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(Cue gua (1938), nlogravura do artista holandés Maurits Comels Escher (1898-1972). E lagico! “ l6gico que eu vou!”; “Légico que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, a ex- pressdo “Elogico que” indica, para nds e para a pes- soa com quem falamos, que se trata de alguma coisa evidente. A expressio aparece como se fosse , comparti- lado pelos interlocutores do discurso. Ao dizer “E l6gico que eu vow”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso seja dito explicitamente, que também estou afirmando: “Vocé me conhece, a conclusdo de um raciocinio implici GEEMEED uvowce vA osico sabe 0 que penso, gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora y e, portanto, nao hé diivida de que vou até 14”, Ao dizer “E l6gico que ela disse isso!”, a situagio 6 semelhante. A expresso seria a conclusdo de algo que eu ea outra pessoa sabernos, como se eu estives- se dizendo: “Sabendo quem ela & o que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o que esta acontecendo agora, concluo que é evidente que ela disse isso, pois era de esperar que ela 0 dissesse”. Nesses casos, estamos tirando uma conclusao que nos parece Gbvia, e dizer "6 légico que"seria o mesmo, que dizer “é claro que” oundo ha diivida de que Em certas ocasides, ouvimos, lemos, vemos al ma coisa, e nossa reagdo é dizer: “Nao, Nao pode ser assim. Isso nao tem l6gica!” Ou, entdo: Isso nao é légico!”. Essas duas expresses indicam uma situagio oposta as anteriores, ou seja, agora uma conclusao foi titada por alguém, mas 0 que jé sabemos (de uma soa, de um fato, de uma ideia, de um objeto) no z julgar que a conclusao é indevida, esta errada, deveria ser outra. E possivel, também, que as duas expresses estejam indicando que o conhecimento que poss: mos sobre alguma coisa, sobre alg: sobre um fato nao é suficiente para compreendermos o que estamos ou lo, vendo, lendo e por isso nos parece“ nao ter légic Nesses varios exemplos, podemos perceber que as palavras sio usadas por nés para significar ‘uma inf nheco x, dis ncia: visto que posso concluir pmo consequéncia 2.a exigéncia de coeréncia: visto que X é assim, é preciso 3.2 exigéncia de que nao haja contradigio entre 0 que sabemos de x ea conclusio y a que chegamos; dae ssamos saber o suficiente sobre x para conhecet por qui fencia de que, para entender a conclusio y, preci: ntos suficientes so algumas 's implicitamente pressupostas por nés toda vez que afirmamos que algo € Igico ou ildgico. Ao usarmos as palavras ldgica e légico, estamos participando de uma tradigdo de pensamento que se quando a pala origina na filosofia greg. a léigos (sig- nificando “lin iagem-discurso e pensamento- -conhecimento”) conduziu os fildsofos a indagar se 0 ldgos obedecia ou nao a regras, possufa ou nao nor mas, prinefpios e c mento. A disciplina filos6fica que se ocupa dessas questdes chama-se légica. Heraclito e Parménides Quando estudamos 0 nascimento da filosofia, vimos que os primeiros fil6sofos se preocupavam com a origem, a transformagao e o desaparecimento de todos os seres. Preocupavam-se com o devir. Vi mos também que dois fildsofos do periodo pré-so- cratico adotaram posigdes opostas a esse respeito: Herdclito de Efeso, qui danga eafirmava que somente a de Eleia, que afirmava que somente a identidade e a permanéncia so reais e a mudanca,iluséria. O mundo, dizia Heréclito, & um fl 0 perp onde nada permanece idéntico a si mesmo, mas tu do se transforma no seu contrario, A luta é a harmo ‘ros, responsavel pela ordem racional do universo. Nossa experiéncia sensorial percebe 0 undo como se tudo fosse estavel e permanente, mas 0 pensamento sabe que nada nanece, tudo se torna o contrario de si mesmo, O 16gos é a mudan ga de todas as coisas, os conflitos entre elas, e a con- tradigao. Por isso Herdclito dizia: “A guerra (ou a luta) é 0 ai de todas as coisas”. O dia se opde A noite, © quente ao frio, o timido ao seco, o bom ao mau, onovo ao velho. A ordem do mundo sao esas, oposigSes e a mudanga continua de um no outro. Paine! em vido da série Sumaré (1988), do artista pldstico Alex Flemming, que esté exposto na estaco Sumaré do metré de 0 Paulo, Onnescimento da lopca —cariruco 13 EXER O ser, dizia Parménides, &o l6gos, porque é sem- pre idéntico a si mesmo, sem contradigdes, imutavel ¢¢ imperecivel. O devir, 0 fluxo dos contrétios, é a ‘aparéncia sensfvel, mera opinio