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O PREPARO E ENTREGA DE SERMOES John 8. Broadus Nova Edica&o. evista por Jessé Burton Weatherspoon, Doutor em Teologia e em Divindade ~1960—_ CASA PUBLICADORA BATISTA Caixa 320 — Rio TradugGo Avtorizada da Obra em Inglés “'ON THE PREPARATION AND DELIVERY OF SERMONS” feita pela Rev. Waldemar W. Wey PREFACIO A NOVA EDICAO REVISTA A primeira edigdo do livro de Broadus — O Preparo e Entrega de Sermées — apareceu em 1870. Em 1897 foi revisto pelo dr. H. C. Dargan, aluno do dr. Broadus e sucessor déle como professor catedrd- tico de Homilética em Louisville. Tal reviséio se féz em grande parte baseada nas préprias notas deixadas pelo dr. Broadus ¢ nas sugestées que apresentana em muitas conversas com o revisor. Em 1926, io ‘dr. C. 8. Gardner, sucessor do dr. Dargan, reviu a bibliografia, classifi- cando e aferindo as principais obras que tratavam do sermao. Jd que éste livra desde o seu aparecimento vinha sendo usado de modo cons- tante e crescente, e pelo fato de apds trés quartos de_século_continuar sendo_o principal manual tica_ entdo procurado, ficava ‘per- feitamente justificada @ sua reedicao. Assim, a pedido dos editéres, e com o consentimento e a generosa cooperagéo da senhora Ella Broadus Robertson, filha do dr. Broadus, resolveu-se, &@ medida que os anos exigiam, tirar esta nova edigdo, encabegada por outro professor da mesma segéo em que esta obra nas- cera. Ele aceitow a tarefa, apreciando humildemente a insigne honra de ser contado como wm dos sucessores de Broadus, Dargan e Gardner, ena firme convicgaéo de que um Broadus revista exerceria maior atracéo sdbre a nova geracio de pregadores do que wma obra totalmente nova sdbre o assunto. Poucos livros, e mesmo talvez nenhum, sdbre Homi- lética, tém apresentado o assunto de mancira tdéo compreensiva, sim- ples e nitida, e de interésse duradouro, como esta obra de Broadus. Em nada cedendo a tentagéo de impor ao estudante os seus métodos favoritos, Broadus dew o melhor de sua atengdo a principios e mé- todos provados, valendo-se das seculares e classicas obras que se re- lacionam com a arte de pregar. Justamente por isso o livra sobrevive, necessitando de revisio apenas em pontos secunddrios. Nesta edigdo Ros propusemos a conservar as carateristicas essenciais da obra do VI PREFACIO A NOVA EDICAO REVISTA dr. Broadus. Os mestres, contudo, encontraréo numerosas modifica- ¢des — condensagées, desenvolvimentos, novas formas, omissdes, in- sergdes — que néo podem ser explicadas num prefdcio. Espera-se que tais modificagdes se justifiquem por si, pois foram feitas inica- mente com o objetivo de ajudar os estudantes de nossos dias. Talvez as modificagdes mais chocantes se percebam no esbdco geral da obra. Assim, nas primeiras edigées todos os elementos ma- teriais do serméo estavam incluidos na Primeira Parte. Esta dividi- mos agora em duas partes: uma, tratando das Bases do Serméo, que inclui capitulos sébre o Texto, a Interpretagdo de Textos, o Assunto, ou Tema (Capitulo novo), a Classificagdo de Assuntos e os Elementos Gerais do Sermao; a outra, que trata dos Elementos Funcionais do Sermdo, € que inclui capitulos sdébre a Huplanagéo, a Argumentagéo, as Ilustragdes, ¢ a Aplicagéo. Enire essas duas partes, a Segunda Parte das primeiras edigdes aparece agora inserta coma os Elementos Formais, ou Regulares, do Serméo, em conformidade com a prdtica de ensino esposada pela maioria dos professéres, inclusive o préprio dr. Broadus. As partes restantes do lwro obedecem & ordem das edi- cdes anteriores. A Quinta Parte, tratando dos méiodos de preparo e enunciagie do sermdo, apresenta. um novo arranjo do seu material, tendo-se desenvolvido a tratamento dos métodos de preparo, o que julgamos propiciar aos estudanies as vantagens do sistema de notdveis pregadores modernos. Modificagées outras baseiam-se em necessidades observadas por es- tudiosos em certos periodos de tempo. O capitulo sébre a Interpreta- edo de Textos aparece um tanto resumido, esperando-se, porém, que niio desmeregam o seu valor os estudantes que néo tenham feito curso separado de Interpretagéo. Também resumimos um tanto ¢ demos novo arranjo ao capitulo que trata da Argumentagdo. Referéncias literdrias e notus ao; pé da pdgina também foram revistas, e eliminamos as que néo tinham grande valor para o estudante de nossos dias, e inserimos varias referéncias a autores modernos e escothidos. Conservou-se a excelente obra bibliografica do dr. C. S. Gardner, e se acrescentou a mesma uma lista suplementar de livros afins. Expressa-se aqui funda gratidio para com védrios editéres, por sua bondade em permitir que se fizessem citagdes de livros de elevado e reconhecido valor. Igualmente se agradecem as iniimeras e vatliosas sugestées feitas por estudantes e colegas nossos. J. B. Weatherspoon Seminario Teolégico Batista da Sul, novembro de 1943. PREFACIO A EDICAO REVISTA A primeira edigdo desta obra veio a lume no verio de 1870. Logo que saiu do prelo, o autor obteve uma saida de aiguns meses, jamais esperando ensinar Homilética em seu retérno. As circunstdncias, no entanto, forgaram-no a ocupar novamente a mesma cdtedra na refe- rida segdo — alids para éle coisa mui agraddvel e mesmo favorita. O livro obteve grande sucesso. Tornou-se mesmo em sua terra o com- péndio de Homilética de maior popularidade e aceitagio, chegando a alcangar vinte ¢ duas edigdes. Foram vendidos muitos mil exemplares. Passou também a ser adotado como manual de classe em muitos semi- ndrios teolégicos de varias denominagdes; e, nalguns dos quais néo se adotava nenhum compéndio, passou a ser recomendado para estudo e referencias. Além disso, tem esta obra conseguido vasta e wtil cir- culacéo entre os Minisivos do Evangelho em geral. Na Inglaterra, publicaram-se duas edicoes, e éle tem sido usado nag escolas missio- nadrias do Japao, em seu original em inglés, e¢ foi traduzido para seme- Thante uso nas missdes chinésas. Estd sendo preparada uma tradugdo em portugués para uso das missées protestantes no Brasil, aguardan- do-se apenas os recursos para tal empreendimento. As coisas que a seguir enumeramos estavam pedindo agora uma edigéo revista: os direitos autorais (copyright) deviam ser renovados em 1898, e isto propiciava boa oportunidade para se tirar uma nove edicéo; os esteredtipos originais estavam muito gastos; havia a neces- sidade de se corrigir alguns erros menores, de se fazer algumas adi- gdes que a@ grande experiéncia do autor tornara desejdveis & medida em