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Enquanto que 0 ensino do Desenho a niyel secun- Wario continuou arrastando-se, até pelo menos 1925, asfixiado pelas rigidas correntes matematizantes, tortu- rando 6s adolescentes com as exigéncias de exatidao e coneeituagao geométrica, a nivel primArio esse ensino receberia um influxo renovador que partiu dos novos modos de entender a Pedagogia como “‘a Psicologia em agao”. Esta nova abordagem foi divulgada principal- mente pela Escola Normal de Sao Paulo que, a partir de 1914, criou o Gabinete de Psicologia Cientifica © 0 Gabinete de Psicologia Pedagégica, permitindo que se descnvolvessem pesquisas, embora muito rudimentares, sobre Psicologia experimental aplicada & Educagao. Sao Paulo era, naquele tempo, o Estado lider da federagio no que diz respeito ao desenvolvimento do ensino primario ¢ normal. 96 6. A EXPERIMENTAGAO PSICOLOGICA E O ENSINO DO DESENHO. LIDERANCA DE SAO PAULO NO ENSINO PRIMARIO E NORMAL A Constituicao republicana de 24 de fevereiro de 1891, que instituiu o regime federativo no Brasil, trans- feriu aos Estados a “‘responsabilidade™ pela instrugao primria. Esta responsabilidade foi efetivamente assu- mida pelo Estado de Sao Paulo. que muito bem apro- yeitou a autonomia estatal conferida 4 organizagio do ensino primério, ratificada por sucessivas legislacdes educacionais. Em Sao Paulo a organizacio do ensino primério.¢ a do fidfmal, ligado funcionalmente ao pri- miro, procurou centrar-se, desde os primérdios repu- blicanos; Tios objetivos de uma educagao integral ¢ inte- gradora. Portanto, a deturpacao do curso primério em mais um curso de adestramento para passar em exames J@ encontrou nesse Estado, como barreira, uma escola priméria, organizada no sentido da formagao de habitos de vida e de trabalho, e uma escola normal destinada a 97 preparar professores para desempenhar adequadamente suas func&es dentro do modelo formative proposto. Condigdes econdmicas ¢ sociais singulares permi- tiram a Sao Paulo tornar-se nas duas primeiras décadas do século XX, 0 Estado lider da Federagao no que diz respeito A educacaio prim4ria e normal e, a partir de 1914, da educaciio profissional também. Sua produgio agricola nao sofreu o impacto da aboligao das escrayos que, ji naquele tempo, dependia primordialmente do trabalho imigrante. Ao contrério, as novas perspectivas abertas ao trabalho dos colonos com a extingao da escravatura e o desenvolvimento da. agricultura do café influfram para estimular novas correntes migratérias. Esta situagio de prosperidade que se prolongou até 1928 na economia rural, com fundamento na lavoura do café © a que o surto Gas industrias, sobretudo a partir de 1918, devia dar impulso vige- foso, permitiu ao Estado de Sao Paulo organizar em bases mais s6- Tidas é largas o seu sistema de educacao" Por outro lado, 0 perigo da estrangeirizagio do pais levou a construgaé dé um sistema flexivel de edu- cago, que permitisse a assimilagao inicial do elemento _estrangeiro no atento & paciente trabalho de naciona- lizé-lo. Estabeleceu-se portanto, um sistema aberto as influéncias e predisposto a operacionalizé-las. Em Sao Paulo foi decisiva a influéncia americana. Os norté-americanos missionarios ou imigrantes cria- ram suas proprias escolas. Duas destas se destacaram, especialmente do ponto de vista da pedagogia geral e do ponto de vista da pedagogia do Desenho, pelo carater naturalistico e de experimentagao individual que imprimiram na prdtica desta disciplina. A primeira foi a Escola Americana criada, em 1870, por Mary Chamberlain, mulher de um missio- nério protestante, e que veio a ser modelo para a re- forma do ensino piblico em Sao Paulo depois da Re- ‘publica; de inicio apenas escola primria, passou logo depois a incluir 0 curso médio, ¢ um curso de treina- mento de professores, e se desenvolveu de tal maneira que, vinte e poucos anos depois, se constituiria no Mac- kenzie College. » 1, F. AZEVEDO, op. cit. p. 140. 