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EDWARD LOPES CULTRIX Copyright © : Editora Cultrix © primciro mimero a esquerds indicaa edigdo, ou veedivdo, desta obra A primeira dezcna& diteita ica ~ ‘ano em que esta edigdo. ou reedigdo. fos publicada 03-04-05-06-07 Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA, Rua Dr. Mario Vicente, 368 — 04270-000 ~ Sao Paulo, SP Fone: 272-1399 — Fax: 272-4770 E-mail: pensamento@cultrix.com.br http: /Avww.pensamento-cultrix.com br Impresso em nossas oficinas gréficas. SUMARIO Prefécio 9 DEFINICAO DO CAMPO 15 1.1. Semiologia ¢ Lingiiistica 15 1,2. Descrigdo dos Sistemas Semidticos 17 3. Sistemas Model i 18 1.3.1. Lingua-Objeto e Metalingua 18 1.3.2. A Hierarquia dos Sistemas Semidticos 19 1.4. As Linguas Naturais e a Cultura - a 1.5. A Lingiiistica como Ciéncia_Interdisciplinar 24 1.5.1, Lingiiistica, Filologia e Gramatica 25 1.5.1.1. O Problema da Normatividade 26 1.5.2. Lingijistica, Cinésica e Paralingiiistica 29 1.6. Linguagem Falada e Linguagem Escrita 32 1.7. A Linguagem Humana e a Linguagem Animal 35 1.8. A Estrutura Lingilistica 38 1.8.1, A Estrutura Elementar 40 1.9. O Simbolismo Lingiistico 4l 1.9.1, Primeira Nogdo de Signo 41 1.9.2. Signos Naturais: os Indices 42 1.9.3. Signos Artificiais 44 1.9.3.1. Signos Nao-Lingiiisticos; o Simbolo 44 1.9.3.2. Os Signos Lingiiisticos 44 1.9.4, Sinais Nao-signicos: o Icone ou Imagem 45 1.10. A Dupla Articulagio 47 1.10.1, Primeira Nogaéo de Morfema 47 1.10.2. Primeira Nogio de Fonema 48 1.10.3. A Preservagao da Arbitrariedade do Signo 49 1.10.4. A Economia da Dupla Articulagéo 50 1.11. Os Niveis da Descrigéo Lingiistica 50 1.11.1. Forma e Sentido vas 51 ‘a Transfrasal 52 «11.2. Relagdes Distribucionais e¢ Relagdes Inte cis na Lingiiistica Frasal e na Ling! 1 I. Ry Fungées da Linguagem na Comunicagao 55 is Jo de “Fungdo”, “Comutagio” e “Substituigéo” 55 Tis atores da Comunieagio 56 ile Monolégicas da Linguagem 57 te io Outrativa 37 ts » A Fungdo Autoconativa 57 1s Fungées Dialégicas da_Linguagem 59 1. » Hierarquia Funcional 59 Ts A_Fungio Referencial: Enfase_no_Contexto 60 I. A Fungao Emotiva: Enfase no Remetente 61 fl. A Fungaéo Conativa: Enfase no Destinatdrio 62 1. . A Fungéo Encantatéria 62 1. A Enfase no Contato 63 1. A Funcio Metalingiiistica: Bnfase no C 65 1. » A Fungio Po Enfase na Mensagem 66 1 . A Fungao Poética e 0 seu Papel Metalins i 66 A CONTRIBUIGAO DE FERDINAND DE SAUSSURE 72 1. Sincronia ¢ Diacronia 73 2. Linguagem, Langue (Lingua) e Parole (Discurso ou fala) 76 Primeira Nog&o_de Forma _e Substancia 79 2.2. Contribuigéo de_E. Goseriu: a Nog&o_de Norma 80 igno Lingiifstico: Significante + Significado 82 Caracteristicas do Signo Lingiiistico 83 . A Arbitrariedade do Signo 83, A_Linearidade_dos_Significantes 85 1. A Nogio de Distribuigao 86 + Os Dois Eixos da Linguagem 88 Relag6es Sintagmaticas 88 Correlagées Paradigmaticas 90 Metonimia e Metdfora 92 Forma _e Substdncia Lingitfstica OF Trés Abordagens Fonéticas 98 Fonética Articulatéria 99 -1, Os Orgaos que Intervém na Fonacao 99 3.2.2, Fonemas Orais (Inspirados, Sonoros, Aspirados e Surdos) e sais 100 