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Ficha Técnica

Título original: Louca Por Compras em Lua de Mel


Autor: Sophie Kinsella
Tradução: Ana Lourenço
ISBN: 9789897261701
QUINTA ESSÊNCIA
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LOUCA POR COMPRAS EM LUA DE MEL

SOPHIE KINSELLA

Trad. Ana Lourenço


Veneza

OK. Não entres em pânico.


Não entres em pânico. O táxi aquático não vai afundar-se. Vamos ter
apenas de reorganizar um pouco os sacos. Os táxis aquáticos venezianos
devem estar habituados a umas comprinhas, certo?
– Que diabo é isto? – Luke transpira ao meter a nossa última aquisição no
táxi aquático: um embrulho enorme envolto em plástico com bolhas, cartão
ondulado e fita adesiva.
Olho para ele, indignada. Como pode ele perguntar: «O que é isto?»
– É o nosso conjunto de doze taças de vidro de Murano! – respondo. –
Estavas lá quando as escolhemos! Todas de cores diferentes, lembras-te?
Não estavas concentrado?
– Certo. – Luke olha de novo para o enorme embrulho. – Tínhamos
mesmo de comprar doze taças de vidro?
– É vidro de Murano – explico pacientemente. – Estamos em Veneza,
Luke. Toda a gente compra vidro de Murano em Veneza. É quase da lei.
– Mas nós comprámos vidro de Murano – salienta ele. – Quando
estivemos realmente em Murano, ontem. O prato. Lembras-te?
Fico em silêncio por um momento. Sei que comprámos um prato em
Murano. Mas o que é um prato pequeno em comparação com doze taças
espantosas? Já estou a imaginar todos os jantares que daremos, usando as
taças para os aperitivos. Vamos ter a nossa sala de jantar completamente
veneziana. As pessoas vão dizer: «Já viste as taças venezianas dos
Brandon?»
– Toda a gente precisa de taças – digo por fim. – Anda, vem sentar-te.
Aproveita o sol.
Lucas passa por cima dos nossos sacos e acena ao motorista do táxi
aquático.
– Scusi – diz ele. – Finito.
Enquanto avançamos pelo canal, inclino-me para trás, ponho os óculos
escuros e sorrio a Luke. Estamos a ter a lua de mel perfeita. Não, a lua de
mel superperfeita.
Para ser sincera, estávamos a precisar. O nosso casamento transformou-se
numa espécie de saga, e sentíamo-nos bastante tensos. De facto, a certa
altura pensei mesmo que podíamos ambos ter colapsos nervosos. Ou
ataques cardíacos. (Ou algum tipo de doença de pele horrível, o que teria
sido pior.) Enfim. Tudo isso parece ter sido há uma eternidade. Partimos a
semana passada de Oxshott, e passámos uma semana em Roma, depois
viemos para Veneza de avião.
Estamos aqui há dois dias e já me habituei completamente a viajar nos
canais. Na verdade, não sei porque não usamos mais o Tamisa quando
estamos em Londres. Porque não temos gôndolas e táxis aquáticos a zunir a
toda a hora?
E vejam só como eles se vestem todos de forma tão elegante com as
camisolas às riscas e os chapéus de palha. Por que motivo os taxistas de
Londres não usam roupa igual? Seria de esperar que o presidente da
Câmara tivesse pensado nisso. Na verdade, eu podia escrever-lhe uma carta
sobre o assunto.
– Luke, quando voltarmos a Londres, acho que devias ir de barco para o
trabalho – digo com firmeza. – Faz todo o sentido. E provavelmente
também é mais ecológico. Talvez até pudéssemos comprar um barco!
Luke vira-se para me olhar. O seu rosto tem como pano de fundo um
edifício veneziano incrível com gelosias a desfazerem-se, e não consigo ler
a sua expressão.
– Querida, vais ser assim quando viajarmos? – pergunta ele, por fim.
– Assim como?
– Quando chegarmos ao Sri Lanka, vais dizer-me que eu devia ir para o
trabalho de elefante?
– Não!
– Quando chegarmos ao Ártico, vais querer comprar uma moto de neve?
– Não! – exclamo, perguntando-me imediatamente quanto custará uma
moto de neve. – De qualquer forma, não vamos ao Ártico.
– Fico contente por ouvir isso.
Aperto-lhe a mão e sorrio. Eu é que fiz o nosso itinerário e ainda não o
divulguei, tirando a parte que vamos dar a volta ao mundo. Quero
surpreendê-lo à medida que avançarmos.
Além disso, quero poder ser flexível. Talvez queiramos passar mais
tempo num determinado sítio... não ir a outro... pensar nalgum sítio
completamente novo... Talvez devêssemos ir ao Ártico. Sempre quis ver
pinguins. Ou estão na Antártida? Podemos ir aos dois sítios?
Enfim. A questão é que temos um ano para preencher. Só de pensar nisso
sinto-me eufórica. Somos livres! Lucas entregou temporariamente a sua
empresa, a Brandon Communications, ao seu velho amigo Michael. Não
temos compromissos. Por isso, não precisamos de seguir um programa
rígido. Não somos turistas, somos viajantes.

