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O que estudaremos em Religião, Direito e Estado?

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O quê estudaremos em Religião, Direito e Estado?

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Capítulo VI –
Liberdade de Crença e Direito à Saúde

Prof. Dr. Lelio Lellis


Pós-Doutor – Faculdade de Direito Universidade de Coimbra
Visiting Scholar – Columbia University School of Law
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

1. Elementos para a conceituação do Direito à Saúde


1.1 Direito fundamental
a) Prisma formal –
a1. O direito à saúde está contido no art. 6º, inserido no Título II da CF/88,
denominado “Dos direitos e garantias fundamentais”.
b) Enfoque instrumental –
b1.O direito à saúde é indispensável para a realização do princípio da
dignidade da pessoa humana, razão da existência e base do Estado e
sociedade nacionais (art. 1º, III), e a concretização dos direitos
fundamentais finalísticos que o desenham: vida, liberdade, igualdade,
segurança e propriedade (art. 5º, caput, CF);
b2. Posição do STF: Todos os direitos que compõem o alicerce, o
fundamento do sistema constitucional são fundamentais (STF. Pleno,
ADPF n. 1, rel. Min. Néri da Silveira, j. 3.2.2000, DJ 7.11.2003, v.u.).
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde
1.2 Consequências interpretativas e de aplicação:
a) Proibição do retrocesso:
a1. Cláusula pétrea: O direito à saúde, porque fundamental (sob as dimensões
individual e coletiva, formal e instrumental) é protegido como cláusula pétrea
(art. 60, §4º, IV, CF) e não pode sofrer retrocesso em sua configuração,
interpretação e aplicação (princípio da proibição do retrocesso). Não pode ser
alvo de deliberação uma Proposta de Emenda Constitucional tendente a aboli-lo
ou restringir-lhe a eficácia. Apenas é possível aprovação de Emenda
Constitucional que fortaleça sua eficácia ou efetividade;
b) Aplicabilidade imediata:
b1. Aplicabilidade imediata de seu núcleo essencial (art. 5o, § 1o, CF) com a
máxima efetividade possível, sob pena de responsabilização da autoridade
competente;
b2. Dever de prestações econômicas (initerruptas e céleres) do Estado (arts. 196
a 200, CF)
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

c) Limites à liberdade de crença para proteção da saúde e vida:


c1. Convenção Americana de Direitos Humanos:
“ARTIGO 12 – Liberdade de Consciência e de Religião [...]
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua
liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de
religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está
sujeita unicamente às limitações prescritas pelas leis e que sejam
necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou moral
pública ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.”
c2. Interpretação:
1º) Núcleo da liberdade de crença: conservar ou mudar de crença ou
religião e de manifestá-la;
2º) Limites: prescrição em lei, se necessários para proteger a saúde,
segurança e direitos das demais pessoas.
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