3.2.3, Classificagao dos Fonemas em Portugués 101 Fonemas N 3.2.3.1, O Modo de Articulagao 101 3.2.3.1.1, Fonemas Consonantais 102 3.2.3.1.2, Fonemas Semiconsonantais ou Semivocalicos 104 3.2.3.2. O Ponto de Articulagio 105 3.2.3.3. O Papel das Cordas Vocais 107 3.2.3.4. O Papel das Cavidades Bucal e Nasal 107 3.2.4. Comparagio entre o Sistema das Oclusivas e Nasais do Por- tugués com os Sistemas Equivalentes no Inglés e no Grego 107 3.2.5. Alofones Contextu: 109 3.2.6. Os Fonemas Vocédlicos i 3.2.6.1. Critérios Para a Classificagéo dos Fonemas Vocdlicos do Portugués Falado no Brasil it 3.2.6.2. A Zona de Articulacgéo 112 3.2.6.3. A Altura da Lingua 112 3.2.6.4. A Posicdo dos Labios 113 3.2.6.5. A Forma do Ressonador 113 3.2.6.6. O Papel das Cavidades Bucal e Nasal 113 3.2.7. Comparagio entre o Sistema Vocdlico do Jtaliano, do Por- tugués, do Espanhol e do Tagalog 113 3.2.8, Fonemas Consonantais do Portugués do Brasil 115 3.2.9. Fonemas Vocdlicos do Portugués do Brasil 116 3.2, te Transcrigéo Fonética e Transcrigéo Fonolégica 117 3.2.11. O Alfabeto Fonético Internacional 117 3.3. Panslogta 120 3.3.1. Dois Tipos de Tragos Distintivos: Tragos Prosédicos e Tra- gos Inerentes 120 3.3.1.1. A Entonagio e os Tons 121 3.3.1.2. O Acento 122 3.3.1.3. A Fungao Demarcatéria do Acento e das Pausas 124 3.3.2. O Fonema e os Tragos Distintivos 126 3.3.3. A Pertinéncia 129 3.3.4. Fonema e Alofone 130 3.3.4.1. Como Decidir entre Fonema e Alofone, ao Classificar Fones 131 3.3.5. A Anilise Fonolégica 133 3.3.6, Alofones € Distribuic&o Complementar 134 3.3.7. Neutralizago e Arquifonema 137 3.3.8, Fungdes dos Elementos Fénicos:; Fungio Distintiva ou Opositiva 138 3.3.9. Classificagio das Oposigdes 140 3.3.9.1, Oposigées Bilaterais ¢ Multilaterais 140 3.3.9.2, Oposigées Proporcionais e Isoladas 140 3.3.9.3. Oposigées Privativas 141 3.3.9.4, Oposigées Eqilipolentes 142 3.3.9.5, Oposigées Constantes 142 3.3.9.6. OposigSes Suprimiveis ou Neutralizdveis 142 3.3.10. Nogdo de Marca 143 3.3.10.1, Elementos Marcados e Nao-marcados 143 3.3.10.2. A Marca e a Nogio de Extensividade 143 3.3.11. A Fungio Contrastiva 145 3.3.12. A Silaba 146 MORFOLOGIA 150 4.1. Morfologia ou Morfossintaxe? 150 4.2. O Morfema 151 4.2.1, Lexemas e Gramemas 153 4.2.2. Dimensdes dos Significantes 155 4.2.2.1. O Morfema Zero 155 4.2.3. A Nio-isomorfia dos Dois Planos 156 4.2.3.1, Primeira Nogo de Alomorfes 156 4.2.3.2. Primeira Nogio de Morfemas Homéfonos 157 4.2.3.3. Primeira Nogio de Morfemas’ Redundantes 157 4.2.3.4. Exemplo de Alomorfia: © Plural dos Nomes em Inglés ¢ em Portugués 158 4.2.3.4.1. Nocio de Morfe 158 4.3. Identificagdo de Morfemas 4.4. Gramemas Dependentes e Independentes 4.4.1. A Ordem Funcional da Contigiiidade Sintagmética 4.4.2. Gramemas Dependentes: Aumentos e Formantes 4.5. A Palavra e a Oracao 5.1. Constituigfo Morfolégica da Palavra . Alomorfes + Morfofonémica . Homofonia e Neutralizacio Cumulagio ou Amélgama Redundancia « Tipos de Morfemas Morfemas Téticos (Morfemas Sem Forma) Morfemas Supra-segmentais «3. Morfemas Presos « Prefixos wbelaa Reduplicagio ou_Redobro A Alternancia 1. Alternancia Vocélica 2. Alternfncia Conson4ntica 3. Alternfncia de Acentos Aone sAMRRiRE BA Re eo Le eraser sraromisaral emer BSSIBRSRERSSSSSSSSRR ERE ol. aes § 3. an Ss Lee 5. 