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Copyright © 2022 por Juliana Dantas

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autorização por escrito do autor, exceto no caso de breves citações
incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não comerciais
permitidos pela lei de direitos autorais.

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares,


negócios, eventos e incidentes são ou os produtos da imaginação
do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com
pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera
coincidência.

Título Original: Amor e Destino


Revisão: Sheila Mendonça
Capa: Jéssica Gomes
Sumário
Sumário
Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Nota da autora

Esta é uma obra de ficção, com o foco no romance entre os


protagonistas. O período histórico retratado na trama, é apenas
pano de fundo e embora tenha sido realizado pesquisas, liberdades
foram tomadas para o bom andamento do enredo.

Amor e Destino é o segundo volume da Duologia Amor em Tempos


de guerra.
O primeiro volume Desejo e Ilusão deve ser lido antes, para melhor
entendimento da trama.
Prólogo

Alguns meses antes…

— As guerras são a causa de quase todo o sofrimento do


mundo e quando terminam não se sabe por que começaram.
— Besteira! — Elliot riu das palavras de Anthony, mas ele
não ficou bravo com o irmão.
Eles estavam em frente ao lago, em um passeio que Alice
insistira em fazer. Anthony chegara do norte havia poucas semanas
e desde então Alice monopolizava sua atenção, como se fizesse
anos que não se viam e não apenas desde que a família se mudara
para a região, há quase um ano.
Anthony ainda achava o destino da família Crawford insólito e
inesperado. Seu pai, Theodore, nunca dera a entender que gostaria
de voltar às origens, como fazendeiro no sul, tinha uma boa carreira
como médico na Filadélfia e com o dote da mãe, herdeira de um rico
comerciante da cidade, eles viviam muito bem, poderiam até serem
chamados de ricos. Certamente era assim que eram vistos. Alice,
sua irmã mais nova, noivara com o filho de um banqueiro, um dos
melhores partidos da cidade e Anthony também era tido como um
partido promissor, assim que se formasse na faculdade de medicina.
O filho mais velho dos Crawford acreditava que sua vida seria
na Filadélfia, seguindo os passos do pai. Obviamente sabia que um
dia teria que se casar e ter a própria família, embora nunca
houvesse se interessado de verdade pelas moças que o rodeavam
quando estava em casa, como as amigas avoadas de Alice.
Isso deixava sua mãe, Josephine, feliz, pois ela sempre
sonhou com Anthony se unindo a prima Beatrice. Um desejo que
Anthony nunca levara a sério, embora adorasse a prima e fossem
bons amigos.
Mas Anthony não queria que sua esposa fosse apenas sua
amiga. E muito menos que a mulher que escolhesse passar o resto
dos seus dias fosse uma donzela irritante, embora com enorme dote
e família proeminente.
Ele queria que fosse alguém que preenchesse sua alma.
Elliot ria deste seu “desejo de poeta romântico”, como ele
dizia.
Para Elliot, as mulheres eram um brinquedo. Aliás, como
quase tudo. Elliot era a ovelha negra da família e desde cedo
enchera seus pais de preocupação. Entrara na faculdade de direito,
mas a largara sem se formar, fugindo para a Europa com uma
mulher de reputação duvidosa. Voltara meses depois, sem dinheiro
e com dívidas de jogo que o avô, que já estava doente e hospedado
na casa deles na Filadélfia, fez questão de pagar. Elliot era o
queridinho do avô, porque sabia com seu charme esse transformar
no que as pessoas queriam. E o avô não se conformava que
Theodore não quisesse voltar ao sul e assumir a próspera fazenda
de algodão da família. Theodore tinha ideias muito progressistas
sobre o uso de mão de obra escrava que horrorizavam o avô, que
se convenceu que Elliot poderia ser aquele que seguiria seus
passos. Claro que Elliot não estava nem aí para administrar uma
fazenda, mas ele gostava de pensar que poderia ganhar muito
dinheiro fácil do avô.
Porém, quando o avô morreu, Theodore surpreendeu toda a
família decidindo se mudar para o sul e fazer a vontade do pai. Ele
cuidaria da fazenda, mas ao seu jeito.
— Não vai fazer sucesso entre os senhores conservadores e
escravocratas — Anthony havia observado. Assim como o pai, ele
não concordava com aquele meio de negócios arcaico e desumano.
— Eu sei, mas não posso desperdiçar o que meu pai
construiu. E é herança de vocês.
— De Elliot, com certeza. Eu não quero morar no sul.
— Pode mudar de ideia, quem sabe viver em Atlanta. Assim
como meu pai, que não colocou objeção nos meus sonhos, eu não
colocaria nos seus, mas Elliot não tem a menor condição de herdar
aquelas terras, ele perderia tudo em jogo ou venderia por uma
ninharia, isso se não falisse o negócio em pouco tempo.
— Está sendo demasiado duro com Elliot, papai.
— Sabe que tenho razão. Porém, ele passa os dias jogando
e se metendo em brigas, sem contar as mulheres! Sua mãe teme
que ele arruíne a família se casando com uma perdida.
Sim, este era o pior pesadelo da mãe.
Assim, combinaram que quando Anthony se formasse, daria
uma chance ao sul, mas que poderia partir se assim desejasse. O
destino do filho mais velho não era algo que preocupava os pais.
Eles confiavam em seu discernimento. Anthony era o bom filho e
Elliot o rebelde que se recusou a ir para o sul com a família, mas
que meses depois se meteu em mais uma confusão e, acusado de
dormir com uma mulher casada, teve que sair fugido da Filadélfia e
se refugiou na fazenda.
Furioso, Theodore exigiu que ele tomasse um rumo.
Josephine queria que ele se casasse com uma boa moça.
— Ouvi falar de Lily Bennet — Alice comentou, animada.
— Essa não! Não ouvi coisas boas... — Josephine fizera
objeção. — Parece que desdenha de todos os pretendentes, tanto
que está ficando malfalada.
— O pai é muito rico — Alice insistira.
— Eu não quero me casar. Nunca! — Elliot refutou. — Mas
tem razão papai, vou dar um jeito na minha vida.
Há três meses Elliot se alistou no exército confederado
recém-formado, no mesmo dia em que a Geórgia separou-se da
União.
A tropa fora recrutada exclusivamente entre os filhos dos
fazendeiros, mas fazendeiros ricos eram poucos no condado. Para
reunir uma tropa completa foi necessário recrutar filhos de pequenos
fazendeiros, caçadores dos bosques e brancos pobres.
E como todo recruta, Elliot andava ansioso pela guerra.
Ele se reunia com a tropa duas vezes por semana para se
exercitar e torcer pelo início da guerra. Só que esses exercícios
sempre terminavam nos bordéis e não era raro brigas começarem e
terminarem em confusão.
Anthony achava tudo uma bobagem sem fim.
Muito mais fácil seria se os senhores do sul concordassem
em abrir mão dos escravos e seguissem em frente em um novo
modelo de trabalho.
Seu pai já estava fazendo isso ali na fazenda, alforriando aos
poucos os escravos e lhes pagando um salário para quem quisesse
ficar.
— Vocês têm mesmo que falar desse assunto chato de
guerra? — Alice suspirou, sentada encostada em uma árvore,
enquanto acariciava os cabelos de Anthony, deitado em seu colo. —
Eu espero que não tenha conflitos! Seria horrível, já que somos do
norte.
— Isso não impediu o Elliot de entrar no exército confederado
— Anthony comentou com ironia.
Os pais foram contra a entrada de Elliot no exército, afinal,
nem compactuavam com os ideais dos confederados, mas ao
mesmo tempo acharam bom que Elliot estivesse envolvido em algo
sério, para variar.
Eles também torciam para a guerra nunca acontecer, porém o
sul seguia firme em não ceder ao Presidente Lincoln.
— Eu espero que tenha. Estou ansioso por isso — Elliot
comentou sentado ao lado de Alice.
— Para matar yankees? Pelo amor de Deus, Elliot! — Alice
reclamou. — Nós somos yankees.
— Não mais. Está no sul agora, querida.
— Estou me casando com um banqueiro yankee!
— Mas não disse que seu querido Aidan se mudará para
Atlanta?
— Sim, ele acha interessante expandir os negócios para o
sul.
— Pois bem, somos todos sulistas agora.
— Acha mesmo que o exército confederado tem chance,
Elliot? Sabe que não tem — Alice objetou.
— Temos sim!
— Não há nenhuma fábrica de canhões no sul. Não tem um
único navio de guerra! Se uma guerra explodir, o norte pode
bloquear os portos em uma semana, impedindo a exportação do
algodão. O norte tem milhares de imigrantes dispostos a lutar em
troca de comida e alguns dólares. Eles têm estaleiros e minas de
ferro e carvão. Tudo o que o sul tem é algodão e arrogância.
— Continue falando assim que não vai conseguir arranjar
nenhuma noiva na região, já que são todas filhas desses
fazendeiros sulistas que tanto estão criticando. — Elliot riu.
— E quem disse que estou procurando uma noiva?
Ele e Alice trocaram um olhar.
— Não é o que ouvimos dizer...
— E o que ouviram dizer?
— Oras, mamãe está especulando por aí, para arranjar uma
noiva sulista pra você. — Alice riu. — Ela quer que se case e
permaneça aqui. Sabe que é o queridinho dela! E mamãe não quer
que retorne para a Filadélfia.
Anthony tentou não se sentir numa armadilha.
Claro que deveria desconfiar que essa era a ideia dos pais.
Eles não confiavam em Elliot e sobrara para ele herdar as
terras da família.
Anthony não viera para o sul atrás de uma noiva, no fundo
nem estava pensando nisso. Tudo o que gostaria no momento era
descansar junto à família, antes de voltar ao norte e assumir sua
profissão que era sua paixão.
Arranjar uma noiva era algo que provavelmente se tornaria
um desejo em algum momento, mas esperava estar estabelecido
primeiro.
Claro, os pais pensavam diferente.
Ele suspirou, já imaginando a pressão que sofreria enquanto
estivesse ali.
— Se anime, irmão. Ouvi dizer que tem umas beldades bem
bonitas por aqui... — Elliot piscou com malícia.
— Elliot, não fale assim! Anthony não está procurando uma
moça fácil como você gosta! E sim uma moça de família, para casar
e ter filhos! E com um dote, claro!
— Não vou arranjar uma noiva só para satisfazer nossos
pais. Isso é ridículo.
— Não seja tão contra a ideia. Pode ser divertido!
— Se essas mulheres forem como suas amigas cabeças-
ocas, estou fora.
Alice puxou o cabelo do irmão para me punir, me fazendo rir.
— Pois eu espero que se apaixone e fique perto de mim, já
que o Elliot aparentemente vai para a guerra. Amanhã papai vai a
um jantar na casa dos Bennet, nossos vizinhos. E aposto que este
convite foi para que você conhecesse a Lily Bennet, a moça mais
famosa da região!
— Já ouvi falar de Lily Bennet! — Elliot comentou. — Tinha
um idiota no meu destacamento que morria de amor por ela. Só que
foi despachado, assim como todos os pretendentes. Dizem que é
uma megera de coração frio.
— Porém, linda! — Alice continuou. — Mamãe não ficaria
nada feliz se deitasse os olhos na linda herdeira Bennet, com
certeza. Ela acha que você merece coisa melhor.
— Mas se Anthony se apaixonar pela mocinha Bennet está
lascado, aquela lá não gosta de ninguém, pelo que dizem.
— Parem de falar como se eu não estivesse aqui. Duvido que
me interessaria por essa tal de megera Bennet, então não se
preocupem. Aguentarei minha parte nessa caça à noiva ideal, como
mamãe quer, mas duvido que encontrarei dentre as moças
casadoiras do condado uma esposa em potencial. Muito menos uma
com a fama dessa moça. É mais fácil o sul ganhar a guerra do que
eu me apaixonar por Lily Bennet.
Capítulo 1

— Menina, ainda está na cama, tem que se levantar.


Lily deixou o olhar vagar até a criada que a fitava com pesar.
Já fazia algumas semanas desde o dia fatídico em que tudo ruíra a
sua volta.
Seu noivado desfeito. Anthony indo embora para a guerra a
odiando. Toda a sua esperança de um destino feliz se esvaindo feito
fumaça. Restando apenas o vazio dos dias sem cor.
— Eu não quero — Lily suspirou, amuada.
— Olha pra menina, está pálida, abatida! Precisa tomar sol...
— Eu não tenho a menor vontade de sair daqui, Bessie. Me
deixa!
Os dias passavam por ela, a guerra avançava no sul, mas
nada disso importava.
Sua vontade de viver tinha ido embora com Anthony.
E como se não bastasse a dor de tê-lo perdido, ainda tinha a
preocupação por saber que ele estava na guerra. E era culpa sua.
Ele não teria ido se não tivesse se desiludido com ela, essa era a
verdade.
— Não deixo, não! — Bessie insistiu. — Vou já chamar sua
mãe! É isso que você quer? Que Dona Candy entre aqui e a obrigue
a levantar? Tenho certeza de que a senhora sua mãe vai dar um
jeito em você. Não sei mais o que inventar para ela não descobrir
como a menina está triste! Deveria contar toda a verdade sobre o
noivado, menina.
Lily respirou fundo. Bessie tinha razão. Já estava sendo muito
difícil aguentar as perguntas da mãe. É claro que ela não sabia de
nada, pensava que sua tristeza era porque Anthony tinha ido para a
guerra.
Lily pensara inúmeras vezes em contar a verdade aos pais,
mas ainda lhe faltava coragem.
— A menina vai levantar, ou terei que chamar Dona Candy?
— a criada ameaçou e Lily resolveu concordar com ela.
Jogou as cobertas para o lado.
— Muito bem! Olha o sol que está lá fora! Por que não vai
cavalgar, ou passear perto do lago? A menina gostava tanto.
— Sim, tem razão.
Assim que Bessie ajudou a se arrumar, saiu do quarto, ainda
sem ânimo algum. Ao passar pelo corredor, deu de cara com
Rosamund e fez como vinha fazendo desde a noite fatídica, ignorou-
a sumariamente.
— Até quando vai agir assim comigo? — Ouviu Rosamund
indagar atrás de si.
Lily teve vontade de continuar se afastando, mas virou-se e a
encarou com frieza.
— Para sempre.
Rosamund aproximou-se. E Lily reparou pela primeira vez em
como ela estava pálida. O rosto abatido e olheiras profundas em
volta dos olhos.
Será que era remorso? Lily pensou irônica.
— Não pode ficar sem falar comigo para sempre.
— Sim, eu posso e é exatamente o que vai acontecer, então
se acostume. E se tiver te incomodando, pode ir embora, tenho
certeza de que ninguém vai sentir sua falta. Eu não sentirei! — Lily
se afastou de Rosamund, decidida.
O pior é que não tinha ódio dela. Sentia apenas pena.
Rosamund era uma criatura fria e invejosa, era simples assim, e não
valia a pena sentir raiva de pessoas pobres de espírito como ela.

Assim, os dias foram passando. As tropas confederadas


comandadas pelo General Robert Lee avançavam sobre as do
norte, mas Lily ainda se sentia triste e letárgica, diferente dos outros
que se preocupavam com os conflitos que aconteciam não muito
longe dali.
Ela tentava ficar em seu quarto, apenas em sua própria
companhia ou ia se refugiar no jardim perto do lago, como agora.
Porém, quando saiu da casa, avistou um homem
aproximando-se a cavalo.
— Senhorita, Lily?
— Sim. — Lily reconheceu o carteiro, que depositou um
envelope em suas mãos.
— Carta para a senhorita.
Lily sentiu o coração parar. Seria possível? Anthony tinha lhe
escrito?
— Obrigada! — agradeceu ao moço que se afastou a galope.
Trêmula, Lily andou até a beira do lago e abriu a carta, mas
seu sorriso se desvaneceu ao ver de quem era a carta. Jake.
Ele tinha cumprido com o prometido e lhe escrevera.
Contendo a decepção, Lily leu a missiva. Tinha aquele mesmo tom
despreocupado que caracterizava Jake. Contando sobre seus dias
como soldado por enquanto, ainda em um campo de treinamento na
Carolina do Sul e seu desejo de tornar-se um herói.
Lily terminou de ler a carta e a fechou, andando de novo até a
casa.
Ela estava se aproximando da casa quando viu Rosamund,
que estava se segurando em uma árvore, e vomitava.
— Rosamund? Você está bem?
A moça virou-se para olhá-la, estava pálida e suada.
— Sim, estou ótima, não está vendo? — refutou com ironia,
enxugando a testa suada.
— Não, não está. Tenho mesmo notado que está pálida
ultimamente...
— Tem notado? Pensei que não estivesse interessada em
como me sinto.
— Não preciso me importar para reparar que existe algo
errado contigo! Está doente?
— E se tiver? O que lhe interessa? — Tentou se afastar, mas
Lily a segurou pelo braço.
— O que você tem Rosamund? — insistiu.
Rosamund puxou o braço.
— Quer mesmo saber? Estou grávida!
Lily ficou um momento em silêncio, chocada.
— O quê? — balbuciou, julgando ter ouvido errado.
— É isso mesmo que ouviu, estou grávida!
— Mas como... Eu não entendo. Não pode estar grávida!
— Eu gostaria de não estar!
— Rosamund, isso é muito sério! Se está esperando um
filho... isso implicaria...
— Que eu me entreguei a algum homem? — Rosamund
completou.
— Sim, você não pode ter feito uma coisa dessas!
— Se estou grávida é óbvio que eu fiz.
— Mas quem... de quem é este filho, Rosamund?
— De Elliot Crawford!
Lily arregalou os olhos, incrédula.
— Você e Elliot... Não pode ter feito isso!
— Pois eu fiz. E quer saber, eu me arrependo. Muito. — Sua
voz era carregada de amargura. — Porque Elliot Crawford é um
canalha e disse que ia casar comigo! Mas deve estar satisfeita, não
é? Quando seus pais descobrirem que estou grávida, me jogarão
para fora da fazenda e finalmente ficará livre da minha presença!
— Tem que contar ao Elliot.
Rosamund riu.
— Ele está na guerra, sabe Deus onde!
— Então à família Crawford.
— Acha que acreditariam em mim? Eles nos odeiam! Esses
dias, Josephine e Alice Crawford atravessaram a rua quando eu
passei! Viraram a cara para mim, certamente que Anthony contou
sobre o fim do noivado e a sua circunstância. E não sei se percebeu
que Alice se casou, e nem fomos convidados! Então caia na real,
Lily.
Rosamund se afastou e Lily abraçou o próprio corpo,
tremendo. Rosamund estava grávida. Grávida de Elliot Crawford.
O que aconteceria agora? Rosamund tinha razão numa
coisa: quando seu pai descobrisse, ela seria expulsa dali.
E seria bem feito, Lily pensou com amargura.
Rosamund iria pagar por tudo o que tinha feito a ela.
Lily descia as escadas, distraída, quando viu Rosamund
parada na soleira. Tinha aquele mesmo ar pálido e o olhar tenso.
Com certeza deveria estar pensando sobre até quando conseguiria
esconder seu estado interessante. Já haviam se passado dois
meses desde que Rosamund contara a ela a novidade. E agora elas
mal se falavam.
Antes de contar que estava grávida, Rosamund ainda tentava
manter contato com Lily, mas depois daquele dia, a prima também a
ignorava.
Lily acabou de descer as escadas e a mãe as chamou para
almoçarem. Não tinha a menor vontade de comer e já emagreceu
muito desde o fim do noivado, mas acatou a ordem e sentou-se à
mesa. O pai, como sempre, discorria interminavelmente sobre a
guerra e as mulheres o ignoravam, cada uma presa em seus
próprios pensamentos.
Até que a criada entrou na sala e serviu a sopa de frutos do
mar, um dos pratos preferidos de Frank Bennet. Lily olhou para
Rosamund e a viu empalidecendo, na certa enjoando com o cheiro
da comida. E Candy também tinha reparado.
— Rosamund, querida, está se sentindo bem?
Rosamund não conseguiu responder, de tão verde que
estava.
— Está muito estranha, querida, há tempos venho notando
esse seu mal-estar súbito, sempre enjoando, pálida, não come
certos alimentos... — Então Candy parou dando-se conta do que
estava falando e Lily soube o que estava pensando. Podia notar a
mente de Candy trabalhando rápido, juntando informações e
chegando à única conclusão plausível.
Rosamund ficou mais branca ainda, enquanto a tia a
encarava com horror. Até Frank tinha parado de comer e as
observava, confuso.
— O que está querendo dizer, Candy, Rosamund está
doente? — perguntou olhando de uma para outra.
Candy fitou Rosamund com mal contida fúria.
— Diga que não é verdade, Rosamund. Não posso crer que
uma coisa dessas seria possível debaixo do meu próprio teto! Com
a minha própria afilhada!
Rosamund piscou para afugentar as lágrimas e levantou a
cabeça, encarando a tia.
— Sim, titia, é exatamente o que a senhora está pensando.
Estou grávida.
Candy soltou uma exclamação de horror e começou a se
abanar com o leque de linho.
— Não, não é possível! Que vergonha! Que horror!
Frank levantou-se e bateu na mesa, enfurecido.
— Isso é mesmo verdade, Rosamund?
Rosamund assentiu com a cabeça, mortificada.
— Não posso acreditar que a coloquei dentro da minha casa,
apenas para nos envergonhar dessa maneira! E quem é o pai?
Diga-me!
— Ele foi para a guerra... — Rosamund respondeu num fio de
voz.
— Quem é ele? Não adianta tentar esconder essa
informação! Ele terá que reparar o mal que fez!
Lily olhou toda aquela confusão. Candy se abanava
chamando a criada, o pai gritava enfurecido com Rosamund que
chorava de cabeça baixa.
— Do que adianta saber quem é se ele nunca se casará
comigo? Nem mesmo sei se gostaria de me casar com ele!
— Injúria! Como pode dizer uma bobagem dessas? Mas se
ele não reparar o mal que fez, você terá que sair dessa casa! Pegue
suas coisas e rua!
Rosamund empalideceu de terror.
— Mas tio, para onde eu irei? Minha mãe não vai querer me
receber neste estado...
— Não me interessa! A partir de hoje não é considerada
membro dessa família! Volte para sua mãe, se ela te aceitar.
— Mary jamais a aceitará depois do que ela aprontou! —
Candy se intrometeu. — Eu mesma tratarei de contar a ela do que
foi capaz, Rosamund. Que vergonha! Se descobrirem nunca mais
poderemos andar de cabeça erguida, nenhuma família decente nos
receberá, seremos banidos da sociedade... Meu Deus! Se os
Crawford descobrirem, terminarão o noivado com certeza. Estamos
perdidos! Está vendo o que fez? Destruiu nossa família!
Lily não pôde deixar de rir com aquele comentário. Seu
noivado já estava acabado, já há muito tempo, e não pela
indiscrição de Rosamund. E sim dela mesma, pensou, com
amargura.
— Vamos, Rosamund! — Frank agarrou os braços de
Rosamund. — Ou conte o nome do pai desse bastardo, ou
desapareça da minha frente.
Rosamund olhou para Lily, desesperada.
— Não vai fazer nada? Não pode deixar que me joguem na
rua, Lily! Precisa me ajudar!
Lily a fitou. E foi acometida por uma onda de pesar por
aquela que fora sua algoz. Mesmo depois de tudo o que Rosamund
já tinha aprontado, destruindo sua felicidade, afastando Anthony
para sempre, Lily ainda sentia pena da prima. Ela era apenas uma
criatura que se deixara levar pela inveja e a ambição, não medindo
consequências dos seus atos. Além do mais, aquela criança que ela
gerava não tinha culpa dos erros da mãe.
Pensou que poderia ser ela mesma naquela situação. Se
tivesse se entregado a Anthony, como certamente esteve perto de
fazer, poderia ser ela ali, grávida e sendo expulsa de casa.
Talvez fosse gostar que alguém intercedesse por ela.
— Papai, deixe-a — pediu erguendo-se da cadeira, ao vê-lo
arrastar a prima para fora da sala.
Eles pararam no meio do caminho e todos a encararam
atônitos.
— Não pode expulsá-la, ela é sua afilhada.
— Como não? Não vê o que fez com sua insensatez? Jogou
nosso nome na lama. Não pode continuar nesta casa!
— Seu pai tem razão, Lily. — Candy também se aproximou.
— Não vê que leva não só ela para a lama, como você também? Já
imaginou o que seu noivo irá achar disso?
— Ele não é mais meu noivo! — Lily desabafou cansada
daquela farsa.
— Como não? Ele foi para a guerra apenas... — Candy
balbuciou confusa.
— Que brincadeira é essa, Lily? — Frank exigiu.
— É isso mesmo que o senhor ouviu. Anthony rompeu o
noivado antes de ir para a guerra.
Frank largou Rosamund e aproximou-se da filha.
Candy também estava com a atenção presa em Lily. O
problema de Rosamund esquecido momentaneamente.
— Anthony esteve aqui no dia que foi para a guerra, e não
houve nenhuma palavra sobre o rompimento do compromisso!
— Ele mentiu. — Lily sentiu as lágrimas caírem, derrotada e
cansada. — Ele rompeu comigo na noite do noivado e então a
guerra estourou.
— Isso é um disparate!
— Eu gostaria que fosse, mas não é. A verdade é que eu e
Anthony não vamos mais nos casar.
— Se isso é verdade. Por qual razão ele terminou com você?
Lily encarou os pais, que esperavam uma resposta. O que
dizer?
A verdade. Pensou. Agora era a hora da verdade. Ela já não
via razão para se preservar.
— Um pouco antes de a guerra estourar, na noite da festa,
Anthony foi ao meu quarto e me flagrou com outro homem.
— O quê? — indagaram ao mesmo tempo.
— Eu estava com Jake.
— Jake Dawson? Filho do nosso antigo capataz?
Lily assentiu.
— Lembra-se de quando fomos assaltadas na estrada,
mamãe? O Jake foi o bandido que nos roubou. Eu me apaixonei por
ele, pelo menos achava que estava apaixonada na época. E eu o
encontrava na calada da noite, às escondidas. Jogava pedrinhas na
minha janela e eu ia até ele. Eu queria que largasse a vida que
levava, que viesse falar com o senhor, papai, para pedir minha mão,
mas isso nunca acontecia. E antes que vocês perguntem, não, eu
não me entreguei a ele. Não só pelas convenções, mas porque
como descobri mais tarde, nunca o amei de verdade. Então Anthony
apareceu. Era por isso, papai, que eu não queria me casar com ele,
por causa do Jake, mas um dia descobri que toda a raiva que eu
sentia pelo Anthony não era nada, senão amor. Eu me apaixonei por
ele, perdidamente e percebi que o Jake era só ilusão. E desde que
fiquei noiva do Anthony, nunca mais me encontrei com o Jake. E no
dia do noivado, eu queria me encontrar com ele para pôr um ponto
final. Contar que amava Anthony e que iria me casar, mas tudo deu
errado. — Lily conteve um soluço, só de se lembrar dos
acontecimentos fatídicos daquela noite. — Minha conversa com o
Jake não foi como planejado, ele apareceu no meu quarto e não
aceitou que eu não o amasse e quis... vocês sabem, e o Anthony
apareceu neste momento e pode imaginar o que ele pensou ao me
ver em trajes mínimos com um homem em cima de mim!
— Lily, você não está falando sério! Nada disso pode ser
verdade! — Candy a encarava, chocada.
— Aconteceu assim como estou contando a vocês. Eu tive
que contar a verdade ao Anthony, sobre Jake. Anthony obviamente
não acreditou em mim, no fato de que eu me apaixonei por ele e era
inocente. Ou quase. E partiu para a guerra. E eu não entendo
porque ele não contou a verdade a você e ao papai. Ele disse que
eu mesma deveria lhes contar.
— E o que a sua prima tem a ver com isso tudo?
— A Rosamund? Tudo! Ela descobriu que eu me encontrava
com o Jake e me disse que iria me ajudar e me acobertar.
Frank e Candy estavam boquiabertos.
— Mas o intuito dela era se casar com o Anthony, portanto,
me jogando nos braços do Jake, ela poderia ficar com o Anthony
para ela. E foi até capaz de armar para ele me pegar com o Jake.
— Estava apaixonada pelo noivo da sua prima? — Candy
perguntou.
Lily riu.
— Me poupe, mamãe. A Rosamund só ama a si mesma!
Tudo o que sempre quis foi ficar com o que era meu. Agiu levada
pela inveja! E depois dormiu com Elliot Crawford, achando que ele
iria se casar com ela.
— Rosamund? — Candy a encarou como se não a
conhecesse. — Como pôde aprontar tudo isso? Com sua própria
prima! E por que, por Deus, se deitou com o Elliot? Não tem
vergonha?
— Me deitei com o Elliot porque achei que fôssemos nos
casar. Não pensei muito antes de agir, confesso. E me arrependo
disso. E sim, eu fiz com que a Lily terminasse com o Anthony. Era
eu quem deveria me casar com ele! Ela não dava valor, a senhora
mesmo ouviu, se encontrava com o Jake e relutou em aceitar o
noivado com um homem como o Anthony que qualquer moça daria
o braço para ter! Sim, eu fiz de tudo para que ela ficasse com o
Jake, acreditei que tudo sairia como eu queria e uma vez na vida
ganharia dela!
— Não posso crer no que está acontecendo dentro da minha
casa! — Frank concluiu, derrotado. — O que vocês duas estavam
pensando? O que faremos agora? Uma grávida de um homem que
não quer saber dela e que sabe Deus que fim levou e a outra
destruiu o próprio noivado de forma vergonhosa! Estou perdido! Nós
estamos perdidos!
— Sim. — Candy se sentou, se abanando novamente. — É o
fim! Agora teremos que expulsar não só a Rosamund, como a Lily!
Jesus! Onde estão meus sais?
— Papai? O que irá fazer, agora que sabe de toda a
verdade? — Lily indagou. — Eu sinto muito. Se não tivesse sido tão
idiota de achar que amava o Jake teria visto desde o primeiro
instante que o Anthony era o homem que me faria feliz. A
Rosamund não é totalmente culpada pelo que aconteceu. A culpa
maior é minha. E agora o Anthony se foi para sempre e eu não sei o
que farei sem ele. — Lily colocou as mãos no rosto e rompeu em
lágrimas novamente, ao ver o rosto sofrido do pai. Só agora se dava
conta do quanto o seu erro e o de Rosamund iriam afetar a família.
A mãe tinha razão, estavam perdidos.
Mas sinceramente, por ela, não se importava. Nada mais
importava depois que Anthony se fora, mas pelos pais, ela sentia.
Eles tinham se empenhado tanto naquele noivado. E a decepção
com Rosamund também deveria ser grande.
Um silêncio sepulcral tomou conta da sala.
Lily levantou o olhar, enxugando os olhos.
— Então, papai. Como vê, tem razão para expulsar não só a
Rosamund, como a mim também. O que fará?
Ele levantou a cabeça e encarou as duas, friamente.
— Vocês me decepcionaram muito. Não podem ficar aqui.
Cumprirei a promessa que te fiz, no dia em que se recusou a ficar
noiva. Te mandarei para um convento, é lá que passará o resto de
seus dias. Pode subir e arrumar suas coisas.
Lily assentiu, sem nada dizer. Falar o quê? Refutar, se
rebelar? De nada adiantaria. Além do mais ficar ali para quê? Não
queria se casar com nenhum outro. Amaria Anthony para o resto de
sua vida, mesmo que nunca mais o visse.
O convento não era uma má opção.
— E eu, titio? — Rosamund perguntou.
— Voltará para a casa da sua mãe. Lá, ela verá o que fará
com você!
— Mas...
— Chega, Rosamund. Já ouvi demais de vocês por hoje!
Sumam da minha frente!
Elas não esperaram uma segunda chamada e correram dali.

Lily acabou de arrumar seu baú e um criado subiu para


buscá-lo. Ela colocou a roupa de viagem e olhou para o seu quarto
pela última vez.
Lembranças de sua infância, dos anos inocentes de sua
adolescência, os sonhos que acalentara de encontrar o amor. As
ilusões com Jake e o desejo por Anthony.
Fechou os olhos, recordando de quando ele estivera ali
naquela noite inesquecível, quando a levara ao paraíso... Sacudiu a
cabeça para desanuviar estes pensamentos. Não podia mais pensar
nisso.
Iria para o convento e viveria trancada o resto de seus dias.
Buscara tanto o amor, e agora seu destino seria viver sem
amor para sempre.

Lily desceu as escadas e saiu para o sol da manhã.


Candy a abraçou fortemente e o pai apenas meneou a
cabeça. Ela conteve a vontade de correr e implorar que a perdoasse
ao menos, mas sabia que para o que tinha feito não havia perdão.
Rosamund estava mais à frente, ainda chorava, parecendo
desolada por ter que ir enfrentar seu destino.
— Adeus, Rosamund. — Lily parou a sua frente.
— Adeus, Lily.
Lily virou-se para entrar na carruagem, mas Rosamund a
chamou.
— Não sei se serve para alguma coisa, mas muito obrigada
por ter me defendido. Não precisava ter entregado a si mesma.
— Fiz o que achei que era certo. Afinal, somos como uma
família. Eu lembrei disso, embora você nunca tenha feito o mesmo.
Lily entrou na carruagem sem olhar para trás.
Rosamund seguiria em outra.
E só quando viu as terras dos Bennet ficando pra trás, se
permitiu chorar.
Chorou por longas horas, até não restar mais lágrimas e jurou
que seria a última vez.
Não iria mais chorar por seu amor perdido.
Estava acabado.
Capítulo 2

Lily avançava pelo corredor, saindo da capela, onde fizera as


orações matinais e rumava para o quarto. Apertada entre seus
dedos, a última carta de sua mãe.
Chegara ao convento há dois meses e, ali, os dias eram
todos iguais.
Dormir, comer, rezar.
O quarto que dormia era escuro e desprovido de qualquer
luxo ou conforto. “Para servir a Deus, não se precisa de nada
dessas bobagens.”, a madre superiora dizia.
Porém, apesar de tudo, Lily não se importava. Quando
chegara ao convento, chorava todas as noites. Saudades de casa,
saudades de seus pais. Saudades de Anthony. Mas com o tempo, o
sofrimento deixou de ser dolorido e se tornou apenas um vazio
silencioso, como os corredores do convento.
Ao chegar ao seu aposento, sentou-se no catre duro e abriu a
carta.
A mãe lhe mandava cartas todas as semanas. Contava como
estava a situação em casa. O pai ocupava-se noite e dia em
duplicar a produtividade da fazenda para ajudar os confederados.
Candy também informava em que pé andava a guerra.
Nos primeiros tempos de guerra, o sul ainda se encontrava
embriagado de entusiasmo, acreditando que venceriam fácil,
apenas com algumas poucas batalhas. Candy contava como todos
os rapazes correram para se alistar e partiam para a Virgínia a fim
de matar yankees. Candy e outras senhoras ocupavam-se em fazer
uniformes, de todo lugar vinham relatos dos trens lotados,
transportando soldados para Atlanta e Virgínia, com seus uniformes
em tons vermelho e azul. A euforia daqueles homens contagiava a
todos que acreditavam na causa do sul.
O ritmo lento dos velhos tempos havia desaparecido.
Agora, os relatos de Candy eram menos entusiasmados e
pareciam um tanto entediados. Como toda boa senhora do sul,
Candy se cansara da tensão da guerra, que começava a mostrar
seu lado não tão bonito, com relatos de baixas e mortes chegando
todo dia, e ansiava pelo retorno dos belos dias despreocupados de
bailes e fofocas.
Lily, obviamente, não tinha recebido mais nenhuma carta de
Jake. Não ali.
Porém, a guerra avançava na Virgínia. O sul ganhava muitas
batalhas, mas perdia outras tantas. Lily temia que as batalhas
avançassem pela Geórgia e colocassem todos em risco.
Ela passou os olhos pelas reclamações de Candy, sem muito
interesse, até que a carta citou Rosamund.
Lily tinha perguntado sobre a prima na carta anterior e
finalmente a mãe deu uma resposta. Rosamund chegara à casa da
mãe em Charleston dias depois, por causa das condições péssimas
das estradas devido à guerra. E para seu azar a carta de Candy
tinha chegado antes. A mãe não quisera nem ouvir suas explicações
e a tocara porta afora. E desde então não se tinha notícias de
Rosamund.
Lily fechou a carta. Indagava-se sobre o que teria acontecido
com Rosamund.
Não deveria se preocupar com o paradeiro da prima, afinal,
Rosamund estava pagando o preço por suas maldades. Porém,
apesar do rancor e da raiva que guardou das artimanhas da prima,
que a separou de Anthony, Lily esperava que Rosamund tivesse
encontrado abrigo, pelo menos, afinal, ela estava grávida e em
alguns meses daria à luz a uma criança que não tinha culpa dos
erros da mãe.
Lily foi tirada de seus pensamentos por uma batida na porta e
se levantou para abri-la.
— A madre pediu para avisar que ninguém deve sair do
quarto — falou uma noviça.
— Por quê?
— Um contingente do exército está se aproximando.
— Confederados?
— Não sabemos. Está com a nossa bandeira, mas podem
ser os yankees.
— E por que não podemos sair do quarto?
— Somos mulheres, mesmo estando num convento. — Uma
voz autoritária as alcançou.
Lily e a noviça viraram-se para a madre superiora que vinha
pelo corredor.
— Portanto, não saiam dos seus aposentos. É uma ordem.
Lily não refutou.
Trancando-se no quarto, ela subiu na cama, para espiar pela
pequena janela, curiosa.
Realmente um contingente de homens a cavalo se
aproximava do convento. Lily ficou a imaginar se alguns dos
soldados, se fossem realmente confederados, não teriam visto
Anthony.
Ansiava por saber notícias dele. Tinha perguntado nas cartas
que mandava a sua mãe, mas ela respondia que a família Crawford
tinha rompido relações. Seu pai fora à casa de Theodore e contou
tudo e como previra eles estavam do lado de Anthony e também se
recusaram a acreditar que Rosamund dizia a verdade sobre estar
grávida de Elliot. E a partir dali, nada mais foi dito entre as famílias.
Os homens adentraram no pátio do convento e Lily não
conseguiu ver mais nada. Horas depois, ela ouviu movimento nos
corredores e abriu a porta.
— O que está acontecendo? — perguntou a uma das freiras
que passava apressada.
— A madre nos chamou para ajudar. Tem muitos homens
feridos! Você vem?
— Claro! — Lily acompanhou a freira e assustou-se ao ver
no que tinha se transformado a parte inferior do convento.
Várias macas tinham sido improvisadas e homens de todos
os tipos e tamanhos jaziam feridos. O caos era geral. As irmãs
corriam de um lado para outro tentando amenizar o desconforto dos
soldados.
— Aconteceu uma baixa, num conflito não muito longe daqui
— a freira lhe contou.
— Estamos na zona de conflito?
— Ainda não. Pelo menos os yankees têm respeitado os
conventos. Por enquanto.
— Lily! Não fique aí parada, ajude! — Ouviu alguém gritar e
ela hesitou por um momento, sem saber o que fazer, um tanto
enjoada e amedrontada, mas alguém lhe passou um balde com
água e pediu que ajudasse a limpar o sangue do rosto de um
homem que gemia a sua frente, enquanto uma noviça costurava o
ferimento em sua perna.
Lily respirou fundo e fez o que lhe mandavam, tentando não
vomitar ao ver a noviça trabalhando na ferida exposta. Sentia
vontade de chorar, ou então fugir daquele terror, mas sabia que não
podia fazer isso. Aquele homem precisava delas. Assim como todos
aqueles feridos que gemiam em meio ao sofrimento.
Então, ela engoliu a bílis e as lágrimas, jogou seu próprio
sofrimento para o fundo da mente e juntou-se às freiras.
Não tinha experiência nenhuma em cuidar de feridos, mas
agia por instinto. E dentre os rostos desconhecidos almejava ver um
conhecido.
Mas não o encontrou, sem saber se se sentia aliviada ou
decepcionada.
O dia transformou-se em noite, e um novo dia surgiu.
E Lily se viu em pouco tempo seguindo as ordens das freiras
que tinham alguma experiência e aprendendo a não só limpar
ferimentos, como ministrar os poucos remédios que dispunham e
até a costurar ferimentos. A vontade de vomitar ou de chorar foi
desaparecendo conforme os dias foram passando e em vez de
melhorar, a situação parecia só piorar.
Dentre o destacamento havia um médico que se desdobrava
para atender a todos, mas não parecia o suficiente.
A madre dizia que havia enviado cartas pedindo ajuda a
qualquer médico que pudesse lhes ajudar. Porém, em todos os
cantos havia batalhas acontecendo e médicos de verdade eram
poucos.
Alguns feridos adoeceram. Tifo, febre amarela, todo tipo de
doença. E o trabalho delas aumentou. Todos os dias chegavam
mais soldados feridos. E o convento acabou virando uma espécie de
hospital, o que queria dizer que os confrontos estavam próximos.
Muitos não resistiam, outros perdiam membros. Amputação de
pernas e braços tornou-se corriqueiro. Alguns pareciam
simplesmente enlouquecer.
E Lily não parava. Descobriu que ajudar esses homens lhe
dava algum conforto, uma sensação de propósito, que amenizava a
dor que ela carregava dentro de si.
Era uma vida muito diferente da vida sem preocupações que
levava antes, mas estava aprendendo a se adaptar a essa nova
realidade. Prostrava-se à cabeceira daqueles homens ouvindo suas
histórias de glórias e derrotas. Também os ajudava escrevendo
cartas para suas famílias, esposas, noivas e até amores
impossíveis.
E assim, os dias transformaram-se em semanas.
Em uma tarde, Lily passava entre as camas, distribuindo os
remédios. O único médico que restou entre elas, que tinha chegado
logo no começo, com a primeira leva de soldados, mal dava conta
de cuidar de todos e muito sobravam para as freiras e noviças.
De repente, ela parou, sentindo uma vertigem, segurando na
cama mais próxima.
— Você está bem? — O médico, Doutor Taylor, um senhor
grisalho com semblante cansado, perguntou.
Lily obrigou-se a sorrir.
— Sim, deve ser só o cansaço.
— Deve descansar, passou o dia inteiro aqui.
— Mais tarde, agora tenho muito a fazer.
— Sim, eu sei, mas está muito abatida.
Ele se afastou e Lily continuou o seu trabalho, ignorando a
dor no corpo que sentia subitamente.
Anoitecia quando ela começou a sentir-se pior. Estava febril e
mal se aguentava em pé. Caminhou até a madre superiora quando
a viu entrando no salão, para avisar que teria que parar, pois
realmente não estava se sentindo bem.
— Lily, meu bem, era com você mesma que precisava falar.
Está chegando um novo contingente de soldados. Veja com as
outras para trazerem mais macas, mais lençóis...
Ela continuou a passar as instruções, mas Lily sentiu um
zunido no ouvido e em seguida perdeu os sentidos. A última coisa
que viu foi o alvoroço ao seu lado, a madre superiora gritando antes
de ser erguida e levada escada acima em direção ao seu quarto.
Lily escutava passos, pessoas indo e vindo, alguém retirou
sua roupa e colocou uma camisola, algo frio foi colocado em sua
testa e ela perdeu os sentidos de vez.
— O que faremos, madre? — perguntou uma das noviças. —
Não temos que chamar o doutor? — a noviça indagou à madre
superiora.
— Não podemos tirar o pobre doutor dos feridos para ajudar
uma noviça! — a madre reclamou preocupada. Que péssimo
momento Lily Bennet escolhera para adoecer. — Mas se ela não
melhorar, veremos o que podemos fazer. Fique com ela.
A madre saiu pelo corredor e uma noviça a interceptou.
— Madre, chegaram mais feridos.
— Ah, minha nossa. Mais?
— Mas parece que tem um médico junto a este pelotão — a
noviça comentou. — Um deles veio na frente e avisou que junto aos
soldados havia um médico chamado Anthony Crawford.
Capítulo 3

Anthony Crawford desmontou junto com os soldados do


regimento que acompanhava à porta do convento. Tinham muitos
feridos depois da última batalha. Apesar de estar ali como médico
do pelotão, era difícil atendê-los no meio do nada e o aviso de que
havia um convento no caminho fora um alívio. Assim, poderia contar
também com outro médico para ajudá-lo.
Ao adentrar no salão, foi recebido pelo outro médico, Robert
Taylor, que parecia extenuado.
Anthony o cumprimentou, explicando que também era
médico.
— Ótimo! O que não falta aqui é trabalho! As freiras nos
ajudam muito, ainda assim precisamos de sempre mais ajuda. Os
feridos não param de chegar! E agora mesmo uma das noviças
perdeu os sentidos e temo que esteja muito doente.
— Olha lá, lá vem a madre.
A mulher o cumprimentou e passou as instruções para onde
os feridos deviam ser levados.
— O senhor não se importa de me seguir? Tenho uma moça
que está passando muito mal — a madre pediu aflita.
— Eu acabei de chegar. Talvez seja melhor que o Doutor
Taylor cuide disso. — Anthony não estava interessado em perder
tempo com uma noviça, que provavelmente fora fraca e desmaiara
por ver sangue, tendo tantos feridos que precisavam de ajuda.
— Vá o senhor, estou indo amputar a perna de um pobre
tenente.
— Tudo bem — Anthony acabou concordando.
Anthony estava preocupado com os soldados, mas não teve
alternativa a não ser seguir a madre escada acima.
— Peço desculpas ao senhor, doutor...
— Anthony. Anthony Crawford.
— O senhor é uma benção, Doutor Crawford. Essa moça
vem de uma família muito importante aqui na Geórgia, e não
gostaria que nada acontecesse com ela, coitadinha.
— Se ela vem de uma família importante, o que está fazendo
aqui? Em meio a essa guerra? Deveria estar em segurança com a
família.
A mulher o encarou na porta do quarto.
— Eu não tenho permissão para dizer, mas... — Ela chegou
mais perto, como se fosse falar um grande segredo. — Foi um
escândalo. A família a mandou pra cá, entende?
Ela abriu a porta e fez sinal para Anthony entrar. E ele
relanceou o olhar à moça deitada na cama.
Não era possível.
Sentiu uma sensação gelada de perplexidade.
Pensava nunca mais pôr os olhos em Lily Bennet, mas ali
estava ela, num convento no meio do nada. Rodeada de feridos de
guerra. O rosto pálido e com olheiras, os cabelos desgrenhados
sobre o travesseiro, os olhos castanhos cerrados e ela parecia
inquieta e febril.
— Vê? — A madre passou por ele. — Ela está muito mal.
Desmaiou lá no salão e nos deu um susto!
Anthony obrigou-se a sair do torpor. A vontade que tinha era
sair dali. Fugir. O mais longe possível, como fizera depois que
rompera o noivado.
Viera para a guerra justamente para não mais vê-la. A dor da
traição não era mais forte do que a dor de perdê-la para sempre. Ou
de saber que, no fundo, nunca a teve de verdade.
Mas o destino estava sendo cruel, colocando-a em seu
caminho de novo.
Ele aproximou-se da cama e tocou sua testa. Sim, queimava
de febre. Tentou conter suas emoções desencontradas. Dor. Rancor.
Raiva. E bem no fundo, uma emoção mais profunda, que julgara
esquecida, mas que estava ali, apenas escondida, esperando a hora
de vir à tona.
— O que ela tem? É tifo?
Ele saiu do transe com a voz da madre atrás de si e obrigou-
se a conter toda e qualquer emoção, fosse boa ou ruim que tivesse
por Lily e examiná-la como médico.
O que era muito difícil.
Aquela não era uma noviça qualquer, era Lily Rose Bennet.
Sua noiva.
Ex-noiva, corrigiu-se.
Estava acabado. Como lhe dissera naquela manhã, antes de
partir para a guerra.
Abstivera de contar a Frank Bennet que o noivado fora
rompido por causa da traição leviana da filha, que a encontrara em
sua cama, em trajes mínimos com outro homem. Um homem que
era seu namorado. Provavelmente seu amante, muito antes de Lily
ser obrigada a firmar compromisso com Anthony, mas se ela estava
ali, o pai deveria ter descoberto.
“Um escândalo.”, revelou a madre.
Claro. Como a própria Lily confessara naquela fatídica noite,
Frank ameaçara mandar a filha ao convento caso ela não aceitasse
o noivado.
E parece que cumpriu a ameaça pelo jeito. Pensou
sombriamente.
Teria Lily contado tudo ao pai, ou ele descobrira de outra
maneira?
Que ironia encontrá-la aqui, onde menos esperava. Pensou
tratando de examiná-la enquanto tentava manter-se impassível.
— Creio que não é tifo, me parece uma pneumonia. Ela
precisa ficar aqui, em repouso. Mande alguém para ficar de olho
nela. Vou descer e ver se temos alguma medicação.
Anthony deu meia-volta e quase correu ao sair do quarto.
Tinha que se afastar de Lily Bennet. E das lembranças que
ela evocava.
Estava ali apenas de passagem, depois iria embora com a
sua tropa, para mais alguma batalha.
E Lily Bennet seria esquecida.