98 Em relagio a0 processo de equiparagaio da Escola | de Engenharia do Mackenzie College (1921), as facul- dades nacionais, encontramos uma vitasio dos seus prospecto: A Mackenzie College se acha cada vez. mais disposta a pross guir em sua ulilissima obra. E para, com toda a justeca ¢ justig estimar o seu coneurso na elaboracko da cultura brasileira, deve-se finda levar em conta que, pelo fato de estarem a Escola de Enge- haria e as Escolas Anexas Mackenzie College subordinadas a uma Corporagio estrangeira e nelas se aplicarem os processos e métodos de fensino dos institutos congéneres norte-americanos, a educago dada nesses estabclecimentos em nada contraria ov neutraliza as idéias © os Sentimentos civicos, morais, politicos que so a base de nosso patri fsmo, nao se cultiva a indiferenga pelas causas do pais. Os alunos Fecebem desde a escola primaria todos os conhecimentos € nodes essenciais & formagao e tradigao do espirito da nacionalidade. A preocupagio em nfo tornar evidente o carater alienigeno de seus curriculos parece ter sido observada desde a fundacio da Escola Americana. Em geral, as escolas estrangeiras até 1914 no Brasil ensinavam todos 0s seus conteiidos através da lingua estrangeira de ori- gem, enquanto que na Escola Americana isto ocorreria apenas em uma classe, sendo todas as outras organi- ~zadas ém torno do portugués, representando o inglés apenas uma das matérias do curriculo. Afastado 0 pe- | “igo da “‘desnacionalizagao” que, como vemos, foi enfa- +izado no catalogo do Mackenzie College, os modelos | americanos foram facilmente assimilados. ~~" Escola Piracicabana também teve enorme in- fluéneia no panorama educacional, fazendo daquela @idade um centro educacional respeitado até hoje em todo o pais e que influiu desde cedo na legislagio do “ensino primario e normal do Estado de Sao Paulo. Em 1922, dizia Sud Menucci: Piracicaba, um municfpio com cerca de 100 mil habitantes, ‘em matéria de instrugao com a capital do Estado, que tem ‘ais dg 1.200.000 alunos, e sto no Estado que mais se preecups com © © Colégio Piracicabano, fundado em 13 de se- tembro de 1881, foi o estabelecimento de ensino em torno do qual se constituiu a forte tradigio educacional daquela cidade. Esta escola foi criada para educar os 2, SUD MENUCCI. Cem anos de instrugdo priblica, Sto Pail, Sales Oliveira Rocha, 1932, p. 32. 99 a a) filhos dos norte-americanos que, inconformados com a aboligao da escravatura nos EUA, fundaram, por yolta de 1870, uma colénia em Santa Barbara, préximo a Piracicaba O-colégio, que a principio se instatou em casa alugada, foi crlado sob 0s auspicios do Departamento de Misses Estrangeiras da rnidos® ¢ organizado por Miss Martha Watts, enviada ao Brasi por aquela entidade. Recebida ¢ apoiada por Prudente de Moraes, republicano e futuro presidente do Brasil, em casa de quem inicialmente se hospedou em Piraci caba, esta norte-americana venceu as dificuldades ini- ciais, contratando pessoas que conheciam melhor que ela o meio brasileiro e a lingua portuguesa. _Foi sua escola um centro de divulgagao das mais modérnas técnicas pedagégicas durante a. primeira Repitblica. Também o Colégio Internacional dé Campinas, do americano Rev. G. Nash Morton, fundado em 1873, apresentou aos brasileiros inovagdes muito interessan- tes, como 0 estudo da Geologia © do desenho com cla relacionado. Além destas influéncias, uma outra, de ordem mais sistematica, iria