que estudava a matéria e a vinha ensinando; desde a primeina edi- gdo desta obra, surgiram notdveis contribuigdes ao estudo de Homi- lética, € o autor sempre acompanhara de perto ésse progresso; e, mais que tudo, havia ainda a continua procura déste volume, a qual, de- pois de vinte e sete anos de precioso servico, exigia que algo se fizesse no sentido de té-lo sempre ao alcance dos interessados. Entende-se facilmente a relagéo déste escritor com esta presente edicdo revista. No verdéo de 1892 tornei-me professor adjunto de Hor milética do dr. Broadus no Semindrio Teolégico Batista do Sul, e tive o privilégio de ensinar com éle essa matéria até o tempo de seu mui lamentado passamenta em marco de 1895. Dividimos a tarefa de en- sino sob sua diregdio, e conforme permitia o estado de sua saide. VIIL PREFACIO A EDICAO REVISTA A medida que a swide déle foi declinando, as aulas sob minha respon- sabilidade foram aumentando cada vez mais. Naqueles anos conversdvamos freqiientemente sdbre a revisio dés- te volume. Planejava éle publicar uma edigdo revista antes de sua morte. Assim, com ésse plano, acumulara jd bastante material, a mor parte na forma de notas, outra parte em vdrios cadernos de apontamen- tos, e ainda outra em notas marginais e nas folhas em branco do livro que usou por muitos anos como compéndio de classe. Além dessas notas, havia ainda muitos pontos que discutiamos em conversa e que diziam respeito a modificagoes e melhorias a serem feitas na dita obra. No inicio do ano letivo de 1894-95, deu-me wm exemplar dum livro interfoliar a ser usado nag aulas, pedindo-me que anotasse nas pdgi- nas em branco qualquer sugest@o que me ocorresse, visando & plane- jada revisdo. Nos ultimos dias de fevereiro de 1895, apanhei o livro e the falei a respeito da revisdo. Mas, eis que dentro de trés semanas estava éle na sepultura! Como a reviséo parecesse assunto absolutamente imperativo, con- tando com inteira aprovagéo da familia do dr. Broadus, senti ser meu dever e privilégio santo efetivd-la. Se foi bem ou mal feita, isso apa- receré nas pdginas seguintes. Fizemos trés espécies de modificagées: primeira, algumas que es- tavam claramente indicadas nas notas jd mencionadas e de autoria do dr. Broadus; essas fiz sem hesitar, pois estava eu certo de que éle as faria, se estivesse viva; segunda, algumas modificagédes, ndo ano- tadas por éle, mas convencionadas em conversas com éle, ou que ra- zoavelmente sabia eu que éle as faria; terceira modificagdes a meu inteiro critério e julgamento, achando que seriam de proveito. Afir- mo que estas sio comparativamente poucas, e que nao fiz nenhuma modificagéa sem consultar pessoas da familia do autor, das quais recebi valiosa ajuda e étimas sugestées. Como a mor parte das alteragdes séo do autor, todos os melhora- mentos agora observados pertencem a éle, e o editor prazerosamente chama a si a responsabilidade de quaisquer modificagdes que nao sejam bem recebidas pelos leitores. Rogo a Deus e sinceramente desejo que éste livro, que tem sido tdo util, j4 por espaga de vinte e sete anos, em sua nova forma realize uma missiéo de continua e grande utilidade junto dqueles cujo aben- goado labor é proclamar as inescrutdveis riguezas de Cristo. E. C. Dargan Lousville, Ky., dezembro de 1897. AGRADECIMENTO Agradece-se especialmente aos seguintes editéres e autores o te- rem permitido fazermos citagées tiradas de seus livros, cujos direitos autorais estéo devidamente registrados: de Carlos Scribner’S Sons: A. E. Garvie — The Christian Preacher H. H. Farner — The Servant of the Word M. P. Noyes — Preaching the Word of God da Oxford Press Samuel McComb — Preaching in Theory and Practice de Henry Holt and Company R. 8. Woodworth — Psychology de Abingdon-Cokesbury Press D. C. Bryan — The Art of Illustrating Sermons da University of Chicago Press Ozora S. Davis — The Principles of Preaching de Willett-Clark and Company C. 8. Patton — Preperation and Delivery of Sermons de Macmillan and Company S. Parkes Cadman — Imagination and Religion PREFACIO DO AUTOR A PRIMEIRA EDICAO Esta obra se destina a ser um compéndio para classes e também a ser compulsado por ministros, mogos ou velhos, que desejarem estudar 0 assunto aqui apresentado. Como professor de Homilética jd por dez anos, o escritor desta obra tem sentido a necessidade de um manual mais completo, visto que um curso feito de porgdes de varias e diferentes obras forgosa- mente omite sempre certos assuntos importantes, e nos dao de outros assuntos um tratamentoa mui magro, deixando assim a classe em grande parte dependendo inteiramente de prelegdes. Assim foi que surgiu o desejo de preparar uma obra que, quanto possivel, fésse completa em sua série de tépicos e que também visasse apresentar o tratamento completo de principios juntamente com abunddncia de regras e sugestées praticas. Quando se lhe tornouw bastante pesada o labor de ensinar esta matéria e ainda mais outra do curso teolégico, e¢ se viu na contingén- cia de abandonar a Homilética — embora esta sempre fésse a ma- téria de sua predilegéo — o autor resolveu realizar a tarefa que plane- jara, antes que essa matéria se the diluisse na mente .* Este volume, portanto, é o resultado de instrugdes praticas, nao sendo, pois, simplesmente wma série impressa de prelegdes. Todo o material apresentado na forma de breves notas foi totalmente escrito de novo, reexaminou-se cuidadosamente a literatura sdbre a matéria, € se encheu, com um tratamento todo independente, o espago outrora ocupado pelos manuais em uso. Todos quantos queiram usar o livro como compéndio de classe de- vem notar que éle estd dividido em Segdes independentes, que, embora dispostas na ordem indicada pela natureza da matéria, podem ser da- das em qualquer outna ordem requerida pelas exigéncias do ensino. Al- guns preferem comegar com a Disposigdo, para que os estudantes logo se possam beneficiar de suas luzes no preparo de sermées ou esbocos. Outros gostam de comegar com o Estila, para exercicios gerais de com- posicéo. E outros mais preferem comegar com a Enunciagéo, ow Apre- sentacdo do serméo. O autor prefere, usando éste livro, tomar logo depois da Introdugio os trés primeiros capitulos da Primeira Parte, e depois a Segunda Parte, ¢ talvez outras porgdes antes de completar a Primeira Parte. As remissdes duma parte do livro para outra sdo 1 Tal abandono foi tempordrio, pois o requeria o estado de satide do autor, conquanto na época se tivesse como permanente. Depois de um ano, éle reassumiu a cétedra