**

São precisas duas viagens para levar todas as compras para o nosso hotel,
e a rececionista observa-nos com preocupação crescente. É uma rapariga de
cabelo escuro com umas covinhas adoráveis e já se tornou a minha nova
melhor amiga depois de uma ligeira emergência relacionada com cabelo
que tive no primeiro dia. (Acontece que se consegue comprar amaciador
Frizz-Ease em Veneza, se soubermos onde procurar. Mas a proporção é de
uma embalagem de Frizz-Ease para 55.000 máscaras de carnaval de
Veneza. Talvez queiram resolver isso.)
– Querem expedir as vossas compras? – Ela sai de trás do balcão e olha
desconfiada para a caixa das taças. – Desejam que tratemos disso?
– Sim, por favor. – Lanço-lhe um sorriso radioso. Já tinha pensado nessa
solução na loja de vidros. Não precisamos de viajar pelo mundo com todas
as nossas lembranças. Vamos enviá-las para casa!
– Não vai ser divertido chegarmos a casa e abrirmos tudo o que
comprámos? – Viro-me para Luke. – Vai ser uma espécie de Natal!
– Sim. – Luke parece ter algumas dúvidas. – Becky, temos de controlar o
envio e a chegada de tudo o que mandarmos.
– Claro que sim! – exclamo, um pouco impaciente. – Vou lembrar-me de
tudo.
Luke tem o hábito de inventar problemas onde não existem.
– Anda. – Puxo-lhe a mão. – Vamos beber um café e decidir para onde
vamos a seguir.
O nosso hotel foi outrora um palácio, e tem um belo pátio onde nos
podemos sentar a beber cappuccinos e a olhar para as roupas dos outros.
Além disso, o café é delicioso, portanto eu gostaria muito de me sentar ali
algum tempo a descontrair. No entanto, o Luke já tem o seu guia de viagens
na mão e está a folheá-lo.
Esta é a única pequena diferença entre nós. Ele gosta de ler sobre
edifícios e exposições e história, enquanto que a mim me basta ler as
palavras «construída em 1755, a igreja foi originariamente...» para
adormecer. (O que é bastante útil nos aviões, por acaso.)
– Estava a pensar ir ao Peggy Guggenheim – diz ele com cautela. –
Parece que é espetacular. Mas se preferes não ir...
– Porque havia de preferir não ir? – pergunto, intrigada.
– Bem – diz ele depois de uma pausa –, o Guggenheim traz-te...
reminiscências. Não traz?
O quê? Quase cuspo o meu café, de tão ofendida que me sinto. Como
pode ele trazer aquilo à baila? Está bem, tive um ligeiro... problema com o
museu Guggenheim em Nova Iorque há algum tempo. Mas agora estamos
casados. Esta é a nossa lua de mel. Toda a gente sabe que quando nos
casamos todo o passado é esquecido e nenhuma das partes deve referir-se a
quaisquer incidentes infelizes que nele tenham ocorrido, quer relacionados
ou não com o Guggenheim.
– Eu adorava ir ao Guggenheim – respondo com altivez. – Na verdade,
estou a desenvolver um grande interesse por arte. Ontem falei até com
alguns artistas, enquanto estavas a pagar a conta do restaurante.
O que é verdade. Eram americanos, e encontram-se cá a estudar. Estavam
junto aos seus cavaletes na praça, a desenhar uma igreja, e pareciam todos
muito fixes e um deles tinha o cãozinho lindo chamado Beanie.
– Oh. – Luke parece admirado. – Não sabia.
– Estava até a pensar em estudar arte no meu tempo livre – acrescento por
causa das coisas. – Talvez tire um curso de belas-artes.
– Pensei que ias aprender a fazer massa?
Fico a olhar para Luke fixamente durante um momento antes de me
lembrar de repente de ter dito isso em Roma. Sentia-me tão inspirada pelos
deliciosos ravioli.
– Bem, vou fazer as duas coisas. Aulas noturnas. Quando não estiver a
fazer ioga.
O ioga é outra arte que estou determinada a aprender nesta viagem. Suze,
a minha melhor amiga, adora ioga e falou-me de um sítio bestial na Índia
onde podemos ir aprender. Ou no Sri Lanka. Algures, de qualquer maneira.
Está na minha lista.
– Estou desejosa de chegar ao Extremo Oriente – acrescento. – Também
te vou pôr a fazer ioga. Irá aliviar-te o stresse.
Toco-lhe com o dedo do pé e ele ri.
– Então, para onde vamos depois de Veneza?
– Praga.
– Praga! Ótimo. – Ele assente. – E a seguir?
– Não sejas tão impaciente! Espera para ver! Há tempo de sobra.
A verdade é que Luke não é muito bom a fazer férias. Não é capaz de se
descontrair e ficar sem fazer nada. Quer sempre um plano e um calendário e
de ter a nossa agenda diária no seu Blackberry. Mas esse é o objetivo de
todo este ano. Fazê-lo descontrair. Transformá-lo num Luke Brandon
diferente.
Quero dizer, não totalmente diferente, claro. Pode manter todas as suas
partes boas.
– No que estás a pensar? – Ele sorri para mim, e por um instante imagino
dizer-lhe a verdade. Estava a pensar em como te quero mudar, exceto as
partes boas.
– Hum... nada! – Sorrio. – Vamos.