Horas depois, Anthony estava exausto quando dava uma


última vistoria nos feridos.
Desde que se alistara e vira os horrores da guerra, a
medicina tomara outro sentido para ele.
Sempre quis seguir os passos do pai, desde pequeno,
gostava de acompanhá-lo nas visitas aos pacientes, mas tratar de
doentes comuns em uma cidade como a Filadélfia era uma coisa,
assistir homens morrerem depois de batalhas sangrentas ou
doenças terríveis era outra.
Certamente cuidar de feridos de guerra nada tinha de
romântico.
Significava sangue, homens imundos atacados de verminose,
membros amputados, odor de morte capaz de embrulhar o
estômago de qualquer um. Aquele cheiro permanecia em suas
mãos, para persegui-lo nos sonhos, quando conseguia dormir,
assim como os gritos de dor, seja das feridas físicas ou emocionais.
— Doutor Crawford, reservamos um catre para o senhor
poder descansar, parece exausto. Tudo parece sob controle por
enquanto. — A madre, que parecia tão esgotada quanto ele, o
avisou.
— Obrigado, irmã.
— E muito obrigada por cuidar de Lily Bennet. Embora ela
ainda pareça muito doente. Será que pode dar uma olhada na
pobrezinha novamente?
Anthony quis recusar, mas sabia que não podia. O Doutor
Taylor já se recolhera, para descansar por algumas horas e voltar
aos perrengues com os doentes.
— Sim, verei o que posso fazer — respondeu por fim.
Anthony observou o rosto pálido contra o travesseiro e sentiu
um aperto no peito. Não deveria estar ali. A guerra ainda existia lá
fora e era lá que ele deveria estar, mas desde que entrara
novamente no quarto, com o intuito de apenas verificar seu estado
de saúde, não conseguia desgrudar os olhos da presença febril de
Lily. Ela ainda não acordara e já fazia horas que estava ali, velando
seu sono, fazendo compressas em seu rosto quente.
O dia amanheceu e Taylor passou pelo quarto, parecia que o
velho gostava da Lily e quando viu o seu estado, pediu que Anthony
permanecesse junto dela.
— Mas os feridos...
— Está tudo sob controle agora. Se precisar, peço para
chamá-lo. Essa pobre garota precisa mais de seus préstimos no
momento.
Anthony concordou, mesmo sabendo que podia se recusar,
mas a quem queria enganar?
Ele queria não estar preocupado com sua ex-noiva, mas
estava.
Assim, o dia se transformou em noite e mais um dia chegou.
As freiras iam e vinham, preocupadas com seu estado, que não
dava sinais de melhora, o que deixava Anthony mais tenso. Queria
que ela melhorasse para que pudesse seguir em frente. Ele
adormecia ao seu lado, em uma poltrona e acordava quando ela se
debatia febril e suada.
Agora ele despertou de um sono inquieto, para verificar que o
convento encontrava-se em silêncio na madrugada e ouviu um
suspiro atordoado e virou-se novamente para a enferma.
Surpreendeu-se ao vê-la de olhos abertos. Porém, fitava o nada,
como se não o enxergasse, a cabeça pendia de um lado para o
outro, o rosto rubro de febre.
Ele colocou a mão na sua testa para acalmá-la, o que
pareceu resolver, pois fechou os olhos e caiu no sono novamente.
Anthony suspirou, cansado.
Sim, estava esperando Lily convalescer e depois iria partir. É
o melhor que tenho a fazer. Pensou ignorando a dor em seu peito. A
ferida ainda estava aberta. Por mais que tentasse esquecer, a
decepção foi forte demais.
Lily o enganara da maneira mais vil, mais dissimulada. Não
podia se deixar enganar por aqueles olhos castanhos suplicantes.
Não novamente.

Lily estava atordoada, sentia o corpo sacudido por tremores,


que não sabia definir se eram de frio ou de calor. A cabeça latejava.
Os pensamentos embaralhados, a mente confusa. Onde estava?
Por que sua mãe não vinha cuidar dela? E a Bessie? Tentou abrir a
boca para chamá-las, mas o som não saía.
Como vindo de muito longe, conseguiu distinguir vozes ao
redor. Vozes estranhas ao seu ouvido. Mexeu a cabeça tentando
abrir os olhos, mas até isso era uma tarefa dolorosa, gemendo
fracamente, desistiu de tentar entender o que se passava e deslizou
para o sono.
Ela sonhava, sentia mãos carinhosas, porém firmes em seus
cabelos, seu rosto, seu pescoço. Tentou abrir os olhos, saber quem
estava ali, mas sentia-se tão fraca, então, de algum lugar da sua
mente, reconheceu aquele toque. Mas não podia ser. Anthony
estava distante, na guerra. Não voltaria para ela nunca mais.
Abriu a boca para articular seu nome, mas sentia a garganta
seca. Subitamente sentiu a pessoa segurando sua cabeça e a
obrigando a tomar um líquido amargo, mas recusou-se, virando a
cabeça.
— Precisa beber, Lily — o estranho insistiu.
E ela teve certeza. Era Anthony que estava ali. Mas como
era possível? Estava sonhando, era isso. Nada daquilo era real.
Sentiu a cabeça sendo pousada no travesseiro novamente e desta
vez esforçou-se para abrir os olhos até que conseguiu levantar as
pálpebras doloridas. A visão difusa focalizou um quarto mergulhado
em penumbra e ao virar a cabeça para o lado, ela o viu. E sentiu
uma emoção tão profunda dentro do peito que lágrimas grossas se
formaram em seu olhar.
— Anthony — pronunciou seu nome em delírio. Sim, se era
um sonho, queria dormir eternamente. Para tê-lo ali com ela, ao
alcance de suas mãos para sempre.
Queria não estar tão fraca, queria ter forças para puxá-lo para
si e não deixá-lo ir nunca mais. Era ali o seu lugar. Ao lado dela.
Mas por que ele a encarava daquele jeito conciso? Por que não
deslizava para o seu lado e a abraçava, murmurando palavras de
carinho como fizera tantas vezes?
Os pensamentos estavam embaralhados, mas os
sentimentos estavam presentes e latentes. Por que se importar em
formular questões que não conseguia responder? Ele estava ali e
era o que bastava.
— Não fique agitada — avisou sério, tirando os cabelos de
seu rosto e Lily somou forças vindas do desespero e segurou a mão
que estava em seu rosto.
— Você está aqui... — sussurrou num fio de voz.
Ela o viu apenas respirar fundo como se contendo as
emoções e desviar o olhar.
— Mas não é possível que esteja, devo estar sonhando.
Porque você me odeia...
— Para com isso, Lily — ele a repreendeu a encarando
novamente e ela viu um lampejo de raiva em seu olhar. Até isso era
melhor do que a fria indiferença.
— Não me importo. Nada mais importa. — Ela segurava
firmemente sua mão e sem saber muito bem o que estava fazendo,
deslizou a mão dele por seu peito, fazendo-o sentir a batida do seu
coração desamparado.
— Sabe por que Anthony? Porque estou sonhando. E o
sonho é bem melhor do que qualquer realidade. Então não me
importa o que aconteça na realidade...

Anthony sabia que ela estava delirando, mas não conseguia


desviar o olhar de sua figura febril. Sentiu a batida do seu coração
forte contra os dedos e mais: um seio palpitante e tentador por baixo
da camisola. Como ansiara nas noites frias de conflitos tocá-la
assim de novo. Quantas vezes imaginara tê-la assim, a sua mercê,
doce e complacente. Por meses, sua lembrança o atormentara.
A saudade misturada à desilusão. A crua verdade da traição
suplantada pelo desejo de tê-la junto a si novamente, poder mirar os
olhos castanhos, que pareciam sempre o desafiar a ir mais longe, a
invadir sua alma, conhecer cada reentrância de seu ser. E agora,
delirando em febre, Lily o chamava para mergulhar naquele delírio
junto com ela, esquecer quem eles eram ou o que tinham sido um
para o outro. Sem conseguir se conter, Anthony fechou as mãos em
concha em volta do seio jovem, sentindo sua textura por cima do
tecido fino, um desejo proibido invadindo sua mente e seu corpo. E
por alguns instantes deixou-se levar pelo desvario, mas a realidade
veio como um raio e ele percebeu o que estava fazendo, retirando a
mão do corpo dela, como se estivesse tocando em brasa,
horrorizado.
Ia se afastar, mas Lily, num movimento ágil, sentou-se
agarrando em sua camisa, com as mãos crispadas, os soluços
sacudindo o corpo fraco.
— Não me deixe novamente — sussurrava como um mantra,
sem parar.
— Pare... — Ele segurou suas mãos, atormentado.
— Não, nunca vai me perdoar... — Ela atropelava as palavras
em meio às lágrimas. — Eu sou uma pessoa horrível... Por isso que
devo estar morrendo.
— Pare com isso, Lily! — Ele tentava fazê-la soltá-lo, mas era
impossível, ela se agarrava a ele como um náufrago em busca de
terra firme e Anthony sentiu aquele velho senso de proteção o
invadir, sem aviso. De súbito, deixou de lutar contra ela, para
envolvê-la com seus braços, deitando a cabeça feminina em seu
ombro, acariciando seus cabelos docemente, tentando acalmá-la.
Sem saber como, deitou-se ao seu lado, os braços em volta dela,
as testas unidas, enquanto Lily parava de chorar lentamente. Então
ela focalizou os olhos nele novamente, já não mais tempestuosos,
mas tristes e desamparados.
— Queria que isso não fosse um sonho.
Foram suas últimas palavras antes de deslizar para a
inconsciência e Anthony também fechou os olhos, aliviado e triste
ao mesmo tempo.
Estava cansado, não só física, mas emocionalmente. Sentiu
o corpo relaxar e uma paz que não sentia há muito tempo, desde...
Suspirou, bloqueando os pensamentos, deixando-se levar, como
ela, para o sono do esquecimento.

Anthony acordou devagar e sentiu a respiração de Lily em


sua face. Lembrou-se dos acontecimentos da noite passada. Abriu
os olhos e viu a luz do sol infiltrar-se no aposento espartano. Mirou o
rosto pálido de Lily, tranquilo no sono e sentiu a velha confusão de
sentimentos que vinha o assolando desde que pusera os olhos nela
de novo.
Amor e ódio.
Ressentimento e paixão.
O que fazer com todos esses sentimentos? Sabia que
deveria sair dali, fugir para o mais longe possível, deixá-la para trás,
como fizera uma vez. Ficar apenas o faria sofrer mais. Porém, ela
também parece sofrer. Pensou confuso. Na noite passada se
agarrara a ele com tanto desespero e dor, como se sua presença ali
a perturbasse tanto como ela o perturbara. Mas Lily estava
delirando, provavelmente nem se lembraria do que tinha
acontecido.
Retirando os braços dela de cima dele, Anthony afastou-se
para examiná-la. Sim, a febre tinha baixado, pensou aliviado, e ela
já não tremia mais, dormia tranquilamente. Em poucos dias estaria
nova em folha. Ele sentou-se no canto da cama, olhando para baixo,
sem saber como agir. Ficar e esperar ela acordar e conversarem
como dois adultos civilizados? Ou partir e manter a promessa de
nunca mais vê-la?
Foi tirado do seu devaneio por batidas na porta.
Levantou-se, abriu e viu uma freira parada na soleira.
— Chegou correspondência para a Lily. — Ela depositou um
envelope em suas mãos, saindo apressada.
Anthony não teve tempo de perguntar do que se tratava. Sem
querer ele relanceou os olhos pela escrita no pé do envelope,
denunciando o remetente.
Jake Dawson.

***
Lily voltou a si poucos dias depois. No quarto havia apenas
uma freira muito jovem, Lily tentou lembrar o nome da moça. Ellen?
Molly? Sua mente parecia embaralhada.
— Olha só, que bom que acordou! — A freira bateu palmas,
exultante.
Lily sentou-se atordoada, tentando lembrar o que estava se
passando.
Então tudo veio à mente, os feridos, o desmaio e depois... O
vazio.
Não. Não era apenas o vazio. Eram cenas fragmentadas.
— O que aconteceu?
— Não se recorda? Desmaiou a uma semana, lá no salão!
Nos deu um susto! A madre quase teve um troço! Ainda mais que o
doutor estava ocupado e...
— Fiquei desacordada todo este tempo?
— Sim, ficou, fora algumas horas que delirava, não falava
coisa com coisa...
Lily colocou a mão no rosto, sentindo-se culpada por ter dado
tanto trabalho.
— Eu não podia ficar doente! — censurou-se. — Tanto
trabalho a ser feito. Tantos feridos!
— Não se preocupe! Vou pedir para prepararem um banho.
E trazer-lhe algo para comer.
— Claro! Tenho mesmo que descer e ajudar!
— Não, tem que descansar, ordens médicas! Não saia daí!
A freira saiu do quarto e Lily recostou-se no travesseiro.
De repente, a mente foi invadida novamente por lampejos. E
ela arregalou os olhos ao se lembrar.
Anthony! Tinha sonhado que Anthony esteve ali.
Sorriu consigo mesma, tristemente. Só em sonho mesmo.
Anthony estava na guerra, sabe Deus onde. Fechou os olhos,
recordando exatamente como foi o sonho. Tinha sido tão real!
Deveria estar muito mal, para ter sonhos com o ex-noivo. Na
verdade, sempre sonhava com ele, mas nunca sonhos assim, tão
vívidos.
Foi tirada de seus devaneios por criados que entraram
trazendo a tina para seu banho.
Tempos depois, Lily desceu para o salão. O movimento ali
era bem menor, havia apenas poucos feridos. Avistou o Dr. Taylor
de longe e foi até ele.
— Olá, Doutor Taylor.
— Lily! — Ele se virou sorrindo. — Vejo que já se
restabeleceu completamente.
— Sim, graças ao senhor! Eu vim agradecer, por ter cuidado
de mim, mesmo tendo tantos feridos precisando mais que eu!
O médico a encarou, confuso.
— Eu não... — ele começou, mas um ferido o chamou e ele
foi ao seu encontro deixando Lily sem saber o que tinha falado de
errado.
Dando de ombros, ela foi ajudar nos afazeres e ao fim do dia
a mesma freira que havia estado no seu quarto quando acordara
veio ao seu encontro.
— Lily, a madre quer falar com você, na sala dela.
— Comigo? Será que ela vai me dar uma bronca por ter
caído doente?
— Claro que não! Por que faria isso?
— Talvez por ter monopolizado o nosso médico quando há
tantos...
— Mas não foi ele quem cuidou de você! Foi outro médico!
— Como? — Lily espantou-se, sentiu uma reviravolta no
estômago ao pensar em seu sonho. Não, aquilo fora delírio.
Simplesmente não era possível.
— Na mesma hora que você caiu doente, chegou outro
médico. Olha que sorte!
Lily sentiu o ar lhe faltar.
— Outro médico. — Ela passou os olhos pelo salão,
desorientada e ansiosa. — Onde ele está?
— Foi embora hoje cedo...
— Você sabe o nome desse médico? — Lily perguntou num
fio de voz.
— Hum, não me lembro direito. Mas ele era jovem, e bonito!
Pena não estar acordada para ver! — A noviça deu uma risadinha,
para em seguida perceber o que disse e fazer o sinal da cruz.
Lily sentiu falta de ar e palpitações no peito. Não podia ser.
Ou podia?
— Não esqueça que a madre está te chamando!
— Certo! Eu vou ver o que ela quer. — Lily virou-se em
direção à sala da madre, mas na porta do salão ouviu a moça
chamá-la.
— Lily! Lembrei! O nome do médico! É Anthony Crawford! —
afirmou, despreocupada, voltando aos seus afazeres.
Mas Lily permaneceu parada onde estava, chocada.
Não foi um sonho. Anthony esteve mesmo ali. Em carne e
osso.
Cuidou dela. E ela estava tão doente que nem fora capaz de
notar sua presença. Não do jeito que gostaria, que ansiava desde
que tinham se separado tão bruscamente meses atrás.
A moça levou a mão ao coração, desolada.
Ele esteve ali e partiu. Sem olhar para trás. Sem ao menos
esperar que ela se recuperasse.
Sentiu as lágrimas quentes nos olhos e respirou fundo para
não desabar ali mesmo no salão apinhado de gente. Engoliu um
soluço, a mente trabalhando rápido. Se fora embora há poucas
horas, talvez ainda estivesse perto. Ela podia fazer perguntas,
alguns daqueles homens na enfermaria poderiam ser da sua tropa.
Poderia se informar de sua localização.
E Lily iria atrás dele.
Sim, não podia deixá-lo ir. Iria atrás dele nem que fosse a
última coisa que fizesse na vida.
Mordeu os lábios, sorrindo consigo mesma, com o ânimo
renovado, o coração cheio de esperanças.
— Lily! — Ouviu a madre a chamá-la, ríspida, da porta de sua
sala e só então Lily lembrou-se que tinha requisitado sua presença.
Sua missão para encontrar Anthony podia esperar alguns
minutos. Caminhou até a sala da senhora e sentou-se à sua frente.
A mulher a encarou, soturna.
— Temo não ter boas notícias. Chegou uma missiva da sua
casa. Seu pai está muito doente.
Lily sentiu o coração congelar.
— Doente? Que doença?
— Muito grave e segundo a carta de sua mãe... — Ela
passou a carta para Lily. — Ele está morrendo, Lily.
Lily pegou a carta com as mãos trêmulas e a leu
rapidamente.
Sim, era verdade, Frank Bennet estava no leito de morte.
Começou a chorar, sem conseguir se conter.
— Eu sinto muito, querida — a madre a confortou. — Pedirei
uma carruagem para você partir o mais rápido possível.
— Sim, claro — Lily respondeu de pronto. — Eu vou voltar
para casa.
Capítulo 4

A viagem durou mais do que Lily gostaria, por estradas


difíceis permeadas por tropas a caminho de suas batalhas. O
coração de Lily se apertava toda vez que passavam por soldados e
ela se perguntava se dentre eles estaria algum rosto conhecido e
quantos deles voltariam para casa um dia, como ela estava
retornando.
Ao fim de muitas horas da viagem turbulenta, ela finalmente
chegou em casa e avistou Bessie, que a recebeu chorosa.
— Graças a Deus, a menina chegou.
— Como ele está, Bessie? — indagou aflita.
— Mal, muito mal, menina!
Lily subiu as escadas às pressas e adentrou no quarto dos
pais. Candy encontrava-se sentada em uma cadeira ao lado da
cama, chorando baixinho, porém, Lily passou por ela para prostrar-
se ao lado da cama onde o pai agonizava.
— Papai... — Ela segurou a mão do pai.
Frank abriu os olhos e pareceu não reconhecê-la.
— Papai, é Lily.
— Lily Rose, você está aqui...
— Sim, papai.
Ele apenas teve um ataque de tosse e Lily olhou para a mãe,
assustada.
— O que aconteceu, mamãe?
— Não sabemos... Começou a adoecer tão rapidamente...
— Chamaram um médico?
— Demorou dias até que encontrássemos algum médico,
sabe que todos estão em área de conflito... Mas enfim, quando
conseguimos, ele nos informou que não há o que fazer.
— E... O Doutor Theodore Crawford? Sabe se ele foi para a
guerra também?
— Não, mas claro que ele não viria até aqui!
A mãe desviou o olhar.
Lily não perguntou mais nada, sabia que por causa do fim do
noivado as famílias não se falavam mais. Tanta confusão... tudo por
sua culpa.
Agora, segurando a mão do pai moribundo, se arrependeu de
tudo o que tinha feito para decepcioná-lo.
— Papai, me perdoe. Não queria fazê-lo sofrer, me sinto tão
culpada. — Chorou, sem saber se o pai a ouvia.

Dias depois, Frank Bennet foi enterrado, sob os olhares


tristes da filha e esposa.
Após o serviço fúnebre, com a presença apenas do padre,
Bessie segurou Candy e a levou para dentro de casa. Todos se
foram, mas Lily caminhou até o antigo jardim em frente ao lago que
outrora fora seu refúgio.
Agora era um lugar triste, pois as flores jaziam murchas e
sem vida, provavelmente com a força do inverno e falta de cuidados.
Bessie lhe contou que muitos escravos foram embora, alguns
o pai liberou para irem à guerra, a pedido dos confederados, o que
era algo ridículo. Provavelmente em sua inocência, eles não sabiam
que estavam lutando ao lado de seus algozes. Outros fugiram,
aproveitando a efervescência dos ideais yankees de liberdade.
Restavam poucos que ainda permaneciam na fazenda,
ajudando na plantação e Lily temia que não fosse o suficiente.
Mesmo assim, desejava libertá-los, lembrando-se das palavras de
Anthony.
E no fim, se os yankees ganhassem a guerra era o que iria
acontecer.
O mundo como o sul conhecia não existia mais.
E talvez aquele mundo nunca tenha feito sentido. Porém,
como faria com a plantação?
E como é que ela ia cuidar de tudo sozinha? Não entendia
nada da administração das terras e do dinheiro.
Mirou o céu cinzento de inverno e pensou se tudo seria
diferente se Anthony estivesse ali com ela, cogitou tocando o anel
que trazia em uma corrente em seu peito.
Ela havia o encontrado em sua caixa de joias quando voltou e
decidiu colocá-lo em uma corrente, para levá-lo sempre junto a si.
Pelo menos uma lembrança de que um dia ela foi feliz. Um dia o
futuro brilhante esteve ao seu alcance e ela deixou ir.
Mas ele estava perdido para sempre e continuar cultivando-o
em seu coração não serviria para nada.
A verdade é que ela estava se enganando quando sonhou
que poderia desbravar as estradas em guerra para encontrá-lo. Fora
um desejo tolo. Anthony esteve perto dela e escolheu deixá-la para
trás de novo, sem ao menos uma palavra. Certamente, deve ter sido
uma casualidade infeliz para o ex-noivo deparar-se com ela. Deve
ter ficado feliz em abandoná-la à própria sorte mais uma vez.
Lentamente, Lily enxugou as lágrimas e retornou o caminho
para casa, apertando o xale escuro do luto junto ao corpo para
espantar o frio.
Porém, sob a neblina, avistou um vulto caminhando
tropegamente. Franzindo o olhar, aproximou-se e estacou surpresa
ao reconhecer a figura.
— Rosamund? — Lily espantou-se e a moça desabou em
seus braços.
Lily segurou a prima, assustada, reparando no seu estado
adiantado de gravidez.
— Rosamund? — Lily bateu de leve no rosto pálido debaixo
da sujeira.
A moça abriu os olhos, perdidos.
— Lily... Não era para estar aqui... — Sua voz saiu fraca.
— Papai morreu, Rosamund. Acabamos de enterrá-lo.
— Menina Rosamund! — Bessie aproximou-se, chocada,
reconhecendo a prima, ainda meio desfalecida, entre os braços de
Lily.
— Bessie, chame um criado! Precisamos levá-la para dentro,
ela não está nada bem!
— Mas o seu pai não iria gostar nada de ter essa daí de novo
dentro de casa...
— Papai não está mais aqui! — Lily gritou. — Vá fazer o que
eu mandei!
Lily observou a figura de Rosamund, muito pálida sobre a
cama.
— Rosamund, o que aconteceu? Por onde andou por todos
esses meses?
— Em um convento, até descobrirem que a minha história de
marido morto na guerra era mentira, aí me jogaram na rua e aqui
estou. Não sabia se iriam me receber, mas eu não tinha para onde
ir. Ainda mais que o bebê vai nascer...
— Vai nascer? — Lily a encarou assustada. — Você diz,
agora?
Em resposta, Rosamund soltou um gemido de dor. Lily
correu e chamou Bessie.
— Bessie, a Rosamund está em trabalho de parto, onde está
minha mãe?
— Dona Candy está dormindo, dei um chá para acalmá-la.
— Onde mora aquele médico que cuidou do papai?
— Ele não está na cidade, ouvi dizer que foi visitar o filho no
oeste, para fugir da guerra.
— Sabe se tem algum outro médico, ou uma parteira?
— Não acredito que tenha alguém ainda, menina.
— Então tenho que chamar o Doutor Crawford — Lily
concluiu.
— Doutor Crawford?
— É o que me resta fazer! — Lily saiu rapidamente e selando
um cavalo, cavalgou para a fazenda dos Crawford.
Quando lá chegou não pôde deixar de sentir certa dor no
coração. Não conseguia desassociar aquele lugar de Anthony.
Respirando fundo para conter as lembranças, desmontou e
viu Josephine surgindo à porta.
— O que quer? — Josephine a encarou com frieza.
— Onde está o Doutor Theodore?
— Como tem coragem de vir aqui? Não tem vergonha?
— Minha prima precisa de um médico! Onde está o Doutor
Theodore? — insistiu.
— Ele não está. Está em Atlanta, cuidando dos feridos da
guerra por lá. E mesmo se estivesse aqui não ajudaria rameiras feito
você e sua prima!
Lily engoliu o insulto. E agora? O que ela faria?
Bem, não tinha o que fazer ali.
— Eu sinto muito por tudo...
Josephine a impediu de continuar.
— Não. Não vamos falar do passado. Meu filho sofreu
demais e só queremos esquecer esse malsucedido noivado. Não
temos nada para falar.
Ela entrou na casa, dando as costas a Lily e fechando a porta
na sua cara. Ignorando a dor que aquela rejeição lhe causava, Lily
montou e voltou para casa.
Todos na família de Anthony deveriam odiá-la. E como culpá-
los?
— Menina, o que vamos fazer? Rosamund está se
debatendo e gritando, o Doutor Crawford virá? — Bessie indagou
quando voltou para casa.
— Não, ele não virá.
Lily deixou a incerteza e o medo dominá-la por um momento.
Vontade de dizer a Bessie que Rosamund que se virasse para dar à
luz ao filho do pecado dela. Afinal, estava colhendo os frutos de
suas próprias escolhas. Enquanto Lily estava desgraçada para
sempre por causa da sua inveja.
Mas sabia que, por mais que Rosamund fosse culpada do
seu infortúnio, não poderia deixá-la à própria sorte agora.
Os erros do passado, de ambas, não poderiam ser mudados,
mas precisavam seguir em frente. E a criança que Rosamund
esperava era o único ser inocente naquela história.
— Bessie, ferva água e... — Ela tentava se lembrar do pouco
que sabia sobre como trazer um bebê ao mundo. — E lençóis
limpos e... Ah Deus, como vamos fazer isso?
— Eu vi alguns bebês nascerem, menina. E muitas mulheres
fazem isso sozinhas, quando não tem como ter ajuda. A menina
Rosamund vai precisar fazer bastante força e o corpo dela vai
ajudar. E quando a criança sair tem que cortar o cordão umbilical.
— Certo, isso...
Lily subiu para o quarto e encontrou Rosamund ofegante e
suada contra os lençóis.
— Lily? Você buscou um médico?
— Não, mas daremos um jeito. — Ela fechou as cortinas.
Rosamund não pôde responder, pois foi acometida por outra
contração.
— Eu não posso fazer isso, não posso — Rosamund
chorava.
— Vai ter que fazer! — Lily insistiu, se prostrando à sua
frente. — Você vai dar à luz a este bebê.
— Não posso fazer isso sozinha...
— Vamos fazer juntas.
— Por que está me ajudando? Eu já causei tanto sofrimento
a você.
— Cala boca, Rosamund! — Lily a interrompeu. Não podiam
se deixar levar por lamentações no momento. Precisavam ser
práticas. Rosamund não tinha mais ninguém a quem contar agora.
Somente ela.
— Não pense mais nisso. Concentre-se no seu filho.
Rosamund cravou o olhar atormentado em Lily.
— Deveria me odiar!
— Do que serve ficar odiando você agora? Temos algo mais
importante com o que nos preocupar! Vamos, Rosamund, quando a
dor surgir, faça força... — pediu.
— Como sabe? Nem temos um médico... Ai! — Rosamund
começou a gritar de novo, em agonia.
Lily postou-se em frente à Rosamund para ajudá-la a ter o
bebê. Por alguns segundos, deixou-se levar pelo medo e
insegurança de Rosamund, se perguntando se conseguiria ajudar a
trazer aquela criança ao mundo.
Mas não iria fraquejar. Não podia mais se dar ao luxo de
fraquejar.
Havia ajudado a cuidar daqueles homens feridos de guerra,
não seria um parto que a faria sair correndo, seria?
E como prometeu a si mesma, sem fraquejar, horas depois,
ela ajudou o filho de Rosamund a vir ao mundo.

Lily limpou o pequeno bebê e o pôs nos braços da mãe.


— É um menino, Rosamund.
Rosamund sorriu de um jeito que Lily nunca tinha visto, para
a criança.
— Vai se chamar Theodore Elliot.
— Tem certeza?
— Sim, os Crawford ainda terão que engolir essa! —
Rosamund insistiu com sua velha voz de desdém, fazendo Lily
acreditar que, por mais que ela parecesse um pouco mais
consciente, a antiga Rosamund nunca iria embora de vez.
Lily ignorou o comentário descabido de Rosamund enquanto
a observava com seu bebê. Não pôde evitar sentir certa inveja bem
lá no fundo do coração. Podia ser ela a ter um filho agora em seus
braços. De Anthony. Se tudo tivesse sido diferente... Sacudiu a
cabeça para espantar esses pensamentos. De nada adiantava.
Agora era a responsável pela família. Os sonhos românticos
ficaram para trás.
Estava saindo do quarto de Rosamund quando a Bessie lhe
chamou.
— Menina, tem um homem aí querendo falar com a
senhorita. Tive a impressão de que o conheço, mas não tenho
certeza...
Lily foi para sala e encontrou um senhor de longos cabelos
brancos, o rosto moreno fincado pelo tempo.
— Olá, Senhorita Lily.
Então ela o reconheceu. Era o pai do Jake, Jeremiah, que
fora empregado do seu pai há muitos anos.
— Jeremiah! O que faz aqui?
— Fiquei sabendo da morte do seu pai. E estava próximo...
Eu sinto muito por sua perda. Meus pêsames.
— Obrigada.
— E Jake me contou o que aconteceu entre vocês. Ele foi me
ver na fazenda que eu trabalhava antes de ir para a guerra.
— Não quero falar sobre isso — Lily o interrompeu.
— Eu sinto muito pela maneira que Jake se comportou. Meu
filho, às vezes, é muito irresponsável. E sempre teve uma queda por
você...
— Se não se importa, quero deixar esse assunto no passado
— insistiu incomodada.
— Me desculpe. Eu só vim oferecer meus serviços para
você.
— Serviços?
— Sim. Agora que seu pai morreu, precisará de ajuda. A
fazenda em que eu trabalhava foi abandonada pelos donos. Eles
foram embora para o oeste, fugindo da guerra, depois que todos os
escravos a abandonaram.
Lily ficou pensativa. Sim. Ele tinha razão. Ela não entendia
nada de como cuidar de uma fazenda e ia precisar de ajuda.
— Tudo bem. O senhor pode ficar. Vai ser de grande ajuda.

***

Passaram-se seis meses. O bebê de Rosamund crescia a


olhos vistos e Lily o adorava. E para falar a verdade, Lily ficou
surpresa em como Rosamund se envolveu no papel de mãe.
Provavelmente os sofrimentos que tinha passado lhe ensinaram
algo. Mas elas nunca falavam do passado. Da fatídica noite em que
Rosamund destruiu os sonhos de Lily. Não, o passado estava morto
e enterrado.
Lily também já não era a mesma. Pouco restava daquela
senhorita de vestidos bonitos, cabelos impecáveis e espírito rebelde.
Ela se vestia com simplicidade, os vestidos começando a ficar rotos
e gastos. Nem sabia mais o que era uma crinolina. Emagreceu e
vivia preocupada com os afazeres da fazenda que cada vez mais
sobrava para si mesma, já que os escravos da casa haviam partido,
restando apenas Bessie. E mesmo na lavoura, restavam poucos
ainda por ali, e Lily prometera alforriá-los assim que possível, para
que escolhessem se queriam ir embora ou ficar, mas recebendo um
salário. Infelizmente, o dinheiro estava se esvaindo, o algodão que
conseguiam colher ficava parado, sem conseguir sair dos portos,
embargados pelos yankees, que fecharam tudo.
Lily levantava cedo e só se recolhia bem depois que todos na
fazenda iam dormir. A Confederação exigia ajuda com provisões
que ficavam mais pesados a cada mês e cabia a ela tocar a
produção e supervisionar a fazenda pessoalmente, percorrendo a
cavalo junto a Jeremiah.

Em certa tarde, Lily caminhava pela cidade, ocupada em


comprar mantimentos.
Duas senhoras passaram por ela e quando a viram
atravessaram a rua, cochichando entre si. Agora era assim, sua
“fama” tinha se espalhado pela cidade, juntamente com a de
Rosamund e ficaram malfaladas, o que significava que as “boas
famílias” as ignoravam totalmente.
Lily respirou fundo. Não se importava. Todos que fossem para
o inferno. Sua única preocupação era com Candy. Às vezes achava
boa a apatia que acometera depois da morte do pai. Assim, não
presenciara o ostracismo que a filha tinha caído. No final ela tinha
razão, Lily e Rosamund levaram toda a família para a lama.
Quando voltou para a fazenda estranhou ao ver a Bessie sair
correndo da casa esbaforida.
— Ainda bem que voltou!
— O que aconteceu?
— Os yankees! Estão por toda parte, o empregado da
fazenda vizinha veio avisar! Lá, todos conseguiram fugir antes que
chegassem... Senhor do céu! O que faremos, menina?
Lily se apavorou. Ouviu falar sobre o que acontecia quando
os yankees chegavam. Saqueavam tudo e o que não podiam levar,
queimavam.
Tinham que fugir dali.
— Vamos arrumar nossas coisas. Vá avisar a Rosamund e a
ajude a arrumar tudo e pegar o bebê. Pegue apenas o que for
necessário! Vou avisar minha mãe.
Lily entrou no quarto da mãe e a avistou do mesmo jeito que
passava os dias, sentada em frente à janela, bordando.
— Mamãe, temos que ir! — alertou pegando o baú de Candy
e começando a arrumar suas coisas.
— Para onde? Pra quê? Ficou maluca?
— Os yankees estão chegando!
— O seu pai não ia gostar nada disso.
— O papai não está mais aqui, então quem decide sou eu!
— Não fale assim, Lily! Se seu pai a visse falando desta
maneira...
Lily não deu ouvidos às lamúrias da mãe, lá fora se começou
ouvir sons de cascos de cavalo. Aproximou-se da janela e os viu.
Os yankees estavam se aproximando da fazenda.
E agora?
— Não saia daqui, mamãe!
— O que foi? São os yankees?
— Sim, portanto, faça o que eu mandei e não saia daqui!
Lily correu do quarto e avistou Rosamund no corredor com
Theo no colo.
— Lily, eles estão vindo pra cá! O que faremos?
— Vá para o quarto da minha mãe e não saia de lá!
Lily passou pela porta e viu Bessie, apavorada.
— Menina! Yankees!
— Eu vi. Vá para os fundos e pegue a carroça! Coloque
nossas malas lá!
Lily chegou à porta a tempo de ver os primeiros oficiais
desmontando. Perguntou-se onde estaria Jeremiah. Deveria estar
na plantação.
Agora era tarde para tentar avisá-lo.
— O que querem aqui? — indagou decidida.
O homem truculento de vasto bigode castanho, que parecia
ser o chefe deles, se aproximou a avaliando dos pés à cabeça.
— Onde está o dono da casa?
— Eu sou a dona. — Lily levantou a cabeça e recebeu em
resposta uma avaliação quase indecorosa.
— Então creio que não se importará de avaliarmos sua
propriedade, visto que precisamos dela.
— E se eu me importar? — Lily desafiou.
— Será muito pior para a senhora. Está sozinha?
— Sim.
— Sozinha nesta casa?
— Somente com uma velha criada.
— Nenhum homem?
— Não.
Ele fez sinal para os homens entrarem e foi com dor que Lily
viu sua casa sendo invadida. Segurou as lágrimas e a revolta, e
encarou seu algoz.
— Quero que prometa que não irá destruir minha casa.
— Não vou prometer nada.
— Por favor — Lily implorou.
— Leve-a para uma sala e a tranque. — Foi a resposta do
oficial.
— Não pode fazer isso! — Lily se rebelou.
— A senhorita está me cheirando à confusão e acho que está
me escondendo alguma coisa.
Lily protestou, mas de nada adiantou. Foi levada para o
escritório de seu pai e obrigada a ver os yankees revirando sua casa
como se fossem os donos.
Depois do que pareceram horas, o chefe deles entrou na
sala. Lily se perguntava se estava tudo bem com Candy, Bessie,
Rosamund e o bebê.
— A senhorita tem bastantes coisas que nos interessam
aqui... — falou medindo seu corpo e Lily teve medo.
— Então acho que podem pegar o que lhe interessam e ir
embora.
— Sim, nós iremos, mas teremos que queimar aquilo que não
vamos precisar.
— Não! Não façam isso!
— A senhora não está em condições de me pedir nada! Ou
vai querer me dar algo em troca de seu pedido?
Ele aproximou-se e a segurou pela nuca com força. Lily se
debateu, mas isso o fez rir e prendê-la ainda mais.
— Me solta, seu cretino! — Ela tentava se soltar, mas o
homem era mais forte e a jogou em cima da poltrona, tentando
beijá-la.
Lily sentiu nojo e repulsa de seu hálito fétido e o pânico a
dominou. Isso não pode estar acontecendo. Pensou desesperada.
Ia ser violada por aquele homem horrível...
Então ouviu a porta se abrir e de onde estava não conseguia
ver nada, mas seu agressor também pareceu não ver, ocupado em
levantar suas saias e segurá-la com força.
De repente ouviu um tiro e gritou quando o homem arregalou
os olhos, antes de o corpo pesado cair em cima dela.
Lily o empurrou e vislumbrou horrorizada Rosamund
segurando uma espingarda, ainda apontando para o homem caído
no chão.
— Acho que cheguei a tempo! — Rosamund sussurrou.
Lily ajoelhou-se ao lado do homem e ouviu seu coração.
— Você o matou!
Lily não sabia se gritava de horror ou de alívio.
Aquele homem iria violentá-la e sabe Deus mais o que faria
com ela depois. Eram tempos de guerra, e honra era algo que
muitos desconheciam.
— Ele ia machucar você — Rosamund explicou na defensiva.
— Melhor mesmo que tenha morrido!
Ela levantou-se tremendo, com vontade de desabar no chão,
mas sabia que não podia.
— Sim, acho que tem razão. Mas precisamos sair daqui,
antes que eles descubram o que fez. Onde está a mamãe e o
bebê?
— Na carroça, nos fundos da casa. Jeremiah também
apareceu.
Lily abriu o cofre do pai e tirou de lá o dinheiro que ainda
restava e os documentos.
— Então vamos! Temos que sair daqui.
As duas correram até a entrada dos fundos, dando graças a
Deus de não encontrarem nenhum yankee no caminho.
— Precisamos ir logo! — Jeremiah alertou no comando da
carroça.
Candy e a Bessie já estavam lá com o bebê. Rosamund e Lily
se juntaram a elas e rapidamente Jeremiah atiçou os cavalos e
partiram, deixando a fazenda e os yankees para trás.
Candy chorava desconsolada.
— Todas as nossas coisas deixadas para trás, para os
malditos yankees.
— Pelo menos estamos vivas, mamãe — Lily proferiu com
firmeza.
— Para onde vamos? — Rosamund indagou, ninando o
pequeno Theo.
— Atlanta. Vamos tentar chegar a nossa casa em Atlanta.
— Mas e a fazenda? O algodão? — Candy chorava. — Como
vamos sobreviver?
— Vamos dar um jeito, mamãe.
— O único dinheiro que restou é o que tirou do cofre? —
Rosamund indagou baixinho.
— Sim, com ele conseguiremos sobreviver por um bom
tempo, se vivermos de forma simples.
— Pobre, quer dizer. — Rosamund não parecia contente.
— Sim, Rosamund. Pobres! Mas estamos vivas. Por
enquanto, pelo menos.
— Sim, tem razão, mas eu consegui pegar isso aqui.
E ela lhe mostrou um saquinho. Lily o abriu e reconheceu
suas joias, dentre elas o colar que Anthony lhe presenteara há tanto
tempo.
— Acho que pode tentar vendê-las se precisarmos.
— Sim, verdade.
— Nós vamos sobreviver, Lily. Sobrevivemos até agora.
— Assim espero... E Rosamund, obrigada por me salvar.
Rosamund deu de ombros.
— Fiz o que tinha que ser feito. Além do mais, quem vai fazer
o trabalho pesado para nos sustentar? — Ela riu e Lily não
conseguiu deixar de rir também.
Embora o peito estivesse apertado.
Não ia chorar.
O que adiantaria?
Agora, ela estava lutando para a família sobreviver.
Capítulo 5

Chegaram a Atlanta, apesar de assustadas com as


mudanças que se abateram na cidade durante a guerra e se
estabeleceram na casa da família.
Atlanta se transformou muito no último ano de guerra. Por
causa das linhas férreas, a cidade tornou-se de uma importância
estratégica vital. Afastada das linhas de combate, as ferrovias eram
um ponto de comunicação dos exércitos confederados, o da Virgínia
e do Tennessee e do oeste, e ligava ambos os exércitos com a
região mais ao sul de onde vinham os suprimentos para atender às
necessidades da guerra. Agora, Atlanta era um centro
manufatureiro, uma base hospitalar e um dos principais depósitos
de víveres e suprimentos para o exército em campo.
Pouco a pouco, a zona antes agrícola transformava-se em
uma zona industrial. Antes da guerra havia algumas fábricas de
algodão e comércio de máquinas, mas não era nada comparado ao
norte.
Agora, os portos confederados estavam cercados por
yankees e apenas uma quantidade mínima de produtos europeus
atravessava as linhas de bloqueio, obrigando o sul a fabricar seu
próprio material de guerra. O norte podia solicitar suprimentos e
soldados do mundo inteiro, milhares de irlandeses e alemães se
alistaram no exército da união, atraídos pela recompensa em
dinheiro. O sul só podia contar consigo mesmo.
Rapidamente, a cidade encheu de europeus que rompiam o
bloqueio para produzir máquinas e munições para os confederados.
Eram homens especializados sem os quais a Confederação
dificilmente seria capaz de fabricar pistolas, rifles e canhões de
pólvora. Onde um ano atrás havia terrenos baldios, agora havia
novas fábricas. E das ruas adjacentes achavam-se os quartéis
generais das várias repartições do exército repletas de homens
fardados.
Também havia inúmeros hospitais para convalescentes.
Diariamente, os trens despejavam mais doentes e mais feridos.
Pouco a pouco, a cidade pequena desaparecia.
De sua casa, onde tentava manter a família a salvo, Lily
observava essas mudanças conforme os meses iam passando.

A guerra continuava em 1862, mais de um ano depois do seu


início.
Naquele ano, ainda se falava todos os dias que o fim era
iminente. O sul vencia muitas batalhas sob a liderança dos Generais
Lee e Jackson. Os yankees estariam de joelhos clamando por paz
em breve, bradavam, os vitoriosos voltariam para ser recebidos com
alegria, mesmo que nem todos fossem retornar aos seus lares.
Todos os dias chegavam as listas dos mortos e capturados.
Porém, Lily sabia que nem tudo seria tão fácil assim.
Estavam lutando contra os rifles modernos dos yankees, os
bloqueios comerciais já eram sentidos, quando faltavam até
suprimentos médicos nos hospitais, os quais ela trabalhava algumas
vezes por semana como voluntária.
***

Em 1963, Bessie os deixou, acometida por tifo.