1.3 Elementos constitucionais sobre o conceito de saúde:


a) Direito lato sensu ou subsistema constitucional da saúde
a1. Previsão e detalhamento:
- Previsão geral enquanto direito fundamental social: art. 6º, CF;
- Detalhamento: arts. 196 a 200 (tratam do dever do Estado para com a
saúde e o núcleo essencial de seu conceito); 23, II (competência
executiva comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios
para cuidar da saúde e assistência pública), 24, caput, XII e §§1º ao 4º
combinado com o art. 30, caput, I e II (competência legislativa
concorrente de União, Estados, Distrito Federal sobre o direito à saúde,
com possível suplementação legislativa do Município para atender
assuntos de interesse local); art. 227, caput e §1º (direito de assistência
integral à saúde da criança, adolescente e jovem); art. 230 (garantia da
dignidade, bem-estar e vida do idoso, logo, implicitamente da saúde);
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde
a2. Aspectos conceituais sobre (o direito-dever) de saúde na CF:
- “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua
execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou
jurídica de direito privado.”
- Interpretação:
*Núcleo do direito à saúde (de aplicação imediata, vedada sua flexibilização):
1º) Direito de todos que residam ou transitem, legal ou ilegalmente, pelo país;
2º) Dever do Estado cumprido por meio de políticas públicas de outorga universal
e igualitária de atendimento preventivo ou curativo de doenças evitáveis ou
diminuição do sofrimento (para alcance de vida humana digna);
3º) A Saúde (individual e coletiva/pública) deve ser promovida, protegida e
recuperada por meio de políticas públicas (sociais e econômicas) que persigam a
redução do risco de doença, sua cura ou diminuição do sofrimento.
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde
2. Desafios já levados ao STF
2.1 Liberdade de Crença (manifestação no convívio) X Direito à vida e à Saúde
(individual, coletivo ou de terceiros)
a) Livre exercício do direito de culto (em reunião) X Direito à vida e à saúde:
a1. ADPF n. 811/SP [STF. Pleno, ADPF n. 811/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j.
8.4.2021 – 9X2. Fundamento normativo: Arts. 5º, VI e VII; 19,I, CF. Art. 18, Decl.
Univ. dos Dir. Hum.; Art. 12, Pacto de San José]:
Núcleo do direito à liberdade de crença: 1º Dimensão Interna (art. 5º, VI e VIII, CF):
Conjunto de crenças elaborado na consciência; 2º Dimensão externa: manifestação
(pública ou privada, coletiva ou individual) daquelas crenças. É parte da periferia e
não do núcleo do direito de crença (podendo sofrer restrição temporária, respeitada
a proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade estrita): O modo
de manifestação da crença. Ex: presencial ou virtual. Decisão: É proporcional a
suspensão temporária de reunião presencial para culto (mantida a reunião virtual),
quando essa restrição atinge igualmente outros tipos de reunião (isonomia), para
preservar o núcleo do direito fundamental à saúde, em caso de colisão, a partir de
necessidade científica (OMS).
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde
b) Testemunha de Jeová (transfusão de sangue): Liberdade de crença individual X
direito individual à vida e à saúde:
b1. RE 979742 RG/AM [STF. Pleno. RE n. 979742 RG/AM, rel. Min. Barroso, j. 29.6.2017, v. u.]:
Questão da Repercussão Geral: Há omissão do Estado ao recusar prestar
tratamento sem transfusão de sangue no SUS para paciente Testemunha de Jeová
com base na “reserva do possível” (orçamentária e financeira), porque isso feriria a
existência digna (art. 1º, III, CF) considerando-se o direito (individual) de liberdade
de crença (art. 5º, VI e VIII) e o direito (individual e coletivo) à saúde (arts. 196 e
197, CF), bem como a isonomia (art. 5º, I, e 196, CF)?
b2. RE 1.212.272 RG/AL [STF. Pleno. RE n. 1.212.272 RG/AL, rel. Min. Barroso, j.
24.10.2019, v. u.]:
Questão da Repercussão Geral: Há direito de autodeterminação confessional
(liberdade de crença individual) de Testemunha de Jeová em submeter-se a
tratamento médico (declarado por médico como existente e viável) sem transfusão
de sangue ou pode o Estado determinar o tipo de tratamento médico em
desrespeito à crença religiosa individual (por conveniência, oportunidade etc)?
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

c) Liberdade de Convicção Filosófica (Crença Religiosa) X Recusa


dos pais à vacinação obrigatória dos filhos menores:
c1. ARE 1.267.879/SP [STF. Pleno, ARE n. 1.267.879/SP, rel.
Min.Roberto Barroso, j. 17.12.2020, v. u. – Fundamento normativo:
Arts. 5º, VI e VIII, 196, 227, 229, CF]:
1º) Colisão de interesses e direitos: dos pais (convicção filosófica anti-
vacinação), dos filhos menores e de terceiros (direito à saúde). 2º)
Interpretação autêntica (do legislativo) que estabelece a obrigatoriedade da
vacinação (L n. 6.259/1975 – Programa Nacional de Imunizações; L n.
8.069/1990 – ECA; L n. 13.979/2020 – Medidas de combate ao COVID-19). 3º)
Decisão: Poder familiar não prevalece contra melhor interesse da criança e
adolescente (vacinação para proteger saúde). Limite à periferia do direito
individual de convicção filosófica para preservar núcleo do direito à saúde de
terceiros em caso de colisão dos direitos.
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

d) Liberdade de manifestação de Crença Religiosa X Crime de


Curandeirismo:
d1. HC 62.240-2/SP [STF. 2ª T. HC n. 62.240-2/SP, rel. Min.
Francisco Resek, j. 13.12.1984, v. u. – Fundamento normativo: Arts.
153, §5º, EC n. 1/1969 (É plena a liberdade de consciência e fica
assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem
a ordem pública e os bons costumes); art. 284, CP – Curandeirismo
(prescrever, ministrar ou aplicar, habitualmente, qualquer substância; usar
gestos, palavras ou qualquer outro meio; fazendo diagnósticos)]:
Decisão: Milagre de cura remunerada de doença por imposição de mãos
consiste no crime de curandeirismo. É limite à liberdade de manifestação
religiosa a tipificação de conduta como crime (por ferir bons costumes e
pertubar a ordem pública).
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

