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Graphos. Joto Pessoa, Vol 7, N. 2/1, 2005 REPRESENTANDO O PRECONCEITO: O HOMEM SEM RUMO DE SALIM MIGUEL ‘Stella MONTALYAO' RESUMO [Exe trabalho consiste na andlise do conto “Sem rumo” de Salim Miguel, que rerata uma situagdo de convivéncia entre um estigmatizado © 0 outro, Destaco-se 0 processo de consirugto de foc narrative, personagens e confit, no sentido de represcntar as implieagbes do estigma na imagem que oestgmatizado faz {de si mesma eas difiuldades a ele impostas pelo presonestee disriminagSo. Foram utilizados conceit de Bourdicu ¢ Gofiman, referents is relagbes de poder que se estabelecem enire dominadores e dominados as representagdes socials et estigmatizap%o, PALAVRA-CHAVE: Literatura contempordnes, Canto, Representagto, Preconceito. Estigma, [Nés somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio so 05 lugares do lixo e dos marginais. Gente de favela & considerado marginal Ndo mas evé vs corvos voando &s margen dro pero dos lixos. Os homens desempregados subsituiram os corvos. ‘Carolina Maria de Jesus ase eso centa-se na anise do conto “Sem Rune” de Sali Miguel eestor contempordinea referenciado em estudos sobre a Literature Contemporinen Rrasileira? camo paricipane ativo do boom do conto brasileiro nos anos 70. E important ressaltar que, nesse periodo histérico to profindamente marcado por uma ditadura militar (1964 a 1985), uma parte Signifieativa dos contistasbrasileiros tomou 2 diegto inequivoca da exploraslo de eontetidos de cariter social de grande apelo no que se reere & realidade brasileira’, Foram temas recorentes ‘aqueles relacionados diretamente& desiaualdade social, &perda de referencias no espago urbano ¢ capitalist e 20 descompasso entre progresso ¢ exclusto social, utilizando-se frequentemente, da “exploragio da violencia repressiva como nico tematico” (LUCAS, 1983, p.153) 'Nesse conto, Salim Miguel repoduz a linguagem simples do homem de pouca instugdo & retrata a trajetria de um vijantesolitfrio e miservel que perambula pels rineves do Pais, fazendo biscate, j4 que sus condiglo nfo the permite encontrar um trabalho fixo. No didlogo entre 0 viajance, homem simples e sem vicios: 0 comerciante, homem de poucas palavras; © dois pobres ‘eberrbes, moradores fixos da cidade, evideneiam-se diferentes formas de representagdo, desta- cando e confrontando os viros estigmas a que esto expostas as pessoas desituidas de poder e de dinheiro na sociedade brasileira, ‘A narrativa se estrutura quase que apenas em longos diélogos, com o uso abundante do discurso direto. 0 narrador aparentemente se propde a relatar a propria fala do estigmatizado. A composigao deste conto lembra a de um rotero cinematogrifico, em que se iniciam as cenas com algumas “marcag6es” principals, seguidas de dislogos.répidos, em que as personagens interagem, "Universidade de Brasilia Salim Miguel (1938 — ). Jomalista escrtor. Libanés, veio para o Brasil ainda menino. Trabalhou em diversas jomais e nas revistas do grupo Bloch, como Manchete ¢ Fatos e Fatos. Grande incentivador das artes da literatura, participou de movimentos eulturas também na drea de cinema em Santa Catarina. Foi faclamado O Intelectual do. Ano de 2002 pela publicagto,de Fu e ar carruiras ~ que ji era, em si, uma hhomenagem, posto que a coletinea comemorava os SO anos da sua carrera Itertia, > Ver LUCAS, 1983, HOHLFELDT, 1981 e DALCASTAGNE, 2001. * Para uma anise desse context, no que se refere ao romance, ver DALCASTAGNE, 1996, 192 Graphos. Jodo Pessoa, Vol 74. Ni ddando-se a conhecer em suas falas ¢ agdes. HA uma preocupacio, por parte do autor, em ‘uma reriagto fecional bastante verossimil dos processos sociais por que passam os estigmatiz [esse sentido, retrata a trajtéria de suas personagens em uma situag2o social banal a narrati ambientada em um espago do eotidiana ~ um bar de uma cidade do interior, e se sina no presente, no caso, meados dos aos 70. 1, O eu desaereditado Essa andlise parte da concepglo de “os preconceituosos pretender marginalizar do aqueles a que atribuem certas caractristcas menos ‘nobres”e ineluir-se naquela estreita parcela populagto possuidora das virtudes necessérias para o exercicio das melhores fungdes; no palavras, o preconceito funciona como exercicio de poder” (PINSKY & ELUF, 1997, p. 1 Consequentemente, os conceites de poder sinblico, violencia simbélica e marcas de distr esenvolvides por Pierre Bourdieu, sto fundamentais para o aprofundamento da questio ‘reconceito. Entende-se por poder simbilico tim “poder invisivel 0 qual s6 pode ser exercido com cumplicidade daqueles que nfo querem saber que Iho esto sujeitos ou mesmo que o exercem? (BOURDIEU, 1997, p.7-8) e por violéncia simbdlica a “violéneia que se exerce com a cumplii ticita dos que a sofrem e também, com frequéncia, dos que a exercem, na medida em que uns € ‘uttos freqlentemente so inconscientes de exerc®-la ou de softé-la” (BOURDIEU, 1997, p. 7-8). “Assim, o uso desses conceitos permite desvelar a forma pela qual o dominador constr a representagio de si mesmo e, por contraposigl0, constr também a representacto do dominado, ‘utorzando-se, por esse processo, 2 autoridade necessiria ~ poder simbélico — para o exercicio pleno da violencia simbélica, Essa autoridade simbélica permitirs a0 domtinador nao 36 falar pelo dominado, mas tragar definigdes opostas dele proprio © do outro ~ marcas de sisting ~ que ‘acabam por se tomnarem “naturais", tomando a violneia simbdlica dificlmente perceptive, ‘Outro conceito imprescindivel a essa andlise € o de estigmar “situagdo do individuo que estéinabiitado para a aceitagdo social plena” (GOFFMAN, 1988, p.7), Assim, a estigmatizagio, como um processo que ocorre na interagdo entre individuos ou grupos, ocorre toda vez.que: tum individuo que poderia ter sido facilmente recebido na relagto social

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