E a guerra continuava com algum sucesso, mas os sulistas já
não bradavam mais uma vitória fácil. Já estava óbvio para todos que
os yankees seriam difíceis de serem derrotados.
Houve mais vitórias dos confederados no Tennessee com o
General Morgan e pelo General Forest, ainda assim os hospitais
transbordavam de doentes e feridos. Mais mulheres tornavam-se
viúvas e mais túmulos eram abertos pelos soldados.
O dinheiro dos confederados se desvalorizava e o preço dos
alimentos e do vestuário subia. Nos açougues quase não se
encontrava a carne de vaca e a pouca carne de carneiro era tão
cara que só os ricos podiam comprar. O bloqueio dos yankees aos
portos confederados se intensificava, até os preços dos artigos de
algodão mais baratos haviam subido, levando as senhoras, muito a
contragosto, a costurarem os próprios vestidos. As fardas dos
confederados agora eram feitas com aquele pano rústico tingido de
marrom.

***

O ano de 1864 chegou sem que a guerra desse indício de ter


fim e Lily se perguntava até quando estariam seguros ali em Atlanta.
Por enquanto, os conflitos não chegaram até eles e ela esperava
que a guerra findasse antes que precisassem fugir, de novo.
Uma manhã, em meados de maio, Lily apertou o xale contra
o peito, sentada no jardim da casa, observava Theo correndo com
seus passinhos trôpegos atrás dos pássaros. Era um menino lindo,
com seus quase três anos, que se parecia muito com Rosamund e
nada tinha de Elliot.
Será que Elliot ainda está vivo nesta guerra?
Lily se perguntava sobre todos os seus conhecidos que
estavam em zona de conflito, embora só tivesse notícias de Jake.
Suas cartas ainda chegavam às mãos de Lily com intervalos
irregulares, já que Jeremiah tratara de avisar ao filho, também
através de missivas, onde estavam.
Jake permanecia vivo, apesar de Lily temer que um dia as
cartas cessassem. Obviamente não havia nenhum sentimento
romântico de sua parte em relação a Jake, mas ele era seu elo com
a guerra que se desenvolvia fora de Atlanta.
Ela gostaria de receber cartas de Anthony como recebia de
Jake, mas claro que não passava de uma esperança vã.
Porém, ela ainda era tola o suficiente para ir até ao centro da
cidade todas as vezes que chegavam listas novas de baixas, só
para ler os nomes com o coração apertado e respirar aliviada
quando não via o nome do ex-noivo entre os mortos.
Porém, Jake não escrevia para ela há meses. Estava ávida
por saber notícias dos conflitos e quem sabe de Anthony e Elliot
também.
Foi tirada de seus pensamentos ao ver Rosamund se
aproximando. Franziu o cenho, ao reparar que ela estava
acompanhada de um homem. Quem seria? O homem se despediu
dela com um sorriso de adoração e Lily reparou no ar coquete da
prima ao entrar na casa.
Intrigada foi atrás dela e a encontrou tirando o xale na
cozinha.
— Quem era aquele homem que estava com você,
Rosamund?
— Um ricaço.
— Ricaço? O que estava fazendo com ele?
Rosamund a encarou por alguns instantes.
— Lily, acho que eu nunca vou te entender. Como, depois de
tudo o que eu aprontei, e não foi pouco, ainda me acolheu, me
ajudou, me defendeu? Deixando sua reputação ir para o buraco?
— Por que está falando isso?
— Porque você ainda é jovem e bonita. Porque deveria,
como eu, pensar em se casar.
— Está pensando em se casar?
— Claro! Não quero virar uma solteirona amarga sem ter
onde cair morta! Eu ainda não desisti de arranjar um marido rico
— Eu não acredito! Você não muda, Rosamund?
— Não sei o que há de errado em pensar assim. Sim, eu errei
em querer roubar o Anthony de você! E, sim, não fui movida só pela
ambição, mas pela inveja também. E a ambição ainda não morreu
em mim, Lily.
— Então não tem mais inveja de mim?
— Claro que não! — Rosamund sorriu. — Olhe pra você!
Como posso ter inveja? Que roupas são essas, pelo amor de Deus!
Como posso querer usar isso?
Rosamund a mediu com um olhar crítico.
Apesar das dificuldades, Rosamund continuava se
esforçando para se vestir minimamente bem, embora bem aquém
do que era antes. Muito diferente de Lily que não se importava mais
com sua aparência.
Os lábios de Lily se distenderam em um sorriso irônico. Não,
Rosamund não mudou. Embora, não houvesse mais aquela
maldade e obsessão que via em seu olhar antes.
— Você tem razão, ninguém teria inveja de mim hoje em dia.
Estou longe de ser aquela Lily, rainha do baile e herdeira cobiçada.
— Não se menospreze! Só precisa de um pouco de
arrumação para ser quem era antes. E poderia tentar fazer como eu.
Tentar arranjar um noivo!
— Eu nunca vou me casar — respondeu, amargurada.
— Por que não? — Rosamund insistiu.
Lily a encarou novamente, deixando transparecer toda dor
em seu olhar.
— Você sabe o porquê!
A cozinha foi tomada por um silêncio opressor. Lily desviou o
olhar e se afastou, deixando Rosamund perdida em pensamentos.

Dias depois, Lily verificou se estava tudo bem com a mãe,


que tinha melhorado bastante de humor quando se mudaram para a
cidade, e foi à sala, encontrando Rosamund sentada à escrivaninha,
ocupada em escrever uma carta.
Lily riu.
— Está mandando bilhetes para seu admirador?
Rosamund a encarou, parecendo assustada e ficou
vermelha.
— Não! Quer dizer, sim.
— Você não me contou o que ele acha de ser uma mãe
solteira — Lily indagou curiosa.
— Eu não disse que era solteira, claro.
— Disse o quê, então?
— Viúva de guerra.
— Você mentiu?
— Lógico que sim! Às vezes, a mentira é muito necessária.
Rosamund voltou a atenção para a carta e Lily postou-se
atrás dela para pegar um livro, então um nome no papel chamou a
sua atenção. Anthony.
— Está escrevendo para o Anthony? — Lily perguntou
espantada e Rosamund não negou.
— Sim. Estou fazendo o que deveria ter feito há muito tempo,
tentando corrigir um erro.
Lily virou-se furiosa e arrancou o papel de suas mãos e o
picotou.
— Não, o que está fazendo? — Rosamund a fitou, chocada.
— É tarde, Rosamund.
— Claro que não! Eu errei em separá-los, é preciso tentar
consertar este erro!
— Pra quê? Não vê que já se passaram três anos? Anthony
não deve nem se lembrar de mim!
— Duvido! Ele a amava, Lily. E isso não se apaga de um dia
para o outro! O seu amor não se apagou.
— Você não sabe de nada...
— Sei que não o esqueceu, apesar do tempo. Que está se
transformando numa pessoa fria e amargurada!
— Isso é problema meu! Só porque não fico por aí tentando
conquistar homens ricos com mentiras não quer dizer que eu seja
infeliz!
— Mas você é. Não adianta negar. E a culpa é toda minha.
Então me deixe escrever para o Anthony...
— Escrever para onde? Nem sabe onde ele está!
— Mas a família deve saber.
— Os Crawford?
— Sim, estão na cidade. Embora Josephine seja uma bruxa,
posso tentar falar com Alice, ou até mesmo Aidan. Ele me pareceu
muito sensato...
— Como assim eles estão aqui? Há quanto tempo sabe
disso?
— O que eu descobri é que Alice após se casar, e Aidan ter
ido para a guerra, voltou para Filadélfia para ficar com os parentes.
E Josephine ficou na fazenda, tomando conta. Mas assim como nós,
ela se viu obrigada a fugir, indo para a Filadélfia também. Porém, as
duas retornaram há alguns meses, depois que Aidan foi dispensado
por causa de um ferimento na perna. O Dr. Theodore estava aqui,
em um hospital, ao que parece.
— Como sabe de tudo isso? — Lily encontrava-se
espantada.
Ela deu de ombros.
— As pessoas comentam...
— E Elliot? Sabe dele? Se pode tentar enviar uma carta a
Anthony deveria tentar contato com o pai de Theo.
— Não! Eu sei que a bruxa da Josephine virou-lhe as costas
quando foi pedir ajuda quando eu estava parindo. Claro que eles
não acreditam que eu tenha um filho bastardo de Elliott, ou preferem
ignorar o fato! E sabe o que descobri? Elliot não está na guerra. Ele
fugiu para o México, com uma sirigaita. Desertou, aquele canalha!
Típico dele.
— Minha nossa!
— Claro que os Crawford têm isso como um segredinho sujo
da família, mas eu descobri, sabe que eu descubro o que eu
quiser... Por isso que desisti de tentar encontrar o Elliot para ele se
casar comigo. Mas quem sabe a sua história ainda possa ter um
final diferente?
— Você mesmo disse, Josephine nunca irá te receber! Ela
nos odeia! Negou ajuda quando seu filho nasceu! Acredita que
alguém daquela família ainda te receberia? Óbvio que não.
— Mas eu vou tentar! Lily, precisa confiar em mim! Vai perder
o Anthony pra sempre!
— Eu já perdi faz tempo — Lily respondeu tristemente.
— Não! Ainda há tempo! Antes que...
— Antes do quê?
— Nada — Rosamund desviou o olhar, mas Lily percebeu
que a prima estava escondendo algo.
— Rosamund, o que quis dizer? O que você sabe?
— Eu já falei, não é nada!
— Não, ia dizer algo! — Lily insistiu desconfiada. — Este seu
súbito interesse em me ajudar, por que isso agora?
— Eu já falei...
— Eu quero a verdade, Rosamund.
— Tudo bem. Você pediu. Ontem, no meu encontro com o
meu pretendente, James Lancaster, ele me contou da chegada de
Josephine e Alice à cidade, de como Alice era uma dama muito fina
e estava organizando alguns bazares e bailes para angariar fundos
para os confederados. Hum, Alice é uma metida, ainda, ao que
parece. — Rosamund fez uma careta. — E meu querido James é
um dos sócios de Aidan no banco. Eu te falei, James é de uma
família bem rica também e... Enfim, ele também revelou que
Josephine e Alice não chegaram à cidade sozinhas. Elas voltaram
com uma moça da Filadélfia. Muito bonita segundo ele —
Rosamund fez uma pausa. — Essa parente, que se chama Beatrice
Langford, é... noiva do Anthony — Rosamund falou baixinho
esperando a reação de Lily.
Lily sentiu o coração parar, como se o sangue tivesse se
congelado nas veias. As últimas palavras de Rosamund ressoavam
em sua mente.
Noiva do Anthony.
Lily recordou de uma conversa com Anthony. Ele lhe contou
sobre uma prima que todos queriam que se casasse com ele.
Beatrice.
— Lily? Tudo bem? — Rosamund se aproximou assustada.
— Está branca que nem cera.
Lily colocou a mão no coração tentando fazer a respiração
voltar ao normal. Anthony estava noivo.
Era pior do que todos os seus pesadelos.
— Eu não queria te contar. Sabia que iria ficar assim —
Rosamund lamentava.
Lily sentiu o nó fechar sua garganta.
— Anthony vai se casar com essa moça? — perguntou num
fio de voz.
— Bem, se está noivo é para se casar, não é?
— Ele vai se casar — Lily repetia horrorizada.
— Sim, Lily. Dizem que estão apenas esperando a guerra
acabar. Entende agora por que quero escrever a ele? Assim,
Anthony pode voltar para você!
Lily registrou as palavras de Rosamund, mas dentro dela já
sabia que tudo estava perdido.
— Não, Rosamund. De nada adiantaria. O Anthony seguiu
com a vida dele. E isso é irremediável.
— Lily...
Ela se afastou.
— Eu quero ficar sozinha.
Ficar sozinha para pensar no inexorável vazio em que tinha
se transformado sua vida.
***
Lily caminhava pelo Centro da cidade, observando com
interesse as novas construções, as calçadas cheias de homens de
uniforme, usando insígnias de todas as patentes. O trânsito na rua
engarrafado pela quantidade de veículos, carruagens, charretes,
ambulâncias e carroças do exército.
Ela observou com certo divertimento duas senhoras de
família atravessarem a rua, fazendo o sinal da cruz, quando duas
moças vestidas espalhafatosamente desceram de uma carruagem.
Mulheres perdidas, Lily concluiu.
Prostitutas acompanhando o exército infestavam a cidade e
os bordéis fervilhavam de mulheres, para horror das senhoras de
família.
Pelo menos ali, em uma cidade grande e ficando maior a
cada dia, ninguém sabia quem Lily e Rosamund eram, e ninguém
atravessava a rua quando as viam. Em Atlanta, elas se misturavam.
Não às pessoas de classe, que conseguiram manter seus status,
apesar da guerra, como os Crawford, Lily imaginava com ironia, mas
sim a população que tentava sobreviver, apesar de tudo.
Ali, ela não era mais a rica herdeira Lily Bennet.
Hoje, a cidade estava em polvorosa, pois chegara uma lista
de soldados mortos nas batalhas. Todos se dirigiam ao local onde
estavam sendo afixadas as listas e ela respirou fundo também indo
naquela direção. Um amontoado de gente tornava difícil a
verificação, mas Lily conseguiu passar por entre as pessoas e correr
a vista pelos nomes, o coração saltando no peito ao passar a letra
e... nada. O nome de Anthony não estava naquela lista. Lily respirou
aliviada e então olhou toda a lista. Jake também não estava.
Ela ia se afastar quando viu uma pessoa conhecida numa
carruagem parada na calçada.
Josephine Crawford.
A mãe de Anthony estava com o rosto impassível, mas torcia
as mãos, com certeza deveria ter vindo fazer o mesmo que ela,
verificar se o nome do filho não estava na lista de soldados mortos
em combate.
De repente, uma moça loira, elegantemente vestida
aproximou-se de Josephine, sorrindo. Nas mãos enluvadas,
carregava uma sombrinha elegantemente confeccionada com
renda.
— E então? — Josephine perguntou a ela, aflita.
— Nada. Ele não está na lista! — a moça respondeu e subiu
na carruagem.
Ao passarem por Lily, ela pôde dar uma boa espiada naquela
que deveria ser a noiva de Anthony.
Beatrice Langford.
Sim, ela era realmente muito bonita. Lily sentiu um aperto no
peito e caminhou para casa.
Será que Anthony estava apaixonado por ela?
Lily pensou se suportaria vê-lo voltar ao fim da guerra e
casado com outra. Não, ela não queria nem pensar nesta
possibilidade.
Ao chegar à porta de casa, ela trombou com o moço do
correio que lhe entregou uma carta. Entrou rápido e abriu o
envelope e conforme ia lendo as palavras ali escritas ia sentindo o
coração se apertando.
Era uma carta de um amigo de Jake, um homem chamado
Harry Finger, avisando que ele fora capturado e feito prisioneiro.
O idiota havia desobedecido seu general, que proibiu de
saquear as terras yankees.
“Ele queria dar o troco nos yankees e o general proibiu, mas
disse que não se importava de ser fuzilado, por ter começado um
motim e ter liderado um saque às propriedades yankees, se eles
fazem o mesmo aí no sul. Infelizmente ele foi capturado. Eu segui
com a tropa, estou em Savannah agora, porém, lembro que Jake
sempre lhe escrevia e ele me falava sobre você, achei que deveria
saber.”
Rosamund entrou na sala e a encarou curiosa.
— O que foi? Finalmente uma carta de Jake?
— Rosamund, o Jake foi preso e será... fuzilado!
Rosamund colocou a mão na boca, chocada.
— Oh, não!
— Oh Deus, como vamos contar ao pai dele? Ele ficará
arrasado.
Lily leu de novo a carta.
Pensou na última vez que tinha visto Jake. Naquela manhã
em que tudo parecia perdido pra ela. Ele dissera que iria pra guerra
e que a amava.
Lily sentiu um aperto de culpa no peito.
Talvez se não tivesse enrolado Jake, confusa com seus
sentimentos, ele não teria ido para a guerra.
Tinha mandado dois homens para a guerra e um deles agora
iria morrer.
— A culpa é minha...
— Claro que não. Jake é um idiota. Óbvio que seria pego...
— Rosamund passou as mãos pelos cabelos e Lily reparou que
estavam trêmulas. Rosamund parecia mais perturbada do que
gostaria de transparecer.
— Você... Se importa realmente com o que lhe aconteça?
Não achei que nutrisse alguma simpatia por ele...
— Você não sabe de nada, Lily...
— O que eu poderia saber? Vocês dois armaram pra mim,
eram cúmplices.
— O Jake era apaixonado por você, por isso concordava com
meus planos em sabotar seu noivado, mas mesmo assim...
— Mesmo assim o quê?
— Eu estive com o Jake, Lily. Eu me deitei com ele —
Rosamund confessou para a estupefação da prima.
— Ah, minha nossa... Rosamund! Como pôde?
— Eu não media consequências.
— Você... Gostava dele?
— Claro que não. Jake foi só mais uma coisa que era sua e
que eu queria roubar para mim. Era para ser só... uma brincadeira,
claro. Eu queria mesmo era me casar com o Anthony, porque ele
era rico.
— Você não gostava de nenhum deles...
— Talvez eu tenha me empolgado um pouco com Elliot, mas
claro que não ia perder meu tempo me apaixonando. Eu queria que
eles se apaixonassem por mim, mas claro que nenhum deles se deu
ao trabalho — ela falou com amargor.
— Mas... — de repente algo passa pela mente e Lily —
Rosamund... quem é o pai do Theo? É realmente o Elliot?
— Não, o pai do Theo de verdade é o Jake — ela confessou.
Lily levou as mãos à boca, chocada.
— Você mentiu todo este tempo...
— Você já tinha motivos demais para me odiar. Não quis
acrescentar mais isso, afinal, Jake era seu namorado, mesmo nunca
tendo gostado dele de verdade, ainda assim... Além do mais, eu
queria que Theo fosse de Elliot. Elliot é um cafajeste, mas pelo
menos é de uma família rica. E Jake é só um mestiço, ladrão, que
não tem onde cair morto. E ainda por cima apaixonado por você.
— Minha nossa, Rosamund. Nem sei o que dizer...
— Não diga nada. Não faz diferença.
— Mas Jake está prestes a perder a vida! E ele vai morrer
sem nem saber que é pai! Coitadinho do seu filho, vai perder um pai
que ele ainda pode ter!
— Você está louca. Ele nunca teve um pai.
— Mas pode ter! Não, eu preciso fazer alguma coisa.
Não, ela não podia deixar Jake morrer.
— Eu preciso tentar ajudá-lo, Rosamund.
— O quê? Como? Ficou doida?
Mas Lily não a ouvia, subia as escadas de dois em dois
degraus e adentrava ao quarto, pegando a mala e arrumando suas
coisas.
— Lily, o que você pensa em fazer?
— Vou ajudar o Jake.
— Enlouqueceu!
— Não, Rosamund. Não pensa como o Jeremiah ficará
quando souber que o filho morreu fuzilado? E acima de tudo, não
pensa no que vai dizer ao seu filho? Além do mais, Jake precisa
saber que tem um filho! Ele merece saber disso.
— É loucura o que quer fazer! Como é que irá encontrá-lo?
— Pela carta! Este amigo dele está aquartelado em
Savannah! Vou achá-lo e ele me dirá onde o Jake está preso.
— E como pensa em conseguir livrá-lo da sentença?
— Não sei, mas pensarei num jeito!
— Não vou conseguir demovê-la dessa ideia maluca, não é?
— Não!
Lily acabou de arrumar suas coisas e horas depois estava
saindo de Atlanta, rumo a Savannah.
Capítulo 6

Lily chegou aos arredores de Savannah dando graças a Deus


por estar ilesa. Os combates aconteciam por todos os lados e uma
mulher viajando em uma carroça sozinha não era lá muito seguro.
Mas ela tinha uma missão. E isso era o mais importante.
De repente foi tirada de seus devaneios por alguns homens
que saíram do nada de dentro da mata e a fizeram parar a carroça.
Lily assustou-se, mas quando viu os uniformes, percebeu que
não eram yankees, e sim confederados.
— Onde uma senhorita tão bonita vai sozinha?
— Estou indo para Savannah.
— Sozinha? Não sabe que é perigoso andar sozinha nesses
tempos de guerra?
— Sim, eu sei, mas estou indo encontrar com... o meu
marido! — Lily mentiu.
E deve ter mentido mal, pois os homens começaram a rir
debochados e um deles aproximou-se rápido e pegou as rédeas de
sua mão.
— Ei! O que está fazendo? — Lily foi tirada esperneando da
carroça como um saco de batatas.
Os homens riram ainda mais e Lily gritou ao ser colocada no
cavalo de um deles. Sem conseguir contê-los, teve seus pulsos
amarrados e quando tentou gritar ainda mais alto por socorro, foi
amordaçada.
Depois de cavalgarem por o que pareceu horas, eles
desmontaram e retiraram a mordaça que cobria sua boca. Ela
gritou o mais alto que pôde, mas o homem se enfureceu e lhe deu
uma bofetada.
— Fique quieta! Não queremos chamar atenção.
— Por que estão fazendo isso? São sulistas, do exército
confederado...
Ele riu debochado.
— Sim, somos sulistas, mas não somos mais do exército,
somos desertores.
Lily sentiu mais medo ainda, mas controlou-se e encarou-o.
— E o que vai fazer comigo?
— A senhorita é muito bonita, vamos levá-la conosco para o
México.
— México?! — Lily sentiu o coração se apertar de horror.
— Sim, podemos, vamos fugir para o México e a senhorita irá
conosco e não faça essa cara. Sabemos que estava mentindo sobre
este tal marido! Nenhum homem deixaria a esposa sair sozinha por
aí em meio à guerra.
— Meu marido está na guerra! Por favor, tem que me soltar!
— Lily implorou.
— Sim, nós a soltaremos, quando estivermos cansados de
sua companhia. — Ele acariciou seu rosto e Lily afastou-se enojada.
O homem riu, seguido dos outros. — Então trate de nos obedecer e
ser útil, se é que me entende, que pode sair viva.
Lily conteve o medo e ficou quieta.
O que seria dela na companhia daqueles homens horríveis?
Tinha que dar um jeito de fugir.
Eles montaram acampamento e Lily chamou a atenção de um
deles.
— Ei, senhor! Será que poderia me soltar?
— Não posso, senhora...
— Mas preciso... preciso me aliviar, se é que me entende.
Ele pareceu ficar confuso, mas veio até ela e a soltou.
— Vou levá-la a um local afastado e nem pense em tentar
fugir!
— Obrigada!
Ela olhava em volta pelo caminho, pensando numa rota de
fuga.
— Ficou maluco, quem mandou soltá-la? — Aquele que
parecia o chefe veio até eles.
Lily aproveitou a confusão e virou um soco na cara do mais
próximo e tentou correr, mas eles foram rápidos e a agarraram antes
que conseguisse se afastar. Ela se debateu, negando-se a entregar-
se a seu infortúnio. Preferia morrer a deixar aqueles homens
horríveis machucarem-na.
Porém, de repente, ouviram passos aproximando-se e no
instante seguinte soldados confederados adentraram no
acampamento atirando. Os desertores a soltaram e tentaram
revidar, mas foram pegos desprevenidos, sendo facilmente
rendidos.
Graças a Deus estava salva!
Mas o alívio durou pouco. Seus pulsos foram amarrados e
ela foi arrastada para um cavalo.
— Não! O que estão fazendo!
O soldado continuou sério.
— A senhora estava com aqueles homens, e além deles
serem desertores, não toleramos certas companhias aqui em
Savannah.
Lily entendeu o que ele estava querendo dizer e sentiu-se
ultrajada.
— Não, você está me confundindo! Eu não estava seguindo
eles de livre e espontânea vontade, eles me obrigaram!
— A senhora pode dizer isso na delegacia.
— Delegacia? Não podem me prender!
Mas já não a escutavam.

Lily foi levada para a cidade, junto com os desertores feridos.


— Sente-se, senhora — um homem de uniforme confederado
ordenou.
Ela obedeceu.
— Meus homens me disseram que a senhorita nega estar
com esses desertores.
— Sim, eles me sequestraram!
— E a senhora estava sozinha?
— Sim, estava.
— Não sabe dos perigos que rondam as estradas? De onde
está vindo?
— Atlanta.
— E que estava vindo fazer em Savannah?
— Procurar um homem que será fuzilado. O nome dele é
Jake Dawson.
O homem pareceu reconhecer o nome e Lily se animou.
— Você o conhece? Sabe onde posso encontrá-lo?
— Sim, já trombei com este camarada. Um bandido, se quer
saber. Mais dia, menos dia seria pego com suas falcatruas. Mas
devo dizer que ele é um homem de sorte por ter uma senhorita
como você atrás dele. É esposa do Dawson?
— Não! Mas... preciso encontrá-lo. Ele será mesmo
condenado?
— Isso não está mais na minha jurisdição. Ele foi transferido
para o Tennessee.
— Oh, não!
— Agora a senhorita será levada de volta à cela...
— Mas o senhor não ouviu nada do que eu disse? Eu não
sou uma rameira e nem tampouco estava com aqueles homens!
— Difícil acreditar.
— Mas é verdade, eu... Eu sou casada! — mentiu mais uma
vez.
Mas o homem, assim como os desertores, não pareceu
acreditar em sua história e ela foi levada à cela, sem esperança de
salvação.
Anthony saiu do hospital, na verdade mais um convento que
fora convertido em hospital depois que começara a guerra. Estava
cansado e preocupado. A guerra já durava três anos e parecia não
ter fim. E tudo caminhava para uma derrota do sul. Mas Anthony
não se importava com isso, contanto que a guerra terminasse, não
importava quem iria ganhar.
Pensou na carta que recebera hoje cedo. De Beatrice, sua
noiva. E mais uma vez se questionou se estaria fazendo a coisa
certa.
Conhecia Beatrice a vida inteira. E seus laços foram avivados
quando visitara a família na Filadélfia, em uma licença, há alguns
meses.
Embora fosse bonita, Anthony nunca desenvolvera qualquer
apreço pela prima, mesmo que todos soubessem desde que eram
adolescentes que seria de muito gosto da família que os dois se
comprometessem.
Tampouco Anthony via em Beatrice algum interesse
romântico nele.
Porém, nesta visita, Beatrice estava mudada. Mais madura e
diferente do que Anthony se lembrava sendo uns anos mais jovem.
E Anthony percebeu o súbito interesse da jovem nele, que buscava
sempre chamar sua atenção, mas não a encorajara, pois não queria
se envolver com ninguém.
Naquela época, muitos casamentos de guerra eram
realizados às pressas, afinal, ninguém sabia se voltaria vivo do front.
Anthony imaginou que seu destino poderia ter sido como o de todos
eles, casando-se antes de alistar-se, como Aidan que antecipou o
casamento com Alice. Porém, a mulher com quem escolhera se
casar o traiu da forma mais vil e todos os seus planos futuros foram
desfeitos.
Agora, não lhe restava nada em seu coração a não ser
ressentimento. Era incrível que apesar de já terem se passado anos,
ainda guardava na memória a marca da decepção. Porém, pior que
o rancor e as lembranças da traição era não conseguir se livrar das
boas lembranças, que teimavam em atormentá-lo e fazer reviver
sentimentos que não deveriam nem existir mais em seu peito.
Era como uma doença crônica, que nunca tinha fim.
Desejava esquecer Lily de vez. Os momentos felizes ao seu
lado foram apenas ilusão, alimentados por promessas vazias de
seus lindos lábios, que ele beijou infinitas vezes e cujo gosto ainda
guardava na memória. Assim como o som de sua voz murmurando
seu nome com a promessa de que juntos, eles seriam perfeitos.
Porém, quisera o destino que ele descobrisse a tempo quem
ela era de verdade.
Lily nunca lhe pertenceu totalmente.
Enquanto recebia seus beijos e seus avanços, ela fazia as
mesmas promessas a outro homem.
E então, lá vinha de novo, a dor e o ressentimento. E parecia
que sua existência se resumia a este ciclo infernal, de saudade e
dor.
Por isso, não havia lugar em sua vida agora para outro
compromisso.
Porém, sua mãe, esperta que era, percebeu o interesse de
Beatrice e passara a encorajar a aproximação dos dois.
Anthony relutara, mas Josephine viera com uma conversa de
que ele não poderia ficar solteiro para sempre, que não era porque
não dera certo uma vez que teria que ficar sozinho e Beatrice era
perfeita. Era da família e estava louca por ele.
E Anthony começara a pensar se realmente não seria uma
boa ideia ficar noivo. A impressão que tinha era que jamais iria amar
outra vez. Mas e se a solução para sair daquele ciclo de sofrimento
e esquecer Lily de vez fosse se abrir a outras possibilidades?
Conhecia Beatrice a vida inteira. Ela era uma boa moça e
talvez conseguisse fazer com que esquecesse Lily, com o tempo.
Assim, antes de Anthony voltar para a guerra, pedira Beatrice
em casamento, para a felicidade da moça e de toda a família.
Josephine queria que o casamento se realizasse antes dele partir,
mas Anthony fora enfático. Só se casariam quando a guerra
terminasse.
Ele partiu de novo, deixando Beatrice à espera. Sabia que
estava fazendo a coisa certa esperando para se casar. Não seria
justo deixá-la viúva, caso algo acontecesse com ele. E Anthony
garantia a si mesmo que não tinha nada a ver com o fato de ainda
não ter certeza de que estava tomando a decisão correta.
— Ei, Doutor Crawford! — Anthony virou-se e viu um soldado
o chamando. — O senhor poderia vir comigo? Acabamos de
prender uns desertores, e tem alguns feridos.
— Certo — Anthony acompanhou o soldado e prestou
atendimento aos desertores em suas celas.
Encontrou o oficial Hamilton, responsável pela delegacia, e
lhe explicou que não eram ferimentos graves e não precisariam ser
levados ao convento que fora transformado em enfermaria.
— Obrigado, doutor. Hoje está sendo um dia agitado por
aqui.
— Mais alguém precisa ser atendido?
— Não. Junto com esses homens prendemos uma moça,
mas ela não tinha nenhum ferimento.
— Tem certeza? Se precisar posso dar uma olhada...
— É só uma companhia de soldados, se é que me entende. E
não queremos mais essas prostitutas infestando a cidade, parece
uma praga e só causam confusão. As pessoas de respeito já não
aguentam mais, e os soldados precisam focar na guerra e não
embaixo das saias das rameiras! Então, ela vai ficar presa aqui, até
que eu decida o que fazer. Embora ela insista que não é uma
prostituta. Primeiro veio com uma conversa de que era casada, mas
depois mudou o discurso e afirmou estar procurando um bandido
preso, que foi transferido para o Tennessee, Jake Dawson! Como se
isso fizesse sentido...
Mas Anthony não prestava mais atenção no resto da
conversa, só um nome fazendo sentido.
Jake Dawson.
Uma mulher estava atrás do homem com que Lily o traíra?
— E como era essa moça? — perguntou sem conseguir
resistir. Uma desconfiança fria tomando seu ser.
— Jovem e muito bonita, com cabelos e olhos castanhos
estonteantes, e parecia... bem educada, se me lembro agora.
— Qual o nome dela?
— Deixe-me ver aqui — Ele remexeu em alguns papéis. —
Lily Bennet.
O quê? O que Lily viera fazer em Savannah, no meio da
guerra?
Ela veio à procura de Jake.
Esta era a resposta. Ela se arriscara atravessando um estado
em guerra para tentar salvar o fora da lei que estava condenado à
morte.
O homem que ela amou, antes mesmo de ser obrigada a ficar
noiva dele mesmo. Anthony concluiu.
Não deveria doer mais.
Mas doeu. Ainda.
Iria doer para sempre e ele amaldiçoou Lily Bennet mais uma
vez.
Porém, ela estava presa. Fora encontrada com desertores e
por mais que ela tivesse o traído, Anthony não acreditava que teria
decido a ponto de virar uma rameira seguindo desertores. Não, ela
decerto estava falando a verdade no tocante a ter sido coagida e
segui-los.
Mas que diabos acontecera com Lily em todos aqueles anos?
Inferno. O que ele faria?
Deixar ela ali, a própria sorte?
Por um momento, cogitou fazer exatamente isso, mas, no
fundo, sabia que estava lutando consigo mesmo em uma causa
perdida.
Lily rezou para todos os santos que conhecia, estarrecida de
medo e de pavor. O que iriam fazer com ela? Condená-la, como
Jake?
Agora ela percebia como sua coragem fora na verdade em
vão. No fundo, fora tola em acreditar que poderia salvar Jake
sozinha.
Era apenas uma mulher, afinal. E estava pagando por isso.
Desacreditada de suas boas intenções e tratada como uma perdida.
Pensou em todos que precisavam dela, Candy, Rosamund,
Theo.
Pensou em Jake. Tinha vindo resgatá-lo e agora estava
quase na mesma situação que ele.
E pensou em Anthony. Perdido para sempre para ela, mesmo
antes de se meter nessa confusão. O que tinha feito da sua vida?
Quando foi que tudo começara a dar errado? Sofria por todos os
anos perdidos de uma juventude e inocência que não existiam mais.
Dias despreocupados, em que achava que seu destino seria de
amor.
— Anthony... — sussurrou seu nome como um mantra como
se assim, pudesse trazê-lo para ela novamente e fez aquilo que
sempre fazia quando sentia o desespero a tomando. Levou a mão
na gola do vestido e o abriu. Ali guardava o colar de ouro dado por
seu pai nos seus 15 anos e era onde pendurara o anel de noivado
que Anthony lhe dera. Segurou a pequena joia nas mãos crispadas,
símbolo de amor que não existia mais. Da época mais feliz da sua
vida.
Se morresse ali, só lamentaria não poder ver Anthony pelo
menos uma última vez.
— Senhora? — Lily foi tirada de seus devaneios e olhou para
o oficial abrindo a cela. — Venha comigo.
— Vão me levar para onde? — perguntou assustada.
— A senhora está livre. — O oficial sorriu para ela e Lily ficou
sem entender nada. — A sua história foi confirmada.
Lily o seguiu pelos corredores escuros até a antessala da
delegacia.
O sol se infiltrava pelas janelas e portas abertas. Sentiu uma
sensação de irrealidade a tomando e foi então que o viu. No início
achou que estivesse sonhando. Mas não, ele estava ali. Parado à
sua frente, com o olhar impassível e frio a mirá-la.
— Anthony? — Lily sussurrou seu nome como se para se
certificar que ele era de verdade.
Mas ele permaneceu sério. E foi como se tudo ao redor
deixasse de existir a não ser a sua presença. Anthony estava ali,
cantava seu coração. E nada mais importava. E daí que talvez
morresse fuzilada? Se pudesse olhar em seus olhos mais uma vez e
dizer o quanto o amava, poderia morrer feliz.
Foi tirada de seu transe pela voz do oficial.
— O senhor pode levá-la, Doutor Anthony...
Lily piscou sem entender.
— O quê?
— Pode ir, o doutor já nos contou quem é a senhora...
— Sim, já conversei com o oficial. Não sei o que estava
pensando vindo até aqui, mas deveria saber o quanto é perigoso —
Anthony respondeu friamente.
— Eu não entendo... O que disse a eles? — Lily o olhava,
confusa.
Anthony aparecera e como se não fosse o bastante, ainda a
livrava da prisão?
Se estava sonhando não queria acordar nunca.
— Sim, senhora — o oficial continuou. — Peço desculpas
por não ter acreditado na sua história e o doutor tem razão, não
deveria ter viajado sozinha. Agora pode ir. — Ele virou-se para
Anthony. — Tome conta de sua esposa!
Esposa?
Como assim esposa?
Capítulo 7

Lily ainda não conseguia acreditar no que estava


acontecendo enquanto seguia Anthony para fora da delegacia.
— Anthony, o que está acontecendo? Por que o homem disse
que...
— Eu tive que mentir pra tirar você da prisão — ele
respondeu frio.
— Mas por quê?
— O oficial não estava disposto a acreditar em sua inocência.
E como tinha inventado essa história de que era casada...
Lily o fitou, embevecida, andando ao seu lado, ignorando sua
carranca.
— Anthony, muito obrigada. Nem sabia o que seria de mim se
você não tivesse aparecido...
— Eu fiz o que tinha que ser feito.
— Eu nem acredito que estamos aqui, tendo essa conversa...
— ela falou emocionada. — Depois de tanto tempo!
Ele finalmente parou de andar e a encarou.
— Não pense que alguma coisa mudou. Eu só te tirei de uma
enrascada. Não temos mais nada em comum, Lily. E quanto antes
desaparecer da minha vida melhor. Vai voltar para Atlanta assim que
possível! — comunicou de forma sucinta, voltando a caminhar.
Lily o acompanhou, sentindo-se ferida. Machucada. Mas não
física, e sim emocionalmente.
Ali estava Anthony. Em carne e osso ao seu lado. E ele ainda
a odiava. Ainda a desprezava. Nada mudou.
E estava noivo, lembrou-se.
Não existia mais nada que os unisse agora. A não ser um
passado cheio de mágoas. E o destino os colocou de novo frente a
frente. E ela só queria saber por quê.
Sentiu um aperto no coração. Não imaginou o reencontro
deles assim. E não podia negar a si mesma que chegou a pensar
que depois de tantos anos, talvez a raiva que ele sentia dela já
estivesse pelo menos arrefecida.
— Para onde estamos indo? — Arriscou-se a perguntar.
— Para o hospital. Preciso voltar ao trabalho — respondeu
seco. — O mundo não parou por causa de sua insensatez! Sei que
gostaria de continuar a procurar pelo seu querido Jake, mas isso
não será possível no momento.
— Jake? — repetiu estupefata. Como sabia que ela tinha
vindo atrás do Jake?
— Sim, o oficial me contou o motivo da sua aventura.
Lily abaixou a cabeça, sem acreditar que mais uma vez
Anthony estava pensando que ela estivesse com Jake. Mas não era
verdade. Tinha vindo atrás de Jake porque ele ia morrer.
— Anthony, não é nada do que está pensando, se me
deixasse explicar...
— Não! — ele a interrompeu, enquanto entravam num prédio
antigo e atravessavam um pátio ensolarado. — Não me interessa.
— Eu vim atrás do Jake sim, mas...
— Chega, Lily! — Ele a encarou com tanta fúria que Lily
sentiu uma dor quase física.
— Aí está o senhor, Doutor Anthony!
Eles se viraram e uma senhora aproximava-se na direção
deles e atrás dela vinham mais três mulheres.
— Então é verdade o que estão comentando? — Uma delas
olhou curiosa para Lily. — Essa é a sua esposa?
Lily olhou para Anthony e percebeu que ele estava sem ação.
Provavelmente não atinou que a pequena mentira iria se espalhar.
— Ela é uma moça muito bonita, Anthony! — As mulheres a
cercaram sem dar tempo de Anthony ou Lily falar alguma coisa. —
Mas essas suas roupas estão velhas! Não pode ficar assim! Depois
de atravessar o estado para encontrar seu marido! Que romântico!
— Elas suspiraram e Lily teve vontade de rir.
Sim, muito romântico, se elas soubessem...
— Vamos, venha conosco.
Ela foi levada pelas senhoras sem que Anthony impedisse.

Anthony observou Lily desaparecendo de sua vista e soltou a


respiração.
A ex-noiva estava de novo na sua vida e por mais que isso o
deixasse sem ação, ele não poderia 1embr-la continuar na estrada,
com uma guerra assolando o país.
Teria de dar um jeito de ela voltar para Atlanta o quanto antes
possível, embora ainda não soubesse como. As estradas eram um
poço de perigo e Lily se arriscara demais atravessando aquele
caminho sozinha.
Para correr atrás de um bandido. Anthony pensou furioso.
O oficial havia o alertado sobre os motivos torpes de Lily para
estar viajando e Anthony teve que inventar que Jake Dawson era
um parente de sua “esposa”.
— Este Jake Dawson não é boa pessoa. Muito sorrateiro,
brigão e vivia de passar golpes nos próprios companheiros. Claro
que uma hora seria pego. E se eu fosse o senhor, tratava de
dissuadir sua esposa dessa ideia tola de 1embra1a-lo.
Anthony garantiu ao oficial que cuidaria pessoalmente de Lily,
e ele a soltou. Naquele momento, quando ela saiu da cela, o rosto
sujo, os cabelos mal presos em uma trança, as roupas gastas, Lily
era muito diferente da moça voluntariosa que conhecera e se
apaixonara entre as flores do jardim de Frank Bennet. Mas quando
os olhos da moça maltrapilha encontraram os seus, Anthony sentiu-
se engolfado da mesma maneira. Aquela ainda era Lily Bennet. Não
mais a herdeira rica, mas ainda assim a mulher que o tivera na
palma de sua mão e fizera o que quis dele pelo curto período em
que estiveram prometidos um ao outro. E quando aqueles mesmos
olhos escuros brilharam em reconhecimento e alívio, Anthony
desviou os seus, lutando para lembrar que por mais que Lily
parecesse desamparada, ela ainda era a mesma ardilosa que o
traiu. E mesmo neste momento, estava ali à procura de outro
homem.
Agora, ele voltava para os feridos, tentando esquecer que Lily
estava em algum lugar próximo, com a Senhora Delaney, a esposa
do prefeito da cidade que regia com mãos de ferro a todos no local
transformado em hospital, com a ajuda de outras carolas da cidade
que a acompanhavam.
Anthony não previra que a mentira que inventou para tirar Lily
da cadeia iria espalhar-se tão rápido. Agora se questionava como
desfazer o mal-entendido.
Porém, se contasse a verdade, Lily ainda estaria protegida?
Margareth Delaney havia persuadido o marido a fechar os
bordéis da cidade e escorraçar as prostitutas, tudo em nome da
moral e dos bons costumes. Como ele protegeria Lily, se a velha
senhora acreditasse que ela era uma mulher solteira, viajando
sozinha, à procura de um bandido?
Não, por enquanto, era melhor manter a farsa, até que
conseguisse com que Lily retornasse a Atlanta sã e salva. E assim,
ele se veria livre de sua presença de novo. E esperava, desta vez,
para sempre.

Já era noite quando Anthony finalmente voltou para o quarto


reservado a ele no convento.
Estava ali há alguns meses, como cirurgião do exército,
cuidando dos feridos e doentes, que não eram poucos e cada vez
mais em situações precárias. Ele se preocupava com a escassez de
medicamentos, como quinino, calomelano, ópio, clorofórmio, as
ataduras de linho de algodão que eram agora artigo de luxo.
Porém, a guerra não chegava ao fim. Os feridos por
baionetas e projéteis não paravam de chegar. Muitos deles estavam
morrendo sem resistência para combater as gangrenas, o tifo e a
pneumonia. Anthony lutava contra a sensação de impotência a cada
vez que tinha que dizer: “Está vendo essas listras vermelhas? Vai
ter que ser amputado, sinto muito.”. O clorofórmio de tão escasso
agora só era usado nas piores amputações e o ópio, apenas para
suavizar a morte, não a dor.
Cansado, Anthony abriu a porta do quarto e parou, surpreso
ao ver a silhueta feminina contra a janela.
Diabos, tinha esquecido que Lily estava ali.
E onde mais ela estaria, já que todos pensavam que eram
casados?
Ela virou-se e Anthony observou surpreso a mudança em sua
aparência. Não havia mais sujeira e fuligem. De fato, ela usava um
vestido diferente, de um branco virginal, os cabelos foram
arrumados como mandava a última moda e dela resplandecia um
perfume único, que ele um dia daria tudo para sentir de novo, mas
que agora apenas o angustiava.
A presença fresca dela depois de um dia duro de trabalho era
um bálsamo. E por alguns momentos deixou-se levar por velhos
sentimentos, velhos anseios e quedou-se a admirá-la. Bebendo de
sua beleza cintilante, como um homem sedento. Parada, ali,
cruzando as mãos em frente ao corpo, num gesto que denotava
uma timidez que sabia agora, não combinava em nada com ela, o
fazia querer 1emb-la nos braços e nunca mais soltar.
Mas o que ele estava pensando? Lily o havia enganado da
maneira mais vil e já fora um tolo uma vez por querê-la.
Não, Lily Bennet não ia enrolá-lo novamente.
Ela iria embora amanhã e tudo voltaria ao normal.

— Olá — Lily cumprimentou, sentindo-se pisando em ovos.