sedimentar os principios do intui cionismo e experimentalismo, jA divulgados no Brasil por Rui Barbosa, mas somente postos em agao na Re- forma de 1890 da Escola Normal de Séo Paulo, execu- ~tada sob a directo de Anténio Caetano de Campos. Esta sistematica influéncia de bases norte-americanas se consubstanciou na contratagao de Miss Marcia Browne — ex-diretora de uma Escola Normal em Saint Louis, em Massachusetts e de um high-school em Malden — e de Maria Guilhermina Loureiro de Andrade, brasileira que esteve 4 anos estudando nos Estados Unidos, para assessorar e orientar a reforma. Q movimento. refor- mador de Sao Paulo foi, portanto,. inspirado, no inicio, em idéias e técnicas pedagogicas norte-americanas. O. interesse pela cientifizagao da educagao, contudo, se ‘prolongou através dos educadores que se sucederam na 3. LEDA MARIA RODRIGUES. A instrucdo femini substdios para sua histéria até a proclamacto da repibtiea, S80 Paulo, Ponti: ficia Universidade Catélica, 1970, ‘Tese (cdtedea i. bras.) — Pac. Fil, C. Let, "Sedes Sapientiae” da PUCSP, Mimeosr: em Sto Paulo: 100 direcao da Escola. Normal, como Gabriel Prestes ¢ Oscar, Thompson, que chegou a ser Diretor geral da Instrucao. ‘piiblica.em Sao Paulo. Oscar Thompson, acreditando no futuro cientifico da Pedagogia, procurou, como diretor da Escola Nor- mal de Sao Paulo, aparelha-la para explorar os bene- ficios das mais recentes conquistas da ciéncia. Criou a cadeira de Psicologia aplicada 4 Edu- cagae "Stim ano, porém, de experiéncia indicou a necessidade de irmos buscar na Europa um especialista traquejado no assunto, que se in- cumbisse de ensinar ao professor a nova diretriz dos estudos, ambien: tando-o também na técnica utilizagao © manejo dos instrumentos usados nas pesquisas de eartter psiquico® Foi para este fim convidado 0 professor Ugo _Pizzoli, catedratico da Universidade de Modena (Itélia) e diretor da Escola Normal daquela cidade. Trouxe ele 0 material necessirio para instalar o gabinete da Antropologia e Psicologia pedagégica ¢ 0 gabinete de Psicologia Cientifica. © objetivo principal era desenvolver métodos de experimentagao e indagagao nas investigagbes a serem feitas, relacionadas com os métodos pedagégicos em uso ha escola. Varios instrumentos antropométricos foram insta- lados e outros para medir a acuidade visual, 0 senso cromatico, sensibilidade tatil, o senso da forma, o senso térmico, a acuidade auditiva, gustativa e olfativa. Tam- bém aparelhos para medir 0 senso da proporgéo e da simetria, para o estudo da meméria cinética © para 0 exame do processo Iégico. Durante o ano de 1914, 0 professor Pizzoli pro- feriu varios cursos inclusive um cufso de férias para o qual se inscreveram 52 professores de todo o Estado. O programa se centrava nas técnicas antropomé- as € nos mental tests e compreendia ligdes tedrico- “cpraticas sobre exame anamnéstico, exame fisico, exa- me__antropolégico, exame fisiolégico, cujos contetidos deixamos.de explicitar para enfocar mais detidamente 0 exame psicoldgico, pelas relagdes que estabelecia com 0 ‘desenho, com a atividade grafica da crianga. 4, OSCAR THOMPSON, “O futuro da pedagogia & clentific”. In: laboratério de pedagogia experimental. Sao Paulo, Siqueira Nagel, 1914, p. 17. 101 Os tépicos analisados nas ligdes sobre exame psi- colégico foram: 1. Sensibilidade externa e interna — Vista: Po- téncia da visio — Campo visual — senso cromitico, poder de acomodacio — Exercicios prdticos para exa- minar a vista — Provas praticas para indagar a vocagao estética dos alunos para as artes 2. Audigio — Acuidade da audigio — Qualidade dos sons — Orientagao dos sons — Educacao da au- digao. 