de Homilética, e a ensinou com verdadeiro entusiasmo e sucesso até 0 fim dos seus dias. XIt PREFACIO DO AUTOR A PRIMEIRA EDICAO na verdade numerosas. No planejamento da obra, ocorrem poucos casos de desvio duma distribuigdo estritamente técnica de assuntos, isso por amor da conveniéncia pratica. Assim, as matérias contidas nas partes que tratam das Ilustragées, do Sermdo Expositivo, ou da Imaginacéo, pertencem estritamenie a varias e diferentes partes da obra. Mas, pra- ticamente, melhor serd discuti-las todas ao mesmo tempo. Assim tam- bém no que respeita a parte que trata de Sermées Ocasionais, ou Es- peciais. E’ preciso que se explique por que foram introduzidos alentados capitulos na parte referente & Interpretagéo de Textos, e na referente & ArgumentacgGo, O primeiro assunto é€ da alcada da Hermenéutica, e é tratado em compéndios dessa disciplina. Incluimo-los, pelo fato de muitos leitores déste livro néo haverem estudado Hermenéutica, ¢ mes- mo porque muitos que a estudaram podem se interessar por isso € apro- veitar uma discussdo que se relaciona mais diretamente com a ativida- de da pregagéo; alguns estudantes poderdo ler rapidamente ésse capi- tulo. No século passado, no que respeita & interpretagdo do pilpito, tem havido grandes e notdveis avangos. Nao obstante, éste € um pon- to em que os nossos ministras jovens devem ser cuidadosamente aler- tados. Alguns acham que a matéria de Argumentagdo ndo deve ocupar lugar num compéndio de Homilética, ou de Retérica. Mas, a prédica e todos os mais discursos em publico devem conter boa porgdo de ar- gumentos, pois até mesmo os mais ignorantes constantemente empre- gam argumentos, € sempre se percebe a férga déles, quando bem apre- sentados. Ndo obstante, em muitos pilpitos o lugar dos argumentos é quase sempre preenchido com meras afirmativas e exortagées, e os argumentos empregados néo poucas vézes séo apresentados descuida- damente, quando nao de maneira completamente errada. Compéndios de Logica nas ensinam o ecxame critico, ¢ jamais a c th l- mento. Por isso, éste as ‘0 ser tratado em manuais de Retéri- éa, € claro. Os mui conhecidos capitulos de Whately foram aqui em- pregados livrémente, contudo com bem largas adigées, e com o fito de corrigir alguns erros notdveis. Os casos apresentados, de argumen- tos, sdo quase todos tirados da verdade religiosa. Com estas expli- cacgées, deiwa-se aos instrutores usar ou omitir a seu talante essas porgdes da obra. Inimeros ministros mogos, particularmente os de certas denomi- nagdes, nunca estudaram Homilética com professéres, hajam ou nao feito o curso académico. Em vdrios lugares tem-se tentado adaptar esta obra & necessidade désses estudantes, bem como os propésitos dum compéndio de classe. Assim escolheréa por si quais as partes a serem estudadas primeiro; devemos, no entanto, aconselhar, aqueles que ndo fizeram o curso académico, a néo deixarem a livro sem estudar o tra- tamento da Disposigéo e do Estilo, bem como o da Interpretagéo, dos Temas de Serm6ées e da Argumentagdo. PREFACIO DO AUTOR A PRIMEIRA EDICAO XIIL Aquéles que tém bastante prdatica de sermées nao raro acham in- teressante e util examinar um compéndio que trata do prepara e da enunciagéo do serm&o. Podem ser apresentados novos métodos e no- vos tépicos, e dat voliam & tona coisas esquecidas ou quigd negligen- ciadas, aclaram-se e sé definem idéias que gradativamente se forma- ram no decurso da eaperiéncia; e, onde as idéias avangadas ndo séio devidamente apreciadas, néo serdé sem proveito uma renovada reflextio sdbre tais questées. Acresce ainda que pode receber novo estimulo ésse louvdvel desejo de se obter maior progresso na prédica. Tais lei- tores deverdo lembrar que muitos assuntos praticos que para si jd se tornaram dbvios e até lugar comum sio precisamente os pontos em que o nedfito deve receber conselhos. Conquanto éste volume se apre- sente com numerosas divisées e subdivisées, feitas para melhor atender ds necessidades dos estudantes, procurou-se desde o inicio conservar o tratamento bem coeso € inteligivel. O autor ficou nesta obra devendo bastante a Aristdteles, Cicero € Quintiliano, e também a Whately e a Vinet. Estes dois viltimos (jun- tamente com Ripley) foram os seus manuais — e em certos assuntos foram feitos déles copiosos extratos. Boa parte derivou-se de Alexan- der, Shedd, Day, e Hoppin, bem como de Coquerel, de Palmer e duma grande variedade doutros escritores. Além das citagdes, hé ai nume- rosas referéncias a obras nas quais se podem achar exposigées de opinides semelhantes e mesmo consideragées adicionais sébre o as- sunto em discusséo. Tais referéncias sido feitas por serem julgadas de valor real, para que os estudantes as consultem. Ao final da Intror ducéo, aparece uma lista das principais obras que formam a Literatura Homilética, com breves notas sdbre sua natureza e valor. Cré-se que dar, num tratado, conta de obras publicadas anteriormente sébre a ma- téria, julgadas do ponto de vista do autor, é coisa apropriada e cal- culadamente vitil. Tais observagées, em se tratando de escritores con- tempordneos, ndéo devem ser levadas na conta de falta de cortesia, ca- so expressem frencamente desaprovagda em certos respeitos, bem como louvor em outros. Se fossem mais extensas, essas observacées criticas talvez féssem mais titeis. Além dessa lista geral de literatura, apare- com em notas ao pé da padgina breves referéncias a tratados e ensaios sdbre ramos particulares da Retérica ou da Homilética, isso na intro- dugéo dos respectivos tépicos. Depois de se haver estereotipado « Introdugdo, receberam-se duas obras importantes e valiosas — de Mc- Tlyaine, sdbre Elocugéo (Nova York) e de Dabney sdbre Retérica Sacra (Richmond, 1870). Aparecem, no entanto, referéncias a elas no s¢c~ gundo capitulo da 4* Parte, e sdo utilizadas nesse capitulo e noutros posteriores, Foram igualmente incorporados nesta obra, depois de es- critos de novo, dois artigos publicados pelo autor na Baptist Quarterly, 2 Assim de fato se deu nas edig6es anteriores; nesta, porém, a bibliografia apa- rece no final do volume. XIV PREFACIO DO AUTOR A PRIMEIRA EDICAO nimeros de janeiro de ‘1869 e de janeiro de 1870; ¢ alguns artigos, for- mando outras porgées déle, aparecem na Religious Herald e na Central Baptist. O autor agradece imenso a seus colegas ¢ ao seu pastor,’ pela simpatia que demonstraram por éste sew empreendimento e por suas valiosas sugestées. O Indice foi preparado pelo Rev. John U. Long, de Virginia .