As senhoras, que depois foi informada que eram mulheres
das mais importantes famílias de Savannah, estavam ali ajudando
com os feridos. E a levaram para os aposentos, ajudaram-na a
tomar banho e se livrar de toda a sujeira da viagem e também a
emprestaram lindos vestidos, na verdade, um enxoval inteiro, já que
Lily tinha perdido toda a sua bagagem depois da última confusão.
Depois ela ficou ali, sem ter o que fazer. Esperando.
Tinha vontade de ir procurar Anthony. Colocá-lo contra a
parede e fazê-lo escutar a verdade, mas sabia que existia muitos
anos de mágoa e rancor.
Então ela o esperara. Não sabia o que aconteceria de agora
em diante. Será que ele voltaria e a mandaria de volta para Atlanta
sem nem uma palavra?
Agora estudava seu rosto sério e cansado ao entrar no
aposento. Os olhos desprovidos de qualquer calor. Suspirou,
sentindo a esperança que nem se dera conta de estar sentindo,
desaparecer. O que pensara? Que Anthony a veria assim, toda
arrumada, como ela fora antes, e que isso bastaria para derreter o
gelo do seu coração? Que jogaria tudo o que tinha acontecido para
o alto e a tomaria nos braços dizendo que ainda a amava, apesar do
tempo e da distância? Que de agora em diante nada os separaria
novamente?
Claro que não.
Anthony a desprezava e além de tudo estava noivo de outra
mulher. Este pensamento a encheu de ciúmes e lhe deu forças para
levantar a cabeça e encará-lo em desafio.
— Posso saber que decisão tomou quanto a minha presença
aqui?
Ele pareceu se surpreender com essa nova reação dela.
— Amanhã você vai embora para Atlanta.
— Não posso ir embora! Tenho que encontrar o Jake... — Ela
percebeu que não deveria ter mencionado Jake no momento que as
palavras saíram de sua boca. Mas era tarde. A expressão de
Anthony mudou da frieza para a raiva.
— Chega. Não quero ouvir mais nem uma palavra. Não me
interessa seus motivos torpes para arriscar a vida em meio à guerra,
mas não vai permanecer por aí, perigando ser pega novamente por
desertores ou coisa pior. Vai voltar para Atlanta, e ponto final.
Lily queria insistir em ao menos explicar os motivos que a
faziam querer salvar Jake. Mas o que adiantaria? Anthony já a
condenara e nada o faria mudar de ideia.
Seguira em frente. Iria se casar com outra. Talvez até
amasse a noiva e ela era apenas parte do passado, que
infelizmente, ele tinha que aturar novamente, por um acaso do
destino.
— Como queira, Anthony. — Ela ergueu o queixo, passando
por ele sentou-se à mesa. — As senhoras foram muito gentis em
prepararem o jantar. Então eu acho melhor não fazer uma desfeita.
E antes de me culpar, eu não pude contar a elas que na verdade
nós não somos casados porque só causaria mais confusão.
Ele a encarou por alguns instantes, como se fosse retrucar,
mas sentou-se à mesa à sua frente.
Enquanto jantavam em um silêncio tenso, Lily ainda absorvia
o fato insólito de que estava jantando com Anthony, o homem que
conhecera seu corpo como nenhum outro. E agora estavam
sozinhos. Em um quarto. Onde só havia uma cama. Ela mordeu os
lábios, sentindo o coração bater mais forte no peito, numa
expectativa do proibido.
Será que ele ainda lembrava que um dia tinham desejado um
ao outro com tanta ânsia que ultrapassara qualquer regra social?
Lily soltou um suspiro, a mente tomada por doces
recordações. Deixou o olhar descansar na boca masculina,
lembrando-se de seu gosto, de como ela um dia deslizara pela pele
dela, mesmo agora era como se ainda pudesse sentir as mesmas
sensações perante as lembranças. Quando seus olhares se
encontraram e se prenderam, sentiu o ar lhe faltar. A respiração
presa na garganta, o corpo trêmulo de uma antecipação saudosa.
Será que ele sentia o mesmo que ela? Será que as recordações
ainda o atormentavam? Será que gostaria de viver tudo de novo,
independentemente do que os separava?
Então Lily deu-se conta dos absurdos de seus pensamentos
e desviou o rosto para a comida. Com certeza Anthony não sentia
nada. Deveria ter seus pensamentos voltados a Beatrice, a linda
noiva de olhos azuis e cabelos loiros.
Lily apertou o copo de água com tanta força que ele se
quebrou em sua mão.
— Lily! — Só se deu conta do que estava fazendo quando
ouviu a exclamação de Anthony e em instantes ele estava ao seu
lado, tirando os cacos de vidros de sua mão — O que está fazendo,
ficou maluca?
Ele pegou sua mão e a fez levantar, levando-a até o jarro de
água e limpou o pequeno corte.
Lily nada falou. Na verdade, estava adorando tê-lo tão perto,
segurando sua mão. Podia sentir a respiração contra seus cabelos e
sem querer ela soltou um suspiro.
— Está doendo?
Levantou a cabeça e encontrou seu olhar. Estavam tão
próximos, que se ficasse nas pontas dos pés poderia beijá-lo.
Arfou quando viu os olhos dele pousarem sobre seus seios
que subiam e desciam com a respiração mais rápida. Lily sentiu o
coração bater forte no peito, todo o corpo correspondendo àquela
proximidade. Sentindo-se viva pela primeira vez em anos. A tensão
entre eles era quase palpável. A mão que segurava a sua, deslizou
quase que imperceptivelmente pela palma e Lily umedeceu os
lábios com a língua. Os olhos dele acompanharam o movimento e
se estreitaram perigosamente. Como num sonho, observou ele se
aproximar devagar e com o pulso acelerado, esperou pelo beijo.
Mas uma batida na porta se fez ouvir e o momento foi
quebrado, Anthony se afastou para abrir e uma das senhoras que a
tinha ajudado estava parada na soleira com um sorriso.
— Só vim verificar se está tudo bem. E buscar os pratos
sujos do jantar.
A mulher entrou e arrumou tudo, saindo rapidamente, mas
antes lançou um sorriso malicioso a Lily, que corou.
Sentada na beirada da cama, ela pensava no que tinha
acabado de acontecer. Ou melhor, o que tinha quase acontecido.
Anthony iria beijá-la. Vira refletido no olhar dele o mesmo
desejo que havia nos seus. E essa constatação a encheu de
esperança.
Porque ele podia odiá-la, mas ainda a desejava. E isso era
um começo. Se havia desejo ainda podia haver sentimentos. E Lily
não deixaria ele se safar sem antes fazê-lo encarar este fato. Se
Anthony ainda tinha sentimentos por ela, nem tudo estava perdido.
Abaixou a cabeça, para esconder o sorriso.
— Lily? — ele a chamou, o tom era frio novamente e Lily por
um momento pensou ter imaginado o olhar quente que tinha lhe
lançado antes da mulher os interrompê-los.
Mas ela não se enganara, algo aconteceu, por mais que
Anthony tentasse ignorar.
— Sim?
Ele cruzou os braços.
— Infelizmente terá que ficar aqui esta noite, para não
levantar suspeitas.
— Só tem uma cama... — disse o óbvio.
Anthony parecia irritado com o fato.
Lily nem um pouco, mas manteve-se séria.
— Eu dormirei na poltrona.
— Podemos dividir a cama — sugeriu de forma mais casual
possível.
— Nem preciso dizer o quanto isso é inapropriado.
Lily queria 1embra-lo que já dividiram a cama antes, mas
calou-se.
Intuía que Anthony não gostaria de ser lembrado do quão
inapropriadamente ele agira quando eram noivos.
— Oras, Anthony. Tenho certeza de que está cansado de um
dia de trabalho com os feridos e só quer dormir. Assim como eu,
depois de tudo o que passei, só desejo me deitar e descansar. Não
há nada de inapropriado nisso. Além do mais, essa situação é
temporária e atípica. Para todos aí fora, somos casados. E quem
mais teria que saber que dividimos uma cama para dormir? São
tempos de guerra, e podemos encarar o sacrifício. Se me der
licença, eu... vou me trocar.
Ela passou por ele e, pegando a camisola que as mulheres
lhe arranjaram, foi para trás do biombo.
Retirou o vestido e colocou a camisola, que ia até ao chão.
Mordeu os lábios nervosamente quando saiu. Anthony estava de
costas para ela e Lily não pôde deixar de rir.
Anthony agia como se nunca a tivesse visto de camisola,
quando já a viu totalmente nua. Bem, se ele queria ignorar o fato,
problema dele.
Ela se enfiou debaixo das cobertas e virou-se de costas para
ele.
Ouviu os movimentos pelo quarto e pensou se ele tinha tirado
a roupa. Fechou os olhos para conter a curiosidade. Ouviu o barulho
de água derramando do jarro na pequena bacia de porcelana, e
intuiu que ele estaria se limpando. Então, ouviu-o deitando-se sobre
o colchão e apagando as velas, e conseguiu voltar a respirar, mas
duvidou que conseguiria dormir. Como, por Deus, ela conseguiria
dormir com Anthony a poucos centímetros dela?
Ansiara tanto por este momento, mas já tinha perdido as
esperanças que um dia estariam juntos novamente, que dirá no
mesmo quarto! Mas a situação agora era outra. Não mais tinham um
compromisso. Sua presença era temporária. Anthony não a queria
ali. Deixara claro que a enviaria de volta a Atlanta o quanto antes. A
verdade era que, agora que o encontrara, não sentia a menor
vontade de voltar a Atlanta, ou até mesmo de prosseguir viagem,
mesmo com o coração apertado de preocupação com o destino de
Jake.
Lily ouviu a respiração compassada do homem ao seu lado,
um indício que ele adormecera.
Na certa o fato deles estarem na mesma cama novamente
não o afetava como a afetava, pensou com ressentimento. Mas
queria o quê? Que ele não resistisse e a seduzisse? Como, se nem
quando eram noivos e tiveram inúmeras oportunidades ele o fizera?
Quer dizer, houve avanços, mas nunca a ponto de se perderem
totalmente. Infelizmente. Se tivesse se entregado a Anthony, pelo
menos ela teria aquela memória. Não se importaria nem um pouco
de se perder por amor, ainda mais se soubesse que tudo ia acabar
daquela maneira.
Já que ele dormiu, tomou coragem de espiar e não, Anthony
não estava sem roupa. Ele vestia uma camisa limpa e o que Lily
achava ser as ceroulas masculinas, o que a fez ficar vermelha
mesmo assim, pela intimidade forçada.
Agora, longe de conseguir dormir, os acontecimentos do dia
voltaram à sua mente, lembrou-se do olhar de Anthony sobre ela
quando estavam próximos. Sim, ele ainda sentia algo. Mesmo que
tudo o que tivesse restado entre eles fosse apenas desejo. Ainda
era alguma coisa.
Lily agarrou-se àquele pensamento e finalmente conseguiu
adormecer. Somente para horas depois acordar sobressaltada
envolvida por pesadelos sombrios onde era perseguida pelos
mesmos homens que a tinham sequestrado. Atordoada, olhou para
o homem adormecido para se certificar de que tudo não tinha
passado de um sonho.
Sentiu o coração batendo forte, de alívio e dor. Afinal,
Anthony estava ali ao seu lado, mas não estava realmente com ela.
Dificilmente estaria, como antes. De repente, sentiu uma vontade
tão grande de tocar nele, sentir seu calor, que não se conteve e,
esticou o braço e tocou o rosto do ex-noivo, a barba por fazer
espetou-lhe a mão. Suspirando, não resistiu e deitou-se mais
próximo, observando ele dormir, ouvindo a respiração tranquila. E foi
além nos momentos roubados, deitou a cabeça no ombro
masculino, aconchegando-se a ele, sentindo o calor fluir para seu
corpo. Era assim que tinha que ser. Isso era a perfeição. Fechou os
olhos e deixou-se levar pela fantasia de que tudo estava bem, de
que eles ainda eram noivos, que ele ainda a amava. E seu mundo
voltou a ser completo.
Capítulo 8

Anthony acordou sentindo um peso quente em seu braço.


Abriu os olhos desorientado e surpreendeu-se ao perceber que Lily
dormia enroscada nele. Mas o que é que ela estava fazendo ali? De
súbito foi tomado por emoções conflitantes. A perna feminina
enlaçava a sua e ele não sabia bem como seus braços tinham ido
parar em volta dela, que dormia tranquilamente com a cabeça
encostada em seu ombro e os cabelos castanhos espalhados por
seu peito.
Anthony respirou fundo tentando conter a onda proibida de
desejo que o invadiu, mas era difícil conter o que sentia com Lily
assim tão perto. Havia acreditado jamais tê-la assim novamente.
Sim, não podia negar para si mesmo que a lembrança de seu corpo,
de seu gosto o tinha atormentado por anos a fio. Mas a recordação
daquela que fora a maior traição que já tinha sofrido o fazia voltar
para a realidade. Lily estava perdida para sempre. Mas vê-la
novamente, despertava emoções e desejos que ele julgara ter
esquecido. Sentir seu perfume diáfano pelo quarto, a voz melodiosa,
o fazia querer coisas que não podia querer mais. Sua mente a
rejeitava, mas o corpo a desejava. E sem conter-se, afastou os
cabelos do rosto perfeito, sentindo o cheiro que se desprendia deles
encher suas narinas. Respirou fundo para aplacar a ânsia de tocá-
la, de sentir o gosto de sua boca mais uma vez, de sentir o calor de
sua resposta.
Não. Ele censurou-se. Esta moça doce e quieta em seus
braços era a mesma que tripudiara de seus sentimentos. A mesma
que atravessou um país em guerra atrás de outro homem. Este
pensamento o fez voltar à realidade.
Não sabia o que ela estava pensando quando escorregou
para seu lado, mas não podia achar que ainda tinha algum poder
sobre ele. Nunca mais. Porque por mais que dissesse a si mesmo
que estava tudo esquecido, o ressentimento ainda era grande.
Jogando para o fundo da mente os pensamentos sombrios,
ele se ateve a realidade e, juntando todo o seu autocontrole,
desprendeu os braços de Lily de sua volta, mas ela suspirou ainda
no sono e aconchegou-se de novo e Anthony se viu prisioneiro
daqueles braços mais uma vez. E sem saber bem como aconteceu,
em um instante Anthony estava tentando afastá-la e no outro Lily
capturava a sua boca, beijando-o. Surpreendido, Anthony resistiu
por apenas um momento, mas a fome que tinha dela era mais forte
e correspondeu ao beijo, a loucura apossando-se dele. Era um beijo
selvagem, intenso. Por quanto tempo sonhara em beijá-la assim, tê-
la de novo em seus braços, embriagar-se com seus beijos? Os
lábios sobre os seus eram quentes e tão famintos quanto os dele, o
que fez aumentar seu desvario. Mas Lily sussurrou seu nome, e
Anthony deu-se conta do que estava fazendo, soltando-a. Lily ainda
tentou segurá-lo, mas ele a afastou e ela finalmente abriu os olhos.

Por alguns instantes Lily achou que estivesse sonhando, mas


soube no momento seguinte que era real, Anthony a beijou. E foi
como antigamente, suas bocas se encontrando num frenesi de
paixão. Mas agora ele a encarava friamente e ela sentiu-se gelar.
Anthony afastou-se como se tivesse alguma doença contagiosa, e
Lily encolheu-se sentindo a pior das criaturas. Não tinha pensado
muito no que estava fazendo quando o beijara. Agira por instinto ao
ver-se perto dele. Fora natural, abraçá-lo e juntar suas bocas. E por
alguns instantes chegou a pensar que ele não iria resistir. Mas ele
resistira e Lily sentia-se mais péssima do que antes.
Anthony desapareceu de sua vista para aparecer momentos
depois totalmente vestido e sem uma palavra, saindo do quarto a
deixando sozinha. Lily deixou a derrota a dominar por alguns
instantes, mas logo se refez do golpe. Anthony não podia tratá-la
assim.
Não era a menina tola que ele conhecera um dia. E iria
mostrar-lhe isso.
Dando-se conta de que Anthony não iria voltar, Lily se vestiu
e saiu para o pátio ensolarado. O movimento ali era grande e ela se
perguntou onde ele estaria, mas não precisou andar muito para
saber. Numa grande sala cheia de macas, vários feridos
repousavam. Perscrutou com o olhar e o encontrou ocupado,
atendendo-os.
— Senhora Crawford?
Lily virou-se para a senhora que vinha em sua direção,
achando extremamente bom ser chamada de Senhora Crawford.
— A senhora pode me chamar de Lily.
— Acho que deveria estar descansando. Tenho certeza de
que o Doutor Anthony não gostaria de vê-la aqui.
Lily teve vontade de dizer que não se importava nem um
pouco com o que Anthony pensava, mas se calou e sorriu.
— Eu não gosto de ficar sem nada pra fazer.
— Mas depois do que sofreu precisa repousar.
— Não estou doente. E aqui há pessoas que precisam de
ajuda.
— Eu não sei, tenho que falar com o Doutor Anthony...
— Deixa que com ele eu me entendo!
— Então se quer ajudar, pegue aquela pilha de ampolas e
leve para a outra sala... — A mulher passou algumas instruções e
Lily começou a trabalhar.
Não topou com Anthony até que uma das enfermeiras avisou
que havia uma emergência. Um homem teria a perna amputada. E
ninguém queria ir lá ajudar. Lily apressou-se em direção à sala onde
o homem estava e Anthony levantou os olhos e a viu.
— O que está fazendo aqui?
— Vim ajudar.
— Você? — Ele parecia incrédulo. — Lily, não tenho tempo
para bobagens agora!
— Eu também não! — respondeu, se posicionando para
ajudá-lo.
Eles se encararam por alguns instantes como dois galos de
briga, então Anthony sacudiu a cabeça e começou a preparar o
ferido.
No momento em que posicionou a perna do homem, ele
olhou para Lily.
Ela estava pálida, mas em seu olhar havia uma expressão de
determinação.
— Espero que não desmaie agora.
— Pode prosseguir, Doutor Anthony — Lily respondeu
decidida e voltou a atenção para o pobre homem que iria perder a
perna. Ele tinha um olhar perdido de resignação e sem pensar, Lily
segurou sua mão e lançou a ele um sorriso.
— Sinto muito, mas você vai ficar bem — sussurrou.
Anthony observou a cena calado e a fitou como se fosse
dizer alguma coisa, mas abaixou a cabeça e o serviço foi feito.

Lily caminhou pelo pátio até chegar ao quarto. Estava


cansada e deprimida. Já tinha cuidado de inúmeros feridos antes,
quando estava no convento, mas nunca antes tinha presenciado um
homem perder uma perna tão de perto. E por mais que tivesse
demonstrado força, a verdade era que ficou abalada. Somente a
vontade de mostrar a Anthony que era forte a obrigou a permanecer
ali. E depois de tudo, ele ainda a encarava com frieza e a mandara
voltar ao quarto.
Porém Lily ficou indignada com aquela atitude e virando-lhe
as costas, afastou-se sem ao menos lhe dar tempo de falar e
prosseguiu com a ajuda aos feridos. Seus olhares se cruzavam de
vez em quando, mas Lily o ignorava. Estava com raiva. Muita raiva.
Entrou no quarto e deu vivas ao ver que tinham lhe preparado
um banho.
Banhou-se rapidamente, pois temia que Anthony aparecesse
e colocou a camisola. As senhoras trouxeram o jantar e nada de
Anthony aparecer. Antes de adormecer, ela lembrou-se que nem
conversou com ele sobre a sua partida.
Anthony voltou tarde para o aposento. Depois que acabara
de atender todos os feridos, ele foi à procura do general dos
confederados ali em Savannah para ver a possibilidade de Lily voltar
a Atlanta, mas não teve sucesso. Toda a infantaria estava em
combate não muito longe dali e ele não poderia recrutar ninguém
para acompanhar Lily.
Isso significava que Anthony teria que aguentá-la ali por
tempo indeterminado. Se pelo menos não tivesse inventado aquela
pequena farsa, talvez tudo fosse mais fácil.
Abriu a porta, já preparado para um embate. Depois do
episódio da amputação, ela o ignorara solenemente, provavelmente
não tinha gostado nada do jeito frio com que ele a tratara. Mas,
inferno, ele não conseguia agir de outra maneira. Ela o exasperava.
E o excitava. E era isso que o tirava mais do sério.
Mas ela dormia tranquilamente. Anthony encarou o rosto
pálido, os cabelos castanhos espalhados pelo travesseiro e sentiu
um baque no peito. Ainda não sabia como sobreviveria a outra
incursão dela em sua vida.
Com um suspiro cansado, aproveitou que ainda havia água
na tina e banhou-se. Depois, ajeitou as cobertas sobre Lily, apagou
as velas e tentou dormir. Rezando para que ela não tivesse a ideia
descabida de deitar-se agarrada a ele novamente, pois não saberia
se teria forças para resistir desta vez.
Porém, Anthony não conseguiu dormir. Permaneceu
acordado, apesar do cansaço, ouvindo a respiração compassada de
Lily. Pensava em como se surpreendera quando a vira ajudando a
cuidar dos feridos. A Lily mimada que conhecera não combinava
com a imagem de enfermeira voluntária. Ela havia mudado, teve
que admitir. Alguma coisa nela estava diferente. Mais determinada,
mais sagaz. Mais mulher. E mais linda do que nunca. Se é que era
possível.
Anthony socou o travesseiro. Tinha que arranjar um jeito de
afastá-la dali antes que perdesse a luta contra Lily Bennet e fizesse
papel de idiota de novo.
Capítulo 9

Assim, eles acabaram estabelecendo uma rotina, que não se


podia chamar de perfeita, mas pelo menos era conveniente a
ambos.
Naquela primeira manhã após chegar e encontrá-la
adormecida, quando acordou, Anthony se surpreendeu ao não ver
Lily na cama. Ele saiu para o sol da manhã e foi direto ao salão
principal e para sua surpresa lá estava ela, entretida junto a outras
senhoras voluntárias como enfermeira, ajudando os feridos. Seus
olhares se encontraram e ele viu o desafio brilhando no fundo das
íris castanhas. Anthony teve vontade de mandá-la voltar ao quarto,
porque não estava satisfeito em ter Lily a suas vistas o dia inteiro,
quando o que desejava era fingir que ela não existia, mas não iria
começar mais uma discussão tendo tanto a fazer, então apenas
meneou a cabeça e seguiu ao trabalho, ignorando-a. Se ela queria
ficar ali, não podia impedi-la.
Além do mais, conforme foi passando o dia, ele percebeu
que Lily era de grande serventia, para sua surpresa, tinha
experiência em cuidar dos feridos e estava ajudando muito no
trabalho. Quase valia a pena o transtorno que causava em suas
emoções, pois mesmo fazendo um esforço para concentrar-se no
trabalho, seu olhar começava a perscrutar o local à procura da ex-
noiva, sem que conseguisse se conter, a todo momento.
Além do mais, pior do que os dias eram as noites.
Ele permanecia com os feridos até tarde, mesmo depois de
Lily se recolher, na esperança de que, quando chegasse ao quarto
ela já estivesse adormecida e no fim, isso sempre acontecia, o que
era um grande alívio, pois não tinha que travar nenhuma conversa
com ela. Claro que o fato de ter que se deitar ao seu lado, noite
após noite, era um suplício que não ficava melhor com o passar do
tempo. O que reforçava sua convicção de que, mesmo sendo uma
excelente enfermeira, Lily precisava partir assim que possível.

Lily observou Anthony de longe e sentiu uma pontada de


pesar. Queria estar acordada quando ele chegava à noite.
Precisavam conversar a sério. Porque não podia deixar a situação
do jeito que estava, tinha que contar a ele por que estava atrás de
Jake. Mesmo que ele não quisesse ouvir.
Deixou as ampolas em cima do balcão e de repente sentiu-se
muito cansada. Lembrou que não tinha comido nada o dia inteiro, na
ânsia de mostrar a Anthony que era capaz de fazer algo útil.
De repente sentiu a vista escurecer e o chão fugir aos seus
pés, as vozes foram ficando cada vez mais distantes e ela
desmaiou.

— Ai meu Deus! — alguém gritou e Anthony virou-se,


pensando ser mais um ferido chegando, mas assustou-se ao ver Lily
caída no chão. Sentindo o coração falhando, ele correu até ela.
— Lily... — Ele tomou sua pulsação, que estava muito fraca,
o rosto branco igual a papel. Ele a pegou nos braços, preocupado e
a levou para o quarto. Pousou-a suavemente sobre a cama. O rosto
atormentado pela culpa. Então ela começou a acordar.
— Graças a Deus. Você está bem?
— O que aconteceu?
— Você desmaiou e...
— Desmaiei? Não acredito! — Fez uma careta então se
lembrou. — Mas você não podia estar aqui! Tem que cuidar dos
feridos e... Eu também não deveria estar aqui! — Agitou-se.
— Não! — Ele a impediu de se levantar. — Já fez demais por
hoje. Precisa descansar.
Lily o encarou, dando-se conta subitamente que pela primeira
vez em dias Anthony estava falando com ela, sem ser para dar
bronca ou para reclamar de algo. E não pôde evitar sentir uma
alegria por dentro. Ele estava preocupado com ela. E essa
constatação aqueceu seu coração ferido.
— Tudo bem. Eu vou descansar. — Recostou-se novamente,
satisfeita.
Mas, de alguma maneira, Anthony pareceu perceber o que
ela estava pensando porque fechou a cara e suas próximas
palavras saíram em um tom frio.
— Não quero ter que cuidar de mais um paciente. Já tenho
muito que fazer para ainda ter que me preocupar com você.
O sorriso de Lily se desfez, enquanto ele saiu do quarto.
— Grosso!
Porém, Lily prometeu a si mesma que não ia ficar assim. Hoje
teriam a conversa que estava adiando. Iria falar umas boas
verdades a Anthony Crawford. Ele não perdia por esperar.

Naquela noite, ela se esforçou para permanecer acordada e


quando Anthony entrou no quarto surpreendeu-se ao encontrá-la de
pé, ainda vestida e com os braços cruzados.
— Anthony, precisamos ter uma conversa.
— O quê?
— Precisamos esclarecer alguns pontos.
— Nós não precisamos fazer nada, Lily.
— Sim, precisamos. Ou melhor, eu preciso! Antes que me
mande de volta para Atlanta, antes que saia da minha vida de novo,
existem algumas coisas que precisam ser ditas.
— Não temos nada pra falar! — ele insistiu.
Ela rodeou a cama e sentou-se.
— Não tenho culpa de você estar com medo!
— Medo?
— Sim, medo. Não quer ouvir o que tenho a dizer porque
está tão disposto a acreditar nas suas verdades absolutas, com
tanta certeza de que fez a coisa certa quando...
— Chega, Lily!
Ela respirou fundo. Não era assim que pretendia abordar o
assunto.
— Tudo bem. Mas a hora de falarmos sobre isso, nem que
seja pela última vez, irá chegar!
— Tem razão, mas estou cansado e está tarde, então se
pudermos adiar essa discussão eu agradeceria.
— Tudo bem. — Ela acabou concordando, porque o
semblante de Anthony deixava claro toda a sua exaustão e por mais
que ela quisesse insistir, talvez este ainda não fosse o momento.
— Eu... Vou me trocar. Depois você vai!
Ela entrou no biombo e tirou toda a roupa. Pensou como
Anthony reagiria se ela saísse totalmente nua dali e desfilasse na
frente dele. Queria ter coragem para fazer exatamente isso, mas
não queria que ele a acusasse de oferecida e outras coisas mais.
Queria lhe provar que tinha amadurecido.
Quando saiu do biombo, Anthony estava de costas, quando
ela puxou as cobertas sobre si. Minutos depois ouviu os movimentos
dele se deitando, mas desta vez ele parecia estar tão sem sono
quanto ela.
Num impulso, Lily deitou-se de costas mirando o teto.
— Anthony? — chamou-o e teve como resposta apenas o
silêncio. Por alguns instantes achou que ele iria ignorá-la, mas
depois de soltar um suspiro de impaciência ele resolveu falar,
embora num tom de severa impaciência.
— O que é?
— Você ainda lembra?
— Lembro do quê?
— De como era nós dois juntos? — ela perguntou fechando
os olhos.
— Não quero falar sobre isto, Lily.
— Então você lembra? — Ela virou de lado, apoiando a
cabeça nas mãos e o fitando. Ele também estava deitado olhando
para o teto.
— Lily...
— Porque eu me lembro de tudo. De como você me beijava...

— Pare!
Mas ela não parou e adquirindo um ar sonhador, continuou.
— Eu nunca tinha sido beijada antes de você me beijar
naquele baile e eu pensei, Por que nunca me disseram que um beijo
podia ser tão bom? E ansiei que me beijasse de novo e de novo. E
quando me beijou novamente no celeiro foi... — Ela soltou um
suspiro profundo.
Lily deitou-se de costas novamente, olhando para o teto.
Deixando as lembranças tomarem sua mente, seu corpo, seu
coração.
— Você me fazia sentir... Tantas coisas novas. Coisas que eu
nem sabia que existiam e cada vez que me olhava, eu me sentia
derreter e ansiava por ter suas mãos em mim novamente, como
naquela noite, você lembra, Anthony?
Ela olhou para ele de novo. Mas Anthony continuava
impassível.
— Eu desejei por todos esses anos que estivéssemos juntos
novamente, sentir as mesmas sensações que me fez sentir naquela
noite. Desejei... — A voz dela não era mais que um sussurro e ela
ouviu Anthony respirar fundo e soube que ele não era tão indiferente
como estava tentando aparentar. — Sabe o que eu queria naquela
ocasião, Anthony? Queria que você mandasse as convenções às
favas e me possuísse, queria sentir seu toque em todos os lugares,
seus lábios...
— Chega Lily! — ele gritou e Lily decidiu que já era hora de
parar.
— Tudo bem! Boa noite, Anthony!
Ela virou de costas e abafou o riso no travesseiro. Tinha
ganhado uma batalha. Anthony não conseguiria resistir por muito
tempo.
E Lily iria lhe mostrar o que estava perdendo mantendo-se
longe dela.
Queria que ele a amasse de novo e lutaria por isso.

***
— Você vai embora hoje!
— Como assim, vou embora?
Lily andava pelas ruas de Savannah quase correndo atrás de
Anthony que lhe pedira esta manhã para acompanhá-lo até a base
do exército confederado na cidade.
— Eu avisei que não poderia ficar aqui.
— Mas não posso ir! Falei pra você que tinha uma missão...
— Mesmo que seu intuito de achar Jake tivesse ficado esquecido
desde que chegara ali.
Doía pensar que Jake estava condenado e ainda rezava para
que houvesse uma maneira dele se salvar, mas Lily já entendera
que havia pouco ou quase nada que ela mesma pudesse fazer.
Porém, agora que reencontrara Anthony, sua missão era
outra.
Era fazer com que ele se apaixonasse por ela de novo.
— Chega, Lily! — Ele continuou andando e a Lily não restou
alternativa a não ser acompanhá-lo, mas sua mente já trabalhava
tentando achar uma saída.
Não podia ir embora. Não ainda.
O oficial Hamilton cumprimentou Anthony e Lily efusivamente.
— Infelizmente a situação continua a mesma, Anthony.
— Mas preciso mandar a Lily de volta para Atlanta!
Lily bufou, cruzando os braços, o que chamou a atenção do
general.
— Por que tenho a impressão de que a senhora não quer
fazer essa viagem?
— Não, não quero. Eu falei para o Anthony, não é querido?
— ela enfatizou o “querido”, irônica, mas o general pareceu não
notar.
— Anthony, se me permite um conselho. Não é seguro viajar
pelas estradas neste período. Mesmo com escolta militar, sua
senhora corre perigo.
— Eu sei do perigo! Mas aqui também é perigoso e seria
melhor para ela que voltasse para Atlanta — Anthony respondeu
ignorando a carranca de Lily.
— Se é essa sua decisão, então assim que tiver alguém
disponível, eu o comunicarei.
Anthony levantou-se para sair.
— Vamos, Lily.
— Eu ainda preciso perguntar uma coisa ao oficial. — Lily
virou-se para o homem. — Será que teria como obter notícias do
homem do qual te falei, que está preso, o nome dele é...
Ela não conseguiu terminar a sentença, porque Anthony a
pegava pelo braço e a arrastava porta afora.
— Ei! Me solta!
Mas de nada adiantou, ele não a soltou até que estivessem
na rua.
— Quando foi que se tornou tão bruto?
— Acho bom parar de me irritar, Lily.
— Este seu comportamento de homem das cavernas é
ridículo! Eu ia aproveitar para perguntar a ele sobre o Jake!
— Eu quero que pense, pelo menos por um instante, como a
pessoa sensata que diz ser e não como a menina mimada que
ainda é — ele falou baixo num tom ameaçador.
— Como é que é?
— Ficar por aí perguntando sobre Jake Dawson só fará as
pessoas desconfiarem dessa nossa pequena farsa.
— Ah, entendi! Você não quer que a sua suposta esposa
fique por aí perguntando sobre outro, não é?
— Lily...
— Quer saber? Quem está cansada dessa sua atitude sou
eu! Se pelo menos me ouvisse...
— Aí estão os pombinhos!
Anthony e Lily viraram ao mesmo tempo ao ouvir a voz da
Senhora Delaney.
— Olá, Senhora Delaney. — Lily sorriu e deu uma cutucada
em Anthony.
— Bom dia — ele falou sério.
A mulher olhou de um para o outro, confusa.
— Vocês não estavam brigando, estavam?
— Nós? Claro que não! Quer dizer... — Lily passou o braço
pelo de Anthony. — Briguinha de casal. A senhora entende, não é?
— Lily sorriu e a mulher deu uma piscadinha maliciosa.
— Sim, sim! Eu queria mesmo encontrar com vocês, pois terá
um jantar hoje na minha casa e vocês estão convidados.
— Senhora Delaney, não podemos ir... — Anthony tentou
declinar do convite.
— Mas é claro que pode! Tem que apresentar a sua esposa à
sociedade! Coitadinha, presa o dia inteiro naquele hospital, uma
moça tão bonita! Não aceito um não como resposta! Vejo vocês hoje
à noite.
A mulher se afastou e Lily desfez o sorriso e encarou
Anthony.
— Onde estávamos mesmo?
— Eu não quero mais discutir. Agora vamos. Depois dessa
sua encenação, acho que temos um maldito jantar pela frente!
Capítulo 10

Naquela noite, Lily tentava, sem sucesso, fechar o vestido,


porém, os botões nas costas tornavam a tarefa impossível. Parou os
movimentos, desistindo e percebendo que precisaria pedir a
Anthony que fechasse para ela.
Não tinha lhe dirigido a palavra desde o episódio da manhã,
irritada não só com a insistência em não querer ouvi-la, como
também por ignorá-la quando tudo o que mais queria era chamar-
lhe a atenção.
Quando saiu de trás do biombo fitou Anthony um tanto
vermelha.
— Eu preciso... Você poderia... Ajudar-me a fechar meu
vestido?
Ele a encarou por alguns instantes, como se fosse ignorar
seu pedido, mas com um suspiro de impaciência, aproximou-se e
Lily virou de costas. Anthony começou a fechar os minúsculos
botões que adornavam toda a parte de trás do vestido. Os dedos
roçavam levemente em sua pele, e Lily podia sentir o seu calor
mesmo por cima do espartilho fino, causando-lhe arrepios. As mãos
masculinas subiam firmes, e ela levantou os cabelos, para facilitar o
acesso aos últimos botões. Quando Anthony terminou de fechar o
vestido, manteve as mãos nos ombros de Lily por alguns instantes
fugidios, fazendo o coração dela dar um pulo no peito de esperança
que se tornou vã, pois o momento passou e ele se afastou.
Lily sorriu conformada, escondendo a tristeza.
— Vou ajeitar meus cabelos.
— Claro, eu espero lá fora.
Quando ele saiu, o sorriso morreu em seu rosto e ela fez um
coque simples no cabelo, já que não possuía muita habilidade para
fazer um penteado elaborado sozinha.
Pensou em quanto tempo fazia desde que comparecera a um
evento formal. Muitos anos, certamente. Antes da guerra. Quando
seu pai ainda era vivo e ela era a herdeira mais cobiçada nos bailes.
Pelo menos até um certo médico do norte conseguir o que nenhum
outro conseguira até então: colocar um anel de noivado no dedo de
Lily Rose Bennet.
Agora Lily tocou o anel ainda pendurado no colar entre seus
seios. E decidiu tirá-lo, já que o decote do vestido era pronunciado e
não queria responder perguntas indesejadas. Cogitou colocá-lo no
dedo, mas não parecia certo, já que ele não tinha mais o significado
que tinha antes.
Com um suspiro triste, ela tirou o colar e guardou junto com o
anel na gaveta da cômoda simples do quarto.
Talvez pudesse se divertir um pouco neste jantar. Fingir que
ainda era a antiga Lily e que era feliz.

O jantar transcorria como uma tortura. Anthony fitou Lily


através dos olhos perscrutadores. Ela mal falara com ele desde o
episódio no quartel. Mas o que esperava? Que a mantivesse em
Savannah? E ainda por cima teve o desplante de perguntar sobre
Jake Dawson! Só de lembrar, Anthony sentia-se fervilhando de
raiva. E ciúme.
Lembrou-se dela saindo de trás do biombo, resplandecente
em seu vestido verde. E tê-la tão perto para ajudar a fechar os
pequeninos botões fez um estrago em sua determinação de se
manter a salvo do desejo proibido que ela lhe despertava. Teve
vontade de arrancar o vestido dela para contemplar de novo aquele
corpo que o atormentava em lembranças. Lembranças essas
revividas pelas palavras de Lily na outra noite.
Só Deus sabia como tinha conseguido manter-se impassível
diante das profusões de memórias que Lily evocara. Era como se
ainda pudesse sentir sobre os dedos o calor do corpo, o gosto de
sua pele, o esplendor de seus seios alvos ao seu alcance. Sentiu a
pulsação acelerar com as imagens que se formavam em sua mente,
Anthony interrompeu o caminho que seus pensamentos tomavam.
Lily tinha que partir. Quanto antes. Pois resistir estava cada vez
mais difícil. Ela o provocava com seu riso, seu olhar ora calmo como
as águas profundas do oceano, ora tempestuosos como se
antevisse uma explosão. Era um olhar de fogo que evocava os
instintos mais profundos de Anthony. Instintos que julgava
adormecido.
— Está se sentindo melhor, querida? — Anthony foi tirado
de seus devaneios pela voz estridente da Senhora Delaney que
perguntava algo a Lily.
— O quê? — Lily devolveu a pergunta, parecendo confusa.
Anthony observou que ela já tinha esvaziado dois cálices de
vinho e parecia estar com o rosto vermelho.
— Você desmaiou ontem, fiquei muito preocupada.
— Ah, isso. Sim, estou me sentindo bem agora — Lily
respondeu com um sorriso educado.
— Que bom! Mas de qualquer maneira, foi muito estranho! —
outra senhora comentou. — Ninguém desmaia assim do nada! A
não ser... — E a mulher trocou olhares com outra senhora antes de
completar. — Que estivesse grávida!
Anthony engasgou com o vinho ao ouvir a constatação
absurda e Lily começou a rir. No início um riso abafado, como se
tivesse ouvido algo engraçado. E para espanto das senhoras
presentes e dele mesmo, ela começou a gargalhar a toda altura.
Jogando a cabeça pra trás, ria colocando a mão na barriga.
— Querida, o que dissemos de errado? — a senhora indagou
confusa, e Anthony encarou Lily, severo. Ela enxugou as lágrimas
de tanto rir e respirou fundo.
— Desculpe-me. Mas acho que essa ideia é, digamos, muito
improvável! — ela encarou Anthony cinicamente — Não é, querido?

Anthony percebeu que provavelmente o vinho já estivesse


fazendo efeito nela.
— Como assim improvável? — a mulher insistiu.
— Por favor, Molly, acho que estamos constrangendo o casal
— a Senhora Delaney interpretou. — E não é uma conversa
apropriada de fato.
E a conversa voltou a girar em volta de outros assuntos.
O resto da noite foi uma interminável sucessão de brindes e
discursos inflamados dos homens sobre a guerra.
— Já dizia Napoleão: Deus está do lado do exército
vencedor!
E mais vivas eram dados.
Anthony observou Lily beber um copo após o outro e ficar
cada vez mais alterada.
— Não acha que bebeu demais? — Tentou fazê-la parar, mas
ela o encarou com os olhos faiscantes e em resposta pegou outra
taça.
— Não é meu marido de verdade para dizer como devo me
comportar! — cochichou, afastando-se.
Finalmente os convidados começaram a se dispersar e
Anthony deu a noite por encerrada.
Lily ria, sem parar, prestando atenção nas anedotas de um
velho senhor. Ele atravessou a sala e a pegou pelo braço.
— Vamos, Lily.
— Não! Eu não quero ir!
Anthony não lhe deu ouvidos e retirando a taça de suas mãos
a fez ficar de pé e saiu quase a arrastando até a rua.
— Me solta! Não queria ir embora, estava tão divertido! — Ela
se desvencilhou, rindo debilmente e tropeçou e Anthony a amparou.
— Você está bêbeda!
Ela sorriu.
— Sim! Não é maravilhoso? Sinto-me tão leve! — Ela se
desvencilhou novamente e abriu os braços rodopiando pela rua e
desfazendo o coque dos cabelos.
— Lily... — Anthony começou a repreender e ela o fitou. Os
cabelos caiam como um manto escuro pelos ombros delicados e
Anthony sentiu uma onda de desejo transpassá-lo.
— Por que está tão sério, Anthony?
— Porque você está embriagada.
— E daí? — Ela deu de ombros andando até ele. — Sabe o
que eu queria fazer agora? Queria tirar as minhas roupas e pular
num rio! Tem um rio aqui perto não tem?
Ela saiu andando como se procurasse avistar um rio a
qualquer momento.
— Lily, volte aqui — Anthony a seguiu.
— Não seja chato! Você podia ficar nu também, assim veria
como fica sem roupa! Podemos nadar nus à luz do luar!
Anthony tentou não se afetar pela imagem evocada pelas
palavras de Lily que se formavam em sua mente e manter a lucidez,
mas ela o encarava através dos olhos semicerrados, as faces
vermelhas, os seios ofegantes por baixo do decote do vestido.
Sorrindo, virou-se e continuou a andar, tropeçando novamente e ia
cair se Anthony não a segurasse e, cansado de tentar detê-la, a
ergueu no colo, indo em direção ao convento.
Lily se aconchegou em seus braços, submissa e ele pensou
se finalmente teria se acalmado, mas ao adentrar no quarto e a
colocar na cama, abriu os olhos confusos e o encarou.
— Estou me sentindo tão tonta...
— Isso são as consequências do vinho — ele falou sarcástico
e tirou-lhe os sapatos.
— Vai me despir, Anthony? — sugeriu num tom sedutor.
— Para com isso, Lily — repreendeu-a, mas sabia que teria
que tirar aquelas roupas dela para livrá-la do espartilho apertado.
Conformado, a puxou para que ao menos se sentasse, e ele
pudesse abrir os botões do vestido. O tempo todo ela ria, mas
deixava-se despir fracamente. E Anthony finalmente conseguiu
arrancar o vestido e deixá-la apenas de espartilho e a peça íntima
cheia de babados que ia até os joelhos. Agora vinha a parte mais
difícil: o espartilho. Por baixo dele podia entrever os seios alvos e
Anthony sentiu a pulsação acelerar-se.
Controle-se Anthony. Censurou-se enquanto colocava o
vestido numa cadeira, mas quando se virou novamente,
surpreendeu-se ao se deparar com Lily recostada nos travesseiros,
já sem o espartilho, os cabelos castanhos espalhados contrastando
com a alvura dos lençóis e os seus seios alvos libertos.
E Anthony teve dificuldade de continuar pensando
racionalmente. Aproximou-se e tentou manter a mente sob controle,
com o firme intuito de cobri-la, mas Lily o encarou com os olhos
cheios de promessas e ajoelhou-se no colchão, aproximando o
corpo do dele, tentadora.
Anthony sentiu as forças se esvaindo e o pulso acelerando.
— Anthony... — ela sussurrou, segurando sua mão e a
levando a um seio — toque-me...
Anthony sentiu a mente entrando em colapso por um
instante, entre o que deveria fazer e o que queria fazer. A mão se
fechou em volta do seio firme, como se tivesse vontade própria, os
dedos acariciando o mamilo duro e Lily gemeu, fechando os olhos e
os lábios entreabertos num ofegar trêmulo. Ele sentiu o próprio
desejo explodindo sem que conseguisse conter-se, e aproximou-se
mais, respirando em sua boca, sentindo o gosto dela em sua língua.
Lily abriu os olhos e Anthony se perdeu neles.
— Beije-me, Anthony...
— Que se dane! — Anthony capitulou, e, com um gemido de
rendição, colidiu os lábios com os dela. Mandando o controle para o
inferno, segurou-lhe o rosto entre as mãos e aprofundou o beijo ao
ouvir Lily gemer baixinho. Rendido, desceu as mãos por suas
costas, apertando suas nádegas e a trouxe para junto de si, colando
seus quadris. Sua ereção desperta doía na ânsia de quebrar todas
as regras e estar dentro dela. Agora.
E quando levantou a cabeça para encará-la, ela sorriu.
— Eu sabia que você ainda me queria... eu sabia... —
sussurrou e Anthony caiu na real.
Que inferno, o que estava fazendo?
Ele a soltou como se ela queimasse, e Lily caiu para trás. Por
um momento, achou que ela iria se levantar e continuar sua
sedução, mas Lily suspirou e fechando os olhos, caiu no sono
imediatamente.
— Lily? — Ainda a chamou, mas ela apenas gemeu
debilmente e aconchegou-se mais ao travesseiro.
Anthony soltou um suspiro de alívio e, que Deus o perdoasse,
de pesar.
Mas respirou fundo várias vezes, acalmando-se e finalmente
encarou o rosto tranquilo no sono e sentiu uma onda de ternura
dominá-lo. A beleza de Lily o sufocando de emoção uma vez mais.
Soltando uma imprecação, a cobriu com o lençol.
Despindo-se ele próprio, deitou-se e fitou o teto. Não
adiantava se enganar. Ainda guardava sentimentos fortes pela moça
que dormia serenamente ao seu lado.
Todavia, tinha que esquecê-la. Por tudo o que ocorrera e pelo
que eram agora. Não podiam recomeçar de onde tinham parado.
Muitos anos haviam se passado e muita mágoa e ressentimento
ainda habitavam entre eles. E agora ele tinha Beatrice.
De repente se deu conta de que por todos esses dias, não
tinha pensado na noiva. Para ser mais preciso, desde que Lily
voltara a sua vida como um furacão. Sentiu-se mal e com remorsos
ao pensar que quase se deixara levar pelo desejo e possuíra Lily.
Era imperativo que a ex-noiva partisse o mais rápido possível.
Capítulo 11

Lily acordou desorientada. Abriu os olhos apenas para os


fechar logo em seguida, ofuscada com a luz, levou a mão à testa
que latejava e gemeu, tentando sentar-se. Na boca um gosto
amargo e a cabeça girava. Finalmente conseguiu abrir os olhos e
focalizar o quarto e a primeira coisa que viu foi Anthony parado em
frente à cama.
— Você está bem? — ele perguntou sério.
— Sim, eu... — ela ia responder que não havia motivo para
não estar bem, mas sentiu uma onda de náusea e recostou-se nos
travesseiros de novo, gemendo. — Não, a minha cabeça está
explodindo...
Então de repente, recortes dos acontecimentos da noite
passada passaram por sua mente. O jantar na casa da Senhora
Delaney, depois se sentira tão bem, tão leve. E o que tinha
acontecido depois? Anthony a trouxe para casa. Ela arregalou os
olhos, só então reparando que estava quase nua embaixo no lençol.
Encarou Anthony, confusa e foi acometida por imagens dele a
beijando e... nada. Ela não lembrava de mais nada. Seria possível
que o que mais queria tivesse acontecido? Será que finalmente
tinha se entregado a Anthony? E nem se lembrava?
Fez uma careta, mortificada. Não podia acreditar que tinha
feito amor com Anthony e não se lembrava de nada!
— Eu... quer dizer... nós... — gaguejou mortificada.
Anthony tinha o semblante indecifrável e Lily sentiu-se pior
ainda.
— O que aconteceu ontem à noite?
— Você bebeu vinho além da conta.
— Disso eu me lembro! O que eu quero saber é se... —
Enrubesceu.
— Pode ficar tranquila. Nada aconteceu.
Lily respirou aliviada.
— Eu tenho que ir. Fique aqui hoje, descansando. Não me
parece nada bem — ordenou e saiu do quarto sem dar tempo de
Lily responder.
Ela não sabia o que pensar ou sentir. Sim, estava aliviada por
nada ter acontecido, mas não por causa de qualquer convenção, e
sim porque estava embriagada o bastante para não se lembrar de
nada. Era mesmo uma idiota. Porque se lembrava dele a beijando, a
tocando. Então por que tinha parado? Não a quisera o suficiente?
Será que se enganara em achar que ainda havia algum sentimento
dele por ela?
Lily suspirou e deitou-se fechando os olhos. Pelo menos ele a
tinha beijado, pensou sorrindo consigo mesma.