3. Tato € senso muscular — Diseriminacao tatil — Senso estereognéstico — Baraestesioscépio — Mioci- nesc6pio — Grafismo: seu exame — Exercicios pré- ticos. 4. Gosto e Olfato — Acuidade ¢ poder de discri- minagao — Sensibilidade a dor 'S. Atencio — suas leis — Provas (mental tests) para estudar 0 grau ea natureza da atengao dos alunos Exercicios praticos. 6. Meméria — Poder de retentividade — Poder de evocagao — Experiéncia (mental tests) para estudar a memoria — Imaginagao e suas qualidades. 7. Associagio — Tipos de associagao — Ideagiio, Provas, ete. — Exercicios praticos. 8. Voligdes — Inibigdes — carater — Impulsivos — Reflexivos — Provas para o exame de comporta- mento ¢ das disposigdes naturais. Estes estudos introduziram entre_os brasileiros a ncia da necessidade das indagagdes cientificas acerca da natureza da crianga e a compreensao empi- rica da idéia de que a crianga nao era um adulto em miniatura mas um ser sui generis, com caracteristicas proprias. Também resultaram na conviegio de que antes da determinagio de objetivos e métodos, a investigagio acerca das potencialidades organicas € funcionais ‘da crianga se fazia necessdrio. "Ficou, portanto. evidenciado ser a crianga 0 ponto de partida da Pedagogia ¢ centro de interesses.teérico € pratico da educagao. Esta evidéncia se deveu especial- mente ao trabalho que_o. professor Pizzoli. desenvolveu om 68 professores da Escola Normal ao longo de todo um ano de curso sistematizado que exigiu ao final, a apresentagao de dissertagdes, as quais, denominadas por 102 alguns de teses e por outros de ensaios, foram conside- radas pelo proprio professor Pizzoli como “pesquisas de psicologia pedagégica, breves, modestas © fragmen- tadas” as quais contudo demonstrando “a aptidio desses professores para este género de estudos experimentais sao a garantia de futuros trabalhos de mais valor em vulto ¢ importancia pedagégica’’®. Foram publicados seis destes trabalhos, um_ dos quais se refere especificamente ao estudo do grafismo infantil, escrito pelo professor Adalgiso Pereira, ¢ qua- tro outros que utilizam a representacao grafica da crianga como teste nao s6 para medir memoria visual, meméria cinética e aptiddo para as Artes Visuais como para classificar os tipos intelectuais. Foi a primeira vez que no Brasil se encarou o livre grafismo infantil como indice de um processamento 16- gico — mental e como meio para investiga-lo. Jé os positivistas brasileiros haviam afirmado a importincia do Desenho para o desenvolvimento do raciocinio mas, neste caso, 0 Desenho nao era tomado no sentido da livre expressdo da crianga, mas no sentido ‘de submeter sua atividade grafica a padres conside- rados belos ou estéticos ¢ a modos de reducao da forma a ciéncia. A geométria. Estabeleceu-se assim um novo modo de ver o Desenho como elemento informative de natureza légica, um mental rest fornecendo dados “sobre 0 es tado da cultura. o valor. a extensao do patriménio idea- tivo da crianga”’® Tratava-se de tentar investigar quais as atividades cerebrais postas em jogo quando uma crianga exprime graficamente um objeto que Ihe surja no ‘campo da consciéneia espontaneamente ou por solicitag’do de alguém Isto pretendeu Adalgiso Pereira no seu trabalho pioneiro no Brasil, ao procurar averiguar de que modo se inicia, e como se desenvolve na mente da crianga, a representacio figurada das coisas mais comuns que a cireundam. Partiu da hipétese de que, para desenhar um objeto. em primeiro lugar seria necessério possuir nos Duas palavras de apresentagto™, In: O lab. de 103 centros da meméria visual a imagem do objeto, e, em segundo lugar, a meméria cinética, a imagem dos movi- mentos necessarios para exprimir'o objeto em questio c,finalmente, possuir