2.2 Direito à dignidade, saúde e autodeterminação (ética) da mulher X


Direito à vida e Crime de aborto (de anencéfalo):
a) Dignidade, saúde e autodeterminação da mulher X Vida e crime de aborto
[(de anencéfalo) / segundo crença religiosa da maioria populacional X
convicção filosófica de minoria (ir)religiosa]:
a1. ADPF 54/DF [STF. Pleno. ADPF n. 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j.
12.04.2012, (5+2 X 2-2) – Fundamento normativo: Arts. 1º, III; 5º, II, III, VI, X;
6º; 19, I, CF. Art. 4º, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a violência contra a Mulher. Arts. 124, 126, 128, CP (tipificação do aborto)]:
Decisão: Inconstitucional a interpretação que entende estar a interrupção de
gravidez de feto anencéfalo tipificada como crime de aborto nos arts. 124, 126, 128
do CP [uma vez que, segundo a ciência (Par. 24/2003 e Res. 1.752/2004, do CFM),
não há vida (cerebral) no feto a ser preservada e obrigar a mãe a carregar
infrutiferamente o feto viola seu direito à existência digna, à saúde e à
autodeterminação de convicção/crença].
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

2. Lições sobre o tratamento da Liberdade de Crença em


contexto de pandemia:
2.1 Nenhum direito, mesmo fundamental, é absoluto. Contudo,
possivelmente é interpretado e aplicado segundo a “religião civil” do
Estado, aceita como legítima pela maioria dos integrantes da sociedade
e o ideário individual dos julgadores.
2.2 As decisões judiciais possivelmente serão baseadas em consensos
científicos do momento.
2.3 É necessário ponderar os bens coletivos e de terceiros
ao se buscar protegeer liberdades individuais e coletivas.
2.4 Uma posição ideológica de equilíbrio (moderação) pode
contribuirá para a pacificação social e respeitabilidade do
indivíduo.
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde
Resumo
* O direito à liberdade de crença (religiosa) e o direito à saúde são de natureza
constitucional fundamental. Logo, (1) o núcleo de cada um deles é protegido contra a
flexibilização em sua aplicação, podendo ocorrer a (2) flexibilização do conteúdo
periférico de um deles em face daquele de igual natureza do outro, em decorrência da
ponderação proporcional e razoável dos valores que carregam, tudo (3) para evitar-se a
violação do núcleo de qualquer deles, bem como (4) dotar-se de força normativa a
periferia de um deles, tida por indispensável ao convívio social solidário (fraterno) e à
dignidade (individual) da pessoa humana em determinada realidade espaço-temporal.
* O núcleo do direito de crença (art. 5o, VI, CF) possui dimensão interna (elaboração e
sistematização de crenças na consciência individual) e dimensão externa (manifestação
das crenças). Todavia, o modo de manifestação de uma crença é parte da periferia do
referido direito, podendo ser flexibilizado temporariamente, obedecida a razoabilidade,
a proporcionalidade e a isonomia. Já o direito à saúde tem por núcleo o dever do
Estado de garantir, mediante políticas públicas, a redução do risco de doença e o acesso
universal e igualitário de todos que estejam no país às ações e serviços de promoção,
proteção e recuperação da saúde, entendida como ausência de doença e presença do
bem-estar físico e mental no indivíduo (art. 196, CF), além do combate ao sofrimento
(art. 197, CF) com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF).
Capítulo VI – Liberdade de Crença e Direito à Saúde

Aprofunde seu conhecimento


Leia
(Disponível em: Biblioteca do UNASP)
– LELLIS, Lelio M.; HEES, Carlos A. (Orgs). Fundamentos jurídicos da
liberdade religiosa. Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2016.

Responda
Quais os procedimentos metodológicos sequenciais para a
interpretação e aplicação de direitos constitucionais
fundamentais em caso de colisão de seus conteúdos
e dos interesses juridicamente protegidos? Por quê?

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