**

Acontece que o Guggenheim em Veneza é o museu perfeito! Número um:


não é realmente um museu, é uma casa. Número dois: tem um jardim lindo
e uma vista sobre o Grande Canal. Número três: tem apenas a quantidade
certa de arte. A suficiente para podermos assentir e fazer «Hummmm» e
apreciá-la e tudo, mas não tanta que os nossos olhos comecem a desfocar-se
e queiramos morrer.
Luke adora arte moderna, e passa uma eternidade a olhar para dois
quadros que me parecem um bocadinho rabiscos aleatórios sem sentido,
pelo que decido ir apreciar a arte no jardim, onde nos podemos sentar num
banco, fechar os olhos e apenas absorver o ambiente de uma forma mais
holística.
Ao fim de algum tempo, sinto um toque no meu ombro e olho para cima,
vendo Luke à minha frente.
– Aquilo era muito bom! – exclamo de imediato. – Conceitos
surpreendentes. Estava a pensar neles.
– É uma exposição fantástica, não é? – Luke assente com entusiasmo. –
Pensei em ir à loja – acrescenta. – Há um livro que quero comprar.
Importas-te que eu vá lá num instante?
Fico a olhar para ele, desconcertada. Há qualquer coisa naquela conversa
que me soa estranha. Eu vou ficar à espera que o Luke faça compras?
– Claro que não – respondo finalmente. – Se queres ir à loja, não me
importo. Não há problema. Não tenhas pressa.
Quando Luke se dirige à loja do museu, não resisto a encostar-me à porta,
com um ar um pouco entediado, como Luke normalmente faz quando
andamos às compras. Então pego no telemóvel e começo a escrever um
SMS para a Suze, que é ainda mais parecido com o que o Luke faz. Sempre
que estou a comprar sapatos ele tem de repente um milhão de e-mails
urgentes para mandar, e quase não olha para o que eu estou a experimentar.
Bem, agora vai saber qual é a sensação.
– O que achas? – Traz dois grandes livros de capa dura para eu ver. – Não
consigo decidir.
– Ambos parecem bons – digo, levantando educadamente os olhos do
meu SMS.
– Um é muito muito mais caro do que o outro, mas é mais substancial... –
Ele folheia-os, franzindo a testa. – Compro os dois?
– Precisas dos dois? – respondo inocentemente.
Ah! Isto é divertido. A seguir vou dizer, «Com certeza já tens imensos
livros de arte em casa, Luke» ou «Achas realmente que vais usá-los?» ou
«Parecem-me ambos bons».
Estou prestes a olhar para o meu relógio e a suspirar, que é outra coisa
que o Luke faz sempre que vamos às compras... quando algo me chama a
atenção no meio da loja. É um estojo de arte triplo. Tem uma paleta de
tintas de todas as cores, pincéis, lápis para os esboços, pastéis... até o
manequim de um pequeno artista.
Caminho na direção dele, hipnotizada. Sempre quis ter um estojo de arte,
desde pequena. E este é incrível. A caixa está forrada a veludo. Os pincéis
são de madeira polida. As tintas são fabulosas. Faz-me lembrar a minha
paleta de sombras para os olhos da Urban Decay.
Passo os dedos pelos lápis de grafite, experimento a tampa e toco no
pincel maior e mais gordo de zibelina. Não consigo afastar-me. É lindo, e
eu andava com vontade de estudar arte, e se não o faço em Veneza, então
onde?
Há também para venda um cavalete. E blocos de papel branco liso onde
já estou desejosa de desenhar. Consigo sentir um impulso criativo
emocionante a tomar conta de mim. Talvez eu tenha um talento artístico que
nunca explorei!
Além disso, o cavalete é desdobrável. Podia facilmente levá-lo para um
vaporetto. Podia ir juntar-me aos estudantes americanos de Arte naquela
pequena praça! Sim! Tenho uma visão súbita de mim a chegar a casa depois
da lua de mel com um portfólio de arte incrível. A nossa nova casa será
forrada com desenhos emoldurados das nossas viagens, toda a gente irá
ficar tão impressionada...
Estou a pegar no cavalete quando Luke aparece com um dos livros.
– Tens razão – diz ele. – Acho que são muito semelhantes. Vou só levar
este. Não queres nada, pois não? – O seu olhar pousa com perplexidade no
cavalete. – O que é isso?