Naquele dia, Anthony evitou Lily a todo custo enquanto


cuidavam dos feridos que não paravam de chegar aos montes.
Anthony estava farto daquela guerra que não tinha fim, e que,
prometera glória ao sul, mas só trouxe mortes e sofrimentos. Às
vezes, desejava fazer como Elliot, que largara tudo para trás e fugira
para o México há alguns meses, o que abalara os pais, mas, no
fundo, talvez eles estivessem aliviados por saber que Elliot pelo
menos não morreria na linha de frente de algum combate.
Deveria saber que a excitação de Elliot com a guerra não
passaria de fogo de palha, como tudo na vida do irmão fanfarrão.
Mas Anthony não podia simplesmente desistir da guerra. Ele
era um médico e jurara salvar vidas, ou ao menos tentar.
Quando a noite chegou, Lily desapareceu para os aposentos,
o que de certa forma foi um alívio. Ele gostaria também de
descansar, mas não podia se dar ao luxo, sem contar que sabia
que, se voltasse ao quarto, enquanto Lily estivesse por perto, a
última coisa que teria era descanso, pois o esforço que fazia para
evitar sucumbir à atração que a ex-noiva ainda despertava era
exaustiva emocionalmente. Ainda mais depois dos acontecimentos
da noite anterior.
E foi quase com satisfação mórbida que observou um novo
contingente de feridos chegar, o impedindo de retornar ao quarto. E
naquela noite, ele permaneceu acordado a noite toda, se
desdobrando para atender a todos, sem descanso.
O dia o encontrou ainda acordado e exausto.
Avistou Lily recebendo ordens de uma enfermeira mais velha,
mas desviou o olhar. Melhor seria continuar a evitando. Estava
cansado demais para qualquer discussão.
No meio da tarde, sentiu que precisava parar. Pelo menos
todos tinham sido atendidos, os ferimentos estavam fechados e não
precisou fazer nenhuma amputação.
— Doutor Anthony, está precisando descansar, não dormiu a
noite inteira! — A Senhora Delaney o interceptou.
— Sim, pretendo fazer exatamente isso.
— Pedimos para prepararem um banho para o senhor, os
criados levarão até seu quarto.
— Obrigada, Senhora Delaney.
Pelo menos ele teria algumas horas de paz, sozinho no
quarto, porque Lily estava entretida com os feridos.

Lily procurou Anthony, mas não o encontrou em lugar algum.


Era sempre assim o dia inteiro. Seus olhos sondando o
espaço a sua procura.
— Está procurando o doutor? — A Senhora Delaney passou
por ela sorrindo. — Ele não está mais aqui, foi descansar.
— O Anthony foi descansar no meio do dia? — Lily espantou-
se.
— Sim, pobrezinho. Passou a noite acordado com os novos
feridos que chegaram.
— Oh, eu não sabia... — Anthony geralmente chegava depois
que ela dormia e saía antes que ela acordasse, não se deu conta de
que ele nem fora para o quarto na última noite. Deduziu que ele
estivesse a evitando mais ainda agora.
— Deveria também ir descansar com ele. Nunca têm tempo
de ficarem sozinhos, com tanto trabalho.
— Mas...
— Vá, está tudo sob controle aqui. Vá cuidar do seu marido.
Lily hesitou, mas a possibilidade de ficar perto de Anthony era
tentadora demais e rumou para o quarto.
Porém, quando abriu a porta, parou ao ver a cena que se
delineava a sua frente.
Havia uma banheira dentro do quarto e Anthony envolto em
fumaça, com os olhos fechados, recostado dentro dela. Lily sentiu
as primeiras ondas de desejo proibido tomar sua mente no mesmo
instante e quando ele abriu os olhos, o desejo se espalhou por sua
pele. Com a respiração presa na garganta, ela não foi capaz de
proferir uma palavra sequer durante os instantes sem fim que se
seguiram, o quarto rodeado de silêncio e de tensão. Lily sentia o
coração aos pulos. A mente invadida pelas mais loucas fantasias,
ao ver Anthony a encarando de volta com o mesmo desejo e sentiu
cada poro de seu corpo invadido por um calor intenso. Ofegante,
devolveu o olhar, pensando que daria tudo para ele não recuar. Não
desta vez. Não de novo. Mas com dor no coração, viu quando ele
desviou o rosto e, pigarreando, a encarou novamente, mas desta
vez, com frieza.
— Não deveria estar aqui.
Lily não sabia dizer o que deu nela no instante seguinte, mas
quando deu por si estava sorrindo e fechando a porta atrás de si.
— Claro que deveria! Este quarto também é meu. Por
enquanto — retrucou, sob o olhar embasbacado de Anthony,
começava a retirar suas roupas.
— O que pensa que está fazendo? — Anthony parecia
assustado demais para ficar furioso e Lily aproveitou sua confusão,
para continuar com sua pequena loucura.
— Eu também preciso de um banho.
Que se dane.
Estava cansada de ser sensata e esperar que Anthony
admitisse o que sentia.
E ela desconfiava que, depois dos acontecimentos da outra
noite, quando ele a beijou, Anthony estivesse ainda mais
determinado a mandá-la embora assim que possível.
Lily sentia que seu tempo junto dele estava se esvaindo. E se
no final tudo o que lhe seria concedido fosse aquele tempo, ela
queria ter do que se lembrar.
Por um momento, Anthony achou que estivesse delirando,
mas o aperto no baixo ventre lhe dizia que estava bem acordado.
Sem piscar, ele viu Lily arrancando a saia e a blusa e, por fim, as
roupas íntimas, erguendo-se gloriosamente nua a sua frente.
— Vista-se agora. — Tentou imprimir um tom frio na voz,
porém falhou miseravelmente, pois sua súplica saiu rouca de
desejo, sem conseguir conter o olhar ávido que percorreu os seios,
a cintura delgada, a curva dos quadris, perdendo-se no vértice entre
as pernas.
Ela colocou um pé para dentro da tina.
Anthony pensou em se erguer e sair dali, mas, por Deus, ele
também estava nu.
E para seu inferno, malditamente excitado. Observou Lily
sentar-se à sua frente, quase se sentindo aliviado quando a água
cobriu a alvura dos seios empinados.
Lily sentia o coração disparado, regozijando-se com o desejo
exposto no olhar masculino. Um tremor de prazer a sacudindo de
cima a baixo, os seios pesados de desejo sob a água, ansiando pelo
toque dos lábios e das mãos de Anthony. Por que ele não vencia a
distância que os separava e a beijava?
— Anthony? — ela o chamou num sussurro, mas em vez de
fazê-lo entregar-se ao desejo, ele pareceu acordar do transe e
piscando, voltou a ter a expressão de desagrado.
Isso feriu Lily como um punhal cravado no peito.
— Saia desta tina agora. Agrada-lhe se exibir assim?
Lily se enrijeceu de fúria ao ouvir estas palavras. Pelo que ele
a tomava? Por uma devassa?
Só porque ele era teimoso igual a uma mula e não queria
admitir o desejo que os unia a maltratava, mas hoje ela não estava
disposta a aturar suas grosserias. Era quem era e tinha orgulho. E
daí se fosse uma devassa? Seu corpo ansiava pelo dele como uma
flor ansiava pela luz do sol. E isso era puro amor. Não era pecado
amar e querer ser amada.
— O que foi? Já me viu nua antes, Anthony!
— Isso foi antes, e sabe que mesmo naquele momento foi
muito inapropriado...
— Não lembro de você achar inapropriado, quando me
ensinava a ser uma... como é mesmo? Uma devassa? — provocou.
— Se eu sou o que me acusa, eu fui primeiro com você, e por você.
— O que ganha agindo assim, Lily? — ele falou ríspido. —
Quer fazer com que eu mude a minha opinião sobre você? Sobre o
passado?
— E se eu quiser exatamente isso?
— Não vai acontecer. O passado está morto e...
— Ninguém está falando de passado! Estou falando do
agora! De nós dois. E do que sentimos.
— Está delirando se acha que ainda existe algum sentimento,
se é que um dia existiu...
— Existe, sim, Anthony. E você sabe — ela afirmou,
escorregando devagar para mais perto.
Estavam muito próximos agora e ela podia sentir a tensão
que emanava dele.
— Você me deseja, mas está lutando contra.
— Não, eu não a desejo.
Lily se enfureceu.
— Sabe o que você é? Um covarde! — Irritada, ela começou
a jogar água nele. — Um banana! Um maricas! Um... — Não
conseguiu terminar a sentença, pois Anthony a segurou firmemente
pelos braços e a puxou para perto e Lily o encarou, ofegante.
— É isso o que você quer, Lily? — ele indagou com o rosto
muito próximo do seu, a respiração banhava a sua pele. — É assim
que quer ser tratada? Como uma...
— Mulher — ela completou, o encarando com os olhos febris.
O corpo sendo invadido por um desejo insidioso.
Anthony a encarava num misto de raiva e desejo e ela
esperou pelo movimento seguinte durante segundos intermináveis.
— Anthony, por favor — implorou contra seus lábios e sem
mais se conter, se desvencilhou e, com as mãos livres, deixou os
dedos trêmulos percorrerem seu rosto bonito.
Anthony não a afastou e ela aproveitou aquela trégua para
deslizar a palma da mão por seu peito, sentindo o coração dele
batendo forte e, curiosa e com a respiração presa na garganta,
desceu mais a mão, até que a água a cobrisse e sentiu aquela parte
dele que apenas sentira contra si algumas vezes antes, entre seus
dedos. Era dura e inesperadamente macia e... maior do que
esperava, pensou com o corpo inteiro corando.
Ouviu um gemido rouco escapar da garganta de Anthony e
ele desceu a mão, segurando seu pulso.
Seus olhares se encontraram, os dele em fogo e fúria, os
dela, curiosos e ansiosos.
— Por favor... me deixe tocá-lo... — meio sussurrou, meio
implorou. E então, com um gemido quase de rendição, sentiu os
dedos de Anthony migrarem de seu pulso para guiar a sua mão,
para cima e para baixo, fazendo seus dedos escorregarem sobre o
membro imerso na água.
Anthony fechou os olhos, o rosto contorcido de prazer, e Lily
ofegou, mordendo os lábios e sentindo-se poderosa quando ele
deixou de guiar sua mão e ela acreditou que tivesse aprendido o
ritmo.
— Ah, minha nossa... eu continuo? — questionou sem saber
ainda muito o que fazer e Anthony sacudiu a cabeça em afirmativa.
— Mais rápido... — pediu de forma quase ríspida e Lily sentia
o próprio desejo se enroscando em seu íntimo, ao saber que estava
fazendo o que ele fez com ela naquela noite perdida em seu quarto,
anos antes, quando pertenciam um ao outro.
E sentia que, neste momento, ele pertencia a ela. Quando o
tinha em suas mãos, tremendo e se desmanchando com suas
carícias.
De repente, ele soltou um gemido rouco e abriu os olhos
ofegando.
Lily sentiu um líquido quente em sua mão e corou.
— Ah, minha nossa, o que é isso? — indagou curiosa e
Anthony pareceu voltar à realidade, soltando uma imprecação, ele
tomou sua mão a lavando, embora a água já estivesse levando seja
lá o que fosse.
— Isso é um dos motivos para que um homem não pode
nunca comprometer uma mulher. É o que a deixaria grávida, para
começo de conversa.
— Então todas as vezes que um homem e uma mulher...
enfim, todas as vezes isso acontece e...
— Há maneiras de não acontecer. Se o homem tirar antes
de... Inferno, Lily, eu nem deveria estar tendo essa conversa com
você.
— Se formos falar do que não deveríamos, bem, você não
deveria ter... feito o que fez em meus dedos. — Sorriu, mas Anthony
permaneceu sério.
— Tem razão, eu não deveria.
— Eu não me importo. Você vai... Você poderia... me
comprometer... — Ansiou, esperançosa. — E, como disse... você
sabe como não... criar um problema.
— Com mil demônios, olha o que está dizendo! Já não foi o
bastante?
— Por que está bravo comigo?
— E não deveria? Tudo o que eu tenho feito desde que
chegou aqui é tentar poupá-la.
— Me poupar ou se poupar? É um hipócrita, Anthony
Crawford. E um mal-agradecido! E um... sedutor!
— Eu, o sedutor? E você o que é? Uma provocadorazinha
que pulou no meu banho nua...
— Ah, vai para o inferno! Acha que não me provocou com...
tudo isso? quer saber, eu não deveria mesmo ter... ter... você sabe!
Quando nunca teve a intenção de... de... terminar o que começou!
Respirando fundo, ela levantou a cabeça e com todo orgulho
que conseguiu juntar, saiu da banheira, inteiramente nua e
caminhou até a cama, pegando as roupas íntimas e as vestindo sem
ao menos enxugar-se.
— Está bom, assim? Ou ainda estou ferindo sua moral,
Anthony Crawford? — dardejava, com o olhar destilando rancor.
Porém, quando pegou o espartilho, surpreendeu-se quando a
peça foi arrancada de sua mão e no minuto seguinte Anthony a
puxava contra si, até que ela estivesse com as costas coladas em
seu peito nu e pingando água.
— É isso o que quer, Lily? — sussurrou roucamente em seu
ouvido, fazendo as pernas dela bambearem quando beijou seu
pescoço e num movimento ágil, desceu uma mão para seu seio e a
outra mão perigosamente por seu ventre se infiltrando no calção até
pousar entre suas pernas. Ela soltou um grito abafado, tremendo
inteira, quando os dedos a acariciaram com destreza suficiente para
deixá-la úmida, quente e tremendo em seus braços, arrancando
gemidos de sua garganta e arrepios de prazer transpassando seu
corpo subitamente desperto para qualquer coisa que Anthony
quisesse fazer.
Agora, ela era dele. Indefesa sobre o ataque da boca que
deslizava beijos e mordidas por sua garganta e nuca; dos dedos que
imprimiam um ritmo preciso naquele ponto em que ela pulsava cada
vez mais forte, fazendo com que um prazer incrível irradiasse dali e
se espalhasse por toda sua pele; da sensação de seu corpo nu
grudado no dela, enquanto os dedos da outra mão ainda brincavam
com seus mamilos.
Lily fechou os olhos, deixando que as sensações se
avolumassem e a dominassem por inteiro, fazendo-a gemer e se
contorcer em seus braços. De repente, tudo se tornou demais para
segurar dentro de si e explodiu em espasmos deliciosos e quentes
que duraram alguns segundos de puro êxtase, até que ela tombasse
fraca e satisfeita em seus braços.
E feliz como nunca antes, quando se deu conta do que tinha
acabado de acontecer e, sem se conter, girou e seus braços
rodearam a nuca masculina, os lábios procuraram os dele num beijo
que era um final perfeito, mas que Lily queria que fosse um começo.
Um recomeço.
E ele a beijou de volta com igual vontade, enquanto a
empurrava contra a cama, deitando-se por cima dela. Lily suspirou,
invadida pela mais completa felicidade e sem conseguir se conter,
puxou a cabeça dele e o fez encará-la e sorriu.
— Eu quero que me ame de novo, Anthony — sussurrou o
que vinha em seu coração, mas em vez de ouvir as palavras da
boca dele, como desejava, ele a fitou num misto de confusão e
culpa e se afastou, deixando-a prostrada na cama, sem conseguir
acreditar que de novo a estava rejeitando.
Anthony se vestiu rapidamente e Lily sentou-se, puxando o
lençol para cima de si, ainda sem acreditar em como estava
acabando o que ela acreditou que era um recomeço.
— Por que, Anthony? — indagou com o coração sangrando.
Ele parou, totalmente vestido, respirou fundo antes de
encará-la.
E em seu olhar, Lily reconheceu a mesma dor mesclada com
fúria da noite em que ele a deixou.
— Eu não posso, Lily. Eu a desejo sim. Mas não a amo. Você
matou o meu amor por você. Não adianta fingir que o passado não
existe. Porque ele está presente mais do que nunca. Mas não
quero, não posso, me deixar envolver por você novamente.
Ele proferiu essas palavras e saiu do quarto batendo a porta
atrás de si. Lily começou a tremer e os soluços a sacudiram. Sentiu
as lágrimas caindo sem conseguir contê-las. Um vazio imenso na
alma, no corpo, no coração. As palavras de Anthony a destituindo
de toda esperança.
Do que adiantava insistir em se humilhar? Para ele desprezá-
la sempre? Estava cansada, cansada de tentar fazê-lo entender. Foi
condenada por algo que não tinha culpa. Não a culpa que ele
achava pelo menos. Anthony não a queria mais. Mesmo a amando,
sim, a amando, porque Lily tinha certeza de que ele ainda gostava
dela. Ainda assim, ele não a queria em sua vida.
Ele tinha outra noiva. Que não era ela. Nunca mais seria.
Lily fechou os olhos, sentindo a dor rasgá-la por dentro. Mas
no seu íntimo, ela já tinha tomado uma decisão. E por mais que
doesse, não havia alternativa.
Capítulo 12

Quando Anthony acordou estava sozinho no quarto.


Assustou-se ao ver que já era tarde. Provavelmente Lily deveria ter
ido para a enfermaria. Era estranho o silêncio do quarto quando ela
não estava por perto.
De repente foi surpreendido por um vazio inexplicável. Uma
vontade de tê-la perto, ao alcance de suas mãos. Anthony parou e
respirou fundo. Quando aconteceu? Quando deixara ela se infiltrar
em seus pensamentos tão facilmente?
Ontem fora a gota d’água.
Saíra do quarto, disposto a contar toda a verdade às pessoas
e decidirem o que fazer com Lily, contanto que não fosse mais
obrigado a ficar com ela por perto.
O que aconteceu provava que já não tinha forças para lutar
contra ela.
Estava perdendo.
E mais alguns dias com Lily por perto e ele temia se ver
enredado em volta de seus pequenos dedos de novo, como um
idiota que foi um dia.
E o pior era que nem pensara em sua noiva, em como a
traíra se deixando levar pela atração por Lily.
Estava sendo um canalha e temia descer ainda mais.
O pior era que tudo o que ele queria ontem quando fugiu,
depois de mentir descaradamente sobre seus sentimentos, era
voltar lá e acabar o que tinham começado. Não era o que Lily
desejava? Ela não se importava de ser comprometida, dissera. Na
verdade, estava quase implorando para que fossem além. Era um
inferno pensar que Lily poderia ser uma sedutora traiçoeira, mas a
atração que os unia era genuína. Ele sentia que ela queria tanto
quanto ele, e isso só piorava tudo. Porque, antes, quando eram
noivos, achava que Lily o amava, mas o tempo todo ela também
dizia amar outro homem, que a teve antes dele.
O mesmo homem que agora ela atravessara o país para
tentar salvar. Então como acreditar que o que Lily sentia era mais do
que apenas desejo?
Mas se há desejo...
Não, Anthony se repreendeu. Não podia confiar nela de novo.
A história deles terminou há anos.
Suas vidas seguiram rumos diferentes e agora ele tinha um
compromisso que precisava ser honrado com outra mulher.
Colocar tudo a perder por causa de seus sentimentos por Lily,
que teimava em não arrefecer era apenas se colocar num lugar que
antes só o fizera sofrer.
Lily podia não ser a mesma menina mimada arrogante de
antes, mas agora era uma mulher que sabia o poder que tinha sobre
ele, isso ficara claro, em todas as suas tentativas de sedução.
E ele tinha que cortar o mal pela raiz, mas como?
Acabou voltando ao quarto, tarde da noite e a encontrou
dormindo.
Ela parecia inocente em seu sono e ele quase chegava a
desejar que o fosse. Que ainda pudessem...
O quê? Ter um futuro depois de tudo?
Que pudesse perdoá-la?
Ela disse que desejava que ele a amasse de novo, mas para
quê? Para que voltassem a ficar juntos? Era uma ideia absurda.
Mas que outro intuito Lily teria?
Será possível que ela desejasse mesmo que voltassem a...
forjarem algum compromisso? Um futuro?
E por que este pensamento o enchia de um contentamento
perigoso? Bem se via que era um tolo mesmo.
Agora, indo em direção à ala hospitalar, notou uma
movimentação na rua e um facho de cabelos castanhos chamou sua
atenção.
Lily estava perto de uma diligência conversando com um
senhor, provavelmente um cocheiro. Mas o que ela estava
fazendo?
— Lily? — ele a chamou, mas para sua surpresa ela se virou
para encará-lo e seu olhar parecia vazio. E em vez de responder-
lhe, ela apenas virou o rosto e passou por ele, o ignorando
totalmente.
— Lily? Eu preciso falar com você — ele a chamou, mas ela
continuou andando sem olhar pra trás até entrar no quarto e para
espanto de Anthony, colocou uma mala em cima da cama e
começou a jogar seus vestidos dentro.
Ele franziu o cenho.
— O que está fazendo?
Ela continuou a jogar as coisas dentro da mala e Anthony se
aproximou e a segurou pelo braço a obrigando a encará-lo.
— Me solta — ela pediu friamente.
— Não até me dizer o que está pretendendo.
— Eu vou embora.

Lily sentiu um misto de alívio e dor quando finalmente contou


a Anthony seus planos.
Sim, ela decidiu que bastava e precisava ir embora, antes
que descesse ainda mais baixo em suas tentativas de fazer Anthony
amá-la de novo.
Anthony a soltou, chocado.
— O quê?
— É isso mesmo que ouviu. Suas preces finalmente foram
atendidas e estou partindo daqui.
— Espera aí, Lily. Como assim vai partir? Não tem como ir
agora, você ouviu o oficial...
— Sim, eu ouvi. — Ela voltou a arrumar a mala.
Anthony parecia atordoado com sua decisão, mas ela não
estava nem aí.
— Nós precisamos conversar...
Ah, agora ele queria conversar?
— Conversar o quê? — Ela finalmente parou o que estava
fazendo e o fitou com raiva. — Acho que já deixou bem claro o que
pensa sobre mim! Então não há mais motivos para eu permanecer
aqui!
— Lily...
— Eu estou cansada, Anthony. Cansada de tentar fazer você
abrir essa sua cabeça oca e me ouvir.
— Não aja como se a culpa fosse minha agora!
— Mas é! Você é um idiota! Me arrependo do dia que
concordei em ficar aqui nesta farsa inútil!
— A farsa era necessária para você não apodrecer na cadeia
depois de fazer a besteira de viajar sozinha num país em guerra!
— Eu tinha meus motivos!
— Sim, achar seu precioso Jake — Anthony falou com
sarcasmo.
— Está vendo do que estou falando? É um cabeça-dura! E eu
estou cansada de você!
— Está falando asneiras. Ou acha que eu queria você aqui?
Lily sentiu esta afirmação como um tapa na cara.
— Isso ficou bastante claro. Você me condenou há muito
tempo e nada do que eu faça ou diga vai mudar isso.
— Não fui eu que a traí!
— Eu não traí você! Quantas vezes vou ter que repetir? —
Lily gritou enfurecida.
— Eu acho que essa discussão não vai levar a nada. —
Anthony tentou manter a calma, mas Lily não estava disposta a
aceitar as suas decisões hoje.
— Não me importa o que você pensa. Vou embora e já está
decidido.
— Não, não vai. — Ele arrancou a mala de sua mão e Lily
tentou impedi-lo, mas sem sucesso.
— Não me diga o que eu posso ou não fazer! Perdeu este
direito quando virou as costas pra mim há mais de três anos!
— Não importa o que aconteceu há três anos.
— Mas é tudo o que importa! Por sua causa, nós estamos
nessa situação ridícula hoje!
— Continua se eximindo da culpa, não é?
— Você quebrou a sua promessa, Anthony. No primeiro revés
me virou as costas esquecendo tudo o que vivemos. Chego a
duvidar se me amava de verdade, se me amasse teria acreditado
em mim!
— Acreditar em você? Eu a peguei na cama com outro
homem!
— Eu disse que as circunstâncias eram outras!
— Quer circunstância maior do que confessar que aceitou se
casar comigo estando apaixonada por outro? O mesmo homem que
eu flagrei com você, te beijando, te tocando. Ninguém me contou, eu
vi, Lily.
— Ninguém te contou não! A Rosamund fez sua cabeça
contra mim.
— A Rosamund falou a verdade, afinal, eu mesmo comprovei
com a cena que presenciei.
— Rosamund tinha inveja de mim, por ser eu e não ela quem
iria se casar com você.
— Não coloque em outra pessoa a culpa que cabe
inteiramente a você! A Rosamund tentou abrir meus olhos...
— A Rosamund o queria para si! E depois que não
conseguiu, se entregou ao seu irmão, que é outro canalha! E
poderia até ser o pai do filho dela!
— Do que está falando?
— Não sabia? Seu pai e sua mãe não contaram?
— Eles me disseram que sua prima teve um bebê, que tentou
dizer que era de Elliot...
Anthony lembrou-se que ficara chocado com a informação,
mas estava tão envolvido na guerra e tão disposto a esquecer
qualquer coisa que o fizesse lembrar de Lily, que deu pouca
importância ao destino da prima. Ele só conseguiu pensar que
provavelmente Rosamund, mesmo se dizendo ilibada, era tão
perdida e traiçoeira quanto a ex-noiva.
— Sim, o bebê que poderia ser do seu irmão!
— Elliot disse que não era dele.
Elliot não tinha nenhuma honra quando se tratava de seduzir
mulheres e por isso mesmo Anthony chegou a cogitar que o filho
bastardo de Rosamund fosse mesmo de seu irmão. Mas ele parecia
ter certeza de que não era assim. Admitiu ter se deitado com a
moça, mas segundo ele, Rosamund nem pura era mais,
provavelmente nem saberia de quem era o filho.
— Ah, claro! Pior que tinha razão, mas continua sendo um
canalha! Isso não tem mais importância. Eu só quero ir embora
daqui!
— Lily, por favor, me escute. Eu sei que tem sido difícil,
mas...
— Mas o quê? Não temos mais nada a dizer um ao outro.
Acabou.
— Vai fazer o quê? Vai desistir de procurar o Jake?
— Foi um erro eu sair de Atlanta, vejo agora. Mas precisava
ajudá-lo. É meu amigo de infância. E só foi pra guerra porque eu o
rejeitei. E também fiz isso pelo pai dele, que trabalha comigo e foi de
grande valia por todos esses anos de guerra, depois que meu pai
morreu e tivemos que fugir da fazenda. Eu, mamãe, Rosamund e o
bebê dela... Que eu descobri ser de Jake.
— O quê? Sua prima... teve um filho de Jake Dawson?
— Como vê, existia um motivo para eu ir atrás do Jake. E não
eram os motivos sórdidos que estava imaginando. A Rosamund se
entregava ao Jake quando os dois tramavam para que eu te
largasse e seguisse com ele, para o caminho ficar livre para ela ficar
com você, este era o grande plano! E sim, tem razão, como eu
mesma já confessei, acreditava que amava Jake, e não queria ficar
noiva de nenhum dos pretendentes que papai me arranjava. Mas foi
só isso. A partir do momento em que nos comprometemos, as
coisas mudaram. Eu mudei, ou melhor, eu percebi que meus
sentimentos por Jake nunca existiram. E passei a desejar de
verdade que fôssemos felizes juntos. — Ela engoliu o nó na
garganta. — Mas não conseguia me livrar de Jake, e muito disso era
por causa de Rosamund que insistia que eu deveria ficar com ele, e
acho que eu era tomada pela culpa... Enfim, sinceramente? Tem
razão quando diz que o passado está morto. Tudo mudou. Você não
acreditou em mim, e agora é tarde. E escuta bem, Anthony, porque
é a última vez que vou falar sobre isso. Eu nunca me entreguei ao
Jake. Nunca nem cheguei perto disso. Eu nem queria sequer beijá-
lo! Sim, eu pensei que estava apaixonada por ele. Mas tudo não
passou de ilusão. E sabe o que é pior? Eu me apaixonei por você e
se recusou a acreditar em mim. E nada do que eu fale vai fazer
diferença. Não fui eu que matei o seu amor por mim. Você matou o
nosso amor por uma mentira que uma pessoa invejosa te contou.
Preferiu acreditar naquela que não era nada para você em vez de
acreditar em mim, que era sua noiva. Eu morri um pouco por dentro
nesses três anos, culpando-me por tudo o que tinha acontecido.
Mas sabe o que eu descobri? Que a culpa não é minha, e sim sua.
Não passa de um covarde!
Lily fechou a mala e passou por ele. Anthony tentou segurá-la
e ela se esquivou.
— Lily...
— Não, não toque em mim! Nunca mais, entendeu? Nunca
mais vai me tocar. Eu já me humilhei o bastante por uma vida
inteira. Cansei de correr atrás de você! De tentar fazê-lo me escutar!
Naquele dia no convento, você fugiu...
Ela viu no rosto dele a surpresa por ela se lembrar deste
episódio.
— Sim, eu lembro, Anthony. Que você estava comigo e
depois foi embora, me abandonando mais uma vez. Agora cansei
dessa situação ridícula.
— Eu vi a carta que Jake...
— Ah, claro. E mais uma vez tirou suas conclusões! O fato de
Jake me enviar cartas não significa nada! Agora me deixa ir.
— Não pode ir assim, ainda... nem consigo absorver tudo o
que está me dizendo...
— Problema seu!
— Lily, por favor, pelo menos pense no perigo. Estamos em
uma maldita guerra!
— Que se dane a guerra! Não posso ficar mais nem um
minuto aqui com você. Eu já aguentei bastante das suas grosserias!
Tem me tratado como lixo desde que cheguei aqui! Como acha que
eu me senti? Pra mim chega!
Ela se desvencilhou e saiu para o pátio iluminado e Anthony
a seguiu.
— Lily, me escuta... — Ele a alcançou e a obrigou a se virar
para fitá-lo. — Não vou deixá-la se arriscar num país em guerra
novamente!
— Não pode me impedir! Não é nada meu!
Anthony, passou os dedos pelos cabelos, frustrado, Lily
percebeu que as pessoas paravam para prestar atenção na
discussão que os dois protagonizavam no meio do pátio. E Anthony
percebeu o mesmo.
— Lily, está causando uma confusão, pare agora...
— Quem tem que parar é você! Quem pensa que é para
tentar me impedir do que quer que seja? Não o meu marido,
certamente! — Lily falou irônica, não se importando que alguém
estivesse ouvindo. — Eu sei cuidar muito bem de mim. Me virei
sozinha durante anos, cuidando da minha mãe, da Rosamund e do
filho dela! Não sou mais aquela garota tola que conheceu, Anthony!
Você tratou de matá-la.
— Está sendo irracional.
— Olha quem fala!
— Não vai partir, Lily — insistiu.
— Não? Fica olhando!
Ela se afastou, entregando a mala para o cocheiro colocar na
diligência.
— Lily...
Ela se virou furiosa para ele.
— Por que age assim, Anthony? Já não basta tudo o que me
fez? Por que não vai correr atrás da sua noivinha?
Ela viu que Anthony se surpreendeu por ela saber de
Beatrice.
— Sim, eu sei que está noivo. Como é mesmo o nome dela?
Beatrice. Eu a vi em Atlanta, na companhia da sua mãe. Muito
bonita. Uma pena que esteja noiva de um idiota como você! Tenho
até pena dela!
— Lily, você não entende. Beatrice é...
— Ela não é sua noiva? Tudo não passou de um terrível
engano?
Lily percebeu que estava prendendo a respiração esperando
a resposta. Uma esperança inútil se apossando de seu coração.
Mas Anthony desviou o olhar e ela soube que estava sendo
tola mais uma vez. E se obrigou a continuar com seus planos.
— Não tente me impedir de partir. Volte para sua vida de
médico de guerra ocupado. Volte para a sua noiva. Estou saindo da
sua vida e desta vez para sempre. Adeus.
Lily subiu na diligência.
— Lily, por favor. Não pode ir assim. — Seus olhares se
encontraram por alguns instantes, mas ela desviou o rosto.
Não podia fraquejar.
— Para quê, Anthony? Tudo já está perdido, não é? — E
por mais que tentasse ser forte, neste momento Lily sentiu o
coração se estilhaçar em mil pedaços mais uma vez. A dor de saber
que de novo ela iria se separar dele. A dor por saber que não foi
capaz de fazê-lo acreditar nela. Mas o que mais doía era ver os
sentimentos expostos nos olhos esverdeados. Era como se sempre
soubesse que eles estavam ali, escondidos em algum lugar. No
fundo sempre acreditara que um dia ele iria voltar para ela.
Mas não era verdade. Mesmo vendo em seu olhar a velha
paixão que um dia fez com que ela se apaixonasse loucamente,
sabia que não era suficiente. Amor sem confiança de nada
adiantava. Anthony a tinha condenado há três anos e isso não
mudou. Existia outra pessoa na vida dele agora. Outra mulher teria
direito de partilhar sua vida. Lily conteve o nó na garganta e
enxugou uma lágrima furtiva. Tinha que acabar logo com aquilo
antes que fraquejasse e se atirasse em seus braços, implorando
para ele não deixá-la. E quando o encarou novamente, viu o
semblante dele tão atormentado quanto o seu.
— Lily, por favor...
Se pelo menos ele voltasse a agir friamente com ela como
agira todo o tempo que ali estivera, seria mais fácil manter a raiva.
Aquela expressão derrotada apertava seu coração. Mas lembrar-se
que a sua teimosia fora a culpada de estarem assim hoje fez com
que ela voltasse a ter forças.
— Eu iria embora conformada, Anthony, se soubesse que
você realmente não me ama. Que você ama agora a tal de Beatrice.
Mas eu sei e você sabe que não é verdade. Mas escolheu o rancor.
E eu tenho pena da Beatrice porque vai se casar com um homem
que não a ama e que tem o coração cheio de ressentimento. Adeus,
Anthony.
Capítulo 13

A diligência partiu deixando Anthony parado no mesmo lugar,


vendo a distância entre eles aumentando, até restar apenas o
vazio.
Sentiu um desespero por dentro. Não conseguiu impedi-la de
partir.
No fundo sabia que tinha razão. Ele a tratara mal desde que
tinham se encontrado novamente. Não queria escutar seus
argumentos, convencido de sua culpa. Fugira da atração insidiosa
que os unia. Fugira dela.
Anthony estava realmente surpreso que ela soubesse de
Beatrice. E que também a tivesse conhecido e sem saber por que
sentiu uma pontada de culpa, como se estivesse sendo um traidor.
Não com Beatrice, mas sim com Lily.
E se sentiu compelido a explicar sobre Beatrice. Como se
devesse a ela alguma explicação.
Mas agora era tarde. Lily se foi e ele sentia como se
estivesse cometendo um erro terrível.
Seria verdade tudo o que contou?
Inferno, ele a vira com Jake na cama.
Ela mesma confessou que não queria ficar noiva dele, que foi
obrigada pelo pai, que era apaixonada pelo fora da lei.
Mas ela também chorara enquanto dizia que se apaixonara
por ele, Anthony, depois que ficaram noivos. Que seus sentimentos
tinham mudado, que a cena que viu não era o que parecia...
Será?
Anthony sentia a mente girando de possibilidades que
pareciam ao mesmo tempo maravilhosas e terríveis.
Maravilhosa porque passara anos sofrendo imaginando que
Lily não o amou de verdade, que tudo o que viveram fora uma
mentira, e inclusive ela ainda poderia estar com Jake Dawson.
Mas se não fosse de todo verdade, seria terrível imaginar que
passara todos aqueles anos sofrendo por um equívoco.
Que poderia ter se casado com Lily.
Que poderiam ser felizes hoje, apesar da guerra em curso.
Meu Deus, o que fazer?
E ela fora embora furiosa por ele nunca tê-la escutado de
verdade.
— O que está acontecendo, Doutor Anthony?
Anthony custou a perceber que estavam falando com ele.
— Doutor Anthony? — a senhora Delaney o chamou
novamente e Anthony finalmente a fitou. — A Senhora Crawford foi
embora?
— Ela não é a Senhora Crawford. Não somos casados.
Apenas fingimos para ela não continuar presa.
— Mas eu não entendo...
— Fomos noivos um dia, mas tudo estava acabado.
— Era por isso que estavam discutindo?
— Em parte.
— Por que deixou ela ir embora? Não sabe como é
perigoso?
— Não posso impedi-la. Como ela mesma deixou claro. Não
sou seu marido.
— Eu ainda não entendo! Pareciam tão apaixonados!
Anthony riu.
— A senhora se engana.
— Não, não estou enganada. É nítido para qualquer um que
se amam. E é um tolo se não pode ver isso!
— A senhora não sabe das circunstâncias...
— O que eu sei é que aquela moça o ama acima de tudo! Ou
acha que ela concordou em viver com você apenas pela farsa?
Duvido! Uma mulher não mancharia a honra por causa disso.
— Senhora Delaney...
— É um tolo, Doutor Anthony, por deixá-la ir. Só espero que
não se arrependa.
A mulher se afastou e Anthony pensou que era a segunda
vez que era chamado de tolo. Voltou para o quarto, agora
parecendo enorme sem a presença sufocante de Lily e algo chamou
sua atenção. Havia um anel em cima da cômoda.
Ele reconheceu que era o anel de noivado que dera a Lily há
tanto tempo.
E nunca pensara em pegar de volta, mesmo sendo uma joia
de família. E Lily o mantivera perto todo este tempo? Apenas para
devolvê-lo agora?
Anthony o apertou contra a palma da mão.
Será que estava cometendo o maior erro de sua vida? Ainda
não saberia dizer. A única certeza que tinha era que não podia
deixar Lily arriscar o pescoço sozinha na estrada. Tinha que ir atrás
dela.

Lily enxugou mais uma lágrima que teimava em cair desde


que tinha deixado Anthony. Ainda não sabia se um dia iria se
recuperar de novo. Já foi difícil se recuperar uma vez. Na verdade
nunca se recuperara totalmente. Sentia-se entorpecida. Esvaziada
de qualquer sentimento que não fosse a tristeza.
Anthony estava perdido para ela. Iria se casar com outra.
Seria Beatrice que se entregaria a ele. Seria ela a ter os seus
filhos. Ela a ser amada.
Contendo um soluço, Lily rezou para ter forças. Sua mãe
precisava dela. Rosamund e Theo também. Sentiu uma pontada de
culpa por ter esquecido completamente do objetivo original de ter
empreendido esta viagem. Depois que encontrou Anthony, a única
coisa que pensou era em fazê-lo entender que ainda havia amor
entre eles, mas foi em vão.
Agora estava sozinha e nem conseguira encontrar Jake.
Mas o que fazer? Não tinha a mínima ideia de onde ele
poderia estar e como ajudá-lo. E nem podia continuar viajando atrás
dele sem saber como encontrá-lo. Na verdade, não tinha mais
ânimo para nada. Queria apenas voltar para casa e esquecer.
Estava tão distraída com seus pensamentos sombrios que
não percebeu a movimentação estranha na estrada até ser
surpreendida com o barulho de cascos de cavalos, seguidos de
tiros.
Estava sozinha desde a última parada, os poucos viajantes já
tinham descido em seus destinos. Agora era só ela e o cocheiro.
Colocou a cabeça para fora da janela da diligência. E se assustou
com a cena que se delineava lá fora. Estava bem no meio de uma
troca de tiros no que ela acreditava ser entre yankees e
confederados.
— Temos que sair daqui! — gritou para o cocheiro que
parecia mais assustado do que ela.
— Estou tentando, senhora.
Lily sentiu o coração aos pulos. A diligência movia-se
rapidamente.
A fumaça de pólvora e terror a intoxicando de medo, assim
como os barulhos e os gritos da batalha.
Então ela viu um tiro passando rente a sua cabeça e a bala
se cravar na janela. Gritando, abaixou-se, apavorada.
A diligência parou. Ela gritou para o cocheiro, abrindo a porta,
mas não viu nada, apenas a poeira.
Ela saiu da diligência e apavorou-se ao ver o cocheiro
baleado. Aproximou-se e tomou sua pulsação. Estava morto.
Assustada, olhou para todos os lados, os tiros estavam cada
vez mais perto. Pensando rápido, tentou desamarrar um dos
cavalos, mas assustados, eles dificultaram o trabalho. Pensou em
voltar para dentro da diligência, mas o instinto dizia para fugir dali.
Mais um tiro passou perto dela e ela gritou. Escutou passos e ao
levantar o olhar, avistou um soldado aproximando-se. Quando o
homem a notou, os olhos brilharam perigosamente.
Lily não pensou duas vezes e correu. Estava perdida,
pensou, um medo terrível se apossando dela. Não queria nem saber
se aquele homem era confederado ou yankee. Possivelmente a
única coisa que importaria a eles, era o fato de ela ser uma mulher
sozinha.
— Ei, docinho, não tenha medo... — ele a chamou, cuspindo
em seguida.
O soldado gritou para os outros aproximarem-se. Lily sentia o
coração bater forte no peito, só pensava em fugir, mas parou ao
perceber que correra justamente para o meio da batalha.
Não tinha para onde correr.
Como se estivesse num pesadelo, ela viu o mesmo soldado
que a encarara apontar a arma para ela e então tremeu de terror.
— Lily!
Quando ela ouviu a voz de Anthony gritar seu nome através
dos tiros, achou que estivesse sonhando, mas ao olhar na direção
que viera o grito, ela o viu aproximando-se a cavalo, vindo em sua
direção, nas mãos uma arma que ele atirava para todos os lados.
Por alguns instantes, ela ficou parada como uma estátua,
sem conseguir se mexer.
— Lily, venha! — Ele passou ao seu lado e esticou a mão em
sua direção.
Lily não pensou duas vezes e montou atrás dele e saíram em
um galope rápido para fora da zona de conflito.
Lily só voltou a respirar quase aliviada quando os barulhos
dos tiros ficaram para trás. A mente registrando o acontecimento
apavorante e o mais importante. A presença de Anthony ali. Ele
tinha vindo atrás dela. Ele a tinha salvo.
— Você está bem? — Ela o ouviu perguntar sem fôlego.
— Sim, estou. — E era verdade. Nada mais tinha a temer.
Anthony estava ali com ela.
Depois de um tempo enorme cavalgando através das
campinas. Anthony parou em frente ao que parecia um casebre
abandonado e desmontou.
Ele estendeu o braço e a ajudou a desmontar. Lily deslizou
para seus braços até o chão, percebeu a expressão de dor em seu
rosto e quando levantou a mão de seu ombro esquerdo ela sentiu a
respiração presa na garganta ao ver sangue.
— Anthony, está sangrando! — sussurrou apavorada.
Ele levou a mão ao ombro, com uma expressão de dor.
— Eu fui atingido.
Lily o viu empalidecer e oscilar em direção a ela, perdendo os
sentidos.
— Anthony! — Ela começou a tremer de medo. Isso não
podia estar acontecendo. Ele abriu os olhos, opacos e focalizou
nela.
— Lily... Precisa me ajudar a entrar — murmurou com a voz
fraca.
Ela tentou manter a calma, quando percebeu a gravidade da
situação e que precisava ajudar Anthony.
Ele se apoiou nela, que com certa dificuldade o ajudou a
entrar no casebre. Parecia mesmo abandonado, mas há pouco
tempo. Lily viu uma cama num canto e encaminhou-o para lá.
Anthony fechou os olhos gemendo e Lily colocou a mão na boca ao
ver toda a frente de sua camisa ensopada de sangue e apavorou-
se.
— Anthony, Anthony, acorda! — Começou a soluçar. — Não
pode morrer, por favor.
Ela bateu em seu rosto, que estava lívido, mas ele não abriu
os olhos.
— Anthony... — Ela chorava desesperada. Um medo terrível
gelando seu coração.
Ele estava morrendo.
Lily cobriu o rosto com as mãos.
Anthony iria morrer e a culpa seria toda sua. Se ele não
tivesse vindo atrás dela, se não fosse tão teimosa a ponto de
novamente cair na estrada em plena guerra, nada disso teria
acontecido.
— Lily...
Ele balbuciou seu nome e Lily tirou a mão do rosto banhado
em lágrimas.
— Anthony!
— Lily, preciso que me ajude...
— Eu não sei o que fazer!
— Precisa tirar a bala.
— Não! Eu não vou conseguir...
— Vai sim! Lily? — ele insistiu com firmeza apesar da
situação. — Precisa manter a calma. Lembre-se de como me
ajudava com os feridos na enfermaria?
Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.
— Preciso que faça o mesmo.
Ele fechou os olhos, o rosto lívido de dor.
Lily ficou paralisada por alguns instantes, vendo o homem
que amava se esvair em sangue. E soube que tinha que ser forte.
Estavam a quilômetros de alguma ajuda e só tinha ela ali.
— Anthony? O que eu faço? Me diga o que fazer...
Ele abriu os olhos com dificuldade.
— Vá ao meu cavalo. Lá tem uma maleta. Achará o que é
preciso.
Lily correu e pegou a maleta e voltou para a cabana.
— E agora?
— Ache uma pinça, rasgue minha camisa, você vai tirar a
bala. Não acredito que esteja fundo, é superficial...
— Tirar a bala? — ela perguntou assustada.
— Sim, tem um vidro de álcool aí, jogue na ferida.
Ela seguiu as instruções dele, as mãos tremendo, o coração
gelado de medo de falhar.
E quando jogou o álcool em seu ombro, ele ficou lívido e Lily
preparou-se para tirar a bala.
Ela tremeu e fechou os olhos.
— Lily — Anthony a chamou e ela o encarou com os olhos
cheios de medo.
— Você vai conseguir. — Ele a encorajou sorrindo apesar da
dor e Lily sentiu toda a força retornando ao seu corpo.
Não podia deixar Anthony morrer.
— Vai doer. — Sorriu através das lágrimas e ele sorriu
também.
— Vai em frente.
Lily respirou fundo e colocou toda a atenção em seus dedos,
que manuseavam a pinça, a fim de tirar o projétil do ombro de
Anthony.
Foi um dos momentos mais assustadores da sua vida.
Anthony respirava com dificuldade, soltando alguns gemidos de dor,
e em algum momento perdeu os sentidos. Lily se assustou, pegando
seu pulso. Estava fraco, mas vivo. Talvez fosse até melhor que
estivesse inconsciente para ela poder trabalhar melhor. E quando
deu por si, a bala estava fora.
Ela se lembrava de como limpar a ferida e fazer um
curativo e apressou-se em fazer como havia aprendido e já ajudado
muitos feridos de guerra, tentando não lembrar que aquele não era
qualquer ferido, e sim Anthony.
Lily respirou aliviada e deu uma boa olhada na cabana.
Felizmente ainda tinha lenha. Acendeu a lareira e sentou-se ao lado
de Anthony, rezando para que ele acordasse e ficasse bem.

