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Instante potico: significante deriva Em A intuio do instante, Gaston Bachelard aponta como elemento fundamental do tempo psicolgico, em oposio

o noo de durao, aqueles brevssimos momentos em que os contedos mentais desordenados so interrompidos por uma sbita iluminao: o fenmeno instantneo da inteleco, determinado por esses atos iniciticos do psiquismo, por essas fulminncias inaugurais da percepo que se alternam com uma extenso incognoscvel. A cada ato de retomada da razo, esse impulso genesaco restabelece no indivduo a conscincia de si e da realidade. O instante o signo do pensamento nascente e regido pela fora das manifestaes criadoras. O prazer misterioso da poesia est ligado ecloso desses instantes criadores, ao nascimento de novos seres de linguagem que trazem tona a dimenso sem lei e sem geometria de um objeto por cuja superfcie aparentemente estvel o falante passeia confortavelmente. Mas a lngua no estvel, e a poesia mostra ao leitor atento que ele no caminha por um terreno seguro, mas sobre placas tectnicas que se movem sob os seus passos, em constante ameaa de choque. A experincia potica provoca um estranhamento diante da revelao de uma face oculta, encoberta pela mscara da familiaridade. Nessa instncia desconhecida, a lngua nativa se converte em idioma estrangeiro. O presente trabalho se prope a uma reflexo sobre como essa perturbao das familiaridades da lngua, e consequentemente do pensamento, se manifesta em obras de Manoel de Barros, de Joo Cabral de Melo Neto e de outros escritores brasileiros que venham a contribuir para a investigao do instante potico e dos fenmenos intelectoemocionais por ele suscitados. Atravs do estudo de poemas e textos selecionados, ser averiguada a forma como esses autores reinventam a lngua, pela aproximao de objetos incongruentes e por um trabalho consciente de remanejamento das estruturas sinttico-lingusticas, que criam realidades possveis apenas no no-lugar da linguagem. Perturbado o senso do real e abalada a inrcia da lngua, a linguagem acolhe a fecundidade do instante e se oferece ela mesma como espao de uma deriva, aberta ao novo, ao inslito, ao inaudito.

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