**

OK, corremos o grave perigo de ter a nossa primeira discussão de lua de


mel. Um desperdício de dinheiro?
Para alguém que afirma ser um «amante de arte», Luke tem uma maneira
surpreendente de o mostrar. Seria de esperar que ele apoiasse os esforços
artísticos da sua mulher. Seria de esperar que ficasse agradado. Não que
dissesse: «Desenhar? Tu? A sério?» Não que dissesse: «Quanto?» Não que
dissesse: «Que tal comprar apenas uma caixa de tintas por cinco euros?»
Ele não percebe nada.
De qualquer forma, a senhora na loja defendeu-me. E o cavalete não é
assim tão pesado. Ainda assim, talvez seja melhor parar um pouco para
recuperar o fôlego.
– Estás bem? – pergunta Luke, olhando para mim alarmado. – Becky,
deixa-me levar isso.
– Não – respondo obstinadamente. – Está tudo bem. Isto quase não pesa.
Vamos a caminho da pequena praça escondida onde vi os estudantes
americanos. Tenho na mão o meu cavalete e um bloco de papel, com o
estojo dos pincéis pendurado ao ombro pela alça longa.
– Becky, não sejas ridícula. – Ele está a tentar tirar-me o cavalete. – É
claramente demasiado pesado para ti…
– Não é! Não foi por isso que parei. Parei porque... – Olho em volta em
busca de inspiração. – ... porque temos de escolher uma máscara para ti.
Há uma loja de máscara à nossa esquerda e arrasto o cavalete até à janela,
tentando esconder que estou com falta do ar.
Luke ri.
– Não me parece.
– Que tal aquela? – Aponto para uma máscara de arlequim em tons
vermelhos, dourados e prateados. – Ou uma num suporte?
Já comprei duas máscaras, deslumbrantes. Uma tem penas de pavão e a
outra um capuz brilhante. (Temos mesmo de dar uma festa de máscaras
venezianas quando voltarmos para casa.) Mas Luke não está no espírito da
coisa. Continua a tentar comprar a máscara mais simples e pequena na loja.
O que não é o objetivo.
– Aquela! – De repente descubro uma máscara com toucado, decorada
com cetim roxo e preto. – Vai experimentá-la!
– Não me vais apanhar com aquilo! – Luke recua.
– Bom, tens de comprar algo especial antes de partirmos. Esta é a nossa
lua de mel, lembra-te.
Pego no cavalete e caminho com determinação em frente, em direção à
praça. Quando chego, vejo todos os estudantes americanos reunidos, a
desenhar nos seus cavaletes, e sinto-me mais animada. Aqui estamos nós!
Digam-me lá se isto não é uma experiência incrível e única! Desenhar em
Veneza!
A praça é calma e está à sombra, tendo apenas um café solitário, uma
igreja e uma fonte. Os estudantes estão todos a desenhar a igreja, e eu
decido fazer o mesmo. Instalo o meu cavalete ao lado de uma rapariga com
cabelo loiro encaracolado e tiro os pincéis e as tintas, tentando parecer
descontraída.
– Podes sentar-te a ler o teu livro de arte – sugiro a Luke, apontando para
uma mesa de café nas proximidades. – Podíamos pedir uma garrafa de
vinho... tu lês... eu desenho... saboreamos uma tarde calma.
– Okay. – Luke assente, mas quando se senta percebo que está nervoso.
Abre o livro, olha para o relógio, depois fecha-o novamente.
– Quero ver a Scuola di San Rocco antes de partirmos – diz.
– Certo. Bem, fazemos isso amanhã? Ou no dia seguinte?
Já prendi a folha de papel ao cavalete. Pego num carvão e seguro-o,
imitando a loira. Então percebo que Luke está a tamborilar com os dedos do
livro.
– Queres ver a Scuola di San Rocco? – pergunta ele abruptamente.
Nunca ouvi falar de tal Scuola, embora não o admita.
– Não especialmente. – Encolho os ombros.
– Bem, vou até lá agora. Fica já despachada. Vou ter contigo mais tarde.
Dá-me um beijo e afasta-se, a consultar o seu mapa de Veneza.
Vejo-o ir, e sinto-me um pouco magoada, apesar de tudo. Ele não queria
passar uma tarde calma comigo? O que tem um edifício antigo que eu não
tenho?
Enfim. Não importa. O importante é que eu estou aqui com o meu
cavalete e o meu lindo estojo de arte, e vou passar uma bela tarde a ser
criativa. A loira de caracóis olha para mim e sorri.
– Olá outra vez – diz ela. – Decidiste juntar-te a nós!
– É verdade. – Faço um risco rápido e confiante na folha. – Vou fazer uns
esboços.
Faço mais algumas linhas, deixando-me levar pelo meu instinto artístico,
a seguir sombreio um pouco, então recuo para ver o resultado.
Oh Deus! Devo ter um instinto defeituoso. Basicamente desenhei apenas
um triângulo com uma coisa saliente.
Certo. Vamos recomeçar.