coordenagao entre os centros da meméria cinética e os centros grafo-motores, “execu- tores materiais das ordens cerebrais”. Dizia ele: Que acontece quando pedimes a uma crianga que nos desenhe um homem? A sua conseigneia evoca, extrai, isola dos centros mne- monicos visuais a imagem do objeto reclamado: o homem. A crianga © vé mentalmente nas suas formas, nas suas cores, nas suas dimen- tro a realizagio da figura homem. ‘Enfim, o mesmo impulse voluntério associa essa imagem ciné- tica aos centros grafo-motores Sua tarefa inicial foi pedir a criangas de 4 a 7 anos que, isoladas das outras, desenhassem 0 homem, a casa, o animal ¢ a planta. Na andlise dos desenhos, complementada com entrevistas individuais com as criangas, procurou indagar primeiramente acerca da variagio entre elas quanto ao grau de visualizacao dos objetos ou capacidade de reunir os dados acerca do objeto, obtidos da meméria visual. Distinguiu dois tipos: 1, Esteto-criadores — aqueles que, segundo ele, tém verdadeiro sentido da arte e que se inspiram direta- mente da natureza: os futuros artistas. 2. Os copistas — que, ao evocarem o objeto, fazem-no com uma imagem reproduzida, uma litogra~ vura, uma cromolitografia, ete. Segundo ele, sio bons execlitores mas no seu campo visual nao entra o objeto real. Para Adalgiso Pereira, aos primeiros corresponde © quadro A ¢ aos tltimos, 0 quadro B (Figs. 1 ¢ 2). Verificamos que os classificados por ele como este- to-criadores so os que reproduzem mais fiel e natural- mente 0 real com detalhes e movimento. Prosseguindo, pretendia detectar se os “erros cometidos bem como as deficiéncias do grafismo", tais 6. ADALGISO PEREIRA. “Notas sobre o grafismo infantil". In: Jab. de pedag. experim.. p. 41 Td. ibid, pe 3. 104 QUADRO A QUADRO B como erro de proporgao: simetria, auséncia de profun- didade, estitica, falta de perpendicularidade, falta de paralelismo ¢ horizonalidade nas linhas eram falhas mentais na formagao dos conceitos ou deficiéncia tée- nica, isto é, “se a mao traiu a idéia’’®. Com este objetivo perguntava As criangas Por que fizeste este desenho? Que quiseste representar? Acreditas i@-10 conseguide? Tem erros o teu desenho? Saberias acaso corti preencher as lacunas? de que modo? 6. Quando g fizeste tinhas em mente © objeto real ow uma cipia do exemplar®. Formulou, também 0 seguinte questionario rela- tivo aos desenhos: 1. Conseguiu a crianga desenvolver graficamente pelo desenho © conceito que tinha em mente? 2. Conseguiu-o em parte ou totalmente? 3. Qual a disposigae racional dos elementos gue compoem o grafismo? ‘4. Foi respeitade o proceso 5. Eas proporgbes? 6. Que lacunas verdadeiramente graves existe? jo”: Ne conjunte do grafismo revela a crianga sentiment esté Através das respostas chegou A conclusto de que mais que a inexatiddo do conceito visual ou falta de logica devemos atribuir os desvios do desenho infantil do real 12 — a “deficiente educacao da mao” 22 — a deficiéncia do “espirito de observagao, mola impulsionadora da sintese mental 3° — ao “cansago facil da atencao"’, Acrescenta, aos desvios j4 citados, a represen- tagaio de elementos invisiveis (raiz, etc.), a disposicdo fragmentaria de alguns detalhes da figura (galhos desta- cados do tronco, folhas desligadas do ramo), a dispari- dade no tratar as diversas partes do desenho (uma ar- vore com 3 ou 4 folhas bem feitas e outras mal execu- tadas). 8. 1a, tid. p44, 9. 1a. td p. 60, 10. 