+ Foram tomados cuidados especiais em certos e distintos pontos do tratado, com o objetivo de apresentar sugestées bem prdticas no que se refere & prédica extempordnea, ou de improviso. Muitas obras quan- to ao preparo do sermao se limitam a instruir apenas sdbre a maneira de escrevé-lo totalmente, outros tratam da enunciagdo ou apresentagao, apenas como se em todos os casos devesse ser lido ow recitado. Hs- forgou-se aqui por tratar dos diferentes métodos, mencionando-os em conextio com og assuntos aplicdveis a todos, e aplicando-os a éste ow aiquele método em particular. Noa que respeita a muwitas questdes praticas ligadas ao preparo e & enunciagdo de sermédes, existe grande diversidade de opinido. Assim, um pregador experimentado, lendo qualquer volume sdbre o assunto, aqui e ali acharé pontos que gostaria féssem tratados de modo dife- rente. Ndo obstante, decidird consigo se a obra é de inteira utilidade ou ndo. No caso presente, seja a critica favordvel ou nao, serd sem- pre bem recebida. Nos pontos em que o autor estiver errado, preferird imensamente saber onde. Nos pontos em que os seus pontos de vista estiverem certos, poderdo éstes se tornar ainda mais wteis através da discussdo . Ninguém pode preparar uma obra sébre éste assunto sem sentir, e as vézes sem sentir profundamente, a grave responsabilidade do em- preendimento. E, por sem diwvida, tarefa mui grave e solene pregar o Evangelho, e consegiientemente coisa igualmente solene e grave bus- car insiruir ou mesmo apresentar sugestées no que respeita aos meios e métodos da prédica boa, aprecidvel e eficaz. Julho de 1870. 3 O Rev. Dr. William D. Thomas, entdéo o amado pastor da Igreja Batista de Greenville, S.C., © agora professor de Filosofia do Instituto Richmond, de Richmond, ‘irginia. 4 Posteriormente professor de Hist6ria Eclesifstica do Crozer Theological Seminary, de Upland, na Pensilvania, e j4 falecido. INDICE Prefacio 4 Nova Edigao Revista ... Prefacio 4 Edigéio Revista 7 Prefacio do Autor 4 Primeira Edigdo ................. INTRODUCAO 1. O Lugar e o Poder da Prédica................. 2. A Prédica e Suas Competidoras . Bes . 3. Coisas Essenciais 4 Prédica Eficiente ........ .. 4. Relac&io da Homilética com a Retérica .. 5. Perigos dos Estudos de Retérica ...... .......... 6. O Estudo da Homilbhaae. )) (eee: |. 1° Parte — AS BASES DO SERMAO I. O Texto 1. O Significadeidagmlérmo <>... 7 3eee. een oe 2. Vantagens deserter Um Texto 0. im os nn 38. Regras Para a Hscolha de Um Texto... .......... Il. A Interpretagdo de Textos 1. O Dever de Uma Interpretagio Cuidedosa e Exata .. .. 2. Principais Fontes de Erro na Interpretacéio de Um Texto 3. Exemplos de Textos Empregados Erréneamente . 4. Sugestdes Para o Estudo de Textos.......... Il. O Assunto 1. Relac&éo do Assunto Para com o Texto .. . 2. Enunciacéo do Assunto .. .......... om 3. O Titulo e a Proposici0 Saynene ane nennnnnnn. . 4. A Escolha de Assuntos 73a suenen imme... IV. Classificagdéo de Assuntos 1. Assuntos Doutrinarios .. 2. Assuntos Morais ........... BSE AAPEYN at 1¢ 15 16 1s 29 36 43 49 51 52 55 59 66 XVI INDICE 3. Assuntos Histéricos .. .. .. Eee ear 4. Assuntos Empiricos, ou da Experiéncia. tee ee ee ee TB V. Materiais Gerais do Serméo 1. A Produc&o Inventiva .. 2. 6... ek ee ee ee ee TT 2. Fontes de Material .. . 7 19 3. A Questéo da Originalidade ie a a rr) 4. Plagio e Empréstimo .. .. .. .. 0... 2 we ee ee ee 88 2* Parte — ELEMENTOS REGULARES, OU FORMAIS, DO SERM4O I. A Importéncia da Boa Disposigéo 1. Valores de Um Plano . Seo 93 2. Predicedos da Boa Disposigao das Partes lel tt. 96 3. O Estudo da Disposigio .. .. 2... ek we ce ee 99 I. A Introdugdo, ou Exérdio 1. Objetivos da Introdugio .. .. «2 6... we we ee ee ee 100 2. Fontes da Introdugio, ou Exérdio a 103 3. Os Predicados de Um Eom Exordio.. .. 105 Ill. A Diseussdéo, ou Tratamento 1. O Plano . : 109 2.4 Questo das Divisées - dd 3. Predicados das Divisdes .. .. .. .. 14 4. Problemas da Ordem e ‘Tratamento ‘das Divisdes .. .. 116 5. As Transigdes .. 0. 0. ee ee ee ee ee ee ee ee ee 118 IV. A Concluséo, ou Peroragéio 1. A Regra Principal: Preparo Cuidadoso .. .. .. .. .. 121 2. Principios Orientadores .. .. . ete ws ee 123 83. Métodos ou Espécies de Peroragio . eee hse: 4. Questdes Relevantes Sébre a Peroragio .. .. .. .. .. 128 V. Classificagéo dos Sermées Quanto & Forma 1. Sermées Tépicos, ou Tematicos.................. 182 2. Sermées Textuais ............ : -. 135 3. Sermées Expositivos .. .. 6... 6. eee ee ee ee ee 189 INDICE 3* Parte — OS ELEMENTOS FUNCIONAIS DO SERMAO . A Euplanagéo . A Explanagio de Textos.. . A Argumentagdo Certas Formas de Argumento .. .. . A Refutacéo .... . OArRwWNE Fwy Ill. As Ilustragées 1. Varios Empregos da Ilustragfo .. 6. 6. 6. we ee ee ee 2. Fontes de Ilustragio .. .. . 8. Cuidados no Emprégo de Tlustragées | eee eae IV. A Aplicagéo 1. Focalizando as Exigéncias da Verdade ............ 2. Sugerindo Modo e Meios . 3. A Persuasio Para Uma Resposta Vital . 4° Parte — O ESTILO DO SERMAO . Observagées Gerais Sébre o Estilo I 1. A Natureza e a Importancia do Estilo .. 2. Estilos e Estilo .. .. .. 3. Modos de Se Aprimorar o Estilo epee tee eae IS a Il. Qualidades do Estilo — A Clareza .. .. .. «20. 0. ee I. Qualidades do Estilo —O Vigor .......... IV. Qualidades do Estilo — A Elegdncia .. .. .. . V. A Imaginagaéa na Prédica 1. A Natureza da Imaginegio . 2. O Papel da Imaginacao na Prédica. Pt tet dtd Tele fall ele 3. Como Cultivar a Imaginaco .. .. 6. 6... ee ee ee ee . A Explanagio em Geral... .. .. .. 0... 0. ee ee ee A Explanacio de Assuntos .. .. 6. 2. 2. 2 ee ee ee A Importéncia do Argumento na Prédica .. .. .. .. .. . Principais Variedades de Argumento .............- | A Ordem dos Argumentos .. .. . . See eee . Conselhos Gerais Sébre a Areumentacio i 154 155 160 165 167 181 184 190 219 222 226 235 247 263 273 276 280 XvVoOL INDICE 5* Parte — METODOS DE PREPARO E ENUNCIAGAO DE SERMOES . O Preparo de Sermées . O Preparo Geral . . O Preparo Especial . : . Vantagens e Desvantagens de ‘Sermées Escritos : . Sermdes Para Funerais .. .. . soot . Sermdes Académicos e de ‘Aniversirio Spel e . Sermées de Reavivamento ........ .. . Sermées Para Criangas . 4 7 . Sermées Para Outros Grupos Especiais Te etataleseatlal slatted I 1 2 3 Il. O Preparo de Tipos Especiais de Sermées 1 2 3 4 5 Ill. Trés Métodos de Enunciagéo, ou Apresentagéa 1. Sermées Lidos .. .. .. .. wees 2. Sermdes Recitados, Declamados, ou Decorados eres 3. Sermées Extemporaneos, ou de Enunciagao Livre .. .. IV. A Apresentagéo, ou Enunciagéo, no Que Respeita & Voz 1. Observacdes Gerais Sébre a Enunciagio .. .. .. .. .. 