**

Ao fim de uma hora o meu braço está a doer e a minha cabeça a latejar e
sinto-me um pouco desanimado. Esta coisa da arte é mais difícil do que eu
pensava. Sei o que quero desenhar, mas... não parece estar a acontecer na
página.
Usei todos os meus carvões, todos os meus pastéis, todos os meus
guaches e catorze folhas de papel. Agora estou nos lápis de grafite, mas de
cada vez que desenho uma linha apago-a imediatamente.
O outro problema que eu não tinha previsto: este espaço é tão público. Os
turistas estão sempre a aproximar-se para dar uma olhadela, o que me faz
perder o embalo, e um rapazinho até deu uma gargalhada, o que foi
totalmente desnecessário.
Preciso de uma abordagem totalmente nova. Descarto a minha décima
quinta folha e respiro fundo. Vou esquecer a perspetiva e os sombreados e
isso tudo. Vou fazer arte moderna. Desenho um risco azul fino de um lado
do papel, e junto um ponto vermelho ao lado. Recuo e olho para aquilo com
admiração.
Lindo. Agora só tenho de pensar num bom título que soe profundo e
significativo, o que é canja. Consigo pensar em cerca de dez assim de
repente.
Caindo 63.
A lasca deixa o corpo.
No Vietname.
Gosto muito deste último, No Vietname, embora só Deus saiba o que tem
ele a ver com o risco e o ponto. Mas soa giro e artístico. Escrevo No
Vietname a lápis na parte inferior da página e adiciono uma assinatura
vistosa.
Perfeito! E demorou cerca de trinta segundos.
A rapariga dos caracóis aproxima-se e diz:
– Importas-te que eu dê uma olhadela?
– Estás à vontade – respondo com indiferença.
– Certo. – A rapariga olha para o papel durante algum tempo, assentindo
lentamente. – Gosto do teu uso do espaço vertical.
– Obrigada – digo com modéstia. – O teu também é bonito – acrescento,
aproximando-me do esboço dela.
O dela é bastante bom, tenho de admitir. Parece-se exatamente como a
igreja e está todo nebuloso e cheio de sombras. Mas não tem um bom título
como No Vietname, pois não? Estou prestes a oferecer-me para pensar num
título fixe para ela, quando vejo o Luke a atravessar a praça.
– Olá! – Aceno-lhe. – Este é o meu marido – explico à rapariga. –
Estamos em lua de mel.
– Oh, que bom! Quanto tempo vão cá estar? Vão ao baile de máscaras na
próxima semana?
– Baile de máscaras? – Olha para ela, animada. – Não sabia que ia haver
um baile de máscaras.
– Oh, com certeza. Podes comprar bilhetes no quiosque da Praça de São
Marcos. É no próximo sábado.
Isto é tão fixe! Um baile de máscaras! Imagino-me com Luke, com umas
máscaras incríveis e traje de gala, a deslizar pelo Grande Canal numa
gôndola à luz de velas. Temos de ir. Temos.
– Como te saíste? – Luke aproxima-se, beija-me, depois examina a minha
folha. Por alguns momentos, não fala. Quando finalmente se vira, a sua
boca está contraída.
– No Vietname – diz ele.
– Isso mesmo. É conceptual.
– Ah. – Ele assente. – E qual é o conceito?
Por um momento, fico sem palavras.
– Não tenho de te dizer o conceito – respondo finalmente. – É privado.
– Privado?
– Sim. É muito pessoal e profundo. Por acaso.
Dobro rapidamente todas as folhas descartadas antes que ele possa olhar
para elas.
– Então, vais trabalhar todos os dias? – Luke levanta as sobrancelhas. –
Vamos ter de estruturar a nossa lua de mal em torno dos teus impulsos
criativos?
– Veremos – respondo, evasiva.
Estou um pouco farta de arte, para ser sincera. Quero dizer, ainda adoro
todas as coisas, todos os lápis e pincéis e frasquinhos pequenos com tinta.
Só que fazer a arte é um pouco...
Bem. Ao fim de um tempo é mais do mesmo. Aposto que isto é um
segredo conhecido entre os artistas que nunca ninguém admite. Aposto que
o Picasso pensava às vezes consigo próprio, Meu Deus, outro maldito cubo
não!
– Acabei de saber que vai haver um baile de máscaras no próximo sábado
– digo, mudando de assunto. – Temos de ir. Vai ser incrível!
– No próximo sábado? – O rosto de Luke franze-se de uma maneira que
não entendo muito bem.
– Sim. Não te preocupes, tenho a certeza de que podemos prolongar a
nossa estada por uma semana ou duas. – Começo a arrumar o cavalete. –
Vamos comer um gelado.