A noite caía quando percebeu que Anthony estava febril.


Sabia, pela experiência ajudando a cuidar de feridos que não era
nada bom. A ferida estava infeccionando.
Ela lutou contra o desespero e a vontade de sentar e chorar,
em vez disso, tratou de limpar a ferida e trocar as ataduras e
ministrar em Anthony os remédios que havia em sua maleta.
E enquanto a noite foi embora e outro dia chegou, ela ainda
rezava para que ele não morresse.
Ela encontrou um poço atrás do casebre e algumas ervas no
jardim, o que usou para fazer uma sopa e se alimentar, enquanto
Anthony continuava inconsciente.
E por três dias, ela lutou sozinha para curá-lo. Lily lutava
contra as horas e contra a infecção. Não dormia, em vigília, dia e
noite. Nas suas preces, pedia para que ele vivesse, nem que fosse
para ficar com Beatrice. A única coisa que importava era Anthony
não morrer.
Capítulo 14

Num dia, ela cochilou na cadeira ao lado da cama e quando


acordou percebeu que a noite já caíra. Aproximou-se e colocou a
mão na testa de Anthony. A febre estava abaixando. Ela sorriu e
sentiu as lágrimas jorrarem. Lágrimas de alívio. Porque sabia que o
pior já tinha passado. Verificou a ferida. Graças a Deus estava se
recuperando.
Com um novo ânimo, pegou um pano úmido e decidiu banhá-
lo. Ele estava com o semblante sereno, mas ainda não acordara.
Ela o despiu e pensou que jamais fosse ver Anthony nu desta
maneira. Ela o tinha visto apenas parcialmente naquela dia da
banheira.
Contendo a curiosidade, pegou o pano úmido e passou pelo
corpo masculino, tentando não olhar, sentido as faces coradas. E se
ela desse só uma olhadinha? E foi o que fez. Olhou-o da cabeça
aos pés. Ele era magnífico. Já tinha visto outros homens nus,
soldados feridos quando ajudava os médicos a tratá-los, mas
aqueles eram estranhos sem nome. Este era Anthony.
Ela passou os olhos pelos braços fortes, pelo peito largo, a
barriga plana com um caminho de pelos castanhos que culminavam
no... ela corou até a raiz do cabelo, desviando o olhar e o cobrindo
rapidamente com o lençol.
De repente, Anthony se mexeu e abriu os olhos.
— Lily? — ele perguntou confuso.
— Anthony, você acordou! — Soltou um suspiro de alívio.
— Onde estou, o que aconteceu?
— Não se lembra? Levou um tiro!
— Sim, agora me lembro. — Ele tocou as ataduras no braço.
— Foi você quem fez isso?
— Sim, como você mandou, mas parece não ter feito direito,
já que infeccionou.
— Tenho certeza de que fez direito sim, já vi você
trabalhando.
— Mas é diferente agora.
— Você está bem? — Seu olhar perscrutou o rosto dela.
— Sim, estou. Fiquei apavorada quando vi você machucado
e mais ainda quando me dei conta que só tinha a mim para retirar a
bala.
— Mas você conseguiu.
— Sim, não podia deixar você morrer.
— Lily... — Ele tentou levantar.
— Não! Fique onde está! Vou preparar uma sopa pra você.
Ela fez a sopa e Anthony a tomou e dormiu logo em seguida.
Por mais um dia ele permaneceu assim. Dormia e acordava e
Lily sempre alerta, observando que a febre finalmente passou
totalmente e a cor parecia voltar ao rosto de Anthony.
— Como se sente?
— Vou sobreviver, graças a você.
Ela escondeu um sorriso.
Anthony adormeceu novamente e ela teve a ideia de
preparar-lhe um banho.
Havia uma tina que ela arrastou para perto da lareira e
esquentou a água no fogão a lenha.
Quando Anthony acordou ficou surpreendido quando ela lhe
mostrou o banho.
— Acho que vai se sentir melhor...
Anthony hesitou, quando se sentou e Lily ficou vermelha.
— Eu vou... Vou recolher algumas ervas, você consegue
sozinho?
— Sim, eu consigo.
Ela afastou-se, tentando não lembrar que da última vez em
que surpreendera Anthony em uma banheira tivera a desfaçatez de
invadir o seu banho para provocá-lo.
E valeu a pena, ela sorriu consigo mesma.
Mas era diferente agora. Não havia mais lugar para
provocações tolas, quando Anthony estava se recuperando de um
tiro.
Quando voltou, ele já dormia novamente.
Então aproveitou e deu-se ao luxo de também se banhar.
Porém não tinha roupas, já que sua bagagem tinha ficado na
diligência. Dando de ombros ela fuçou na pequena mala de Anthony
que encontrou no cavalo e colocou uma camisa dele. Ninguém a
veria assim mesmo, pensou, lavando o vestido e o colocando para
secar ao lado da lareira. Ela sentou-se perto da cama, observando
Anthony dormir e um pensamento traspassou sua mente. Sentia-se
feliz.
A vida tinha caminhos estranhos. Quando deixara Anthony
em Savannah pensara que nunca mais o veria, mas ali estavam
eles, sozinhos numa cabana esquecidos do mundo. Ela sentiu uma
dor incômoda em seu coração, pois sabia que este interlúdio não
duraria para sempre. Anthony ficaria bom, eles iriam embora dali e...
Ela se negou a concluir o pensamento. Não queria pensar
nem no passado e nem no futuro. Anthony estava vivo e estava ali
com ela. E era só o que importava.
— Lily? — ele a chamou e ela ficou alerta.
— Sim, Anthony?
Ele relanceou o olhar por suas vestimentas e só então Lily
lembrou que estava vestindo apenas sua camisa e corou.
— Por que está vestida assim?
— Não tinha o que vestir.
Ele sorriu e Lily sentiu-se aquecer por dentro.
— Por que está aí?
— Porque só tem essa cama.
— Vem aqui, Lily. — Ele abriu espaço na pequena cama.
— Anthony... — Lily corou, incerta.
— Deve estar cansada. Por favor, não seja teimosa. Precisa
dormir.
Ela caminhou até a cama, relutante, e deitou ao seu lado.
Lily não ousava nem respirar. Aquela cama era bem menor
do que a que dividiam em Savannah e desta vez ela tinha que ficar
praticamente grudada nele.
— Relaxa, Lily. Nós só vamos dormir.
Ela assentiu com a cabeça e pensou que o problema residia
justamente nisso. Como pensar em dormir tendo o corpo quente de
Anthony tão perto do seu?
Porém, fechou os olhos e, para seu espanto, conseguiu
dormir sem mais demora.

Anthony acordou sentindo o calor morno do corpo de Lily


junto ao seu. Ela estava enrodilhada nele, os cabelos caindo
desordenados por seu peito, o rosto bonito tranquilo no sono.
Anthony tirou uma mecha de cabelo de seu rosto. Se não fosse por
ela, estaria morto neste momento.
Mas ela foi uma fortaleza. Sua Lily. Ele sentiu o coração se
expandir ao usar depois de tanto tempo essa expressão. Ele
costumava pensar nela assim, quando era sua noiva. Mas na
verdade isso nunca mudou, não dentro do seu coração. Ele apenas
deixou o rancor abafar os sentimentos.
Não sabia dizer como vivera sem ela todos esses anos. A
constatação veio rápida. Ele apenas sobrevivera.
Viver era o que fizera naqueles últimos tempos com Lily por
perto.
Mesmo quando ela o exasperava, o irritava, o provocava.
Ele sentiu uma dor no peito. Arrependimento. Por tê-la
tratado tão mal, por nunca ter sido capaz de ouvi-la, por tanto tempo
perdido. Poderia estar morto agora e do que haveria valido tanto
orgulho?
Para nada. Vivera num limbo todos esses anos, negando-se
a admitir a verdade que era uma só. Ele a amava mesmo quando
acreditava que fora traído. Não importava qual a circunstância, era
simples assim.
Beatrice fora apenas uma sombra pálida, nunca amor.
Enganara-se achando que se casando com ela poderia esquecer
Lily.
Era impossível. Não havia muita lógica ou racionalidade
naquele sentimento. Apenas fazia parte dele.

Lily acordou sentindo uma sensação boa pelo corpo. Abriu os


olhos lentamente e encontrou o rosto de Anthony perto do seu. Ele
acariciava seus cabelos e Lily tinha as pernas firmemente
enroscadas nas dele.
Ela sorriu, mas lembrou-se de sua ferida e se preocupou.
— Anthony, sua ferida!
Ela se afastou dando-se conta de que tinha o corpo apoiado
no ombro machucado. Mas ele a puxou de volta para o mesmo
lugar.
— Anthony...
— Shi... — ele sussurrou perto de seus lábios e Lily derreteu.
Fechou os olhos ao sentir os lábios dele roçando em sua têmpora.
— Queria que este momento não acabasse. — Ela abriu os
olhos. — Diz pra mim que não é um sonho, Anthony. Que você está
aqui, comigo.
— Não é um sonho. — Ele beijou suas pálpebras, e Lily
cerrou os olhos novamente, sentindo um calor insidioso tomar seu
corpo. Instintivamente aproximou-se mais, sentindo cada parte de
seu corpo grudada nele, o calor fluindo de um para o outro, a boca
masculina roçou a sua, as respirações se misturando e gemeu em
antecipação.
— Beije-me, Anthony — pediu num murmúrio quase
inaudível.
Ele atendeu seu pedido. Era um beijo faminto, profundo,
alucinante. As línguas se encontrando e se acariciando, os lábios
colados num ardor saudoso.
Lily agarrou-se a ele, num medo insano de que, como das
outras vezes, fosse deixá-la. Anthony soltou um gemido de dor e ela
descolou os lábios, percebendo que em seu ardor tinha tocado a
ferida.
— Eu te machuquei — lamentou e em resposta Anthony
sorriu.
— Eu vou sobreviver. — Ele desceu a mão para tocar um
seio sobre a camisa.
— Anthony, não podemos… — ela hesitou enquanto beijos
mornos deslizavam por seu rosto até o lóbulo de sua orelha.
Ele a fitou com os olhos escuros de desejo e Lily arfou.
— Eu prefiro morrer a não ter você.
Suas palavras inflamadas e tão definitivas – e inéditas –
desencadearam uma paixão desenfreada em seu íntimo e Lily se
esqueceu de tudo mais, a não ser o pensamento delirante que,
depois de tanto tempo perdido, de tantos mal-entendidos, finalmente
ela seria dele.
Fechou os olhos e entregou-se aos seus beijos, emocionada
até a alma.
Anthony distribuía beijos cálidos por todo seu rosto, enquanto
a mão deslizava por cima da camisa. Lily arfou ansiando para sentir
o toque dele diretamente sobre a sua pele. Espalmou a mão no
peito quente, sentindo as batidas desenfreadas do coração,
enquanto sentia a boca de Anthony desbravar sua garganta,
arrepiando-a dos pés à cabeça e a deixando ansiosa por mais.
Ela aspirou, o odor másculo invadindo suas narinas e
intoxicando seus sentidos. Lily se sentia sensível como as cordas de
um violino dedilhado pelos dedos de um experiente violinista,
fazendo vibrar cada fibra de seu ser. Nunca se sentira tão mulher,
tão viva, tão receptiva ao seu toque como naquele momento.
Entrelaçou as pernas nas dele, a maciez de sua pele contrastando
com a aspereza dos pelos que cobriam as pernas masculinas.
Não havia pressa. Dentro deles havia a certeza que o
caminho que percorriam era sem volta. A paixão há muito reprimida
ansiava por ser libertada. Os dedos exploradores agora percorriam
a espinha de Lily e pousavam em seus quadris, a levando para mais
perto, de encontro a virilidade pulsante entre as pernas masculinas
e ela gemeu, ansiando como nunca saber como seria tê-lo dentro de
si, naquele lugar em que ela sentia pulsar e derreter num desejo que
a fazia tremer de expectativa e se apertar contra ele, arquejante.
— Por favor, Anthony... — implorou sentindo-se inquieta.
— Vamos devagar — Anthony respondeu, afastando-a um
pouco. — Não quero assustá-la e nem machucá-la.
— Eu quero saber como é — ela insistiu entre beijos.
— Eu quero que seja bom para você...
— Vai ser... — Ela levantou a cabeça e o encarou. — Já fez
isso antes, sabe o que fazer.
Ele riu.
— Jamais senti tamanha emoção ao estar prestes a possuir
uma mulher — ele confessou. — Não é qualquer uma. É você. E
sabe quanto tempo sonhei com isso? Sabe como imaginei tudo o
que gostaria de fazer com você?
— E o que quer fazer?
— Quero mapear o seu corpo com meus dedos, para
começar. — Ele enfiou as mãos embaixo da camisa e tocou seus
seios, fazendo Lily arquear contra seus dedos. — Depois, com meus
lábios e minha língua.
E ele abriu a camisa, enfiando o rosto entre seus peitos e
aspirando, para depois deslizar a língua até seu mamilo, chupando-
o forte.
Lily gemeu, sentindo uma lança de prazer fazendo um
contato direto entre suas pernas que ela moveu, frustrada.
— Quero saber o que te dá prazer... — Ele correu os dedos
até onde ela estava morrendo por seu toque e a acariciou devagar,
os dedos desbravando aquele ponto escondido e indo mais além, e
entrando nela.
Lily gritou, surpresa e deliciada e Anthony a beijou forte,
sufocando seus gemidos, enquanto os dedos continuavam a torturá-
la.
Ele já tinha feito isso antes, duas vezes, e Lily sabia onde
poderia chegar, mas agora era diferente. Tudo parecia mais incrível,
mais intenso.
Ela apertou-lhe os ombros movendo os quadris de encontro
aos seus dedos e Anthony a observou, afastando a mão dela e a
deixando vazia e frustrada.
— E isso é só o começo, Lily. Eu quero com você coisas que
prefiro apenas te mostrar.
Ela sorriu, entre nervosa e excitada.
Parecia demais, parecia muito. Era assustador e maravilhoso
ao mesmo tempo.
— Está nervosa?
Em resposta, ela capturou seu pulso e o levou de novo para
entre suas pernas.
— Não. Eu vou ficar nervosa se você parar. — Ela lhe
brindou com um sorriso sedutor.
Mas Anthony não continuou, e Lily soltou um resmungo
frustrado.
— Fique tranquila, porque não tenho a menor intenção de
parar. Porém, quando você gritar de prazer, será quando eu estiver
enterrado dentro de você.
Ela prendeu a respiração quando ele a livrou da camisa.
Ele já a tinha visto nua, mas agora era diferente. Seria
possível um corpo inteiro corar ao escrutínio do homem que a
despia? Teve vontade de cobrir-se com as mãos, mas então seus
olhares se encontraram e Anthony sorriu, derretendo suas defesas.
— Nos dias frios de guerra, eu me lembrava de você assim.
— Ele deslizou os dedos pelas laterais do seu corpo. Lily engoliu
em seco ao ouvir as palavras sussurradas.
— Posso tocar você? — pediu e sem esperar resposta tocou
as ataduras que cobriam seu ombro, descendo pelo tórax, pela
barriga plana e ela o ouviu prender a respiração quando tocou o
membro enrijecido. Anthony gemeu e retirou as mãos. Temerosa
que tivesse sido ousada em demasia, mas ele puxou sua nuca,
unindo a boca a dela, num beijo faminto, que inflamou seus
sentidos.
— Se me tocar agora, vamos terminar antes de começar.
— Mas eu quero...
Então pegou sua mão e a guiou numa exploração pelo corpo
masculino desconhecido, ensinando-a a retribuir o prazer. E Lily
deliciou-se em sentir a pele quente e áspera nas mãos, explorando
as coxas musculosas, as costas largas, as nádegas rijas... sentindo
Anthony tremer com seus toques inexperientes, cobrindo o corpo
dela com o seu.
Lily estremeceu ao sentir os corpos nus se tocando, pele
contra pele.
Não havia mais lugar para hesitação ou medo. O desejo fazia
um latejar ansioso se alojar entre suas coxas, criando uma
necessidade sufocante. Sabia o que acontecia entre um homem e
uma mulher. E já tinha experimentado uma boa parcela daquilo com
Anthony. Mas sabia que nada se compararia ao ato em si.
— Você tem certeza? Se não estiver pronta... — ele
perguntou ofegante, deslizando para o meio de suas pernas.
— Está brincando? Eu estou pronta desde o dia em que nos
conhecemos! — respondeu ansiosa, ondulando os quadris contra os
dele. Seria capaz de morrer se ele parasse agora. — Espero por
isso há tanto tempo que nem acredito que está realmente
acontecendo — confessou e ele afastou os cabelos de seu rosto
afogueado com extrema ternura, beijando seus lábios
delicadamente, enquanto se posicionava e Lily tremeu em
expectativa.
Sentiu cada músculo interno se retesar e ficar à espera, entre
medrosa e excitada ela fechou os olhos ao senti-lo penetrá-la
devagar, a respiração presa na garganta e uma leve arder romper
sua carne.
Ele fez que ia se afastar, mas Lily o impediu.
— Por favor, Anthony, eu quero saber como é ser sua...
E ele perdeu o pouco controle que ainda lhe restava e a
penetrou com toda sua paixão, sufocando seus gemidos com um
beijo profundo. Depois, esperou dentro dela, beijando suas faces,
suas pálpebras, sua têmpora, deixando que ela se adaptasse a
doce invasão de seu corpo e devagar, a princípio, ele começou a
mover-se.
Era como se tivesse nascido para isso, para se completarem
como um só ser. Lily abriu os olhos quando o desejo voltou em
ondas, sentia Anthony movendo-se dentro dela e arquejou. Içando
os quadris da cama, ela abraçou-se a ele, dominada por um prazer
tão intenso que parecia que poderia explodir. Enterrou as unhas nas
costas masculinas, deslizando numa doce inconsciência onde não
restava nada a não ser o Anthony dentro dela, movendo-se com
urgência agora, a voz enrouquecida em seu ouvido, a respiração
entrecortada na sua pele, as mãos segurando seu quadril ditando o
ritmo primitivo da paixão.
As sensações se intensificando e se avolumando até
explodirem numa onda final de prazer que a fez sair da realidade
por instantes sem fim.
Anthony sussurrou seu nome, estremecendo e ela o
acompanhou no delírio onde reinou o prazer absoluto.
E ela sentiu, depois de tanto tempo, como era pertencer ao
seu amor, de corpo e alma.
Capítulo 15

Depois os corpos suados e satisfeitos repousaram na


quietude da manhã que rompia.
Lily abriu os olhos, sentindo o amor se expandindo no peito e
uma paz infinita tomar conta de seu coração.
— Amo você, Anthony... — sussurrou e em resposta ele a
beijou com uma ternura imensurável. — Você acredita agora?
— Você um dia poderá me perdoar, Lily?
Ela o encarou como se não soubesse do que ele estava
falando. Estava tão feliz, que tinha se esquecido completamente de
tudo o que ele a acusava.
— Fui um tolo orgulhoso, nunca deveria ter acreditado na sua
prima, mas a verdade era que me apaixonei por você à primeira
vista e a quis pra mim. E talvez nunca tenha acreditado realmente
que pudesse me amar com a mesma intensidade.
— Eu o desprezei, o tratei mal...
— Sim. Uma garota mimada tinha me dominado totalmente.
Imagina como eu me senti. Mesmo depois, quando parecia não
mais me odiar, eu tinha dúvidas se o que você sentia ia além da
atração que eu tinha lhe despertado.
— Eu sempre o amei, Anthony. Só fui boba o bastante para
demorar a admitir para mim mesma. Me irritava saber que o noivado
estava sendo imposto a mim, pois jurei que eu iria escolher com
quem iria me casar e não meu pai.
— E tinha o Jake Dawson — ele comentou com uma sombra
no olhar.
— Não! — Lily sabia que este era o momento de esclarecer
todos os mal-entendidos. — Eu achava que estava apaixonada por
ele, mas tudo não passou de ilusão. Era mais uma rebeldia contra
tudo o que meu pai me impunha. Eu descobri que não o amava
quando conheci você. Eu nem permitia que ele me beijasse ou que
me tocasse. E com você... era tudo tão diferente. Eu mal conseguia
me conter. E um dia eu soube que estava completamente,
irremediavelmente, apaixonada pelo meu noivo. Eu errei por
também me deixar iludir pela Rosamund, que dizia querer me
ajudar, quando na verdade ela queria era que eu ficasse com o
Jake, assim o caminho ficaria livre para ela ficar com você.
— Eu jamais ficaria com a Rosamund.
— Ela achou que sim. Eu nunca me encontrei com o Jake
depois que ficamos noivos. E nunca me ocorreu contar a você,
porque fiquei com medo de não entender.
— Talvez eu não tivesse entendido mesmo na época. Eu me
sinto péssimo, Lily, por pensar em tudo que sofreu, sozinha, tantos
anos perdidos. Acho que nunca vou poder me perdoar.
— Não se torture. Não podemos mudar o passado. Nós dois
erramos, esta é a verdade.
— Rosamund também errou. E você a amparou por todos
esses anos? Mesmo depois de tudo o que ela te fez?
— Ela foi expulsa de casa quando meu pai descobriu que
estava grávida e eu fui para aquele convento. Quando meu pai
morreu ela apareceu, estava a ponto de dar à luz e não tinha pra
onde ir. O que eu podia fazer? A criança não tem culpa de nada.
Lily resolveu ocultar de Anthony o episódio em que sua mãe
lhe negava ajuda.
— E ela tem certeza da paternidade?
— Dizia que era filho do seu irmão, porque obviamente
preferiria assim, afinal, Elliot é de uma boa família, mesmo sendo
um canalha.
— Eu não vou defender meu irmão neste sentido...
— Mas quando descobrimos que Jake estava preso, ela
confessou a verdade. Por isso eu vim atrás dele, é triste pensar que
pode morrer sem saber que é pai do Theo. E claro, mesmo ele não
sendo meu namorado, ainda é meu amigo de infância, não desejo
que morra. Mas acredite quando digo que não fui movida pela
paixão. Nunca senti verdadeira paixão por Jake.
— Eu me enganei a seu respeito, Lily. Não é a moça egoísta
e mimada que eu pensava que fosse.
— Eu era sim. Foi o sofrimento que me fez mudar.
— Sofrimento causado por mim. Tem razão em me acusar de
covarde e de lhe virar as costas sem deixar que se defendesse.
— Não importa mais. Agora está aqui...
As mãos se buscaram e os dedos entrelaçaram-se
delicadamente.
— Você conseguiu mais uma vez, Lily Rose Bennet, me tem
de novo na palma de sua mão.
Ela sorriu e o abraçou, sentindo o coração derreter. Então um
pensamento incômodo tomou sua mente.
Beatrice. A linda noiva que esperava por Anthony em Atlanta.
O que aconteceria agora?
Anthony deslizava a mão pela sua espinha enquanto a boca
tomava a sua num beijo doce, que falava de amor e desejo e ela
decidiu esquecer tudo o mais e aproveitar esses momentos
roubados. Não queria estragar falando de sua noiva.
Mas uma dorzinha incômoda a alertou que teria que
confrontar a realidade em breve. Mas não hoje. Pensou enquanto o
beijava de volta, sentindo o desejo voltar a acender.
— Podemos fazer de novo? — pediu em seu ouvido,
ondulando os quadris de encontro a ele e Anthony meio riu, meio
gemeu, apertando sua coxa.
— Quantas vezes quiser e nós aguentarmos — ele
sussurrou com a voz enrouquecida enquanto mergulhava nela
novamente.
Ela riu deliciada, sentindo as labaredas voltarem a queimar.
Desta vez a paixão os consumiu rapidamente e tão rápido
quanto queimou o fogo se extinguiu e Anthony se deitou de costas,
trazendo Lily com ele.
Ela se enroscou no corpo forte como uma gata, sentindo os
braços protetores a envolverem e dormiu o sono mais feliz de sua
vida.
Porém Anthony permaneceu acordado, pensando em como
tinha sido um tolo por perder tanto tempo se enganando. Lily
despertava nele uma paixão perturbadora. Tê-la assim, adormecida
junto a si, era como voltar para casa depois de um longo inverno. E
se antes a desejava intensamente, agora a queria mais ainda. O
amor sem limites que um dia fizera querê-la pra si mais que tudo
estava de volta com força total. Sentia um desejo insano de marcá-
la como dele, de protegê-la contra tudo e todos. Beijou seus
cabelos, apertando-a mais contra si. Ela era sua. Sempre fora.
Ele sabia que ainda havia um longo caminho pela frente, mas
o sono já o consumia. Deixaria para amanhã as preocupações com
o mundo real. Por hoje queria apenas abraçar sua Lily e matar a
saudade que sentia de tê-la entre seus braços.

Lily acordou lentamente e antes de abrir os olhos lembrou-se


de onde estava e com quem estava e sorriu, virando-se de lado,
buscando o corpo quente de Anthony, mas encontrou somente o
vazio. Abriu os olhos, franzindo a testa.
A cama do seu lado estava vazia, olhou em volta à procura
dele, mas o silêncio imperava.
— Anthony?
Jogando as cobertas para o lado, viu seu vestido que ainda
repousava perto da lareira e o vestiu, saindo para a claridade da
manhã.
Sentiu o coração se expandindo lentamente quando o viu.
Não era um sonho. Anthony estava ali, em carne e osso. Ele
virou-se e sorriu para ela e Lily sentiu o coração batendo forte no
peito. Não importava tudo o mais, estavam juntos.
Caminhou até ele, que estendeu a mão, e Lily aconchegou-se
na fortaleza de seus braços, sentindo a boca masculina tocar
delicadamente seus cabelos.
Depois do que pareceu uma eternidade, Lily levantou o olhar.
— Temos que ir embora daqui — ele anunciou.
Lily sentiu o coração se apertar.
— As batalhas estão se aproximando.
Lily resistiu bravamente à vontade de implorar que não
fossem embora. Que ficassem para sempre ali, juntos. Longe de
tudo o que os separava.
— Tudo bem. — Soltou-se de seus braços, sentindo o frio da
manhã envolvê-la.
— Lily... — Ele pareceu intuir o seu desapontamento e ela
forçou um sorriso.
— Está tudo bem, Anthony. Eu sei dos perigos da guerra. Vou
arrumar as coisas.
Deu meia-volta e entrou na cabana, assim que ficou longe da
vista dele, ela enxugou uma lágrima fortuita e foi arrumar os
pertences de Anthony. Contendo a onda de desespero e incerteza
que a assolava.

— Você está arrependida?


Lily virou-se para Anthony, surpreendida com a pergunta.
Tinham deixado a cabana para trás há poucas horas e desde então
não tinham trocado uma palavra. Lily sentia o coração apertado no
peito, a apreensão do que viria a seguir a deixava nervosa. Mas não
se arrependia. Como poderia?
Ela o encarou e sorriu.
— Poderia viver cem anos que não me arrependeria.
Anthony sorriu e puxou sua cabeça para um beijo.
Lily fechou os olhos, sentindo as primeiras ondas de desejo
invadi-la e com um gemido segurou-se nele, totalmente esquecida
de onde estavam, concentrada apenas em sentir os lábios firmes
movendo-se sobre os dela, numa pressão sutil, porém
embriagadora.
Depois, ela encostou a cabeça em seu peito.
Por que se preocupar antes do tempo?
Por que se martirizar quando ele estava ali junto dela depois
de tanto tempo?
Deixaria para pensar nos problemas quando eles surgissem.

Ao entardecer, eles chegaram a uma pequena cidade.


— Vamos ficar aqui hoje. Não estamos longe de Atlanta
agora, mas é perigoso seguir viagem à noite.
A menção a Atlanta fez Lily estremecer. Sentindo a velha dor
oprimir o peito ela desviou o olhar, quando desmontaram.
— Lily, eu...
— Não, Anthony — ela o interrompeu. — Eu sei do que você
vai falar. E acho que tenho medo de ouvir.
— Não sabe o que eu vou falar.
— Beatrice. Não é da sua noiva que temos que falar?
Lily viu a culpa nos olhos dele quando tocou no nome de
Beatrice. E não soube dizer se isso a machucava ou a aliviava.
E de repente, ela entendeu que dentro dela também existia
um sentimento de culpa. Por mais que se amassem, Anthony era
um homem comprometido agora.
— Anthony, talvez não tenha sido certo o que nós fizemos.
— Pois eu acho que nunca fiz algo tão certo em minha vida.
— Mas você é noivo! Eu fico pensando que poderia ser eu a
sua noiva e pensar em você me traindo...
— O meu relacionamento com a Beatrice não é e nunca foi
igual ao nosso, Lily. Eu nunca a amei. Foi apenas uma
conveniência.
— E por isso pode traí-la?
— Não, eu não tinha o direito, mas sabe que o que aconteceu
entre nós foi inevitável.
— Sim, mais do que ninguém eu sei! Mas não tira o peso do
que fizemos! Você não é um homem livre! E por mais que eu queira,
não podemos fingir que a realidade é outra e isso está me matando!
Lily respirou fundo para conter as lágrimas de desespero.
Porque em momento algum ouvira Anthony falar em rompimento de
seu noivado. Mas era o que ela esperava? Na verdade, a situação
com Anthony tinha sido tão confusa desde que se reencontraram
que jamais parara para pensar no que aconteceria se ele
capitulasse. Mas agora ali estava. Ele acreditava nela, não havia
mais ressentimentos. Tinham dormido juntos.
E o que fazer agora? E se Anthony dissesse a ela que não
iria terminar o noivado com Beatrice? Sobreviveria a mais este
golpe?
— A culpa não foi sua. Eu deveria...
— Deveria o quê? Não fazer amor comigo? Está
arrependido?
— Não estou falando isso!
— Mas é o que está parecendo!
— Eu não me arrependo! Será que não vê as implicações?
— Está falando da sociedade? Está falando que uma moça
honesta não faria o que eu fiz? Você pensa assim?
— Não! Mas deve saber que a sociedade em que vivemos
nos condenaria. Muito mais a você do que a mim.
— Mas quando éramos noivos, nós...
— Era diferente. Iríamos nos casar.
— E não vamos nos casar agora, não é? Agora eu entendo o
que quer dizer...
— Não! Não está me deixando falar! Está tirando suas
próprias conclusões!
— E o que quer me dizer que é diferente da conclusão a que
cheguei? Vai me dizer que a realidade é outra? Faça-me o favor,
Anthony! Sinceramente, se sua preocupação é com a minha
reputação, saiba que ela já foi perdida quando me deixou a primeira
vez!
Ela se afastou, enxugando as lágrimas que teimavam em
cair. Como tinha sido estúpida!
— Lily? — ele a chamou de repente e ela se virou.
Anthony caminhou até ela e tomou sua mão. Lily arregalou os
olhos ao observá-lo escorregar para seu dedo o anel de noivado,
que havia deixado em Savannah, no afã de apagar de vez os
vestígios da história deles.
— Este anel...
— Você o carregou por todo este tempo...
— Carreguei no meu coração, onde era o lugar que eu
guardava meu amor por você.
— Pois agora ele está de volta em seu dedo, como símbolo
do que vou lhe pedir. Você quer ser minha esposa, Lily Bennet?
Capítulo 16

— O quê? — Lily perguntou num fio de voz, tentando ignorar


as batidas de seu coração.
— Eu errei em não te pedir pessoalmente uma vez e talvez
este tenha sido o meu pior erro.
— Mas você já é noivo...
— Um noivado pode ser desfeito.
— Não está me pedindo para me casar com você por que
dormimos juntos, não é?
Em resposta ele a abraçou.
— Estou pedindo porque quero dormir com você todas as
noites para o resto da minha vida. — Ele a beijou, mas a cabeça de
Lily estava cheia de pensamentos confusos e ela o obrigou a
encará-la.
— Você está mesmo falando sério? Quer se casar comigo?
— Ainda duvida? O que preciso fazer para convencê-la?
— É que é muito confuso pra mim... — De repente, Anthony a
soltou e ajoelhou na sua frente. — O que está fazendo? Ficou
maluco?
— Então deixa eu fazer direito.
Lily começou a chorar e cobriu o rosto com as mãos.
Em um segundo Anthony estava na sua frente, a fitando com
o semblante preocupado.
— Lily? Por que está chorando? Achei que era o que você
queria!
— Eu quero. Quero mais que qualquer coisa no mundo. E
estou chorando porque achei que seria impossível!
Ele a abraçou, e Lily agarrou-se a ele soluçando, deixando-se
acalmar, a realidade pouco a pouco adentrando em sua mente.
Anthony e ela iram se casar.
— Nós vamos nos casar — repetiu, chorando e rindo e não
suportando a felicidade que explodia em seu coração que por muito
tempo foi apenas um espaço vazio.
— Acho que precisamos de um padre.
— Padre?
— Para nos casarmos.
— Como assim? Agora?
— Quero me casar com você o mais rápido possível. Para
que nunca mais se afaste de mim.
— Tem razão. Já perdemos anos demais. — Sorriu
concordando.

A cidade era pequena, mas não foi difícil achar um padre.


Que devido à guerra, não achou estranho mais um casal querer se
casar de repente.
— Mas vão se casar agora, assim? — Duas senhoras carolas
que acompanhavam o padre a olharam com desaprovação.
— A senhorita precisa de um vestido! — a outra insistiu.
— Não, eu não preciso...
— Ora vamos, seu noivo pode esperar algumas horas até
que se arrume adequadamente, ou pelo menos o que essa guerra
nos permitir. Venha, vamos ver o que podemos fazer. Só se casa
uma vez!
De nada adiantou Lily insistir que não se importava com o
que estivesse vestindo, as senhoras da igreja a afastaram de
Anthony que apenas deu de ombros, sorrindo.

— Eu ainda acho tudo isto um exagero! — reclamou ao ser


mergulhada na água quente de uma banheira. Estava no quarto da
única pousada da cidade, que Anthony tinha reservado. E por
insistência das senhoras alcoviteiras, Anthony não poderia chegar
nem perto. Dava azar, diziam.
— Imagina, com um noivo bonito daqueles!
— Sim, ouvi dizer que ele é médico!
— Sim, ele é! — Lily confirmou com orgulho.
— E como se conheceram?
— É uma longa história. Se fosse contar agora iria até à
noite!
— Imagina, adoramos histórias românticas!
— Mas não queremos que faça seu noivo esperar! — a outra
disse trocando risadinhas maliciosas e Lily riu com gosto.

Lily entrou na pequena igreja sentindo-se em um sonho.


Vestia um vestido diáfano branco, nos cabelos gloriosamente soltos
uma coroa de flores de lírios e rosas, como seu nome, e nas mãos
um buquê das mesmas flores.
Esperando por ela no fim do caminho, estava Anthony, seu
amor. E quando ele lhe sorriu, Lily soube que queria viver para
sempre naquele sorriso.
Quanto tempo esperara para fazer esta jornada? Por ver
Anthony a esperando no altar? Tanta dor, tanto sofrimento, tanto
tempo... Mas agora ela não queria pensar em mais nada. A não ser
que era o dia de seu casamento. E quando ele tomou sua mão e se
posicionaram à frente do padre para dizer os votos sagrados, soube
que finalmente estava concretizando o seu destino.
Escutou Anthony dizer as palavras que sonhara ouvir em
sonhos e quando o padre deu a cerimônia por encerrada,
declarando-os marido e mulher, Anthony a beijou.
— Agora não pode mais se livrar de mim, Anthony Crawford
— Lily sussurrou
— E quem disse que eu quero me livrar de você, Lily
Crawford? — ele disse entre beijos.
— Eu nem acredito que está realmente acontecendo...
— Então terei que provar a você — ele sussurrou em seu
ouvido —, mas não aqui, não quero chocar as suas novas amigas.
Lily sentiu um arrepio de antecipação subir pela espinha com
o olhar quente de Anthony sobre ela.
Porém foram cercados pelas senhoras da cidade que os
cumprimentaram efusivamente. Depois foram levados para um
jantar que as senhoras insistiram em proporcionar a eles. E só
depois de muito tempo, quando a noite já tinha caído, Lily se viu
sozinha com Anthony.
E quando subiram as escadas da estalagem, ele a segurou
no colo para entrarem no quarto, como manda a tradição.
— Agora estamos sendo tradicionais? — Lily brincou.
— As senhoras da igreja se empenharam para que fosse o
máximo possível — e eles riram —, mas eu gostei de vê-la entrar na
igreja, parecia uma linda visão, vindo em minha direção.
— Acho que não acontece nada de interessante nesta cidade
há muito tempo.
— Elas estavam tão empolgadas que achei que pediriam
para nos acompanhar na noite de núpcias.
— Talvez elas ficassem chocadas ao descobrir que meio que
já tivemos uma noite de núpcias.
— Não, essa é nossa noite de núpcias. — Ele a colocou no
chão do quarto iluminado por velas, finalmente.
— Sim... — Ela suspirou, quando Anthony retirou a coroa de
flores e o véu de seu cabelo.
— Agora eu poderei me despir e você não pode me chamar
de devassa, Senhor Crawford.
— Talvez eu tenha que fazer alguma coisa com essa sua
impertinência, Senhora Crawford.
Eles riram, tomados por uma leveza que vinha da certeza de
que nada mais poderia separá-los. E parecia tão certo, que entre
risos, eles se despiram, até que nus, aproximando seus corpos,
ansiosos por finalmente poderem expressar aquela paixão que ardia
há tempo demais sem restrições.
Lily fechou os olhos, sentindo a respiração quente em sua
face, e depois pequenos beijos por todo seu rosto. O corpo aqueceu
em expectativa e sentiu-se subitamente nervosa. Como se agora
tudo fosse diferente da outra noite e estremeceu em expectativa.
— Você está trêmula. — Anthony correu os dedos por seus
braços arrepiados.
— Você me deixa trêmula. — Riu baixinho, entre beijos
curtos, cheios de promessas.
Lily gemeu, sentindo a excitação dele a queimar como brasa.
Anthony a pegou no colo e a colocou na cama. Lily espalmou
a mão em seu peito, sentindo as batidas do coração tão rápidas
quanto as dela.
— Nas noites frias, em todos esses anos que fiquei sem
você, eu sonhava que iríamos nos reencontrar, que iria voltar a me
amar, que estaríamos como estamos agora, e que me olhava
exatamente como está olhando agora e que, nada, nada, o faria
parar... — enquanto falava, ele deitava o seu corpo sobre o dela,
suas peles se misturando.
— Eu sonhava a mesma coisa, amor... — ele sussurrou
contra sua boca e Lily perdeu o fôlego, quando ele a penetrou sem
delongas.
— Abra os olhos, esposa — ele pediu e ela o obedeceu.
Faria qualquer coisa que ele pedisse.
— Fale de novo.
— Esposa...
Ela sorriu, derretendo de dentro para fora, subindo os braços,
para cingir seus ombros, tomando cuidado com as ataduras e
erguendo os quadris para recebê-lo ainda mais fundo.
— Tudo bem?... — Anthony perscrutou seu rosto.
— Parece tão mais intenso agora, diferente...
— Sim, agora é diferente porque você é minha.
— E você é meu...
Ele a beijou, movendo-se devagar dentro dela, arrancando
suspiros de sua garganta. E Lily beijou seu rosto, deslizando os
lábios pelo queixo masculino até chegar em seu ouvido.
— Porque eu sou do meu amado. E meu amado é meu —
sussurrou o trecho de “Cântico dos Cânticos”, porque expressava
exatamente o que sentia naquele momento.
— Isso foi incrível — ela suspirou quando ofegavam lado a
lado depois de finalmente terem consumado o casamento.
Ela achava que o ápice da perfeição de estar com Anthony
fora a primeira vez, mas estava enganada. Não sabia como era
possível, mas ficava cada vez melhor.
— Isso foi rápido, para acabarmos logo com isso. — Anthony
riu.
— O que quer dizer? — Ela apoiou-se em seu peito.
— Ainda tem muito a aprender, Senhora Crawford. —
Anthony enfiou os dedos entre seus cabelos.
— Tenho? Está querendo dizer que tem mais? — Arregalou
os olhos.
Em resposta, Anthony a girou na cama, beijando-a.
Ela sentiu o desejo acendendo novamente, mas Anthony não
começou tudo de novo, como ela antevia, e sim deslizou os lábios
por seus seios.
— Gosta disso? — ele perguntou com a voz enrouquecida de
desejo, a respiração contra a pele sensível.
— Você sabe que sim...
— E disso? — As mãos desceram rápidas e pousaram sobre
as coxas nuas, acariciando seu interior macio e Lily apenas meneou
a cabeça afirmativamente. Então a tocou intimamente e ela
arquejou, sentindo falta de ar, os dedos experientes imiscuindo em
sua pele quente, causando arrepios que se espalhavam por todo o
corpo, enquanto ele descia por seu corpo com beijos úmidos, até
afastar suas coxas.
— Anthony?...
Lily sentiu a mente parar de funcionar racionalmente quando
ele tocou seu ponto mais sensível com os lábios.
Por Deus, ela nem sabia que podia existir uma coisa assim!
Seria possível sentir tanto prazer? Era totalmente inesperado e ao
mesmo tempo embriagador, sentir a boca dele ali, a respiração
quente a arrepiando inteira.
— Anthony... Ah, minha nossa... — Ela enterrou a cabeça no
travesseiro, os dedos entre os cabelos castanhos, o ventre
tremendo, as coxas tensas, enquanto ondulava os quadris de
encontro à carícia da língua masculina, até que o prazer explodisse
naquele lugar onde Anthony explorava e se espalhasse como fogo
em brasa por toda sua pele.
Quando abriu os olhos, Anthony estava deitado ao seu lado
sorrindo.
— Eu gostei bastante dessa última parte, pode repetir quando
quiser, por favor!
Ele riu mais ainda, puxando-a para si e Lily aconchegou-se
em seu peito, bocejando, subitamente exausta daquele dia
inesquecível.
— Vai ser um prazer. Agora durma. Temos a vida inteira pela
frente.
Satisfeita com essa promessa, Lily adormeceu com um
sorriso nos lábios.