2. A Voz e Seus Assinalados Poderes .. .. .. 3. Melhoria Geral da Voz i... 6... ee ee ee eee 4. OContréle da Voz na Prédica .. .. .... . V. A Movimentagaéo na Enunciagdo .. ......... VI. A Diregéo do Culto Piublico 1. A Leitura da Biblia... 2... 2. we. 2. Os Hinos.... .. eee 3. ‘A Oracio em Piiblico .. .. . Set talal elt led 4. O Tempo dos Cultos Publicos .. .. 7H ny a 5. Do Dec6ro no Piilpito .. 6. 6. eee ee ee ee ee ee 6. Notas Finais .. 6. 6. ee ce ee ee ee ee ee ee ee ee Bibliografia . Ee ete ee 1. Obras Sobre a Retérica em Geral . 2. Obras Sdbre Homilética .. .. . 3. Obras Sébre Assuntos Relacionados ¢ com a " Homilética Lista Suplementar de Livros .. 2. 6. 6. ee ee ee ee ee 287 289 293 297 307 355 359 363 368 370 372 373 373 374 378 380 INTRODUCAO INTRODUCAO A prédica é caracteristica do cristianismo. Nenhuma outra reli- gido jamais tomara a reuniao freqiiente e regular de massas humanas para se ouvir a instrugio religiosa e a exortacéo como parte integrante do culto divino. O judaismo tivera algo semelhante a isso no tempo dos profetas, e posteriormente na época dos leitores e discursadores da sinagoga. Mas, a prédica em si nao era coisa essencial nos exer- cicios religiosos do templo. No mundo greco-romano do primeiro século de nossa era, o filé- sofo predicador, que se valia do instrumento mais que finamente po- lido da retérica grega, era figura conhecida e familiar) mas nem a religiaéo dos judeus, nem a filosofia dos gregos imprimiram a prédica o significado que ela possui no cristianismo, em cujo seio ela constitui a funcao primaria. Anotando os sucessos da prédica crista, especial- mente os dos tltimos tempos, outras religides e seitas hao adotado a prédica em grau limitado; mas permanece como verdadeiro 0 fato de que, como servico basico da igreja em sua histéria e significado, é a prédica uma instituic&io peculiarmente crista.? I, O LUGAR E O PODER DA PREDICA No ministério de Jesus, a prédica ocupou o lugar central. Embo- ra fortemente tentado a dar primazia a outros métodos de abordar © povo, Jesus “veio pregando”. Na sinagoga de Nazaré, o Mestre Se descreveu a Si mesmo como divinamente enviedo “a pregar boas novas ao pobre... a proclamar liberdade aos cativos... a anunciar o ano aceitavel do Senhor” (Lucas 4:16-21). E os evangelhos nos apresen- tam quadros inesqueciveis do Pregador itinerante, nas sinagogas, nos montes, 4 beira-mar, indo de vile em vila, arrastando apés Si multi- ddes quase incontaveis, deixando o povo abismado e eletrizado com Suas palavras de graca e com a autoridade do Seu ensino. Jofo, es- erevendo muitos anos depois, lembrou de modo vivido a pregac&o do seu Senhor no templo por ocasifio duma das grandes festas do judais- mo. Ele nos relata que certo dia “Jesus clamou no templo, ensinan- do e dizendo...” doutra feita, no ultimo dia da festa, diz Joao que Jesus “se pds de pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem séde, venha a mim e beba” (Joo 7:28,37). A prédica de Jesus era um clamor, mui insistente por Sua compaixéo, e poderoso por sua urgéncia. O fato, tantas vézes referido por educadores modernos, de que o ministério oral de Jesus é mais constantemente apelidado de ensino que de prédica, é facilmente mal-interpretado e da base a distincdes 1 Angus — The Early Environment of Christianity, pg. 74 em diante. 2H. H. Farmer — The Servant of the Word, cap. I. INTRODUCAO 3 erréneas. O vocdbulo geralmente empregado em o Novo Testamento para pregagdo 6 knpiccew, que significa proclamar ou anunciar. Outro vocébulo evayyedileoOar enfatiza a natureza da mensagem proclamada como boas novas. Uma terceira palavra Sddoxeww é empregada para indicar o propdsito de distribuir aos homens a verdade divina e de ins- trui-los na retidéo. Este iltimo vocdbulo se aplica 2 outros métodos de instrucéo, mas é também livremente empregado para indicar a prédica a multiddes. Por exemplo, Jesus ensinou (éiSacKxe) o Sermao do Mon- te. Na proclamagdo das boas novas do Reino de Deus, Jesus avangou mostrando as relacdes déle com a Escritura e a Histéria, com o propd- sito moral e com a conduta social, e ainda com o destino do homem. Num s6 discurso, Ele proclamou, evangelizou e ensinou. Nao se deve distinguir propriamente o pregar do ensinar, e sim a énfase evangélica da didatica, ou o elemento de prédica. E mesmo esta distingéo nao é coisa absoluta. A prédica, segundo o significado e o propdsito de Jesus, incluia todos os elementos calculados com o fito de mover a mente em tédas as suas funcdes e levar o homem a ver, sentir, avaliar, e tomar decisdes morais. Assim é que o Senhor pregava. E aos apéstolos, que, depois dEle teriam a mesma miss&o, Jesus legou a mesma estratégia.* Pregar es- tava no Seu anunciado plano, que lhes tracara, desde quando os esco- Ihere. No final do Seu ministério, Jesus lhes confiou a Grande Co- missio que, segundo o evangelista Marcos, consistia simplesmente em irem por téda a parte pregando o Evangelho, e que, segundo Mateus, era triplice: fazer discipulos, levar & confisséo no batismo, e instruir na vida cristaé conforme os Seus mandamentos. No Livro dos Atos e nas Cartas do Novo Testamento, bem como no poderio da igreja ao fim do perfodo apostdélico, encontramos o registro e o poder da prédica déles. No poder do mesmo Espirito, éles e outros que depois vieram en- frentaram o mundo pagéo com a mensagem de salvacio («jpuvyua) e com uma teologia e ética (SiSdx) que no espaco de trés séculos féz do cristianismo a principal religiao de todo o Império Romano. E nos séculos que vieram apés ésses primeiros triunfos do Evangelho, a qua- lidade da prédica, e o espirito e a vida da igreja, juntos avangaram ou declinaram. Se a prédica, que nunca se viu inteiramente livre da pres- sio dos movimentos mundiais, ha n&éo poucas vézes gaguejado em pe- riodos de crise espiritual, nao obstante, sempre tem orientado o pova nos periodos de reavivamento. A verdade é que nesta ou naquela época jamais surgiu qualquer movimento religioso, qualquer restauracio da verdade escrituristica, ou qualquer reativagéo da verdadeira piedade que nao fésse por um novo poder na prédica. 3 Marcos 3:14 em diante; 16:15; Mateus 28:18-20. 