Você está na página 1de 1

Escavando o ar

Sobre a Arquitectura de Manuel e Francisco Aires Mateus

Citei um provrbio nasrida quando escrevi pela primeira vez sobre a arquitectura dos irmos Aires Mateus: "Para fazer uma casa pega-se num punhado de ar e prende-se-Io dentro de algumas paredes". Pois isso mesmo, precisamente - prender o ar - o que fazem estes arquitectos em todas as suas obras. A sua ltima obra em construo, brilhante, o Hotel Park Hyatt em Dublin, no nada mais nada menos que uma rampa para encher o ar, e com o ar de luz, todas e cada uma das suas divisO s. Como um puzzle de luz e de sombra. Ou, por outras palavras, como um slido que se oscava pedao a pedao, buraco a buraco. Porque nessa linha que, nos ltimos projectos, se situam os nossos arquitectos. Como se escavassem sempre um slido capaz, procurando interstcios para inserir a luz de uma forma misteriosa. Se na maravilhosa casa em Alenquer todo o ar e luz inundavam os seus espaos, nas ltimas obras parece que quiseram comprimi-lo, como que apertando ainda mais a luz contra a obscuridade, contra a sombra. As ltimas casas so todas uma coleco de caixas cheias de caixas. Como se fosse um jogo de matrioskas russas. E embora a figura retrica seja reveladora, no se adequa aqui, porque o fundamental das operaes espaciais dos Aires Mateus precisamente o ar "entre" as caixas contidas e a caixa continente. Com o mesmo esprito com que Bernini colocou o baldaquino na Baslica So Pedro para resolver aquele espao demasiado grande e despido. Que assim ficou gloriosamente em tenso. A casa em Alvalade, caixa repleta de caixinhas, de cheios e vazios; a casa no Alentejo, mais simples; ou a casa em Setbal, onde o jogo mais sofisticado ao pendurar as peas nas alturas numa dana quase escultrica. E depois as casas de Sesimbra, a da Arrbida e a de Alccer, como uma catarata de variaes bachianas para Goldberg sobre um mesmo tema. Dois projectos maiores, o Centro Cultural de Sines e a sede da Orquestra Metropolitana de Lisboa, apresentam, desta vez a um nvel superior, o tema das caixas. Nos dois, a preciso e a sugestividade dos espaos concatenados. Ainda muito jovens, Manuel de 40 anos e Francisco de 39, esto perfeitamente maduros, dispostos a engolir o mundo. O seu entusiasmo quando me mostravam a caixa de Alenquer andava a par com o que insuflavam na sua arquitectura com vontade de permanncia.

Você também pode gostar