**
Comemos um gelati delicioso, sentados ao lado de um canal com o sol da
tarde a brilhar na água. É basicamente o cenário perfeito de lua de mel –
mas o rosto de Luke continua franzido.
Porque tem ele o rosto franzido?
Além disso, começa a dizer: «Becky…» duas vezes, depois para. E
quando pergunto «O quê?», ele responde: «Não importa», o que significa
que importa, mas ele simplesmente não quer dizer.
O que não que ele dizer?
Quando voltamos para o hotel em silêncio, sinto-me cada vez mais
inquieta. E não só porque este cavalete é uma maçada e está sempre a bater-
me nas pernas e quem me dera nunca o ter comprado.
É o Luke. Ele não está com espírito de lua de mel. Não está a ser alegre.
Não está a comportar-se como alguém que acabou de embarcar na maior
aventura da sua vida inteira. Parece acossado.
Não faz sentido. Quero dizer, ele não sequer está a organizar a viagem. Só
tem de aproveitar a boleia. De se lembrar do seu passaporte. Se alguém me
levasse numa viagem à volta do mundo durante um ano inteiro, eu ficaria
nas nuvens! E o meu rosto não iria definitivamente franzir-se.
Vou confrontá-lo, decido. Assim que me livrar deste maldito cavalete e
estivermos no nosso quarto. Subimos os degraus do nosso hotel, e
praticamente empurro o cavalete para a rececionista.
– Pode por favor expedir isto para Inglaterra? Mesmo endereço. Muito
obrigada.
– Então a carreira artística já acabou? – pergunta Luke, mas ignoro-o.
– E gostaríamos de prolongar a nossa estada – acrescento para a
rececionista. – De ficar pelo menos mais uma semana. Será possível?
– Becky. – O rosto de Luke está mais franzido do que nunca. – Espera aí.
– Está tudo bem! – tranquilizo. – Os bilhetes são totalmente flexíveis. Eu
trato de tudo. Não tens de fazer nada.
– Não percebo. – A rececionista olha do meu rosto para o de Luke,
aparentemente desnorteada. – Querem ficar mais tempo? Pensei que
queriam fazer o check-out cedo.
– Cedo? – Olho para ela. – Porque haveríamos de fazer o check-out cedo?
A rececionista não responde, limita-se a olhar interrogativamente para
Luke.
– O que se passa? – Viro-me para ele. – Do que está ela a falar?
– Becky… – Ele para. – Estive a pensar. Temos de conversar sobre estas
férias.
– Lua de mel – corrijo.
– Lua de mel. – Ele assente. – Vamos... – Aponta para uma área de estar
ali perto, com dois sofás. A rececionista leva o cavalete, e eu sigo Luke,
sentindo-me mais agitada do que nunca.
– Está bem – digo, assim que nos afastamos. – O que se passa? Porque
estás tão estranho e a dizer que queres fazer o check-out cedo?
– Não estou a ser estranho. Só acho que devíamos arrancar se queremos
chegar a Praga e a todos esses outros sítios.
Arrancar? Deve ser o termo menos meloso do mundo. Não estamos numa
reunião. Não temos um objetivo a cumprir em pouco tempo, ou lá o que ele
faz no trabalho. Tem de sair daquela mentalidade, e começar a divertir-se.
– Devíamos estar a descontrair-nos, lembras-te? – observo. – Se
queremos passar três semanas em Veneza, podemos passar. Porque não?
Temos o ano todo.
Há um silêncio. Algo na expressão de Luke está errado. E agora ele não
olha para mim.
– Não temos? – pergunto por fim, e ele suspira.
– Becky... sei que querias tirar um ano.
Sinto um aperto imediato no coração. Não. Não. Ele não pode estar a
fazer isto.
– Tu também querias – digo, tentando manter a calma. – Nós
concordámos. Luke, vamos tirar um ano!
– Um ano? A sério? Becky, tenho uma empresa para gerir. Tenho
compromissos. Não posso simplesmente abandonar a minha vida.
Então foi por causa disto que ele foi à Scuola de Não sei Quê esta tarde,
percebo de repente com desânimo. Estava a tentar apressar as coisas.
– Mas nós concordámos! O Michael dirige a empresa enquanto estás fora,
está tudo arranjado, combinámos tudo...
Luke abana a cabeça.
– Tu combinaste. Não tive forças para discutir quando me apresentaste a
ideia. Mas deves perceber que não é viável.
– É viável! – Pego-lhe nas mãos. – Luke, é essencial. Precisas de uma
folga. Estavas à beira de um colapso nervoso antes do casamento. A
empresa vai ficar bem, os bilhetes estão reservados... estamos a fazer isto.
Estamos a fazer isto, okay?
– Ainda podemos fazê-lo – diz ele, impaciente, soltando as mãos. –
Podemos fazer uma versão mais curta. Ainda podemos ir a muitos sítios.
– De quanto tempo?
Há uma pausa, então ele diz:
– Um mês?
– Um mês? – Olho para ele horrorizada. – Não podemos ter uma
experiência que nos muda a vida num mês! Eu queria que explorássemos a
América do Sul... que dormíssemos em pequenas cabanas...
– Porquê cabanas? – interrompe Luke.
Será que ele não percebe nada?
– Porque! Somos viajantes! Eu queria fazer ioga na Índia... talvez até ir
ao Ártico! Queria que mudássemos como pessoas.
– Ioga? – Ele solta uma risada incrédula. – Estás a ver-me a fazer ioga?
– Não, de momento não – respondo acaloradamente. – A questão é essa.
Quero que tu mudes.
