da antiga Roma, se vêem
muitas villas magníficas pertencentes a nobres e opulentas famílias romanas. A mais
sumptuosa é a que no século XVI mandou construir o cardeal d'Est, e onde afirmam
alguns que Ariosto compôs o seu imortal poema Orlando.
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ÍNDICE
A Camões
O Outono
O Noivado do Sepulcro
Desejo
Boabdil
Canção
A Pátria
Rosa Branca
Enfado
Anelos
O Filho Morto
Sócrates
O Gólgota
A***
Últimos Momentos de Albuquerque .
A Ti
Infância e Morte
O Canto do Livre
Saudade
Amor e Eternidade
O Escravo
O Anjo da Humanidade
Partida
Canto de Primavera
Catão
Amo-te
Imitação do Islandês
Liberdade
À Morte do Meu Amigo Licínio P. C. de Carvalho.
O Mendigo
A Vida
Um Sonho
Desengano
Agar
Maria, a Ceifeira
A Monja
O Firmamento
Tristeza
A Mãe e a Filha
Idade Média
Num Álbum
O Mosteiro da Batalha
Desalento
187
Num Álbum
Consolação
O Buçaco
A Fonte dos Amores
A Um Teatro Académico
Num Álbum
No Álbum do Dr. Manuel Teixeira Pinto (inédita)
José Joaquim Gomes Coelho
À Morte de Heliodoro Augusto de Sousa .
Visão do Resgate
Ao Porto
Versões de H. Heine
Versões d'Ossian:
. Ao Sol
. Colma
. Fingal
Tíbure
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