4 INTRODUCAO. IL. A PREDICA E AS SUAS COMPETIDORAS O grande meio apontado para se espalhar as boas novas da salva- gio que ha sémente em Cristo é a prédica — palavras dirigidas ao individuo ou a assembléias reunidas. E coisa alguma pode supera-la, conquanto grandemente se tenham inventado, multiplicado e aperfei- coado muitos outros métodos de propaganda da verdade evangélica. A enorme producdo e venda de livros, revistas e jornais, bem como o lon- go alcance das radioemissoras e o apélo da cinematografia, para mui- tos parecem ter diminuido a importancia da prédica. Essas coisas sio de fato, um desafio 4 inteligéncia, & frescura, 4 relevancia e & reali- dade na prédica; e isso deve ser utilizado para as finalidades do ser- mao. Nunca, porém, poderad substitui-lo. Quando um homem que se revela apto a ensinar tem a alma abrasada pelo fogo da verdade que éle sabe o salvou e salvara os outros, e fala face a face a seus seme- Ihantes, e as correntes de simpatia vio e vém entre éle e seus ouvintes, até elevd-los a todos mais e mais, para pensamentos e emogdes mais que intensas, cada vez mais alto, até que se sintam arrebatados por carros de fogo para além da terra, h& na verdade ai um poder que move os homens, que influencia o carater, a vida e destino, poder jamais demonstrado por qualquer pagina impressa, por ondas de radio, ou por telas cinematograficas. Og estidios de radio tém seus auditérios, e para 1a vao as vézes multiddes para ver seus artistas preferidos; a pre- senca dos astros e estrélas do cinema arrasta auditérios maiores ainda do que os filmes em que trabalham; mas a irradiagio de 6peras nao conseguiu. fechar o Metropolitan Opera House; ao contrario, tornou maior a sua fama e aumentou o nimero de seus freqiientadores. A abundancia de discursos e de literatura nao esta a exigir u’a moratoria em favor da prédica, e sim uma nova dedicac&o a ela, uma arte melho- rada e maior poder espiritual. Dentro da igreja de nossos dias deve haver nova insisténcia sdbre a importancia da obra e do culto. A histéria da igreja tem revelado haver forte tendéncia para se obedecer a um padrao ciclico: a igreja se expande através de fortes e vivas pregacdes, organiza-se, estabili- za-se, cristaliza suas formas de culto e de servico, declina na pregacao, perde de vista suas finalidades e objetivos espirituais; surgem os reavi- vamentos, e entéo depois as novas expansdes por meio de fortes e vi- vas pregacdes, e assim por diante. Os deterministas sociais diraéo que tais ciclos sio inevitaveis; mas a inteligéncia e a paixao espiritual, conscientes de seus super-sociais recursos de poder, nao precisam admi- tir os dogmas do naturalismo ou do materialismo, nem as rebaixadoras pressdes déste ou daquele periodo. O fato de a igreja e a prédica te- rem assim capitulado noutras eras nado quer dizer que assim necessa- riamente sera no futuro. Deve isso constituir para a igreja um aviso, para que se acautele. Dando-se hoje grande énfase ao programa da INTRODUCAO 5 igreja, 4 visitagéo pastoral, ao conselho e administracio, 20 uso apro- priado do cerimonial e dos rituais no culto, estas coisas tendem a competir com a prédica e desmerecer a audicio da Palavra que é o segrédo de téda a pregagaio. A paixZo pelo sermao, doutro lado, facil- mente abate e supera o valor de outras fungdes da igreja. Tédas essas atividades — o sermio, o culto, o servigo — sao funcdes préprias e devem ser coordenadas. Postas em competigao, laborarao contra o po- der espiritual e contra a eficacia permanente da obra crista. Ajusta- das, coordenadas e unidas, promovem o progresso espiritual e institu- cional da igreja. A obra pastoral, por exemplo, é de suma importancia, e todos os pregadores devem realiza-la com grande diligéncia. Mas nao pode ela tomar o lugar da prédica, nem pode compensar inteiramente a falta de poder do pulpito. As duas se ajudam mituamente, e nenhuma de- las, sem o auxilio da outra, consegue alcancar bons e abencoados re- sultados. Quando aquéle que prega é o pastor que simpatiza com 0 povo, € o conselheiro em quem se pode confiar, é ° amigo solicito e certo de jovens e velhos, de ricos e pobres, entiio “as verdades divi- nas saem melhoradas de seus labios”, e as portas dos coragées huma- nos, pelo magico poder da simpatia, se abrem facilmente a suas pala- vras. Quando, por outro lado aquéle que visita é o pregedor, que tem acurado conhecimento das Escrituras e elevada visao da vida, cujos sermées bem preparados e candentes levam & convicgaio, excitam a admiracio e derretem o coragio das multiddes, e 6 homem acostumado ase apresentar diante do povo como o embaixador de Deus, e se lhes associa na mente déles com a autoridade e a santidade da Palavra de Deus — quando fala entféio com o sofredor, com o enlutado, com o ten- tado, a sua visita tem aquéle significado e poder que doutro modo ja- mais teria. As cerim6nias do culto também s&o mui instrutivas e impressio- nantes, e devem ser revestidas de beleza, dignidade e significado que induzam e clevem o adorador 4 presenca de Deus, com a devida reverén- cia e de coragio puro. Lembre-se, porém, que a verdadcira prédica é coisa tio essencial e necessaria quanto o ritual e os canticos, e que, apresentada com diligéncia, 6 também um ato de culto. Oucamos nes- te ponto o que diz o dr. A. HE. Garvie’ + “Conhecer a vontade de Deus néo é menos importante que fazer conhecidos os nossos desejos a Ble. Adoramos a Deus tanto quanto humilde e obedientemente aceitamos a Sua Palavra pregada, como quando Lhe oferecemos nossa oragéo e louvor Onde quer que se divorcie a devogio. da verdade, pode-se notar logo que os instrumentos exteriores — ‘a ténue luz religiosa’ dos vitrés, o simbolismo da lage esculpida ou do lenho entalhado, a sugestéio do habito, do colorido e 4 The Christian Prea Preacher, pg. 4. 