Lily acordou lentamente, a realidade infiltrando-se na sua


mente pouco a pouco e ela sorriu, virando-se de lado. Anthony
ainda dormia. Suspirou, feliz como nunca antes. Como pudera um
dia achar que não era isso que queria? Não gostava nem de pensar
em como fora tola e infantil. Não reconhecera que ele era o seu
destino e por causa disso quase o perdera. Mas agora ele estava
ali, ao seu lado. Tinha se casado com ela.
Lily abaixou a cabeça e pousou os lábios em seu ombro.
Amava-o mais que tudo, mais do que julgara ser capaz de amar. E
morreria se tivesse que se separar dele de novo. Mas isso era uma
bobagem. Ele a tinha escolhido. Dentre todas as mulheres do
mundo ele a achara e amara, apesar de todo o seu orgulho e
prepotência. E tinha voltado para ela, mesmo depois de tantos anos,
tantos desenganos. Mesmo estando noivo de outra.
Pensar na mulher que o esperava em Atlanta a fez franzir o
rosto.
— Por que está tão séria, Senhora Crawford?
Lily ouviu a voz preguiçosa de Anthony e abaixou o olhar
para ele. Tinha a barba por fazer e os olhos pesados de sono. Era o
homem mais lindo do mundo. Seu marido. Seu coração encheu-se
de satisfação e ela sorriu. E num impulso, mexeu-se para abraçá-lo,
movendo-se para cima dele e o beijando na boca.
— Hum... isso que eu chamo de bom-dia.
— Vou acordá-lo assim todas as manhãs, marido, isso te
agradaria? — Ela levantou as sobrancelhas e sorriu e ele mudou de
posição, rolando por cima dela.
— Nada me agradaria mais, esposa, do que passar a manhã
lhe mostrando o quanto me agrada — sussurrou em seu ouvido e
Lily gemeu, sentindo o corpo despertar —, mas temos que seguir
viagem.
Lily o encarou, confusa.
— Seguir viagem?
— Sim, não podemos ficar aqui, temos que ir para Atlanta.
Lily disfarçou a decepção. Não queria sair dali. Queria ficar
mais um pouco fingindo que estava tudo bem, mas ele tinha razão.
Existia uma guerra em curso. E ela intuía uma guerra muito maior
quando chegassem em Atlanta...
Ela desvencilhou de seus braços e sentou-se na cama,
puxando a coberta para cobrir os seios.
— Então acho melhor nos apressarmos.
— Lily...
Ela sentiu sua presença atrás de si.
— Precisamos voltar, ainda há uma guerra lá fora e não
quero você em perigo.
Ela se voltou para encará-lo e obrigou-se a sorrir.
— Eu sei.
— Então por que está com essa cara?
— É só que... — Ela abaixou o olhar. — Eu pensei que
ficaríamos um pouco mais... sozinhos. Eu me preocupo com...
com... O que vai acontecer quando chegarmos em Atlanta.
— Lily, olhe pra mim. — Ele a fez encará-lo, segurando-a
pelos ombros. — Eu amo você e agora é minha mulher. Eu já tomei
a minha decisão, e nada vai mudar isso.
— Eu queria que a gente pudesse ficar aqui pra sempre, longe
de tudo...
— Lily... — ele a abraçou — do que você tem medo?
— De ficar sem você, de que tudo seja um sonho e eu vá
acordar sozinha em Atlanta.
Ele segurou seu rosto.
— Não é um sonho, Lily. Nós estamos juntos e agora é para
sempre.
— Eu amo você Anthony, e acho que morreria se nos
separássemos novamente.
Anthony a beijou e Lily esqueceu os problemas. O que
poderia dar errado? Estavam casados. E como ele dissera, agora
era pra sempre. Ela sentiu o corpo se aquecendo e gemeu contra
sua boca, aconchegando-se mais a ele, mas Anthony a afastou,
ofegante.
— É sério, Lily, temos que ir.
Ela suspirou, se afastando.
— Tudo bem então! Vamos nos aprontar para voltar a
Atlanta... — Ela ia sair da cama, mas teve um pensamento. —
Anthony, eu não tenho o que vestir!
— O quê? — Ele tinha saído da cama e colocava a calça.
— Não posso chegar em Atlanta com esses farrapos! — Ela
saiu da cama e pegou o vestido que chegara à cidade. Ia
acrescentar que não queria encontrar com a linda Beatrice
malvestida, mas ficou quieta.
— Eu prefiro você assim, nua.
Lily corou até a raiz do cabelo, mas gostou do jeito que ele a
olhava.
— Sim, seria bem apropriado eu chegando nua na cidade,
como Lady Godiva! — Ela caminhou até ele, sentindo o poder da
sensualidade recém-adquirida. — Conhece a lenda de Lady
Godiva, não é Anthony? Nua em cima do cavalo, só os longos
cabelos a cobrir-lhe...
Com um gemido rouco, Anthony a pegou no colo e a pôs na
cama.
— Anthony! Não disse que a gente ia para Atlanta?
— Não agora. — Ele arrancou a calça e Lily gargalhou
quando se estirou em cima dela, e o riso se transformou em gemido,
ao sentir as peles nuas em contato, um desejo morno se alastrando
por todo seu corpo.
— Agora eu quero fazer amor com você — ele sussurrou em
seu ouvido e Lily derreteu, procurando sua boca para um beijo, as
mãos dele deslizando até seus seios túrgidos e... ouviram batidas
na porta.
Anthony praguejou.
— Doutor Crawford, a costureira está aqui.
Lily olhou para Anthony aparvalhada.
— Costureira?
— Eu sabia que sua bagagem havia se perdido e pedi que
ela viesse hoje.
— Eu não acredito...
— Você é minha esposa, Lily. E os dias em que estava
sozinha acabaram.
— Mas tinha que ser agora?
— Infelizmente.
Anthony levantou-se e foi abrir a porta e Lily cobriu-se
rápido.
Ele era realmente maravilhoso. Tinha pensando nisso antes
dela. Também, ontem ela estava preocupada apenas com seu
casamento relâmpago!
A modista entrou, acompanhada de duas ajudantes que
traziam uma infinidade de vestidos e acessórios. Anthony saiu do
quarto a deixando sozinha não antes de dizer para adquirir tudo o
que precisava sem se preocupar com dinheiro. A costureira
suspirou e Lily riu.
— Com o embargo dos navios da Europa, está difícil
conseguir insumos. Porém, eu tinha muito estoque de tecido. Que
sorte a sua, que temos ainda esses modelos guardados. Com a
guerra em curso, quase ninguém tem dinheiro para roupas novas!
Horas depois ela desceu para a rua, onde Anthony a
esperava ao lado de uma carruagem.
Usava um modelo de veludo, com direito a chapéu e luvas.
Fazia anos que não se vestia tão bem e era até estranho, se
ver como a antiga Lily.
Só que agora ela não era a herdeira Lily Bennet.
Era a esposa de Anthony Crawford.
— Você está linda. — Ele admirou o azul-escuro do vestido
de veludo, próprio para a viagem.
— Pensei que me preferisse nua — ela brincou enquanto ele
a ajudava a subir na carruagem.
— E prefiro, mas apenas para meus olhos, Senhora
Crawford.
Lily riu, mas quando a carruagem deixou a cidade voltou a
sentir-se apreensiva. Fitou a paisagem que se delineava pela janela,
pensativa.
Dali a poucas horas estaria encarando os pais de Anthony.
Pensou na frieza com que Josephine a tratou quando pediu ajuda
para Rosamund. Pensou na moça que achava que ainda iria se
casar com Anthony.
Lily tinha certeza de que Anthony a amava. Então por que
ainda se sentia insegura? Achava que Anthony iria separar-se dela
para se casar com Beatrice? Claro que ele jamais faria uma coisa
dessas, mas na verdade o que a preocupava era como seria tudo a
partir de agora. Josephine teria um choque. Pensava que seu filho
voltaria para se casar com Beatrice e em vez disso estava casado
com uma “perdida”. Ela não queria nem pensar na sua reação.
— Você está séria de novo. — Ouviu a voz dele a chamando
para a realidade.
Ela o encarou. Ele estava absolutamente lindo num terno
preto, tendo também adquirido roupas novas.
Nunca se cansava de olhar pra ele. Lembrou-se da última vez
que estiveram numa carruagem... Parecia que fora em outra vida.
Ela sorriu com a lembrança.
— Estava lembrando de quando estávamos numa carruagem
parecida, indo àquele baile, há tanto tempo.
Os olhos dele se estreitaram.
— Eu me lembro da volta.
Lily sorriu.
— Eu também.
— Vem aqui, esposa.
Ela obedeceu sem pensar e deslizou de seu lugar para seus
braços, que a estreitaram junto a si fazendo Lily sentar em seu colo,
as mãos seguravam firmemente sua cintura.
— Você vai amassar meu vestido novo — ela ofegou.
— Quem liga? — Ele a beijou e Lily se esqueceu de tudo o
mais, entregando-se à paixão. A boca devorava a sua, as línguas se
entrelaçando, as mãos saíram da cintura para desfazer os laços que
mantinham seu vestido preso, para depois puxá-lo para baixo,
desnudando os seios alvos. Lily observou fascinada ele lamber o
mamilo róseo, tomá-lo na boca, sugando-o e estremeceu, fechando
os olhos e jogando a cabeça para trás, perdida de prazer. Ele
acariciava com a língua e os dentes um seio depois o outro,
enlouquecendo-a. As mãos desceram para acariciá-la por baixo do
vestido, tocando a fina seda da roupa íntima, trazendo-a para mais
junto dele, e Lily sentiu sua ereção exigente e gemeu.
Ele beijou seus lábios entreabertos, as faces vermelhas, o
pescoço macio.
E quando as mãos migraram para o vértice entre as pernas,
acariciando a carne trêmula por cima do tecido, Lily perdeu o resto
da consciência. Queria-o por inteiro e agora. Desvencilhando-se,
arrancou a roupa íntima e sentou em seu colo novamente.

Anthony soltou um grunhido, enquanto Lily desabotoava sua


calça. Soltando um gemido de rendição, ele se deliciou com seus
dedos o cingindo, o enlouquecendo com seu toque. Ansiando
enterrar-se nela sem mais demora, a segurou pela cintura e a fez
descer sobre sua ereção, sentindo-se envolvido pelo seu calor e
umidade. Era este o seu lugar, dentro dela.
— Anthony... — ela gemeu movendo-se em cima dele
sinuosamente e Anthony perdeu-se em seu olhar, extasiado com a
visão sensual de sua esposa perdida em seu próprio prazer,
sentindo um orgulho puramente masculino, por estar possuindo-a.
Por ter aquele direito de possuí-la. Ele e somente ele.
E juntos mergulharam mais uma vez em busca do prazer
total, até caírem exaustos, porém saciados.

Lily deitou a cabeça em seu ombro e ele tocou seus cabelos,


beijando seu ombro nu. Ela levantou a cabeça.
— Você amassou o meu vestido.
— Está reclamando? — ele falou preguiçoso.
— Jamais!
— Eu te amo, esposa. — Ele sorriu e Lily o beijou, querendo
eternizar aquele momento.

Mas horas depois, a carruagem passava pelas ruas de


Atlanta e ela voltou a sentir a velha apreensão e quando pararam
em frente à casa dos Crawford não demorou para Josephine sair
pela porta, seguida por Beatrice e Theodore. Lily sentiu o estômago
embrulhar. Anthony desceu na sua frente e Josephine apressou-se
em abraçá-lo.
— Você está de volta!
— Como vai, filho? — Theodore falou mais comedido.
— Olá, Anthony. — A linda moça de olhos brilhantes o
cumprimentou efusivamente, correndo para abraçá-lo plantando um
beijo em seu rosto!
— Beatrice... — Anthony tentava se desvencilhar daqueles
braços.
— Finalmente voltou!
Então Theodore pareceu notar que havia mais alguém na
carruagem.
— Anthony, quem está com você?
O marido voltou-se para a carruagem e estendeu a mão para
Lily. Ela ainda o olhou com apreensão, mas Anthony lhe sorriu e Lily
percebeu que com ele poderia enfrentar qualquer coisa.
Com um novo ânimo, ela desceu da carruagem, encarando
os rostos confusos.
— Lily Bennet? — o pai de Anthony exclamou surpreso.
— Mas o que significa isso, Anthony? — Josephine
perguntou confusa.
— Mãe, pai, quero lhes apresentar, minha esposa, Lily
Crawford.
Capítulo 17

Por alguns instantes intermináveis, o silêncio tomou conta do


pequeno grupo. Lily pousou os olhos em cada um deles. Theodore
parecia apenas confuso. Josephine que iria desmaiar a qualquer
momento e Beatrice tentava balbuciar algo.
— Anthony, eu não entendo. Como pode estar... quem é essa
mulher?
— Beatrice, eu sinto muito. — Ele parecia realmente culpado
com a confusão da moça e Lily sentiu uma pontada de pena.
— Sei que é repentino, mas essa é a verdade: eu me casei
com a Lily.
— Só pode estar brincando! — Josephine se manifestou.
— Não, mãe, não é brincadeira.
— Como pode... Como foi que uma coisa dessas aconteceu?
Você estava em Savannah e esta daí...
— O nome dela é Lily — Anthony a interrompeu. — Preciso
lhes contar como tudo aconteceu, mas acho que aqui na rua não é o
melhor lugar.
— Como ousa, Anthony, fazer isso com Beatrice? —
Josephine exclamou, furiosa.
Theodore segurou a esposa.
— Chega, Josephine. O Anthony tem razão. Vamos entrar e
esclarecer toda essa história.
Lily tremia feito vara verde, Anthony segurou sua mão e a
puxou para dentro da mansão, seguindo Theodore e Josephine.
Lily sabia que agora sim a guerra havia começado.
— Como vai explicar isso, Anthony? — Josephine foi a
primeira a se manifestar, após terem entrado na ampla sala de
visitas do Crawford.
— Na verdade é muito simples. Eu e Lily nos casamos.
— Isso é um absurdo! — Josephine gritou.
— Filho, tinha um compromisso com Beatrice — Theodore
Crawford interferiu visivelmente mais calmo.
A expressão de Anthony era culpada.
— Eu sei. — Ele olhou para Beatrice, que estava
mortalmente quieta desde que Anthony anunciara Lily como esposa.
— E prefiro falar a sós com ela depois.
— É um ultraje! — Josephine continuou. — Posso saber
como isso aconteceu?
— Eu viajei a Savannah há algumas semanas — Lily se
intrometeu — e encontrei com o Anthony. Não foi nada previsto, eu
nem sabia que ele estava na cidade.
Josephine a encarou com sarcasmo.
— Não sabia? Quer que eu acredite que não premeditou
tudo? Queria-o de volta e quando ficou sabendo que ele estava
noivo tramou seu plano sórdido!
— Mãe, não foi nada disso! — Anthony se enfureceu. —
Aconteceu como a Lily falou, foi um mero acaso.
— E bastou ela aparecer para você esquecer que tinha um
compromisso? Posso imaginar bem como ela o seduziu!
— Cale-se! Não vou admitir que fale assim da minha esposa!
— Josephine, acalme-se. Quer queira, quer não, agora
Anthony está casado. — Theodore segurou o braço da mulher.
— Não posso aceitar! Vocês se esquecem do que ela
aprontou? Da traição de que foi capaz? Anthony, você a pegou na
própria cama com outro homem!
Lily enrubesceu, envergonhada.
— Aquilo foi um engano — Anthony a defendeu.
— Engano?! Você mesmo viu...
— Foi uma armação, da minha prima Rosamund com o Jake
— Lily se manifestou — que nunca foi meu amante.
— Mamãe, pare. Todos os mal-entendidos ficaram no
passado. E não passou disso. De mal-entendidos. Nada do que foi
dito sobre a Lily era verdade. E não vou admitir que continuem a
acusá-la de erros que não cometeu.
— Se você diz que tudo foi um erro, e a prima dela? Que não
passa de uma perdida e teve um filho fora do casamento? Que
ainda queria nos fazer acreditar que era do seu irmão?
— Poderia ser, já que Elliot a seduziu — Lily exclamou.
— Então, ela confirmou que mentiu e que o filho não é de
Elliot? — Theodore indagou.
— Sim, ela confessou que... se enganou. — Lily nem sabia
como defender Rosamund de suas mentiras.
— Bem, isso é problema da Rosamund e não nosso —
Anthony cortou o assunto —, mas Rosamund é prima de Lily e
estava desamparada. E sendo família de Lily, ela e a criança são
nossa família agora também.
Lily surpreendeu-se com a atitude de Anthony. Assim como
sua família.
— Não posso crer no que estou ouvindo! Agora não bastando
ter que suportar Lily Bennet como sua esposa também vou ter que
receber na minha família a prima perdida e mentirosa?
— Josephine, basta — Theodore falou firmemente. — O
Anthony tem razão. Lily é a mulher que ele escolheu e temos que
aceitar sua decisão. E a família dela agora é nossa família. Já chega
de sermos orgulhosos. A felicidade do nosso filho é o que importa.
Ou quer perdê-lo também, como perdemos Elliot?
— Mas e a pobre Beatrice? — Josephine não se dava por
vencida e encarou a moça que se mantinha quieta e pálida, ouvindo
a discussão. — Tinha um compromisso com ela, que ficou te
esperando todo esse tempo! Não merecia essa traição!
— A senhora tem razão. Foi uma traição, mas quando
reencontrei Lily e percebi que tudo o que aconteceu foi um erro, não
havia mais motivos para ficarmos separados.
— Não podia ao menos esperar para romper o noivado
corretamente? Tinha que aparecer aqui já casado com outra?
— A outra que se refere é a mulher que eu virei as costas,
deixando sozinha, sem ter culpa de nada. Não podia me casar com
Beatrice, se ainda amava a Lily.
Lily observou o rosto pálido de Beatrice e sentiu pena. Não
queria estar na pele dela e Josephine tinha razão. Deveriam ter
esperado Anthony terminar o noivado para depois se casarem.
— Eu sinto muito — Lily falou para Beatrice. — Sei o que
deve estar sofrendo, mas nossa história, minha e de Anthony, não
estava terminada, apenas interrompida. Por favor, o perdoe, ele só
se casou comigo antes de romper o compromisso com você para
me proteger.
— Agora eu entendi! Com certeza não perdeu tempo em
comprometer meu filho para arrancar dele um casamento! —
Josephine exclamou e Lily corou até a raiz do cabelo.
— Basta, mamãe. Acho que por hoje chega de discussões.
Fizemos uma longa viagem e eu ainda estou me recuperando de um
tiro.
— Você levou um tiro? — Josephine se preocupou
esquecendo por ora das discussões, levando a mão à boca,
horrorizada. — Não sabia que estava em frente à batalha... Achei
que só cuidava dos feridos.
— Foi na estrada, nos colocamos em meio a um conflito, mas
já estou bem, mamãe. A Lily cuidou de mim.
— A Lily? — Theodore estranhou.
— Sim, ela mesma. Quando levei o tiro estava indo ao seu
encalço depois de mandá-la de volta a Atlanta. Tivemos que ficar
isolados numa cabana no meio do nada e ela cuidou do ferimento.
— Onde aprendeu isso? — Theodore perguntou.
— Fui enfermeira de guerra e também ajudei o Anthony em
Savannah.
— Não consigo imaginar uma moça tão elegante fazendo
estes serviços. — Ele parecia realmente surpreso.
— Eu fiz o que era preciso. É o que todos estamos fazendo
nessa guerra.
— Bem, agora acho que não tenho mais nada a dizer —
Josephine falou friamente. — Vou levá-la aos seus aposentos —
disse para Lily.
Lily olhou para Anthony.
— Pode ir, preciso tratar de alguns assuntos antes de me
juntar a você.
Ela entendeu que os assuntos seriam com Beatrice, mas não
interferiu. Anthony precisava explicar a razão do casamento súbito
para a ex-noiva.
Ela acompanhou Josephine silenciosamente até o andar
superior. Lily ia reconhecendo os lugares da outra vez que estivera
ali. Parecia que tinha sido em outra vida. Naquela época ela nem
sabia bem o que queria. Ainda se acreditava apaixonada por Jake,
mas seu corpo já reconhecia o homem que seria o seu destino.
Passou em frente ao quarto que tinha ficado da outra vez. Tinha
uma vontade imensa de ficar ali de novo, mas sabia que como
esposa de Anthony não seria colocada naquele quarto feminino.
Josephine a levou até a suíte decorada em tons escuros e
Lily pensou de novo que preferia o outro quarto, bem mais alegre.
— Bem, aqui estamos. Já pedi para os criados trazerem sua
bagagem. Se precisar de alguma coisa, chame a governanta. Fique
à vontade. — Josephine virou-se para sair do quarto, mas Lily a
chamou.
— Senhora Crawford?
— Precisa de alguma coisa? — Josephine a encarou com
frieza.
— Não precisa me tratar assim.
— Assim como?
— A senhora sabe bem. Estou casada com o Anthony e não
há nada que possa fazer para mudar esse fato. Portanto, preferiria
que nos déssemos bem, ou que, no mínimo, me tratasse com
respeito.
— Não deve me dizer como agir dentro da minha própria
casa.
— Eu só quero que a senhora entenda que não fiz por mal.
Eu amo o Anthony, nunca deixei de amá-lo e sofri muito todos esses
anos. E quando soube que ele estava noivo, eu quis
desesperadamente que não fosse verdade. Não fui a Savannah
atrás dele. Fui para achar Jake...
— O quê?
— Ele foi preso e pode ser fuzilado, mas de qualquer forma
foi em vão, não o encontrei.
— Não tão em vão se conseguiu se casar com o meu filho.
— Encontrar-me com o Anthony de novo foi muito difícil. Ele
me odiava e me tratava muito mal, mas aos poucos ele percebeu
que nada daquilo que pensava de mim era verdade.
— Vou ser sincera com você. Preferia meu filho casado com
Beatrice. Ela tem nosso sangue e é uma moça muito bem-educada.
Além de não ter a honra manchada. Nunca gostei muito do seu
noivado com o Anthony, e deixei bem claro para ele desde o
começo, mas ele nunca me ouviu, estava apaixonado por você e
ainda está se foi capaz de fazer o que fez.
— Também sou apaixonada por ele.
Josephine suspirou.
— Tudo bem, Lily Bennet.
— Crawford — ela corrigiu.
— Espero que faça Anthony feliz. Ele já sofreu demais por
sua causa.
Josephine saiu do quarto e a deixou sozinha e Lily sentiu-se
mais aliviada com o desenrolar dos fatos.
Pelo menos Josephine não me jogou porta afora. Pensou
irônica.

Theodore saiu da sala e Anthony encarou Beatrice.


Ela sorriu daquele jeito educado que lhe era peculiar.
— Que surpresa!
— Beatrice, eu sinto muito — falou sincero.
— Pensei que fôssemos nos casar, Anthony. Que quisesse
se casar comigo.
— Eu também, mas depois que reencontrei a Lily, as coisas
foram acontecendo...
— E você descobriu que ainda gostava dela.
— Sim. Eu queria me casar com você quando a pedi em
casamento, mas nunca te fiz juras de amor.
— Não, não fez. Eu sabia da sua história com a Lily. Sabia
que tinha sofrido muito, mas achei realmente que com o tempo iria
esquecê-la e ao menos gostar de mim.
— Poderia ter sido assim, mas a Lily cruzou meu caminho
novamente e eu percebi que não podia viver sem ela.
— Entendo. — Ela levantou a cabeça e sorriu. — Então acho
que agora não há mais nada a ser dito, não é? Você é um homem
casado e eu sou só mais uma parenta.
— Me desculpe por me casar com a Lily antes de ter a
oportunidade de pôr um ponto final em nosso noivado.
— Que diferença faz? De qualquer maneira o desfecho seria
o mesmo.
— O que fará agora? Se precisar de alguma coisa, qualquer
coisa...
— Irei voltar para a minha casa na Filadélfia.
— Mas não pode ir agora. Não seria seguro. Fique até a
guerra terminar.
— Acho que sua esposa não iria gostar muito disso...
— Com a Lily eu me entendo. Está tudo bem mesmo? — Ele
a encarou em busca de algum indício de sofrimento, mas ele sabia
que Beatrice era uma autêntica dama e que não diria nada. Além do
que, duvidava que ela estivesse apaixonada por ele de verdade.
— Está tudo bem, Anthony — respondeu suavemente.
— Tenho certeza que irá encontrar um homem que te ame
como você merece, Beatrice.
— Eu não acredito em sonhos românticos. Quero apenas
fazer um bom casamento. Antes que seja tarde demais e fique
solteirona e acabe virando um estorvo para minha família.
Anthony se perguntou se era por isso que ela insistira tanto
em ser notada por ele? O medo de ficar solteira e virar chacota na
sociedade? Sabia que as moças que não se casavam eram vistas
com pena.
— Agora eu vou ver como a Lily está. — Ele encerrou a
conversa. — Com licença.
Ele ia se afastar, mas ela o chamou.
— Espero que a Lily te faça feliz.
— Ela já faz — ele respondeu simplesmente e se afastou.
Porém, quando chegou ao quarto, o encontrou vazio.
— Oh, me desculpe, senhor. — Uma criada entrou segurando
alguns lençóis.
— Sabe onde está minha esposa?
— Ela saiu, senhor. Eu a vi pedindo ao cocheiro que a
levasse para a casa da mãe dela.
— Obrigado.
Então Lily havia ido visitar a mãe. Ela deveria tê-lo esperado,
mas pensou em aproveitar para redigir uma carta ao oficial de
regimento em Savannah.
Ele sabia que o certo era retornar à cidade, mas agora não
gostaria de deixar Lily.
Ainda mais que as notícias não eram boas para Atlanta. A
cidade ficara fora das batalhas até agora, mas o cerco se
aproximava e seria apenas uma questão de tempo até que
estivesse tomada por conflitos.
E precisavam estar preparados para isso.
Ao se casar com Lily, Anthony acreditou que o final feliz era
possível, mas estava se enganando.
Ainda havia uma guerra em curso e o final era incerto para
todos.
Por isso mesmo, decidiu ir encontrar Lily. O tempo deles
juntos poderia estar se esvaindo e ele não queria perder nem um
minuto em sua companhia.
Capítulo 18

Lily chegou a sua casa e o pequeno Theo corria pelo jardim e


quando a viu sorriu e correu para seus braços.
— Tia Lily!
— Theo! — Lily o pegou no colo. — Que saudade de você!
Ela se sentou no banco de jardim e ficou a escutar o tagarelar
infantil de Theo com imenso carinho.
Acariciando os cabelos do menino, ela sentiu um imenso
pesar ao imaginar que Jake nunca saberia que era pai.
Assim como Theo nunca o conheceria.
— Lily? — Rosamund saiu na porta e a viu.
E a primeira coisa que fez foi medi-la da cabeça aos pés,
depois que Theo pulou de seu colo.
— Ora, ora, ora! Mas como está chique! Não me diga que
resolveu seguir meu conselho e se casar com um homem rico?
— Ela se casou sim.
Lily surpreendeu-se ao ver Anthony se aproximando e
Rosamund quase caiu pra trás de susto.
— Mas foi comigo e agora não é mais Lily Bennet, e sim Lily
Crawford.
Rosamund ficou boquiaberta.
— Mas... mas... como isso é possível?
— Eu encontrei com o Anthony em Savannah.
— E Jake?
— Infelizmente eu não consegui encontrá-lo, Rosamund, mas
até onde soube ele ainda estava vivo.
— E quem se importa? Eu falei para ela, Anthony, não tinha
que ir atrás daquele salafrário, mas ela me escuta?
— Rosamund...
— Mas tudo bem. O importante é que tudo se resolveu. E eu
também tenho novidades. Me caso no próximo mês!
— O quê?
— Sim, meu casamento foi marcado e com um dos homens
mais ricos da cidade! Não vai me dar os parabéns?
— Parabéns! Se for isso mesmo que você quer...
— Mas é claro que eu quero! — Rosamund afirmou. — Ou
achou que eu ia me conformar com esse destino?
— Onde está minha mãe?
— No quarto dela, bordando, como sempre!
— Eu vou vê-la! — Virou-se para Anthony. — Você vem
comigo?
— Vou dar um tempo para vocês duas, daqui a pouco eu vou.
— Tudo bem.
Lily se afastou.
Rosamund sorriu para Anthony.
— Quer dizer que agora somos primos!
Porém Anthony a fitou friamente.
— Eu vou deixar uma coisa muito clara, Rosamund. Não
esqueci e nunca vou esquecer o que você aprontou com a Lily e
comigo.
Rosamund teve um sobressalto.
— Mas...
— Se a Lily a perdoou é porque é uma pessoa infinitamente
melhor do que você, que foi capaz de nos destruir só porque queria
arrumar um noivo rico, como parece que finalmente conseguiu.
— Anthony, está sendo injusto...
— Não. Apenas te darei apoio porque a Lily assim o quer. Ela
é minha esposa e agora você também faz parte da minha família,
mas escute bem, se ao menos pensar em aprontar o que quer que
seja para cima de mim ou da Lily de novo, eu acabo com você sem
piedade. Aposto que seu novo noivo não sabe do seu passado,
imagino.
Rosamund empalideceu.
— Claro que não. Como me aceitaria? Eu menti que era
viúva.
— Imagino que mentir é fácil para você, já que tentou
convencer minha família de que Elliot era o pai do seu filho.
— Ele poderia ser sim! Elliot se deitou comigo com falsas
promessas de casamento...
— E você aceitou.
— Sim, você não me queria, e eu ainda desejava fazer um
bom casamento. Elliot mesmo sendo um canalha iria servir.
Infelizmente, eu errei em me deixar seduzir por um zé-ninguém,
como Jake Dawson, e foi ele quem me engravidou e não um
Crawford!
— Jake era namorado da sua prima.
— Ah, por favor, Jake se dizia apaixonado por Lily, mas é
como a maioria dos homens, não perde a oportunidade de seduzir
uma mulher! Eu fui tonta o suficiente para me envolver. No começo,
era apenas para me divertir. Eu queria... Pegar o que era da Lily.
— Era movida pela inveja.
— Você não sabe como é! Não ter nada. Não ter um dote
decente, não ter pretendentes que valham a pena. Viver de
migalhas e restos e a sombra de Lily Bennet, que tinha tudo! A vida
para uma mulher sem recursos é um inferno, Anthony Crawford.
Como acha que teria sido a vida da sua querida irmã, por exemplo,
sem o dote de sua família? Acha que ela teria se casado com o filho
de um banqueiro? Duvido muito. Meu destino era viver como uma
solteirona, de favores dos Bennet até morrer, ou entrar num
convento, o que nunca tive vocação. Talvez me casar com algum
perdedor que não se importasse de eu ser pobre, e teria que
trabalhar como costureira ou lavadeira, sei lá, tendo filhas que
teriam o mesmo destino que eu! Então me desculpe se eu tinha
inveja da Lily. Sei que era um sentimento horrível e depois de Lily
me acolher quando não tinha nada e nem ninguém, porque o mundo
vira as costas para as mulheres que não seguem as regras ridículas
da sociedade, eu me arrependi de tê-la prejudicado. Eu a vi definhar
por todos esses anos, sem te esquecer. Sem conseguir seguir em
frente e se refazer, embora ela tenha sido muito forte, cuidando de
todos.
— Eu sinto muito por seu infortúnio, mas isso não te dava o
direito de fazer as maldades que fez. Por isso, espero mesmo que
esteja arrependida e que nunca mais sequer pense em prejudicar
Lily.
— Não é o meu intuito. E veja só, estão juntos agora. Tudo
acabou bem. — Ela sorriu. — E eu também vou me dar bem. Com
licença. — Ela pegou o filho e afastou-se.

Lily aproximou-se da mãe que continuava apática como


sempre.
— Mamãe. Estou de volta!
Candy a encarou confusa.
— Lily Bennet, aonde se meteu? Rosamund me falou o que
foi fazer em Savannah e não gostei nem um pouco! É bom que
tenha uma boa explicação.
Lily sentou-se ao seu lado e tomou sua mão.
— Mamãe, preciso te contar uma coisa. Eu me casei.
Candy arregalou os olhos.
— Se casou? Mas com quem?
— Com Anthony Crawford.
— Você está brincando, não é?
— Não, mamãe. Nós nos reencontramos e ele agora sabe
que eu fui inocente naquela história toda e nos casamos.
Candy levou algum tempo para processar o que a filha estava
falando e foi como se seu rosto ganhasse uma nova vida.
— Você se casou com Anthony Crawford?
— Sim, mamãe.
— Mas como? Quando? E sem a presença de sua família?
Deixa-me ver este anel!
Lily sorriu, aliviada de ver a velha Candy voltando à forma.
— Foi um pouco rápido, mas...
— Mas que absurdo! Sem uma festa apropriada! E onde está
o seu marido?
Candy levantou-se e foi até a sala e sorriu toda charmosa ao
ver Anthony.
— Anthony Crawford! Que honra recebê-lo em minha casa!
— O prazer é meu, Senhora Bennet.
— Nem acredito que você e Lily se casaram!
— Sim, nos casamos. E espero que nos perdoem por termos
nos casado sem sua presença.
— Isso não foi certo, mas posso perdoar! Nem acredito,
depois de tanto tempo minha filha finalmente se casou! Como eu
gostaria que seu pai estivesse aqui para ver!
Lily sentiu os olhos rasos d’água e Anthony segurou sua mão.
— Eu tenho certeza que ficaria, mamãe.
— Candy, eu gostaria que você e Rosamund fossem morar
conosco em nossa casa — Anthony anunciou, para a surpresa de
Lily.
— Está de brincadeira? — Rosamund entrou na sala.
— Rosamund, fique quieta! — Candy pediu. — É claro que
iremos! Não podemos voltar para a nossa fazenda, aliás nem
sabemos em que estado está tudo depois da guerra. Se os yankees
não destruíram tudo...
— Por isso mesmo, ficaria mais tranquilo com vocês em
minha casa, na companhia da minha família.
As duas se afastaram e Lily encarou Anthony.
— Você viu como minha mãe está feliz? Não a vejo assim há
anos.
— Sim, eu vi.
— Mas... tem certeza deste convite de nos mudarmos para
sua casa?
— Lily, é minha esposa, onde mais moraria? E não acho
certo deixar sua mãe e Rosamund sozinhas aqui, ainda mais com
uma criança.
— Mas sua mãe...
Lily tinha certeza de que Josephine iria ficar furiosa com
Anthony.
— Com a minha mãe eu me entendo. E eu tive uma conversa
com a sua prima.
— Para quê?
— Deixei claro o que penso sobre a atitude dela no passado.
— Disse bem. Passado. Agora temos que olhar para a
frente.
— Eu sei, mas tive que avisá-la que caso tente algo contra
você de novo irá pagar caro.
— Ela mudou, Anthony. E de qualquer maneira, vai se casar
com aquele ricaço que é o que sempre quis. Eu só lamento que não
tenha conseguido encontrar Jake e ajudá-lo. Por Theo, que nunca
vai conhecer o pai. Isso me lembra que tenho que procurar
Jeremiah e lhe contar que infelizmente não pude ajudar seu filho —
Lily lamentou.

***

A chegada de Rosamund e Candy na casa dos Crawford


ocorreu sem nenhum constrangimento.
Josephine as recebeu na maior educação, já que tinha sido
alertada por Anthony de seus planos, mas era óbvio que não estava
gostando nada daquilo. Porém as duas, Candy e Josephine agiram
como se fossem velhas conhecidas.
— Não está contente que as coisas tenham sido finalmente
resolvidas, Josephine, querida?
— Claro que estou. — Josephine forçou um sorriso.
— Olá, Josephine — Rosamund sorriu com petulância. —
Não é maravilhoso que agora somos uma família?
— Sim, é. — Josephine concordou, mas era óbvio que
pensava o contrário.
— Pena que quando o Theo nasceu, você enxotou a Lily para
fora de sua casa me negando ajuda e ela teve que fazer o meu
parto sozinha!
Um silêncio tenso tomou conta da sala.
Lily beliscou Rosamund e a encarou ameaçadoramente para
ela parar de provocações.
— Ai! O que foi?
— Pára Rosamund!
— Mas não é verdade? Virou as costas naquele dia e virou a
cara em todos os outros dias também!
— E você estava mentindo quanto a paternidade do seu
bastardo...
— Mas poderia ser seu neto, sim! E se fosse? Não teria agido
diferente!
— Chega, Rosamund! — Candy a repreendeu. — E antes
que qualquer outra coisa fosse dita passos apressados adentraram
na sala e Alice apareceu seguida por Aidan.
— Finalmente em casa! — Ela sorriu, retirando as luvas e o
chapéu e então olhou a audiência em volta e arregalou os olhos. —
Mas o que está acontecendo aqui? Anthony? — Ela sorriu e
abraçou o irmão. — O que faz em casa e... — Ela encara Lily. — E
Lily Bennet está aqui e...
Anthony sorriu para a irmã.
— Agora é Lily Crawford.
Alice soltou um grito.
— Como assim? Ah minha nossa, vocês precisam me contar
tudo...
Josephine revirou os olhos e encarou Rosamund e Candy.
— Venham, vou lhes mostrar seus aposentos.
Rosamund e Candy acompanharam Josephine e Lily fez o
mesmo.
— Eu vou com elas, assim você conversa com Alice.
Quando Josephine as deixou sozinhas, Lily encarou
Rosamund, irritada.
— Você tem sempre que estragar tudo?
— Eu? Eu só falei a verdade!
— Pois espero que se comporte, senão quem coloca você
para fora sou eu!
Rosamund deu de ombros.
— Não estou preocupada. Na semana que vem estarei bem
longe daqui e muito rica! E não serei mais obrigada a aguentar essa
esnobe da Josephine Crawford! Quase fico feliz de não ter sido
Elliot a me engravidar, assim não terei que aguentar essa bruxa
como sogra para sempre, como você! Olha, boa sorte!
— Então é melhor não querer um escândalo, não é?
— Sim, tem razão. — Ela sorriu animada. — Sem contar que
quero muito conhecer a tal noiva do Anthony que levou o pé na
bunda...
Lily revirou os olhos e se afastou.
Perguntando-se se fora uma boa ideia convidar Rosamund
para morar ali.

***
Lily respirou aliviada quando Anthony apareceu no quarto
finalmente.
— E então?
— Alice está radiante. Agora está dizendo que precisa dar
uma festa apropriada para o casamento!
Lily riu, mas então ficou séria.
— Me desculpe por Rosamund...
— A Rosamund apenas falou a verdade. E ela tem razão em
tantas coisas, o modo como a tratamos...
— Já passou, Anthony — Lily o interrompeu. — Chega de
falar de coisas do passado, por hoje! Estou exausta! Acho que
posso dormir uma semana!
Ele riu e a abraçou.
— Tem sido tudo muito rápido para você, não é?
— Tem sido incrível. — Ela suspirou e ficou na ponta dos pés
para beijá-lo e sentiu o corpo se aquecendo de encontro ao dele. —
Anthony?
— Hum? — ele sussurrou beijando sua garganta.
— Não estou tão cansada...
Ele riu em seu ouvido, empurrando-a em direção à grande
cama.
— Acho que vamos nos atrasar para o jantar e minha mãe
não gostaria nada disso — ele falou enquanto a depositava na cama
e cobria seu corpo com o dele, as mãos desabotoando a frente do
elegante vestido.
Mas ao ouvir suas palavras Lily segurou suas mãos.
— Então é melhor pararmos.
— Por quê?... — Ele abriu a parte frontal do vestido,
libertando os seios do corpete apertado para a exploração
pecaminosa de sua língua.
— Anthony, para com isso, não quero contrariar sua mãe —
Lily pediu com a voz fraca, mas em resposta ele tomou um mamilo
na boca e Lily gemeu perdida. Sentiu a mão dele se imiscuindo por
debaixo da saia do vestido, tocando as meias finas, a roupa íntima
de seda até chegar ao sexo, que ele acariciou com os dedos
experientes por cima do tecido e Lily reagiu erguendo os quadris de
encontro a sua mão, sentindo as coxas tremerem, enquanto pulsava
em seus dedos.
— Anthony por favor.
— Por favor, o quê?
Antes que Lily encontrasse as palavras em meio ao seu
enlevo, ouviram uma batida na porta. Anthony praguejou e saiu de
cima dela.
— Anthony, posso entrar? — Era a voz de Alice.
Lily pulou da cama, tentando desesperadamente ajeitar as
roupas no corpo e Anthony riu.
— Não é engraçado, Anthony! — ralhou lutando contra os
botões.
— Anthony? — Alice voltou a chamar e Anthony levantou
uma sobrancelha para Lily.
— Se abrir eu te mato! — Ela acabou de fechar os botões
com os dedos trêmulos. Olhou o reflexo no espelho na parede e fez
uma careta de desânimo.
Anthony abriu a porta e Alice entrou sem cerimônia.
— Papai quer falar com você. — Ela olhou de Lily para
Anthony e Lily corou ao ser medida da cabeça aos pés.
Era claro o que estavam fazendo antes dela aparecer.
— Eu já vou descer.
— Também quero avisar que o jantar será servido daqui a
uma hora. Não se atrasem, mamãe mandou preparar um jantar
especial de boas-vindas.
— Não nos atrasaremos — Lily respondeu rápido.
— Eu vou ver o que meu pai quer — Anthony beijou o topo
da sua cabeça —, mas ainda não terminamos o que começamos. —
Ele piscou e saiu do quarto.
Alice riu quando Anthony fechou a porta atrás de si
— Ah, a lua de mel! Sinto saudade dessa época! Enfim… —
Ela abraçou Lily. — Estou tão feliz que finalmente estejam juntos.
Acha que pode nos perdoar por tudo?
— Claro que sim.
— Você é muito generosa conosco. Ao contrário da sua
prima...
— Rosamund tem o jeito dela.
— Não sei como a suporta!
— Ela irá se casar em breve.
— Acho ótimo. Tenho pena do futuro marido. Pelo menos
Elliot se livrou de uma boa!
— Alice, o Elliot não agiu corretamente também.
Alice corou.
— Eu sei. Ele nem deveria ter chegado perto da sua prima
para começo de conversa. E pior que duvido que ele tivesse
assumido suas responsabilidades, se o filho fosse dele. Elliot é um
espírito livre! Tanto é que se cansou da guerra e fugiu! Mas enfim,
não falaremos mais de sua prima! Quero saber todos os detalhes do
seu casamento e também temos que começar a organizar uma
grande festa e...
— Alice, estamos em guerra. Não é cabível uma festa
agora...
— Mas temos que comemorar de algum jeito, eu tenho
algumas ideias e...

Depois que Alice saiu, Lily se preparou para o jantar e ficou


esperando Anthony. Mas ele não apareceu. Então, resolveu dar uma
volta pela casa. Sua curiosidade foi atraída para o quarto que tinha
ficado hospedada da outra vez que tivera ali e sem conseguir se
conter ela entrou no aposento decorado em tons pastéis.
Sua mente viajou para quase quatro anos atrás, quando ali
estivera com Anthony. Lembrava-se como se fosse hoje das
sensações recém-descobertas. Caminhou até o biombo e sorriu
lembrando-se da excitação mesclada com o medo que sentira ao se
despir na frente de Anthony. Fechou os olhos, a mente inundada de
doces lembranças. Tanto tempo tinha se passado desde então...
— O que está fazendo aqui? — Lily abriu os olhos e deparou-
se com Beatrice à sua frente.
Capítulo 19

— Me desculpe, eu... Este é o seu quarto? — Lily deduziu.


Que irônico que as duas noivas de Anthony tivessem sido
hospedadas ali.
— Sim, este é o meu quarto.
— Eu não sabia. Desculpe-me por invadi-lo. Estava
aguardando para descer para o jantar e resolvi voltar aqui.
— Voltar aqui?
— Eu também já fiquei hospedada neste quarto, mas foi há
muito tempo.
— Parece que tem boas lembranças — Beatrice comentou
perspicaz e Lily corou.
— Sim, as melhores. — Não pode deixar de confessar e de
repente se pegou pensando se Beatrice também tinha este tipo de
lembranças relacionadas a Anthony. E foi invadida pelo ciúme.
Por mais que Anthony tivesse dito que o relacionamento não
era igual ao deles, na verdade Lily não tinha como saber se...
— Não — Beatrice entendeu o rumo de seus pensamentos.
— Eu e Anthony nunca chegamos nem ao menos a nos beijar. Eu
achava que ele me respeitava, mas agora vejo que eu não lhe
interessava mesmo. — Havia certo amargor na voz da ex-noiva de
Anthony.
— Eu sinto muito — Lily se viu impelida a dizer.
— Não sinta. Sabia da sua existência, sabia das feridas que
Anthony carregava. E para ser sincera eu gosto muito de Anthony,
mas nunca fui apaixonada por ele, então não se preocupe. Não me
sinto compelida a roubá-lo de você e nem tenho raiva pelo que
aconteceu.
— É bom saber disso.
Ela era louca ou o quê?
Como alguém não se apaixonava por Anthony?
— Vai partir agora?
— Não, por causa da guerra, mas partirei assim que for
possível.
Lily não gostou muito disso, mas o que poderia fazer?
— Acho que já podemos descer, para o jantar — Beatrice
sugeriu.
Lily a acompanhou escada abaixo.
Lily olhou para Rosamund e se surpreendeu pela sua
elegância. Chegando mais perto, notou que ela estava usando um
de seus vestidos novos! Algumas coisas nunca mudavam mesmo.
— Antes que me xingue, não tinha nada para vestir e essa
cor fica melhor em mim do que em você. E quero estar bonita, pois
meu noivo estará presente ao jantar!
— Não acredito que teve coragem de convidá-lo!
— Claro que tive! E James é amigo da família, esqueceu?
— Não tem medo de ser descoberta?
— Não. Os Crawford querem se livrar de mim. Eles não
abririam o bico.
— Onde está Anthony? — Lily ignorou as observações da
prima.
— Estava resolvendo algumas coisas, parece que recebeu
uma carta importante.
— Carta? De onde? — Lily se preocupou.
— Eu não sei. Talvez algo de Savannah. Venha, vou te
apresentar meu noivo!
James Lancaster era um homem de quase quarenta anos,
com um bigode proeminente e parecia muito educado, além de
completamente apaixonado por Rosamund.
Pobre homem. Mal sabia ele que a prima o queria apenas
pelo dinheiro.
— Parabéns pelo casamento — ele a cumprimentou. — Em
breve eu e Rosamund teremos a mesma felicidade.
— Ah querido, mal vejo a hora. — Rosamund sorriu com
falsidade. — Estou feliz de ter a oportunidade de reconstruir minha
vida com um homem como você!
— Você merece, querida, depois de ficar viúva de forma tão
triste e com um filho pequeno...
— Sim, muito triste.
Lily revirou os olhos.
— Filha, pode me acompanhar um instante. — Candy
aproximou-se e a puxou pelo braço.
— O que foi?
— Não estrague o noivado de sua prima!
— Nem me passou pela cabeça fazer algo assim!
— Sabemos que Rosamund já errou muito, mas ela está
certa em procurar um bom marido e ter um futuro.
— Tenho minhas dúvidas se é este o caminho para a
felicidade.
— Cada um tem a felicidade que bem quiser!
— Sim, talvez tenha razão.
Anthony surgiu e ela foi em sua direção.
— O que aconteceu? De quem recebeu uma carta?
— De Savannah. Venha, minha mãe está nos chamando, o
jantar vai ser servido.
Lily percebeu que ele mudou deliberadamente de assunto,
mas não insistiu. Por enquanto.
O jantar transcorreu sem percalços, apesar das duas famílias
estarem reunidas à mesa depois de tanto tempo e de tantos
problemas.
A presença de outros convidados acabou abafando qualquer
núcleo de confusão. Porém, Lily só desejava que a noite acabasse e
que pudesse se esconder em seu quarto com Anthony.
Quando o jantar acabou e todos foram para a sala. Beatrice
sentou-se ao piano e Josephine pediu para Anthony acompanhá-la.
Anthony hesitou em atender o pedido da mãe ao notar o
desagrado de Lily.
— Vá, está tudo bem. Não me importo.
Anthony levantou a sobrancelha.
— É sério. Ela é sua prima, afinal.
Lily achava desagradável o pedido de Josephine, pois fora
um claro ato para desafiá-la, mas depois que conversara com
Beatrice, Lily não via na prima de Anthony uma rival.
Anthony beijou seu rosto e afastou-se para se sentar ao lado
de Beatrice.
Lily sentia uma pontinha de ciúme, mas conteve-se.
— Vai permitir isso? — Rosamund cochichou em seu ouvido.
— Isso o quê? Nada demais está acontecendo.
— Essa mocinha não deve estar conformada em perder o
noivo, tenho certeza. Não se deixe enganar por essa cara de sonsa!
— Rosamund...
— Bem se vê que ela já está passando da idade. Deve estar
desesperada para se casar e Anthony provavelmente era sua última
chance.
— Mas ele se casou comigo. Ela poderia fazer o que agora?
— Continua uma tola inocente, Lily!
— Para de ser maldosa, nem todo mundo é como você!
— Tem certeza?
Rosamund se afastou, segurando entre os dedos enluvados
uma taça de xerez e postou-se ao lado do piano.
— Sua prima é muito cara de pau de estar enganando James
dessa maneira... — Alice cochichou ao seu lado.
— Eu não concordo com as mentiras de Rosamund, mas é
problema dela.
— Eu queria contar a verdade a James, mas Aidan me
proibiu.
— Se contar, James vai desmanchar o noivado e Rosamund
ficará para sempre aqui.
— Pensando por este lado, James que se vire com a cobra
da sua prima.
De repente, elas ouviram uma comoção próxima ao piano,
seguida do grito de Beatrice e Lily se virou para ver a ex-noiva de
Anthony erguendo-se com o vestido todo molhado de vinho.
E ao seu lado, Rosamund com uma falsa expressão de pesar
e a taça vazia.
— Ah, que descuido meu! Me perdoe... — ela balbuciava.
— Arruinou o meu vestido! — Beatrice ralhou ultrajada.
— Sinto muito... — Rosamund virou-se para Lily e piscou.
— Minha nossa, ela fez de propósito? — Alice indagou
incrédula.
— Aposto que sim.
Alice foi ao socorro da prima a levando da sala.
Pelo menos a armação de Rosamund serviu para Anthony vir
a seu encontro.
— Está se divertindo, Senhora Crawford?
— Sim, muito. Hoje estive no quarto que fiquei hospedada da
outra vez, você se lembra?
— De todos os detalhes.
Lily suspirou.
— Pena que não ficamos naquele quarto. Isso sim seria...
divertido — Ela passou a língua entre os lábios e Anthony
acompanhou o movimento com o olhar.
— Acho que já podemos nos retirar, o que acha?
— Acho que vamos escandalizar os convidados de sua mãe.
— Você se importa?
— Nem um pouco.
— Nem eu.
Ele pegou sua mão e a puxou por entre os convidados, Lily
ainda viu o olhar ameaçador de Josephine, mas não se importou,
sentia o rosto vermelho e o coração batendo forte no peito. Estava
fugindo com Anthony para um mundo particular, onde não importava
mais nada.
Feliz como nunca, Lily soltou um risinho e o acompanhou
escada acima.
— Agora sim demos muito assunto às visitas da sua mãe —
Lily falou divertida.
— Com certeza já somos o assunto principal de toda a
cidade.
— Eu conversei com a Beatrice hoje — Lily confessou e
Anthony parou e virou para fitá-la. — Não faça essa cara. Não foi
nada demais. Eu fui até aquele quarto que fiquei hospedada da
outra vez e não sabia que era o quarto dela, mas foi bom, pois
pudemos esclarecer alguns pontos.
— Alguns pontos?
— Ela me disse que não era apaixonada por você.
— Eu já tinha te dito.
— Eu sei, mas foi bom ouvir da boca dela.
— Tudo resolvido, então... — Ele a pegou no colo.
— O que está fazendo?
— Levando minha mulher para a cama — ele sussurrou em
seu ouvido e Lily riu deliciada.