que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensacées, percepgdes e lembrangas. A mudanga é 0 nio ser, 0 nada, impensavel e indizivel. O pensamento ea lin- guagem verdadeira s6 sao possiveis se as coisas que pensamos ¢ dizemos guardarem a identidade, forem permanentes, pois s6 podemos dizer e pensar aquilo que € sempre idéntico a si mesmo. Se uma coisa tomar-se contréria a si mesma, deixard de ser e, em seu lugar, haverd nada, coisa nenhuma, pois o que se contradiz se autodestrdi, A mudanga é impossivel, do onto de vista do pensamento e s6 existe como apa- réncia ou ilusdo dos sentidos. O devir é nao ser. Por isso somente 0 ser pode ser pensado e dito. Assim, Herdclito afirmava que a verdade e o légos sio a mudanga das coisas nos seus contratios, en- quanto Parménides afitmava que sdo a identidade do ser imutével, oposto a aparéncia sensivel da luta dos contrarios. Parménides introduz a ideia de que o que é con- trério a si mesmo, ou se torna o contrério do que era, ou nao pode ser (existir),ndo pode ser pensado nem dito porque é contraditério, e a contradigao é 0 im- pensével e o indizfvel, uma vez que uma coisa que se torna o oposto de si mesma destréi-se a si mesma, toma-se nada. Para Heréclito, a contradigao é uma lei racional da reatidade; para Parménides, aidenti- dade é essa lei racional. A histéria da filosofia grega é a historia de um gigantesco esforgo para encontrar uma solugdo para © problema posto por Herdclto e Parménides, pois, seo primeiro tem razao, 0 pensamento deve ser um fluxo perpétuo e a verdade, a perpétua contradicao dos seres em mudanga continua; mas se Parménides tem razo, o mundo em que vivemos nao tem sen- tido, nao pode ser conhecido, é uma aparéncia im- pensavel e nos faz viver na ilusio. Seria preciso, portanto, uma solugdo que provas- se que a mudanga e os contrérios existem e podem ser pensados, mas, ao mesmo tempo, que provasse que a identidade ou permanéncia dos seres também existe, 6 verdadeira e pode ser pensada. Como en- contrat essa solugao? A busca dessa solugio teria como consequéncia co surgimento de duas disciplinas filosdficas: a l6gica, que estudaremos agora, ¢ a metafisica ou ontologi que estudaremos na Unidade 6. UNIDADE WV — A logica O aparecimento da lagica No momento de seu apogeu, isto 6, na época de Plato e Aristételes a filosofia oferece as duas solugbes ‘mais importantes para o problema da contradicéo- -mudanga e identidade-permanéncia dos seres. Nao vamos, aqui, falar dessas duas filosofias, mas destacar ‘um aspecto de cada uma relacionado com o nosso assunto, isto é, com o surgimento da logica. A fialética platénica Platao considerou que Herdclito tinha razdo no que se refere ao mundo material ou fisico, isto 6,0 mundo dos seres corporais, pois a matéria 6 0 que est sujeito a mudangas continuas ea oposigbesintemas. Herdcli- to esté certo no que diz respeito ao mundo material, ue conhecemos por meio de nossas sensages, per- cepgies e opinides. Esse mundo é chamadio por Platao de mundo sensfoel e nele ha o devir permanente. No entanto, dizia Platao, o mundo sensivel é uma ‘aparéncia (& 0 mundo dos prisioneiros da caverna), é ‘uma c6pia ou sombra do mundo verdadeiro e real e, nesse sentido, Parménides é quem tem razao. O mundo verdadeiro é o das esséncias imutaveis, por- tanto, sem contradig6es nem oposigdes, sem trans- formagéo, onde nenhum ser passa para o seu con- tradit6rio, Esse mundo das esséncias ou das ideias & chamado por Platao de mundo inteligivel. Como sair da caverna? Como passar do sensivel a0 inteligivel? Por meio de um método chamado dialétic dialética Plavra composta pelo prefia da, que quer dizer "dois", ® pela terminacéo iética, derivada de ldgas e do verbo legein,cuj significado vimos ao estudar a razéo, ‘Como prépria palavra indica, dialtica ¢ um didlo- go, um discurso compartilhado por dois interlocutores, ‘ou uma conversa em que cada um possut opiniSes opos- tas sobre alguma coisa e devem discutir ou argumentar de modo a superar essas opinides contratias e chegar a unidade de uma ideia que é a mesma para ambos e para todos os que buscam a verdiade. Devem passar de ‘imagens contraditérias a conceitos idénticos para todos 0s pensantes. Em outras palavras a dialética é um. cedimento com o qual passamos dos contrérios ao i tico, das opinides contrarias a identidade da ideia, das oposiges do devir& unidade da esséncia

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