– Oh, queres que eu mude. – De repente, fica furioso. – Duas semanas
depois de casarmos e já não sirvo. Bem, ótimo.
– Não foi isso que quis dizer! Estou a fazer isto por ti. – Sinto-me tão
zangada que me apetece chorar. – Nunca tiveste tempo para descansar.
Precisas de fazer um balanço da tua vida. Tens de fazer isto.
– Bem, lamento, mas não posso.
– Podes. Podes, se quiseres. Está tudo tratado para que possas fazê-lo. –
Respiro com dificuldade, o meu rosto vermelho. – A questão é... queres?
Ele não responde. Nem sequer está a olhar para mim. Acho que isso me
diz tudo o que preciso de saber.
– Não vou discutir contigo, Luke – digo numa voz trémula e digna. – Não
há mais nada a dizer. Vou sair para beber um copo. Adeus.
Pego na mala bolsa e dou alguns passos em direção à porta antes de dar
por mim a voltar-me para trás, ainda cheia de indignação.
– Quem me dera nunca ter casado contigo! – As palavras saem-me antes
de sequer pensar se falo a sério ou não. – Pensei que tinha casado com
alguém capaz de ter uma visão completa das coisas. Só isso.
Saio porta fora, sem saber para onde vou, mas decidida a sair. O nosso
hotel fica numa pequena praça perto da Praça de São Marcos e minutos
depois descubro que me dirigi automaticamente para lá, juntamente com
todos os outros turistas.
Certo, tudo bem. Vou só sentar-me e beber e absorver a Praça de São
Marcos. Se vou para casa dentro de duas semanas é melhor aproveitar todos
os segundos que restam desta lua de mel. Olho para a colunata e para os
pombos e para as cúpulas reluzentes da Praça de São Marcos e solto um
grande suspiro. Quando me sento no café Florian, o meu coração parece
uma pedra no meu peito, e não é porque vi o preço de um cappuccino.
Sei que Luke dirige uma empresa. Sei que ele tem responsabilidades. Mas
então e a sua responsabilidade para connosco? Para consigo mesmo? Se ele
não tirar um ano para viajar agora, nunca mais o fará. E foi tudo tão
perfeito. Tão emocionante.
Peço um copo de prosecco que custa exatamente o mesmo que paguei por
um lenço Moschino na Century 21, em Nova Iorque. Por acaso, perdi
imediatamente o lenço no metro, por isso talvez possa fazer esta bebida
durar mais tempo. O truque é saboreá-la muito devagar. Muuuiito
devaaaagaaaar.
No entanto, há algo incrivelmente deprimente em beber um copo de
prosecco a 0,1 bolhas por hora. Ao fim de vinte minutos, estou farta. Numa
atitude rebelde, dou alguns bons e deliciosos goles e despejo o copo, depois
peço imediatamente outro. Talvez fique aqui a noite toda, a beber prosecco.
Vai custar-me o mesmo que um carro utilitário, mas talvez eu não me
importe.
A luz do fim de tarde está a tingir a praça de dourado e há uma banda a
tocar, e se eu não tivesse acabado de discutir com o meu novo marido, tudo
seria lindo. Vejo um casal ser fotografado no meio da praça. Usam ambos
chapéus de palha e têm os braços bronzeados e parecem realmente felizes.
Calculo que também estejam em lua de mel, mas aposto que o marido não
está a tentar fugir a meio.
Com certeza é contra os votos do casamento fugir da lua de mel. Uma
grande falta de empenho. Falta de prioridades. Uma…
– Esta cadeira está ocupada?
Olho para cima em estado de choque. Luke está de pé contra a luz do
entardecer, o seu olhar inescrutável e o cabelo a brilhar nas pontas. Ele
devia deixar crescer o cabelo, dou por mim a pensar. Soltar-se um pouco.
Huh. Como se isso fosse acontecer.
– Força. – Indico com o queixo a outra cadeira. Não vou sorrir e não vou
fingir que está tudo bem. E também não o vou deixar beber do meu
prosecco.
Luke puxa uma cadeira e finjo estar muito interessada no homem que
toca acordeão na banda.
– Lamento imenso – diz Luke por fim, e limito-me a encolher os ombros.
Lamento imenso não explica nada. Ele lamenta ir para casa amanhã e
gostaria de ter casado com um clone dele, que nem sequer haveria de quer
uma lua de mel? Lamenta porque claramente este casamento foi um grande
erro e vai ser um pesadelo tratar do divórcio? Lamenta que eu tenha
escolhido o Florian para vir afogar as minhas mágoas porque podia ter feito
o mesmo por metade do preço ao virar da esquina?
– Senti-me inspirado pelo teu estojo de arte – acrescenta ele. – Então
pintei o meu próprio quadro.
Desenrola lentamente uma folha de papel e coloca-a em cima da mesa.
Levanto os olhos com relutância para olhar para ela, e tenho um choque: ele
sabe desenhar.
– Nunca me disseste que sabias desenhar! – exclamo, quase em tom de
acusação.
– Tive umas cadeiras de arte. – Ele encolhe os ombros. – Mas isto é mais
uma... – Ele faz uma pausa. – … peça conceptual.
– Certo.
– O que achas?
– Deixa-me só... – Aclaro a garganta. – … avaliá-lo.
Olho resolutamente para o quadro, sem dar a entender nada. É uma
representação do mundo, pintado de azuis e verdes. Há um desenho de mim
e do Luke, de pé sobre o globo, com malas nas mãos, lado a lado, com setas