6 INTRODUCGAO dos gestos humanos, bem como o estimulo da musica e do cAntico — to- mam o primeiro lugar. Duvida-se, acaso, de que o apélo 4 consciéncia, & razio e aos sentimentos, mediante a declaracéo da verdade e graga de Deus, tenha maior férga para levar 4 verdadeira devogéo do que a excitagéo dos sentimentos piedosos, mediante belas visdes e Suaves me- lodias?!... O escritor sente-se justificado ao reclamar para a prédica o primeiro lugar na Igreja Crista, e ao insistir afirmando que o culto nao pode suplantar a prédica, pois esta é também, quando devidamente compreendida, um ato de culto; e isso sem perigo algum, ou perda, para a vida crista.” Segue-se, pois, que a prédica é sempre coisa necessaria, e que a boa prédica é extraordindrio poder neste mundo. Os escritores dile- tantes, que hoje e sempre enchem as colunas de nossos jornais com suas criticas ferinas aos sermées, sem divida julgam tudo mui injusta e par- cialmente, j4 que comparam sermées ordinarios e comuns as mais finas pecas literarias, e se esquecem de seus préprios sendes, pelo menos o de aprecia-los com simpatia; pois é sabido que, na falta desta, todo o juizo artistico e literario necessariamente é falho. Nés, porém, que amamos a prédica, e que tentamos pregar cada vez melhor, conhecemos melhor que éles as deficiéncias que embaragam nossos esforgos e as dificulda- des inerentes 4 nossa obra. Sabemos muito bem que a prédica merece o melhor de nossa atencéo e esférco, jé que é o instrumento escolhido do Salvador do mundo, o Qual veio pregando. E a exortagio do Apds- tolo ao jovem pregador esta sempre de pé, como eterno desafio: “Pro- cura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro que nao tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” Tl. COISAS ESSENCIAIS A PREDICA EFICIENTE Quais seréo os requisitos da prédica eficiente? Filipe Brooks disse que a prédica é “a comunicac&éo da verdade de um homem para outro. Contém ela dois elementos essenciais — verdade e pessoa... Deve con- ter os dois elementos. Nas diferentes proporgdes em que os dois se mis- turam é que esta a diferenca entre as duas grandes espécies de sermées, ou de prédica. O defeito de um ou de outro elemento é que coloca cada sermaéo ou pregador aquém do modélo perfeito. Estando ausente um désses dois elementos, o discurso deixa de ser serm&éo e 0 homem deixa de ser um pregador.’’> A estas palavras de Brooks, o dr. A.E. Garvie adiciona aquilo que sem divida estava no pensamento daquele: “Pregar nfo é apenas a comunicagio de conhecimentos. Ja que isso move téda a personalida- de do pregador, o sermiao é dirigido a téda a personalidade do ouvinte, como um todo moral e religioso. Como a verdade de que trata se re- 5 Lectures on Preaching, pg. 5. INTRODUGAO T fere a Deus, 4 liberdade, e 4 imortalidade, naturalmente visa produzir a fé, estimular ao dever e sustentar a esperanga.” O assunto da prédica é a verdade divina, centralizada no Evange- lho revelado e oferecido em Jesus Cristo. O objetivo é a vida eterna — como nas palavras de Jesus, “para que tenham vida e a tenham em abundancia”. E’ certo que o pregador, o agente dessa elevada fungio, nao deve consentir na omissio de nenhuma disciplina de coracéo, de pensamento e de conduta requerida para que sua prédica seja eficiente. Dentre os requisitos, deve ser colocada em primeiro lugar a piedade; seguindo-se os dotes naturais, 0 conhecimento e a pericia. (1) A Piedade. Esta é uma qualidade da alma. & sinceridade, ou honestidade, enraizada numa continua experiéncia da companhia de Deus. E reverente dedicacéo 4 vontade divina. Nao é atitude estudada, ou afetacéo. Nao é propriamente austeridade, e sim movimentacgao sob o calor e a aura das gracas cristés. N&o é misticismo, ascetismo, ou extramundanisme no sentido dum orgulhoso afastamento dos interés- ses humanos, mas é coisa que se mistura com a vida, no fortalecimento das virtudes cristés. Nada tem de fraco, e sim de herdico; e a inspira- go désse heroismo é gue constitui “a brilhante vitoria da alma sdbre a carne’. & uma realidade espiritual que néo admite simulagdes, um rea- lismo espiritual que conhece e desafia os inimigos morais e espirituais da vida. Nao é exagéro afirmar que esta qualidade de espirito é o primeiro requisito para a eficacia na prédica. Ela incute no préprio pregador o zélo ardente, e conserva viva essa chama no meio de téda a géiida indiferenga que constantemente o cerca. Ela ganha para éle a boa vontade e a simpatia de seus ouvintes, e os mais impios percebe- rao que a sua grande sinceridade é virtude natural que lhes impde res- peito e acatamento. Deus promete Suas melhores béncaios para tais pregadores, e para os seus esforcos. Muita teoria falsa e muita prati- ca errada, no que respeita 4 pregac&éo, se devem a uma estreita com- preensio da importancia fundamental da piedade num pregador. B certo que os principios de retérica, bem como outras elevadas conside- ragdes, exigem imperativamente que o pregador do Evangelho cultive a piedade pessoal. & md retorica negligenciar isso. (2) Os Dotes Naturais. O pregador precisa ter a capacidade de pensar de maneira clara, de sentir profundamente e ter imaginac&io vigorosa. Deve igualmente possuir facilidade de expresséo, e diccéo clara. Outros muitos dotes ajudarfio a sua prédica. Estes sfio quase indispensdveis para qualquer grau de eficiéncia. Cada um déles pode ser melhorado quase ao infinito, e outros podem ser desenvolvidos em pessoas que nfo julgavam possui-los. Devem todos, porém, existir como dotes naturais, néo estudados ou afetados. (3) Conhecimento. O pregador deve conhecer a verdade religiosa 6 The Christian Preacher, pg. 12. 8 INTRODUCAO e aquelas mais que lancam luz sébre ela; deve conhecer a natureza hu- mana em suas relagées com a verdade religiosa e com as atuais condi- goes da vida humana a seu redor. O pensamento favorito de Cicero era de que o orador deve conhecer tudo. Na verdade, nio ha conhecimento de que o pregador nao se possa utilizar. Gratamente devemos, reco- nhecer que certos homens de parcos conhecimentos conseguiram muitas coisas extraordinarias; mas devemos insistir em que o mais baixo ideal do pregador deve ser o de estar acima, no que respeita a conhecimen- tos, da grande maioria daqueles que 0 ouvem, e que deve éle ambicio- nar conhecer tudo quanto possa aprender mediante esférgo continuo e pleno de oragao. A piedade fornece férca motriz; os dotes naturais, cultivados quan- to possivel, suprem os meios; o conhecimento fornece material; e ainda resta — (4) A Pericia. Esta nao se refere apenas ao estilo e 4 enunciagdo (apresentagio do sermio), mas também a colheita, escolha e disposi- go do material. Veremos que todos quantos pregam bem —- o mesmo se da com og oradores seculares — com rarissimas excegdes, trabalha- ram muito para adquirir pericia. Henry Clark tornou-se um orador completo cultivando diligentemente seus dotes naturais. Discursando pe- rante estudantes de Direito de Albany, ja quase no fim de sua vida, disse €le que no inicio de sua carreira. “principiara, e continuara por anos, a ler diariamente alguns livros historicos e cientificos, e a dis- correr sdbre o conteido déles. Esses improvisos éle os realizava muitas vézes em rocas, doutras vézes na floresta, e mui fregiientemente numa cocheira distante, tendo como ouvintes cavalos e bois.” Conta-se-nos que os indios oradores das Seis Nagdes preparavam seus discursos ao pé dum poco de aguas mui claras que lhes serviam de