Cintilantes de areia e maré lisa Os quartos apuram seu fresco de penumbra Irmão do lírio e da concha é nosso corpo Tempo é de repouso e festa O instante é completo como um fruto Irmão do universo é nosso corpo O destino torna-se próximo e legível Enquanto no terraço fitamos o alto enigma familiar dos astros Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem Como se em tudo aflorasse eternidade Justa é a forma do nosso corpo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Imagem: Umberto Boccioni Sacode as nuvens
Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar. Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras. Porque eu cheguei e é tempo de me veres, Mesmo que os meus gestos te trespassem De solidão e tu caias em poeira, Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras E os teus olhos nunca mais possam olhar.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Imagem: Maki Horanai Quem és tu
Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos, Sob o rumor das folhas inspiradas?
A tua perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude A que as coisas tinham sido destinadas.
A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude, E o teu andar é a beleza das estradas.