— Anthony? — ela o chamou algum tempo depois, enquanto


descansava a cabeça em seu peito.
— Sim? — Ele acariciava seus cabelos.
— De quem era a carta que recebeu?
— De Savannah.
Ela levantou a cabeça o fitando com medo no olhar.
— Você terá que voltar?
— Não, por enquanto.
Lily respirou aliviada, sentindo a tensão que vinha guardando
se esvair.
Anthony não iria a lugar nenhum. Pensar que ele teria que
voltar a Savannah era seu maior medo.
Mas Anthony não parecia feliz.
Ela tocou o vinco em sua testa.
— Por que parece preocupado? Não é bom, que vá ficar
aqui? Que vamos ficar juntos?
— Os conflitos estão cada vez mais próximos. Fui designado
para ficar aqui, porque confederados sofreram enormes baixas em
New Hope Church, os feridos descarregados pelos trens inundam
Atlanta. — Ele a encarou muito sério. — Atlanta está por um fio, Lily.
Se a estrada de ferro de Macon cair, Atlanta também cairá.
— Acha que os yankees chegarão a Atlanta?
— Eles tiveram grandes perdas, mas podem se dar ao luxo
de suportá-las. É questão de tempo até nos cercarem. Sherman, o
general yankee, está rodeando a cidade, procurando um ponto
fraco.
Lily estremeceu de medo.
— Então ficará aqui? — Ela se apegou àquele fato, para não
pensar que em breve teria que fugir de Atlanta como fugira de sua
fazenda.
— Sim, eu ficarei.
Lily o abraçou.
— Então está tudo bem. Estamos juntos.
Anthony sorriu, apesar do olhar continuar sombrio e a beijou.
— Sim. Estamos juntos.
Lily rezou para que bastasse.

***
Lily olhou as colinas distantes, além da cidade, preocupada.
Como Anthony dissera, as notícias não eram nada boas.
Haviam chegado a Atlanta há um mês e as batalhas
aconteciam muito próximas da cidade. A estrada de ferro de Atlanta
para Tennessee estava nas mãos dos yankees, a cidade estava
apinhada de soldados e feridos.
— Lily, para de olhar para o nada e me ajuda! — Lily ouviu a
voz estridente de Rosamund e virou-se para a prima.
Hoje era o dia de casamento de Rosamund. A prima não
cabia em si de felicidade. Não porque nutrisse algum sentimento
pelo noivo, mas porque finalmente iria dar o golpe do baú que tanto
almejara.
— O que você quer, Rosamund? — Lily indagou desanimada.
— Mas que cara de enterro! Pode mudar essa cara de
velório! Hoje é o dia do meu casamento, o maior evento que esta
cidade já viu e...
Lily riu.
— Rosamund, que maior evento? Você vai se casar numa
cerimônia íntima só para a família!
— Isso porque aquela sua sogra horrorosa, meteu o bedelho
onde não foi chamada e convenceu o meu noivo deste casamento
chinfrim!
— Ela está certa. — Alice se intrometeu. — Não seria nada
adequado um casamento grandioso. Olhe a sua volta, estamos em
guerra!
— Você poderia deixar de ser intrometida, ninguém pediu
sua opinião.
Alice revirou os olhos, nem um pouco preocupada com a
farpa de Rosamund.
— Agora me ajuda a pôr o véu — pediu a Lily.
— Devo admitir que está bonita, Rosamund, mas ainda acho
um desperdício. Você que merecia um casamento adequado, Lily —
Alice comentou.
— Mas eu tive um casamento adequado.
Alice bufou.
— Sem mim pra ajudar? Duvido!
Lily riu e ouviram uma batida na porta e Beatrice entrou.
— Já está na hora, Rosamund.
— Obrigada, ela já vai descer — Lily respondeu e a moça se
afastou.
— Essa sonsa não vai nunca mais embora? — Rosamund
reclamou.
— Não fala assim, Rosamund. Sabe que ela não pode partir
por causa da guerra.
— Pois se eu fosse você, abria os olhos! Com essa carinha
de santinha, ela pode estar tramando roubar o seu marido!
— Nem todos são iguais a você! — Alice alfinetou, mas
Rosamund a ignorou.
— Depois não diga que eu não avisei. Agora vamos!
Lily se posicionou no banco da igreja entre Candy e o
pequeno Theo.
Josephine e Alice estavam com cara de poucos amigos.
Beatrice permanecia séria. E o noivo parecia desconfortável parado
ao pé do altar.
Anthony e o Doutor Theodore estavam no hospital.
Lily só esperava que este circo acabasse logo. Ainda bem
que Josephine tinha interferido nos planos estapafúrdios de
Rosamund de grande festa. Não estava com o menor pique para o
que quer que fosse.
Algumas vezes por semana ajudava no hospital da cidade
como voluntária, assim como Alice. Embora essa última sempre
passasse mal depois.
Beatrice tentara ajudar, mas a pobre não tinha estômago e
fora dispensada.
A prima de Anthony era uma moça séria, porém educada e
gentil quando se dirigia a Lily, embora as duas apenas mantivessem
uma relação cordata.
Às vezes Lily se perguntava se ela estava mesmo
conformada com o fim do noivado com Anthony. Será que fingia?
Lily torcia para a guerra acabar e Beatrice voltar para a
Filadélfia. Assim como tinha torcido para que os dias passassem
mais rápidos e chegasse logo o dia do casamento de Rosamund
que vivia trocando farpas com Alice e Josephine.
Lily tentava não se intrometer e não se dava ao trabalho de
tomar qualquer partido. Passava seus dias com a mãe, quando não
estava no hospital e as noites, com Anthony. Depois do jantar em
família, eles se retiravam e ela podia se esquecer da guerra e de
tudo que o cercavam para se entregar à paixão por seu marido.
Rezava para que a guerra findasse e que aquela nuvem
escura de incerteza e medo deixasse suas cabeças e eles
pudessem, enfim, serem felizes.
— Cadê minha mãe? — O pequeno Theo puxou seu vestido
ansioso e Lily sorriu para o menino.
— Ela já vai entrar.
Os primeiros acordes da marcha nupcial se fizeram ouvir e
Rosamund entrou triunfante na igreja. O padre começou a cerimônia
e Lily fechou os olhos.
Pensava em Anthony e em seu próprio casamento. Que fora
tão simples, mas tão verdadeiro.
— E se alguém tem algo a dizer contra este matrimônio que
fale agora ou cale-se para sempre — o padre proferiu as palavras
finais. Rosamund sorriu, triunfante, com certeza sabendo que este
era o grande momento de sua vida.
Mas a porta da igreja se abriu.
— Eu me oponho a este casamento, seu padre.
Todos viraram para onde vinha a voz e Lily surpreendeu-se
ao ver Jake parado à porta, com aquele sorriso malicioso que lhe
era característico no rosto. Por alguns instantes intermináveis reinou
apenas o silêncio. Lily fitou Rosamund que tinha no rosto uma
expressão de puro horror.
Capítulo 20

— Olá, Rosamund — Jake caminhou pelo corredor.


— Quem é este? — Josephine perguntou indignada.
— O que significa isso? — James encarou o homem que se
aproximava. — Quem é você?
— Jake Dawson, ao seu dispor.
— Mas o que está acontecendo aqui, Rosamund? — James
indagou a Rosamund, confuso.
Rosamund pareceu finalmente sair do choque.
— O que pensa que está fazendo aqui? Não estava preso?
Que é onde os fora da lei como você devem apodrecer? —
perguntou entredentes.
— Recebi uma carta bem interessante.
— Que bom para você, agora se me der licença eu vou me
casar!
Jake ficou sério.
— Antes preciso saber de uma coisa.
— Não pode ficar para depois? Como vê, estou ocupada!
— É verdade que você teve um filho meu?
Rosamund ficou branca.
James olhava de um para o outro totalmente confuso.
— Rosamund, quem é este homem? Do que ele está
falando?
— De nada, querido, ele é um maluco qualquer, não lhe dê
ouvidos...
Mas Jake agarrou o braço de Rosamund e o sacudiu.
— Fala a verdade? Eu tenho um filho?
— Solta a minha noiva, seu maluco! — James gritou, mas
Jake o encarou de forma ameaçadora e o homem se calou.
— Ele não é teu filho — Rosamund falou friamente.
— Então você tem um filho. Quem é o pai?
— Sim, minha noiva tem um filho, do marido dela que morreu
na guerra. Ela é viúva — James respondeu.
— Viúva? Você? — Jake riu com sarcasmo.
— Por que não volta para onde saiu e esquece que eu
existo? Pensa que pode aparecer de repente depois de quase
quatro anos e destruir a minha vida? O casamento que sempre
sonhei em fazer? — Rosamund gritou descontrolada.
— Ah sim, eu me lembro bem do quanto você era ambiciosa.
E estou surpreso que não tenha conseguido laçar o Anthony, não
era este o seu objetivo?
— O Anthony não era nada perto do peixe que fisguei agora!
— ela anunciou orgulhosa, se esquecendo de onde estava e de
quem estava ouvindo.
— Rosamund! — James exclamou horrorizado. — Do que
está falando?
— Você não sabia? — Jake continuou. — Rosamund não é
viúva coisa nenhuma!
— Cala a boca! — Rosamund gritou e se virou para o noivo.
— Não acredita no que ele está falando! É tudo mentira!
Mas James estava sério.
— Você é mesmo viúva, Rosamund? Por que este homem
está dizendo que é pai do Theo?
— Não é verdade...
— Chega de mentir! Onde ele está? — Jake insistiu.
— Não vou falar, você não pode...
Lily viu toda aquela cena se desenrolando sem se meter, mas
de repente tomou uma decisão.
Pegou a mão de Theo e foi com ele até o altar.
— Ele está aqui, Jake.
Jake olhou para ela e depois para o menino e pela primeira
vez na vida, Lily viu Jake sem fala.
Ela se virou para a criança.
— Theo, querido, este é o seu pai.
— Eu tenho um pai? — o menino falou animado.
Jake olhou para Rosamund.
— Então é mesmo verdade? — James indagou chocado.
— Sim, Rosamund nunca foi viúva! E essa criança é meu
filho. Simples assim! — Jake bradou.
— Você mentiu este tempo todo?
— Não! Você precisa entender — Rosamund tentava explicar.
— Para mim chega! O casamento está cancelado! Adeus,
Rosamund! — James Lancaster saiu da igreja sem olhar para trás.
E para o espanto de todos, Beatrice o seguiu.
— Senhor Lancaster! Espere!
— Não, James! Você tem que se casar comigo! — Rosamund
tentou segui-lo, mas Jake a segurou.
— Você vai se casar sim, mas será comigo!
— O quê? Ficou maluco?
— Não. Nós temos um filho e vamos nos casar! Meu filho não
será mais um bastardo.
— Não, não quero me casar com você!
— Mas vai se casar!
— Não pode me obrigar!
— Mas eu posso! — Lily determinou. — Vai se casar com o
Jake, Rosamund, ou pode arranjar outro lugar para morar!
— Não me colocaria pra fora! E meu filho?
— Sabe que é o certo a fazer. Ele é o pai do Theo.
— Lily, por favor, não vê que isso é absurdo...
— Pelo seu filho, tem que remediar essa situação. James
Lancaster não se casará mais com você e provavelmente a história
de que não é uma pobre viúva se espalhará bem rápido. É melhor
se casar com Jake, porque não vai conseguir nada melhor, a não
ser ficar solteira e malfalada.
— Tudo bem, eu me caso! — Rosamund bufou.
— Que bom que concordamos, querida! — Jake concluiu e a
puxou para o altar.
Rosamund parecia que estava indo para o sacrifício.
Lily sabia que a prima estava odiando se casar com um
homem que não era rico como sempre sonhou, mas Jake era o pai
de Theo.
Além do mais, no fundo, Rosamund e Jake eram muito
parecidos. Talvez até se dessem conta disso e fossem felizes.
O padre terminou a cerimônia e Jake beijou Rosamund, que
o empurrou.
— Satisfeito? Acabou com a minha vida! Seu...
— Quieta! Pare de falar besteira na frente da criança!

Após a cerimônia, todos foram para a casa dos Crawford, já


que Josephine teve a boa vontade de organizar uma pequena
recepção íntima – certamente por causa de James Lancaster e não
por Rosamund. O que era irônico já que no final Rosamund não se
casou com o banqueiro.
Os poucos convidados felicitaram o casal. Candy parecia em
choque com a mudança dos acontecimentos. Alice satisfeita com o
malogrado destino de Rosamund, não escondia o riso de escárnio.
Josephine parecia aliviada por estar se livrando de Rosamund,
enfim.
Lily abraçou a prima.
— Finalmente se vingou de mim, não é? — Rosamund
dardejou.
— Sabe que foi o certo a fazer. Pelo Theo.
— Mas não era o marido que sonhei pra mim! Um bandido!
Que horror!
— Vai ficar bem, Rosamund. Você sempre dá um jeito de
ficar bem.
Lily se afastou e aproximou-se de Jake.
— Ei, Jake. Estou feliz em vê-lo vivo.
— Você está muito bem, Lily. Pensei que nunca mais a veria.
— Eu também, a última notícia que tive de você foi que seria
fuzilado.
— E você foi atrás de mim, já fiquei sabendo.
— Quem te contou?
— O seu marido, o Doutor Anthony Crawford.
— Como assim?
— Eu recebi uma carta dele. Inclusive, foi ele que conseguiu
me livrar da prisão. Convenceu o oficial que me prendeu de que eu
não era tão ruim assim. Parece que seu marido é influente...
— Eu não sabia! Anthony não me contou nada... — Lily
estava surpresa por Anthony se esforçar para tirar Jake da cadeia.
Jake sorriu.
— Parece que o destino de vocês era ficarem juntos mesmo.
— Sim, embora você e a Rosamund pensassem ao contrário.
— Eu já pedi desculpas, não pedi? E só fiz aquilo porque
gostava de você.
— Gostava nada!
— Eu gostava mesmo de você, Lily. E quer saber, eu ainda
gosto.
— Para com isso, Jake!
— Tudo bem. Você sempre será a mulher mais incrível que
eu conheci e sinceramente estou feliz por ter conseguido voltar com
o Anthony. Pode não acreditar, mas eu me senti meio culpado todos
esses anos pelo que te fiz. Pelo menos posso dizer que foi por
minha causa que vocês se reencontraram, não é?
— Pode-se dizer que sim. Agora me diga, o que pretende
fazer? Ficará na cidade com a Rosamund?
— Não, iremos embora. Não há lugar para um fora da lei
aqui. Iremos para o oeste, há uma grande corrida do ouro para
aquelas bandas. Podemos nos dar bem.
— Cuidará bem do Theo?
Lily olhou para Theo, brincando no canto da sala.
— Sim, o menino é meu filho, não se preocupe. Ficaremos
bem. E meu pai irá conosco. Eu passei na sua casa e o vi. — Jake
de repente segurou sua mão. — Obrigado por abrigá-lo. E obrigado
por ter cuidado da Rosamund e do meu filho, mesmo depois de tudo
o que aconteceu.
— Eu fiz pela criança que não tinha culpa de nada.
— Lily?
Lily se virou soltando a mão das de Jake quando ouviu a voz
de Anthony.
O marido se aproximava com cara de poucos amigos.
— Anthony. — Ela mordeu os lábios, apreensiva.
— Olá, Doutor Crawford — Jake estendeu a mão.
Anthony hesitou, mas respondeu a comprimento.
— Fico satisfeito que tenha conseguido sair da prisão,
Dawson.
— Graças a você, acho que preciso lhe agradecer.
— Fiz pela Lily. E também porque tem um filho. Aliás, acabei
de ficar sabendo do casamento com Rosamund. Acho que não
esperava por tanto.
— O que mais poderia fazer? Temos um filho. Antes tarde do
que nunca. E parabéns, pelo casamento.
— Obrigado. Agora se nos der licença.
Anthony segurou a mão de Lily e a puxou escada acima.
Só pararam quando chegaram aos aposentos.
— Por que não me disse que estava intercedendo por Jake?
— Lily questionou o marido.
— Eu não tinha certeza de que teria sucesso.
— Estou surpresa que tenha se dado ao trabalho de ajudar o
homem que odeia.
— Eu não odeio. Não mais. Além do mais. Você parecia triste
com o destino dele. E como você mesma disse, ele tem um filho,
mas fiquei surpreso de Rosamund concordar em se casar com ele.
Anthony se sentou na cama e começou a tirar as botas.
— Ela não teve escolha. Jake chegou bem na hora e contou
que era pai do Theo e que Rosamund mentiu que era viúva. E eu a
pressionei a se casar, era a escolha certa... Mas você não ficou com
raiva por Jake estar perto de mim, mesmo?
Anthony levantou o olhar.
— Eu deveria?
— Claro que não. — Lily sentou em seu colo, passando os
braços por seu pescoço. — Este gesto significou muito. De verdade.
E sei que não foi fácil, sendo Jake quem é.
— Eu te amo, Lily, há nada que eu não faça por você. — Ele
tocou seu rosto e ela sorriu.
— Então eu acho que tenho que te agradecer... — Ela o
empurrou até que estivesse deitado na cama e foi a vez de Anthony
sorrir, quando Lily começou a abrir sua camisa.

Rosamund e Jake partiram dois dias depois, para alívio de


Josephine, que teve que aguentar Jake em sua casa com suas
gracinhas. Lily se despediu de Theo com dor no coração. Gostava
do menino como se fosse seu filho, mas não era a mãe dele.
Tinham que seguir seu caminho. Rosamund, ainda inconformada,
teve que ouvir de Beatrice que James Lancaster a estava cortejando
e que provavelmente a pediria em casamento.
— Parece que a Beatrice era mesmo perigosa, tanto que
roubou o seu noivo, Rosamund — Alice tripudiou antes de
Rosamund ir embora, seguindo seu destino.
Lily torcia para que de alguma maneira, ela encontrasse a
felicidade.

***
Poucos dias depois, Atlanta caiu.
Confederados não se limitaram a resistir e atacaram
ferozmente os yankees, que revidaram duramente.
As notícias eram incertas e assustadoras, trazidas dos
feridos e se estabeleceu um fluxo deles entrando na cidade em
busca de hospitais, manchados de pólvora, poeira, suor e sangue.
Mulheres, crianças e velhos começaram a sair da cidade.
Alice, que havia acabado de descobrir que estava grávida,
junto a Aidan e Beatrice partiram em direção ao norte, fugindo do
que estava prestes a se tornar um pesadelo. Lily queria que Candy
fosse com eles, mas a mãe insistiu em ficar em Atlanta, já que a
filha se recusava a partir. Por mais medo que tivesse, preferia ficar
em Atlanta ao lado de Anthony, ajudando nos hospitais como podia.
O cerco continuou pelos dias quentes de julho.
A cidade mudou de atitude se adaptando aos tempos
sombrios, com soldados derrotados chegando aos montes todos os
dias, contudo os yankees não recuaram. A vida continuava quase
normal, apesar do barulho dos bombardeios e canhões nas
proximidades, ambulâncias passando, regimentos convocados às
pressas, mensageiros correndo em direção aos quartéis.
Com os yankees forçando um recuo, Atlanta ardia de
incerteza em relação ao dia seguinte.
As noites traziam alguma calma, e Lily tentava dormir,
agarrada a Anthony, rezando para que o dia seguinte fosse melhor.
Nos últimos dias de agosto, o cerco parecia durar uma
eternidade, no entanto só começaram há trinta dias.
Lily chegou em casa no fim de tarde, depois de um dia
horrível no hospital, olhou para si mesma, o vestido que estava
imaculadamente limpo de manhã, agora estava coberto de sangue,
poeira e fuligem.
E encontrou Josephine correndo de um lado para o outro com
Candy, ajeitando baús em uma carroça.
— O que está acontecendo?
— Estamos indo embora — Candy informou.
— Como assim?
— Vamos tentar chegar à fazenda, os yankees estão se
aproximando...
— Falam isso há um mês... Mas a tropa está resistindo.
— Lily, recebemos uma mensagem, os confederados
perderam as últimas batalhas e o exército está em plena retirada —
Theodore comunicou grave.
— O exército irá evacuar Atlanta?
— Sim...
— Mas... Não podemos ir...
— Temos que fugir, chegou a hora de ir embora! — Candy
insistiu.
— Vá trocar de roupa, e prepare uma bagagem. — Theodore
segurou seu braço a fazendo entrar.
— O senhor também vai?
— Sim, não posso deixar vocês, mulheres viajando sozinhas.
Só há uma estrada que aconselharam a tomar e é por ela que o
exército está batendo em retirada. Não vai ficar aberta por muito
tempo.
— E Anthony?
Ele hesitou.
— Anthony vai ficar.
— Ficarei aqui também!
— Não vai não.
Lily se virou e viu Anthony entrando.
— Anthony, o que está acontecendo?
Ele a segurou pelo braço e a levou para cima.
— Precisam partir o mais rápido possível.
Lily se desvencilhou.
— Então você tem que vir também!
Anthony começou a desabotoar seu vestido, puxando-o para
baixo.
— Precisam de mim aqui, Lily. Não há ataduras, nem
pomadas, nem quinino, nem clorofórmio, mal temos morfina! Os
yankees estão chegando, as tropas estão saindo da cidade, e não
sei o que vão fazer com os feridos — ele dizia rápido enquanto
pegava outro vestido limpo e passava por sua cabeça.
— Então eu ficarei também!
— Não, você tem que ir.
Ele se afastou e começou a jogar suas coisas dentro de um
baú.
— Não, não pode me obrigar a ir a lugar nenhum, se você
não vai! Eu posso ajudar, posso cuidar dos feridos e...
Anthony segurou seus braços, a obrigando a fitá-lo.
— Lily, me escuta. Não sabemos o que vai acontecer. Atlanta
vai cair.
— Então cairemos juntos... — Uma lágrima rolou dos seus
olhos.
— Não vou permitir que fique. Precisa ir embora.
O destino estava sendo cruel com eles.
Agora que ela e Anthony finalmente estavam juntos, essa
maldita guerra os estava separando.
— Como pode me deixar sozinha de novo?...
— Não estará sozinha. — Ele tocou sua barriga. — Ainda não
sentiu, mas estará levando nosso filho com você.
Lily arregalou os olhos por um momento, não
compreendendo as palavras de Anthony.
— Está dizendo...
— Sim, está grávida.
— Mas... Como sabe?
— Você estava distraída demais para perceber os sinais, mas
eu notei há alguns dias.
Lily levou a mão à barriga, meio em choque.
Um filho.
Ela e Anthony teriam um filho.
— Por isso tem que ir, entende? Não posso permitir que fique
aqui, se colocando em risco.
— Deveria vir com a gente...
— É meu dever, Lily. Sinto muito.
Lily entendeu que nada faria Anthony mudar de ideia.
Ela o vira com os feridos, ele daria a vida por eles. E como
Lily poderia obrigá-lo a segui-la sendo que havia tanta gente que
precisava do Anthony ali?
Ela sacudiu a cabeça, finalmente concordando, porque não
tinha escolha.
Agora precisava proteger seu bebê.

— Vai voltar para mim? — indagou quando Anthony a levou


até a carroça onde já os aguardavam.
— Eu sempre volto para você.
— Eu vou atrás de você, se não voltar, sabe disso, não é?
Eles riram, apesar da tristeza da despedida.
Anthony a beijou e colocou na carroça.
— Nos veremos em breve. — Ele sorriu se despedindo quase
casualmente, como se fossem se ver em poucas horas. Como se
não estivesse se enfiando, por vontade própria, no meio de uma
batalha sanguinolenta.
E Lily se perguntou, enquanto a carroça prosseguia pelas
ruas esburacadas, a imagem de Anthony ficando pequena até
desaparecer, se ele cumpriria essa promessa.
— O que é isso? — A voz assustada de Candy chamou-lhe a
atenção e Lily olhou em direção, onde os olhos da mãe estavam
pousados.
Um clarão tingiu o céu de vermelho.
Os yankees tinham chegado e estavam incendiando a
cidade.
Capítulo 21

Lily olhava a estrada ansiosa, quando finalmente chegaram


aos arredores das fazendas.
Queria pedir para que fossem primeiro ver a sua casa, mas
não precisou falar nada, pois Theodore se adiantou e pediu ao
cocheiro que fosse primeiro à fazenda Bennet. Lily sentia o coração
se apertar ao chegar as suas terras. Procurava com o olhar a casa
grande e quando a viu de pé quase chorou de felicidade.
— Veja mamãe! Ainda está ali. A nossa casa!
Lily pulou da carroça, apressada.
Entrou na casa que passara quase toda a sua vida e sentiu
alívio por ver que quase tudo estava como antes.
Claro, os resquícios da passagem dos yankees estavam por
toda parte, mas nada de muito grave. Com uma boa limpeza e a
reposição de alguns móveis tudo seria como antes.
— Que bom que sua casa ainda esta inteira, Lily — Theodore
comentou atrás dela.
— Sim. Achei que nunca mais veria este lugar.
— Sei como se sente. Se já viu tudo podemos ir? Depois que
contratar de novo todos os empregados, voltaremos aqui para fazer
os reparos.
— Eu cuidarei de suas terras. Agora somos uma família, e
ficará na nossa casa, claro.
— Mas eu achei que fosse ficar na minha fazenda!
— Não, você é a esposa do Anthony e ficará na sua casa.
Lily não gostou daquela ideia.
— Mas preciso estar aqui para colocar tudo no lugar!
— É uma mulher! Não cabe a você!
— Eu cuidei de tudo praticamente sozinha depois que meu
pai morreu. Não será novidade! Além do mais o Anthony não está
aqui!
— Mas eu prometi ao Anthony cuidar de você.
Lily se calou. Queria cuidar de sua própria vida, mas sabia
como as coisas funcionavam. A verdade era que se acostumara a
contar só com ela mesma, a cuidar de tudo sozinha, antes de
reencontrar Anthony.
Mas não estava mais sozinha.
Agora os Crawford eram sua família.
Anthony não estava ali, mas o pai dele sim.
Anthony não estava ali. Repetiu com pesar e medo.
Sentiu de novo o vazio por dentro e conjurou forças para
suportar mais uma vez sua ausência.
— Tudo bem.

A carruagem aproximou-se das terras dos Crawford e Lily


sentiu o coração se apertar com a desolação. Tudo ali era tão lindo
antes. Lembrou-se de quando Anthony a levara para conhecer a
fazenda. De como era diferente naquela época. E quando chegaram
a casa, Josephine e Theodore não disfarçaram a tristeza.
A casa estava totalmente queimada e destruída.
— Meu Deus — Candy exclamou.
Eles desceram da carruagem. Josephine tremia e Lily nunca
a vira daquele jeito. Parecia que tinha envelhecido dez anos ao ver
a sua casa totalmente destruída.
— Por que fizeram isso?...
— É a guerra, querida, é a guerra. Meu pai ficaria desolado
em ver um trabalho de uma vida inteira destruído, justo agora que
decidi voltar para casa.
— O que faremos? Conseguiremos voltar para a Filadélfia?
— Neste momento não é seguro prosseguir para nenhum
lugar, mas não temos outra opção.
— Não — Lily aproximou-se. — Vamos ficar na minha casa,
quer dizer, nossa casa.
Eles ficaram espantados.
— O senhor disse que éramos uma família. Então é isso que
seremos. Ficaremos na minha casa.
Theodore olhou para Josephine que assentiu e fitou Lily com
os olhos agradecidos.
— Sim, ficaremos na fazenda Bennet.
— Acho que podemos chamar de Bennet-Crawford.
E surpreendentemente Josephine sorriu.
— Sim, é um bom nome.

Quando regressaram à sua fazenda, Lily separou-se dos


demais e caminhou até o lago. Sentiu o coração apertado de
desolação. As flores do jardim antes tão lindas estavam mortas. O
que outrora fora cheio de cor e viva, agora era cinza e sem vida.
Quantas vezes se refugiara ali, sonhando com aventuras,
amor e um futuro brilhante?
Fora onde conhecera Anthony, sem nem saber que tinha
encontrado tudo o que sempre sonhou.
Descansou o olhar nas águas transparentes do lago, sentindo
a brisa em seu rosto e fechou os olhos, aspirando e desejando
sentir o cheiro de uma vida que já não existia.
Nada mais era o mesmo.
Nem o sul, nem ela mesma.
Mas havia esperança.
Aquela guerra não poderia durar para sempre e Anthony
retornaria.
E quando ele voltasse, ela estaria ali, à sua espera.
Passou os dedos pela barriga ainda plana.
Anthony voltaria, ela sabia. Do fundo do seu coração ela
sabia que ele voltaria para ela. Demorasse o tempo que fosse. Eles
estariam juntos novamente.

Assim, os dias passaram.


Havia trabalho para todos e muito.
Os pés secos de algodão tinham que ser arrancados para dar
lugar às novas sementes, era necessário capinar a horta, cortar
lenha, substituir cercados. Havia camas para fazer, chão para
limpar, pratos para lavar e comida para preparar. Galinhas, porcos e
outros animais que foram adquiridos, tinham que ser alimentados.
Depois de alguns dias, conseguiram ajuda para trabalhar na
lavoura e para ajudar nos afazeres de casa, afinal, muitas pessoas
nas proximidades necessitavam de trabalho. Embora Lily não se
importasse de trabalhar, já estava acostumada, pois depois que se
mudou para Atlanta, só tinha Bessie para fazer os afazeres e ela
aprendeu a fazer o que fosse preciso. Depois que a velha morreu,
era ela a responsável por fazer todos os afazeres que era preciso na
casa, desde faxinar até cozinhar, mesmo porque Rosamund não era
afeita a esse serviço e fazia muito de mau gosto.
Novembro chegou e através das notícias de quem passava
pela fazenda, descobriram que o que viram pegando fogo no dia
que fugiram de Atlanta foram os armazéns e os depósitos que os
confederados não queriam que caíssem nas mãos dos yankees. E
descobriram também que, quando Sherman tomou a cidade, as
casas e as lojas estavam em perfeito estado e ele aquartelou seus
homens nelas. Porém, obrigou os que haviam restado na cidade a
partirem, ficando na cidade até novembro e depois queimou tudo.
Lily e os pais se perguntavam o que teria sido de Anthony?
Fora pego pelos yankees e feito prisioneiro? Fora obrigado a sair da
cidade como todos? E se assim aconteceu, por que não veio para a
fazenda?
Lily temia que o destino de Anthony fosse mais sombrio, mas
tentava se ater à esperança. Ela não sentia que ele estava morto.
Não podia estar.
O serviço postal era inexistente e só contavam com os
transeuntes e ex-soldados para saber das notícias e no começo do
ano, finalmente, tiveram notícias através de um oficial que estivera
com Anthony em Atlanta.
Com a saída do exército de Sherman da cidade, muitos
habitantes voltaram para Atlanta.
E souberam que Anthony havia sido obrigado a ficar na
cidade com os prisioneiros de Sherman.
— Anthony foi feito prisioneiro?
— Ele teve a oportunidade de sair da cidade, mas decidiu
ficar cuidando dos feridos e doentes, praticamente não têm mais
médicos.
Quando soube disso, Lily quis voltar para Atlanta e ficar com
Anthony, mas sua mãe e assim como os pais de Anthony a
impediram, afinal ela já estava com mais de seis meses de gravidez
e o bebê nasceria em breve.

Enfim, no mês de abril de 1965, o General Johnson se


rendeu à Carolina do Norte e a guerra acabou.
Com os confederados rendidos, a causa que tinha julgado
que nunca se perderia estava perdida para sempre, mas Lily pouco
se importava. Há muito tinha deixado de acreditar naquela causa, se
é que um dia acreditara, agora ela só sentia alívio e esperança do
retorno de Anthony.

Contudo os dias viraram semanas e nada de notícias de


Anthony.
O serviço postal ainda era precário e nas regiões rurais
inexistentes e Lily se perguntava por que ele ainda não voltara.
Passava as tardes no jardim, que se esforçara tanto,
pessoalmente, para que voltasse a florescer, entre rosas, lírios e
saudade, dizendo a si mesma que se Anthony não retornasse no dia
seguinte, iria atrás dele, independentemente do que Josephine e
Candy pensassem.
Ela prometeu que se ele não voltasse, iria atrás dele, não
prometera?
Suspirou, o olhar descansando nas águas calmas, o cheiro
das flores impregnando suas narinas. O jardim voltara a seu
esplendor.
A vida estava pouco a pouco voltando ao normal. Ou ao novo
normal.
Não havia mais escravos, embora os confederados
choramingassem reclamando da nova ordem, onde tinham que
pagar para que fizessem o trabalho na lavoura. Mesmo assim, o sul
se erguia, tentando apagar os anos de batalhas, mortes e
devastação.
Tantas coisas haviam acontecido. Sua vida mudara
radicalmente tantas vezes pra voltar exatamente ali, no mesmo
ponto onde começara.
Agora mal se lembrava de quem era antes, a menina
mimada, sem preocupações que adorava ter todos os seus desejos
concedidos, admirada e invejada. Aquela garota desaparecera
deixando no lugar a mulher que se tornou hoje. Uma mulher que se
reerguera por cima das decepções em meio a uma guerra, mas que
encontrara forças, dentro de si mesma, para prosseguir e acima de
tudo reencontrara e reconquistara o amor da sua vida.
Então ela se sentiu observada e o coração falhou uma batida.
Antes mesmo de virar já sabia quem estava ali.
Lily se virou e o viu.
Anthony estava parado olhando pra ela.
— Anthony! — murmurou ainda sem poder acreditar em seus
olhos.
Ele estava vestido com roupas escuras de viagem, e lhe
sorriu.
Lily correu para ele, aconchegando-se àqueles braços,
deitando a cabeça em seu peito, fechando os olhos e absorvendo a
sua presença.
Anthony a envolveu fortemente, como se nunca mais fosse
soltá-la.
— Lily... Lily... — ele sussurrava seu nome e ela sentiu a sua
voz entrar direto no coração.

Anthony apertou Lily junto a si e se sentiu completo pela


primeira vez desde que a deixara. Quanto tempo havia sonhado em
tê-la perto novamente? O quanto almejara aconchegar o corpo
macio junto ao seu, tocar os cabelos? Mas a obrigação o mantivera
afastado. Todos os dias acordava pensando em desistir. Querendo
desesperadamente voltar para ela. Mas sabia que precisavam dele,
de sua experiência médica, vidas dependiam de sua habilidade,
naquele momento crucial em que tudo piorara, para então,
finalmente, findar os conflitos, com a rendição do sul.
Suportava a distância porque sabia que o dia que estaria com
Lily de novo estava chegando. O fim da guerra não trouxe a paz e a
tranquilidade de uma hora para a outra, ainda havia feridos e
doentes e até que Anthony sentisse que cumpriu sua missão algum
tempo se passou.
E a primeira coisa que fez foi correr para casa. Para Lily.
Ele segurou seu rosto entre as mãos.
— Nem acredito que está realmente aqui! — Lily sussurrou.
— Nem eu. — Anthony sorriu e ela sorriu de volta. E então
estavam rindo e se beijando e finalmente Anthony se sentiu em
casa.
Este era o seu lugar.

Lily mal continha as batidas do coração e a felicidade há


muito almejada de estar entre os braços de Anthony de novo, depois
de tanto tempo de ausência e saudade.
E se lembrar de como ficara triste, aflita, principalmente
depois que a guerra findara e ele demorara a voltar, a fez se afastar
e virar um tapa em seu rosto.
— Isso é por me deixar sozinha por todo este tempo! Sabe o
que eu passei? Quase morri de preocupação!
Anthony passou da incredulidade ao divertimento e caiu na
gargalhada.
— Vejo que ainda tem um tanto da velha Lily Rose
aí.
— Pode apostar! Nunca mais me deixe sozinha!
— Não a deixei sozinha. — Seus olhos brilharam de
ansiedade e no mesmo instante ouviram um choramingar baixinho e
Anthony virou a cabeça, para avistar o carrinho de bebê próximo.
Anthony soltou Lily para se aproximar.
— Essa é nossa filha, Anthony.
Anthony encarou aquele pequeno ser e sentiu uma emoção
sem tamanho traspassar o peito. Admirando o pequeno rostinho,
rodeado por pequenos cachos castanhos como os de Lily e os olhos
claros como os seus.
Sua filha.
Seria possível se apaixonar assim de repente?
Sim, concluiu.
Pois aconteceu o mesmo com a mãe dela.
— Ela é linda, Lily. — Anthony acariciou o rostinho macio.
— O nome dela é Katherine.
— Nossa Kate.
Anthony pegou a menina do carrinho, abraçando-a contra o
peito.
— Olá... você é linda Katherine Crawford.
Lily o observou conversando com a menina que o encarava
quieta como se estivesse entendendo o que ele estava falando.
Suspirou emocionada. Em todos aqueles meses, oscilou
entre a felicidade e o desespero, mas apesar de tudo, saber que
teria um bebê, lhe dera forças para aguentar a ausência de Anthony,
sempre na esperança que ele regressasse. Mas o tempo passou,
Lily viu sua filha nascer e Anthony ainda estava ausente.
Agora, parecia um sonho que finalmente ele estivesse ali com
elas.
— Acho que ela gostou de você!
— Ela é mais fácil de conquistar do que você.
Lily riu enquanto se sentavam entre as flores, onde se
conheceram, apreciando sem pressa aquele momento perfeito que
era o primeiro de muitos.
Os tempos de guerra e incerteza ficaram para trás.
Epílogo

O dia estava ensolarado e Lily olhou para a menina que dava


seus primeiros passinhos correndo atrás dos pombos na beira do
lago.
— Olhe pra ela! — Anthony falou orgulhoso e Lily riu.
Estavam sentados em frente ao lago observando Kate correr
atrás dos pássaros. Às vezes ela caía, mas sempre se levantava
rindo.
— Às vezes ainda acho incrível que fomos nós que a fizemos
— Lily falou.
— Sim, nós fizemos. — Ele beijou seu cabelo e fitou a filha.
— Ela vai ficar parecida com você. Olha como já caminha toda
orgulhosa. Terei muitos problemas...
— Só espero que ela tenha sorte de encontrar um homem tão
maravilhoso como você.
Anthony ficou sério.
— Do que está falando? Ninguém vai chegar perto da minha
filha.
— Espero que não esteja falando sério! Meninas têm tantos
direitos como meninos!
Anthony riu e a beijou.
— Estou brincando, ela terá todos os direitos que quiser,
mesmo porque ela já faz o que quer de mim, mas com os meninos é
muito mais fácil.
— Então acho que quero ter um menino.
Ele a encarou com a sobrancelha levantada.
— Sim, vamos ter mais um bebê.
Ele sorriu. Sempre o sorriso mais lindo deste mundo, Lily
suspirou, apaixonado.
— Você gostaria de ter um menino, não é?
— Pra mim tanto faz.
— Fico feliz por isso, mas eu tenho certeza de que teria um
menino e vai ter o nome do meu pai, Frank, e vai se parecer com
você.
Ele sorriu e acariciou seus cabelos.
— Amo você, Lily Rose.
— E eu amo mais, Anthony Crawford.

FIM
Agradecimentos

Obrigada a cada leitor que chegou até aqui, espero que


tenham curtido a leitura. Não esqueçam de deixar uma avaliação e
se gostaram, indiquem muito para todo mundo surtar junto!
Um especial agradecimentos às betas, Gllauce, Erika,
Bárbara e Alyne pela inestimada ajuda!
Até a próxima.

Grande abraço!

Ju
Sobre a autora

Apaixonada por livros, séries e viagens, a paulista Juliana


Dantas envolveu-se com a escrita em 2006, escrevendo fanfics
dos seus seriados e livros preferidos. Estreou como autora
independente na Amazon em 2016 e hoje possui mais de 50 títulos
na plataforma Kindle, além de livros publicados pela Editora Harper
Collins - selo Harlequin, DVS Editora e Editora Pandorga. Em 2020,
sua série Julie & Simon teve os direitos de adaptação para produção
audiovisual contratados pela produtora Lupi.
Com mais de 100 milhões de páginas lidas no Kindle, sua
escrita transita livremente entre dramas surpreendentes e romances
leves e divertidos. Seus títulos sempre passam pelo ranking de
mais vendidos da plataforma, além de já ter três deles na lista de
mais vendidos da Veja.
E-books Publicados na Amazon:
O Leão de Wall Street
Vendetta
A Verdade Oculta
Segredos que ferem
Linha da Vida
Longe do Paraíso
Espinhos no Paraiso
Juntos no Paraíso
Espera – Um conto de O Leão de Wall Street
Cinzas do Passado
Trilogia Dark Paradise (Box)
A Outra Irmã
Segredos e Mentiras
Por um sonho
O Highlander nas sombras
Quando você chegou
O segurança de Wall Street
Uma noiva de natal
Um noivado nada discreto
O dia dos namorados de Julie e Simon
As infinitas possibilidades do nunca
Box Romances Inesquecíveis
No silêncio do mar
O que escolhemos esquecer
Um bebê Inesperado
Um bebê de natal ( conto da série Julie & Simon)
Desafiando a Gravidade
O que escolhemos perdoar
A irresistível face da mentira
Entre o crime e a nobreza Livro I
Entre o crime e a nobreza Livro II
Henry & Sophia
Box Julie & Simon
Black – O lado escuro do coração – Ato I
Black – o Lado escuro do coração – Ato II
Black – o Lado escuro do coração – Ato III
White – O que eu não te contei
Um natal sem Julie (Um conto de Julie e Simon)
Supernova – As infinitas possibilidades do nunca pelos olhos
de Nathan
Inesquecível
Nosso Último Segredo
Liam
Box Wall Street
Corações de Gelo
Red – Mestre dos Desejos
Box Romances de época inesquecíveis
Se arrependa de mim
Se apaixone por mim
Volte para mim
Tudo por mim
Verão Cruel
Bastardo Grego
Casamento Grego
Herdeiros Gregos
Julie e Simon estão de volta (contos leituras rápidas)
Funeral real (contos leituras rápidas)
Um namorado para o papai (contos leituras rápidas)
Amor e Destino

Livros físicos

A verdade oculta – Editora Pandorga


Segredos e Mentiras – Independente
Quando você chegou – Independente
Uma noiva de natal – Independente
Um noivado nada discreto – Independente
Um bebê Inesperado - Independente
No silêncio do Mar – Harper Collins – Harlequin
As Infinitas Possibilidades do nunca – Independente
A irresistível face da mentira – DVS Editora
O Leão de Wall Street – Independente
Black – O lado escuro do coração – Ato I – Independente
Black – o Lado escuro do coração – Ato II – Independente
Black – o Lado escuro do coração – Ato III – Independente
A outra irmã – Independente
White – O que eu não te contei – Independente
O que escolhemos esquecer – Independente
Supernova – Independente
Inesquecível – Independente
Desafiando a gravidade - Independente
Nosso Último Segredo – Independente
Vendetta – Independente
Longe do Paraíso – Independente
Espinhos no Paraíso - Independente
Juntos no Paraíso – Independente
Corações de gelo – Independente
Segredos que ferem – Independente
Se arrependa de mim – Independente
Se apaixone por mim – Independente
Volte para mim – Independente
Verão Cruel – Independente
Linha da Vida – Independente
Henry & Sophia – Independente
Cinzas do Passado – Independente
Audiobooks

Uma noiva de natal - Audible


Um noivado nada discreto - Audible
O que escolhemos esquecer - Audible
Box Vendetta - Audible
As infinitas possibilidades do nunca - Audible

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