14 tbid.. p60 107 Procura relacionar suas conclusdes de ordem psi- colégica com a pratica educativa, demonstrando a ne- cessidade de accitar os erros do desenho infantil como caracteristicas especiais, embora extrinsecas ao desenho, © afirmando serem aqueles erros autocorrigiveis pela atividade constante de desenhar. ‘Demonstra ainda a importancia pedagégica do Desenho, porque ele representa um meio de 0 professor descobrir as lacunas de cultura da crianga que, de outra maneira, nao descobriria. Enfim, considera o desenho “uma forma completiva da linguagem oral e escrita’""’ . Como vemos, sua interpretagao da arte infantil tenta articular um conceit de Arte como reprodugao do real e 0 conceito da crianga como um ser sui generis com caracteristicas proprias, diferentes das do adulto, ‘Demonstra que os errgs, as “‘aberracdes estéticas” “colegdes teratolégicas”” , representadas pelos dese- nhos das criangas ndo devem ser atribuidas.a deficién- cias psiquicas mas encaradas como caracteres préprios dos desenhos das criangas. Caso contrario, “‘incidi- riamos no erro idéntico ao que haveria em castigd-las por serem vivazes, quando sabemos ser especifica a viva~ cidade nesse perfodo da vida’, diz Adalgiso Pereira. Pelo exereicio da observacio, da atengao ¢ da ati- vidade motora, acreditava ele que-estes_erros_iriam sendo corrigidos atingindo 0. Desenho padrocs estéticos que, segundo afirma em seu trabalho, nao pretendia analisar ‘* J4 a experiéncia desenvolvida por Carlos A. Go- mes Cardim, para diagnosticar a aptidao das criancas para a Arte nao pode pretender eximir-se de avaliar padres estéticos. Contudo, também o seu conceito de Arte estava subordinado a idéia de reprodugao do vi- sivel sendo, portanto, considerado bom desenho aquele que mais se aproximava do modelo Para seu experimento utilizava uma caixa que, iluminada internamente, projetava a seguinte forma (Fig. 3). 1. 1d. bid, p. 61. 12. fa. td... 44 13. 4a. thed, ps 47. 14 Za. tid, pO 108 Erieeeeecs i As criangas deviam observar por um minuto o desenho luminoso e tentar reproduzi-lo imediatamente depois no papel com lapis preto. Fazia-se com que elas vissem mais duas vezes 0 desenho luminoso para tentar corrigir 0s seus préprios desenhos. A primeira corregao deveria ser feita com lapis vermelho € a segunda, com lapis azul. As criancas que representassem mais exatamente a imagem projetada, e cujos tracos fossem mais seguros e firmes, eram consideradas as mais aptas para 0 De- senho. Eis um exemplo do padrao de julgamento (Figs. 4,56). 109 Fig. 4 Fig. 5 ape DESENHO A KH DESENHO B Fig. 6 Ho OES DESENHO C Os desenhos A ¢ B resultam das experiéncias das duas erian- gas que mostraih Gtimas aptiddes para o grafismo. E 0 desenho €€ 0 trabalho de uma crianca que constitui uma verdadeira negacdo para esse exereicio. As principais conclusdes desta experiéncia, se- gundo seu autor, punham em evidéncia: 12 — que o elemento indispensavel, natural, instintivo que predispde o homem a vocagdo para as artes graficas (Desenho) é a posse de uma clara visua- lizagao mental. 2° — que nao é suficiente a visualizagao mental mas é preciso que cla scja associada aos centros grafo- -motores, conseguindo-se identificagao de represen- tagao. Podemos concluir que a_aproximagio inicial do Deserifio com a Psicologia no Brasil resultou principal- mente na configuragao de uma atitude de respeito para com’ grafismo da crianga, na idéia do desenho infantil ur como um produto interno refletindo a organizagdo mental da crianga, a estruturagdio de seus diversos aspectos € seu desenvolvimento. Entretanto, a valoragao da arte infan- til como produto estético, ou melhor, o reconhecimento dos valores estéticos da arte infantil ligados ao seu es- pontaneismo somente teve lugar com a introdugao da cultura brasileira As correntes expressionistas, futurista e dadatsta da arte contempordnea, através da Semana de Arte Moderna de 1922, em Sao Paulo, que repre- sentou para o Brasil