espelho. Patrick Henry, o mais célebre exemplo de orador natural, féz um curso de treinamento em seus estudos didérios da natureza humana, curso que éle teve em sua pequena loja através de suas experiéncias diarias, arrastando sua existéncia no contato com seus fregueses, ano- tando o poder de suas palavras, investigando profunda e entusiastica- mente a Historia, estudando paciente e continuamente as arengas de Livio, e traduzindo-as a custo, 0 que, para se dizer 0 menos, era coisa inusitada.7 Henry Ward Beecher, o primeiro orador do pulpito norte-america- no, é notavel exemplo do valor do estudo dos principiog de retorica e de oratéria. Ele conheceu a fundo os classicos manuais de retérica, submeteu-se a treinamento especial de elocugio, estudou os sermées de grandes pregadores. “Estava sempre alerta para descobrir o que ou- tros luminares do discurso sacro Ihe pudessem ensinar acérca dos me- 7 Art of Riscourse, de Day, pg. 18. INTRODUCAO 9 lhores pontos de sua profissio.”’® Qualquer pessoa que tenha tido a fe- licidade de conviver com alguns dos mais nobres pregadores norte-ame- ricanos, que comecaram quase sem letras, mas que no entanto abri- ram caminho e se notabilizaram pela exceléncia de sua vocacao, encon- tra indiscutiveis provas, particularmente em sua facilidade de conver- sa desataviada, de que tal clareza e precisio de linguagem, bem como essa atracio e férca de enunciac&éo, foram o resultado duma atencio aguda e critica e dum labor honesto e continuado. A diferenca que se nota entre a fala proficientemente positiva e a negativa é quase tao grande como a que se observa no manejo de ferramentas do carpintei- ro ou do ferreiro. E, como n&o se adquire proficiéncia sem a devida pratica, vé-se que é verdadeiro o ditado que afirma que “o tnico meio de se aprender a pregar é pregando.” E’ preciso ressalvar, porém, que a mera pratica jamais garante a maior pericia. A pratica deve ser atenta, diligente, de muito pensamento, observando-se bem os outros e vigiando-se de perto a si mesmo, e controlada sempre pelo bom senso e bom gésto. Ainda com referéncia 4 pericia, o pregar é uma arte. Conquanto a arte nao possa criar os requeridos poderes mentais ou corporais, nem fazer as vézes déles, uma vez realmente ausentes, pode nao obstante desenvolvé-los e aprimora-los, e ainda ajudar o homem a usa-los com maiores vantagens. Alcancar pericia, portanto, € 0 objetivo dos es- tudos da retorica, pericia na construcéo e na apresentagao do discurso. IV. RELACAO DA HOMILETICA COM A RETORICA Como a lingua grega, a retérica grega tornou-se pronto e déci} instrumento para a proclamag&éo do Evangelho ao mundo gentilico. Ja na ultima parte do quarto século de nossa era, ela havia alcancado o seu maior desenvolvimento entre os gregos, na oratéria de Deméstenes e no famoso tratado de Aristdteles sébre retorica. Posteriores contribuigdes vieram de oradores romanos, notadamente de Cicero e de Quintiliano. No mundo greco-romano, onde surgiu o cristianismo, a retérica era @ coroa da educagio liberal. A Gramitica (o estudo da literatura) facultava ao estudante o conhecimento do passado e desenvolvia as suas aptiddes literaria Dialética exercitava as fércas do seu raciocinio; e a Retdrica ensinava o estudante a tirar proveito do seu equipamento, especialmente na tri- buna e no senado, instruindo-o na arte de se expressar com facilidade, com frases apropriadas e irresistiveis.% Mas a adaptagio da retérica aos objetivos da prédica crist& foi um processo gradativo, pois aguardava condigdes e precisdes. A pré- dica cristé comecara na Palestina. Seus primeiros pregadores e audi- 8 Crocker, em Henry Ward Beecher's Preaching Art, pg. 53. 9 David Smith, em The Art of Preaching, pg. 45. 10 INTRODUGAO torios, sua formagio e afinidades espirituais eram judaicas. Era, pois, mui natural e necessario que a maneira de se pregar seguisse 0 padrao dos profetas do Velho Testamento e do ensino rabinico. Acresce que, nas mos de advogados sem escripulos e de falsos mestres, a retérica perdera o crédito, associada com vergonheiras e sofismas, e era tida entéo como um instrumento sutil para fazer com que o pior parecesse o melhor. Também é verdade que os judeus encaravam qualquer he- lenismo como uma ameaga 4 verdadeira esséncia da vida judaica. As- sim, pois, se féz a prédica primitiva 4 maneira da cultura judaica e nao da gentilica. E ao sermao se dava o nome de homilia, como de fato o €, ou discurso familiar, ou fala. Duas coisas, contudo, influenciaram gradativamente a prédica cris- ta, levando-a para as formas retéricas. Uma foi a disseminagaéo da Evangelho entre as nagdes gentilicas, em cujo seio as tradigdes e for- mas judaicas eram pouco conhecidas. Basta lembrarmos da critica que de Paulo fizeram alguns de Corinto, e como se deliciavam em ouvir Apolo, o que, no dizer de David Smith, foi “a primeira notificagao aos embaixadores por Cristo no sentido de que, se quisessem ganhar o mundo, precisavam se dirigir a éles de um modo afim, ou congenial”. A segunda coisa que influiu foi a conversao de homens que ja tinham sido treinados na retérica. Muitos déles, dia a dia, se tornavam pre- gadores, e naturalmente usavam seus dotes retéricos na proclamacio do Evangelho. Acrescentemos a essas influéncias o declinio dos pre- gadores judeus cristéos e judeus, e veremos como a “homilia” (embora © vocdbulo estivesse comumente em voga até o século III) cedeu lugar ao sermio mais elaborado. E a mudanga deve ser encarada como avango, ou progresso. Na verdade, a prédica ganhou auditério maior e mais favoravel ao Evan- gelho. Os elementos primordiais do discurso foram as maneirags pro- vadas de convencer e persuadir os mortais, e, nas méos de homens pie- dosos como Basilio, Gregorio, Criséstomo, Ambrésio e Agostinho, tor- nou-se éle em escala jamais alcancada pelos antigos gregos, um ins- trumento de poder espiritual, tanto entre gente culta como inculta. Aquéles pregadores nobilitaram a arte, enchendo-a com a distintiva realidade da Fé Crista e da mensagem crist&, e consagrando-a aos obje- tivos cristéos. Assim surgiu a ciéncia da Homilética, que nada mais 6 do que a adaptac&o da retérica as finalidades especiais e aos reclamos da prédica crista.1! 10 The Art of Preaching, pg. 58. 11 Quem desejar conhecer a histéria do desenvolvimento da Homilética deve ler © livro de Dargan — The Art of Preaching in the Light of Its History. Note-se também a definicio dada por Hoppin, em sua Homiletics, pg. 9 —

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