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Descanso

F. se deitara h meia hora, mas ainda no dormira. Olhava fixamente para a janela de seu quarto. As ruas estavam escuras e silenciosas. A cidade adormecida e sua mente ainda em estado de alerta. Acompanhara as luzes da cidade se apagando uma a uma, a algazarra dos bbados no ponto de nibus em frente sua janela sendo interrompida por fortes homens fardados, escudeiros da paz e da ordem pblica. Mas a inquietao em seu peito no se dissipava. O brilho da lua no a acompanhava mais, havia sido sufocado pelas negras nuvens que ameaavam despencar sobre os prdios antigos e sujos do bairro. O cu infinito e escuro parecia prestes a invadir sua alma, lhe encarava como um carrasco, disposto a arrancar-lhe a capa que cobria seu corpo e revelar todos os seus medos, seus fracassos, seus arrependimentos. As estrelas pareciam no se contentar mais com sua grotesca atuao. Elas sabiam a verdade. Paralisada, F. imaginava o paraso. O que seria exatamente? Seria um lugar onde pudesse no pensar? Para F., todos os problemas humanos eram consequncias da mente, de seu privilgio: a razo. Se por um segundo, pudesse no pensar, ento teria encontrado a liberdade e seria feliz. Mas f. no conseguia se libertar. Via-se presa, acorrentada em sua prpria mente. No desejava dominar o mundo, desejava dominar apenas a si mesma. No exatamente suas atitudes, mas seus pensamentos. Iniciara-se. Os pingos comearam a cair lentamente. Como lgrimas, o cu passou a se derramar sobre os homens. Como F. desejou estar l fora. Queria ser banhada, inundada por aquelas guas. guas que pareciam frgeis, mas que tomando a forma das partculas que encontrava, as levava consigo. F. queria ser levada. Levada para o paraso. Enquanto olhava as gotas encharcarem suas cortinas, lentamente, como o pouso de um pssaro sobre os galhos, como o presente se tornando passado, F. fechou os olhos, finalmente adormeceu. E ali, com o cu chorando e se lamentando por ela, F. se viu. Livre. A chuva parou, uma leve brisa veio agitar as cortinas. Por trs dos prdios, um fraco trao de luz cruzou o cu. F. descansava coberta por um manto azul e o tempo corria lhe trazendo a promessa de um novo dia. Algo chegaria pela manh.

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