papel semelhante ao Armary Show para os Estados Unidos. Entre os modernistas brasileiros, Anita Malfatti ¢ Mario de Andrade iriam desempenhar atividades de grande importancia para a valoragdo estética da arte infantil e para a introdugao de novos métodos de ensino de Arte baseados no deixar fazer que explorava ¢ valori- zava 0 expressionismo e espontanefsmo da crianga. O experimentalismo psicolégico com o desenho da crianga, embora considerando os produtos da atividade grafica infantil, desvios da Arte, imperfeigdes auto- corrigiveis pela freqiiéncia da agio e pelo desenvolvi- mento provocou a resultante metodolégica de retirar os modelos externos das aulas de desenho, levando a uma busca e enriquecimento de modelos internos. Na Reforma do Ensino Puiblico de Si0 Paulo de 1920, de Sampaio Déria, encontramos escasso material acerca do ensino do Desenho para basear esta nossa afirmativa. Refere-se 0 texto legal apenas ao objetivo do Desenho na escola priméria, o desenvolvimento dos sentidos’®, mas a lei que a substituiu em 1921, assi- nada por Alarico Silveira, editada no governo de Wa- shington Luis, revela uma preocupagdo com a internali- zacao determinando para o programa de Desenho no 1° ano primério 0 seguinte contetido: 15, Sampaio Déria. Queeides de ensino. Sto Paulo, Monteiro Lobato, 1023, p. a: “Uma entrevista de Lourengo Filho 20 Prof. Heladio Cesar Gon” galves Antunha e referida por este em sua tese de doutoramento "A reforma de 1920 da instrucao publica do Estado de Sie Paulo", nos informa das fortes, Influtacies de Rut ‘Barbosa sobre Sampaio Déria, com quem tabalhou Fedagto do jornal O Imparcial. No curricule do ensino primario, de Sam Daria, o desenho ccupa 6 mosmo lugar que ceupava no currieulo de Rul Ba bora'O que nto sabemos é se seas programas, alem da evidenteiflugncia ‘Se JA presente em Rut Barbosa, se eniqueceria com as Novas com ulstas de experimentallsmo psicol6sico, 412 Os Assuntos escolhides para desenho serao tirados da vida local, exprimindo sempre um fato cotidiano, a sticessao das estagbes, a vida agricola, pastoril ou Industrial; os diferentes aspectos da vida doméstica da localidade serao um manancial inesgotavel de motivos que as criangas gostam de desenhar'®. Quanto ao método, recomenda-se uma ativagio dos conceitos ¢ dos elementos visualizados através de disioge: a) Indagar o que as criancas tem feito. ) 0 que seus companheiros tém feito, ©) © gue tém visto. @) © que sabem sobre qualquer coisa. ©) © que imaginam 1) Iembrando as nogdes de sélidos geométricas jé estudados, desenhar alguma coisa (ex. casa, igreja ou monumentos) que recorde tais formas, etc (Os desenhos sero feitos sem modelos. As eriangas desenhardo como souberem evocando apenas a imagem que postuem sobre tals Deve o aluno habituar-se @ pensar pelo desenho sobre idéias suscetiveis de serem representadas graficamente por uma imagem. Quanto ao assunto a estudar, pode ser considerado pela sua natureza fem estado de repouso ou movimento ®, Também estas recomendagdes revelam a nova dominancia no campo de referéncias do desenho; 0 mo- delo interno, as idéias; em lugar do modelo de obser- vagao externa, Esta nova concep¢iio psicopedagégica influenciou todo 0 Brasil através da atuagao dos educadores pau- listas no resto do Pais. Desde 1911 vinham os educadores de Sao Paulo sendo convidados pelos outros Estados brasileiros com- pletamente desorientados pelas crescente descentrali- zagao do ensino e como que abandonados pelo governo federal para estruturar a organizago dos ensinos pi- blicos locais. Por exemplo, Orestes Guimaraes foi, em 1911, a Santa Catarina organizar a educagdo popular, e Lou- rengo Filho, na década de 20, passou quase dois anos no Ceara orientando o ensino piblico. A lideranga educacional de S40 Paulo se fez. sentir também em relagao ao ensino profissional pela ago do Liceu de Artes € Offcios, que mereceu alguns prémios em exposi¢des internacionais como: 16. HELADIO ANTUNHA. A reforma de 1920 da instruedo publica no Estado de Sao Paulo, Sto Paulo, 1967. Mimeogr. p. 202, Faculdade de Filosofia Cidnclas e Letras da Universidade de S20 Palo, tase se doutoramento 17. Td, ibid. p- 282. 