curvas a apontar para todo o mundo. Ele desenhou as pirâmides no Egito e a
Torre Eiffel em Paris e Ayers Rock na Austrália e pinguins no Pólo Sul. Até
acertou nos meus sapatos: às bolinhas vermelhas e brancas com salto de
cunha. E em baixo há o desenho de um calendário, mostrando doze páginas
com um mês em cada página.
Não consigo falar.
– O que achas? – pergunta ele novamente.
Ao olhar para os desenhos dele e de mim, sinto os olhos de repente
quentes. Parecemos tão positivos e dinâmicos e, de alguma forma, juntos.
Embora o meu cabelo esteja um pouco estranho. (Será que é assim que ele
me vê?)
– Tem nome? – pergunto finalmente.
– Lua de Mel Interrompida Brevemente, mas Logo Retomada – diz ele.
Levanto a cabeça e vejo-o olhar para mim com aquele olhar quente e
familiar.
– Certo. – Engulo em seco. – Bem, é um bom título.
– É um bom plano?
Estou à procura de uma resposta quando o empregado chega com o meu
segundo copo de prosecco.
– Boa ideia – diz Luke. – Também quero uma coisa dessas, por favor. –
Mete a mão num pequeno saco de papel e tira algo com um floreado. – E
olha o que comprei.
Levanta uma máscara de carnaval veneziana – preta orlada a ouro – e
cobre os olhos. – Vou precisar dela para o baile da próxima semana.
– A sério? – Olho para ele com vontade de rir: ele parece tão ridículo.
– A sério. – Baixa a máscara e fita-me nos olhos, subitamente sério. –
Vamos fazer isto, Becky. Vamos fazer tudo. Europa, América do Sul, ioga,
pinguins... o que for. E durante o tempo que for preciso.
– Certo. – Engulo em seco, ordenando as ideias. Devia sentir-me
triunfante. Quero dizer, ganhei. Levei a minha avante. Mas agora que isso
aconteceu, sinto-me de repente ansiosa. – Tens a certeza? E os teus
compromissos? E as… coisas?
– As coisas estão na minha cabeça – diz ele. – As coisas não existem.
Tens razão. Visão completa das coisas. Uma vida.
– Duas vidas – corrijo. – Agora estás nela comigo. Desculpa lá.
Luke sorri e pega-me na mão, e durante algum tempo ficamos
simplesmente a descontrair: ouvimos a música, vemos os pombos esvoaçar
e partilhamos o prosecco.
E ali sentados, começo a sentir-me de novo animada. Vamos fazer isto.
Vamos dar a volta ao mundo juntos! A verdade é que apresentei do nada
esta ideia da lua de mel de um ano ao Luke e ele foi arrastado e não admira
que tenha vacilado. Mas agora é como se estivéssemos a começar de novo.
Os dois.
– Uma ressalva, Becky – acrescenta Luke de repente, olhando para cima.
– Acabaram-se as compras, okay? Não precisamos de comprar lembranças
em todos os sítios onde formos. Iria tornar-se ridículo.
– Tudo bem. – Sorrio para ele. – Não há problema. Aliás, concordo
inteiramente. Só preciso de comprar papel de carta marmoreado e estou
despachada.
– Papel de carta marmoreado? – Ele olha para mim. – Que papel de carta
marmoreado?
Francamente. Será que ele não tem os olhos abertos quando passeamos
numa cidade? Tem de aprender a ser mais observador.
– Papel de carta marmoreado! Aquele papel lindo e tradicional! Tens de
comprar papel marmoreado em Veneza. Vou comprar alguns álbuns de
fotografias, blocos de notas e lápis. Podem sempre ser ótimas prendas –
acrescento. – Posso oferecê-los à Suze no Natal. E à minha mãe. Na
verdade, já ficam todos despachados. Não vou precisar de comprar mais
nada.
– Está bem – diz Luke depois de uma pausa. – Papel de carta
marmoreado, depois acabou-se.
– Acabou-se – concordo.
– Mais nada.
– Mais nada. – Faço um gesto firme de assentimento, e levanto o meu
copo para ele, sentindo-me subitamente em êxtase. Fizemos as pazes depois
da discussão, o Sol brilha e estamos a beber prosecco e vamos a um baile de
máscaras na próxima semana! E já sei exatamente a que loja de papel
marmoreado irei.
Vai ser uma lua de mel fabulosa.
GABINETE DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE LONDRES
Câmara Municipal
The Queen’s Walk
Londres SE1 2AA

Cara Mrs Brandon,

Agradecemos a sua carta de 10 de julho.


Foi com interesse que recebemos a sua proposta para «transformar
Londres numa nova Veneza».
Colocar uma frota de gôndolas no Tamisa é certamente uma ideia
inovadora. Receio, porém, que as gôndolas não sejam adequadas às marés
do Tamisa e que seja pouco provável que, como sugere, os londrinos
«comecem a viajar para todo o lado de barco».
Quanto à sua proposta de vestir os taxistas de Londres com «lindas
indumentárias a condizer como os gondoleiros» é também interessante, e
agradecemos os esboços que incluiu. No entanto, achamos pouco provável
que os nossos taxistas concordem em usar «casacos Westwood de estilo
militar» e «chapéus militares retro», e em cumprimentar os passageiros com
«ciao bella».
Agradecemos o seu interesse na prosperidade e crescimento contínuos de
Londres e desejamos-lhe uma agradável lua de mel.

Com os melhores cumprimentos

Philip Woodhouse
Assessor do presidente da Câmara

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