18. Fd. ibid, p. 282. 3 1. Gold Medal — (artistic furniture) Universal Exposition — Saint Louis — 1904. 2. Diplome de Grand Prix — Group IX classes 49 et SO — Exposition Universelle de Bruxelles, 1910. 3. Diplome de Medaille D'or ¢ Grand Premio — Exposizione Internazionale Delle Industrie ¢ del Lavoro Torino — 1911. A Primeira Guerra Mundial, acelerando. 0 pro- cesso brasileiro de industrializagao, valorizou as escolas profissionais. Com a produgao dos paises europeus des- viada para os esforgos de guerra, cessou a importacao de produtos manufaturados que 6 Brasil consumia. Foi necessario improvisar indtstrias ou fazer crescer as inddstrias de fundo de quintal para atender A demanda. Era necessério formar a mao-de-obra especial zada e 0 desenho voltou a ser apontado como elemento essencial desta formagio. ‘© jornal O Estado de Sao Paulo, a partir de 1910, comega a ressaltar em artigos noticias a orientagao do Liceu'de Artes e Oficios de Sao Paulo, consolidando sua lideranga no ensino técnico-profissional. Em 1917, Monteiro Lobato publicava_dois ar- tigos: “A Criagdo do Estilo” ¢ a “Oficina Escola no Estado de Sao Paulo", que representaram a consa- gragdo daquela entidade. No mesmo ano, 0 préprio Monteiro Lobato movia acerrada campanha contra 0 expressionismo e as novas correntes de arte moderna, a pretexto de criticar a exposigio de Anita Malfatti recém-chegada de seus estudos na Europa e nos Estados Unidos, impregnada de modernismo. ; Anita Malfatti foi a figura de pintora mais desta- cada na Semana de Arte Moderna de 1922, e, como professora de Arte, em seu atelier (¢ mais moderada- mente na Escola Americana) inovaria os métodos ¢ as concepgoes da arte infantil, transformando a fungao do professor em espectador da obra de arte da crianga, e a0, qual competia, antes de tudo, preservar sua ingénua © auténtica expressao. A partir da Semana de Arte Moderna, acentuam- -se os tragos definidores de uma ruptura da intelligenzia brasileira, dando como resultado especifico, por um lado, a valorizagdo do Desenho como’ técnica e por outro, a exaltagdo dos elementos iriternos expressivos como constituintes da prépria forma. a4 Arte e Técnica assumiam, deste modo, os pélos de um debate que, somente depois de coneretizados alguns ideais da Semana de Arte, haveriam de ser problemati- zados de maneira mais coerente, procurando-se sua vi culacao essencial. ___Lourenco Filho, Alice Meirelles Reis ¢ Zuleica Ferreira, foram os divulgadores destas novas propostas vineuladoras, lutando por implantar a idéia: do trabalho como formacao da personalidade, baseados principal- mente nos principios de Decroly que, a partir de 1921, inovara a educagao técnica, dirigindo na Bélgica a segao de Psicologia e Orientagao Profissional. Estaya preparado 0 longo caminho percorrido desde as influéncias do liberalismo, procedentes do século XIX, até as primeiras manifestagdes da Arte Moderna, em 1922, para que no Brasil fosse possivel, sobretudo apés a Segunda Guerra Mundial, sob a in- fluéncia da Bauhaus, 0 desdobramento dialético das tensdes entre 0 Desenho como Arte ¢ 0 Desenho como Técnica, entre a expresso do eu e a expressio dos materiais. us

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