5. 5. aA 4.10.5.3.1, Alternancia Quantitativa 181 2 tern 10.5.3.3. Altern4nci: 1 4.10.6. Morfema Zero 182 MODALIDADES DE GRAMATICA 4.1, Gramiticas Nocionais e Gramaticas Formais 183 . A Gramatica Distribucional 185 Limitagdes das Gramaticas Formais 188 A Gramitica Estrutural e a Gramatica Gerativo-Transformacional 190 . A Gramatica Gerativo-Transformacional 193 . A Nogio de Produtividade 194 . Competéncia (Competence) e Atuagio (Performance) 194 . Primeira Nog’o de Gramatica Gerativa 195 3.1. A Designagdo “Gerativo-Transformacional” 195 « Primeira Nogdo de Transformacio 196 . Gramaticalidade / Agramaticalidade, Aceitabilidade / Inacei- tabilidade 197 5.4.5.1, Graus de Agramaticalidade 198 5.4.6, Estrutura de Superficie © Estrutura Profunda 199 5.4.6.1. Indicadores Sintagmaticos 199 5.4.6.2. Frases Nucleares 199 5.4.7, Os Trés Modelos de Descrigéo Gramatical de uma Lingua, Segundo Chomsky 202 5.4.7.1. A Gramatica de Estados Finitos 202 5.4.7 A Gramatica Sintagmatica 203 5.4.7.3. A Gramética Transformacional 204 5.4.8. Os Trés Componentes Gramaticais; Sintdtico, Fonolégico Semantico 205 5.4.8.1. Os Dois Subcomponentes Sintaticos 206 5.4.8.1.1. O Componente Sintagmatico 206 5.4.8.1.1.1. Regras de Reescrita 207 5.4.8.1.1.1.1. Regras Dependentes do Contexio e Regras Indepen- dentes do Contexto 207 5.4.8.1.1.2. O Componente de Base (PS) Situa-se na Estrutura Profunda 207 5.4.8.1.1.3. Regras de Substituigio Lexical ¢ Sistemas de Re- escrita 209 .8.1.1.4. Regras de Subcategorizagio ¢ Selegio Lexical 210 . Os Tragos Gramaticais 212 yor on le leo fen 8.1.1.6. Dois Tipos de Representagao Diagramatica do Compo- nente de Base; a Arvore ea Parentetizagio Rotulada 214 « Regras Alternantes 217 -8.1.1.8. Regras Obrigatrias e Regras Facultativas 218 wn a @ 4.8.1.1.9. Regras Recursivas 24.8.1.1.10. Frases Complexas 24.9, Limitagdes da Gramética Sintagmatica 4.10. A Transformagao -4.10.1. Componentes da Gramdtica Transformacional 4.10. do, Permuta, Adigao oor on or un Tipos de © Supressio ransformagio: Subst 10 10. 210.4, Transformagdes Elementares Transformagées Obrigatérias e Transformagdes Facultativas i. Frases Nucleares © Frases Derivadas boo Bae Limites da Gramatica Transformacional we SEMANTICA 1. inha Semantica de Saussure A Linha da Semintica Componencial de Hielmslev 1. Primeira Nocgao de Sema e de Semema A Linha da Semantica Logica ou da Palavra Isolada -1. Os Campos SemAnticos 1.1. A Sinestesia Semantica Logica de Frege 1. Referéneia, Sentide © Imagem Associada © Problema do Referente -3.1. Diferenca entre Referente (Denotatum) ¢ Drsignatum 2. Primeira Nogdo de Interpretante O Problema do Tnterpretante 1. Tradu 2. Tradugio Entre Cédigos 238. O Problema da Sinonimia e da Antonimia LBA. Tson io Intrac diva: Definigéo © Denominagéo ia € Isotopia tos € Anténimos . Metafora e Metoninia <5. Sinédoque Particul lizante <6. Polissemia A Deseri » Sema, Semema, Semema Absoluto e Semema Relative Def Sinédoque Gene Ao S vintica de Pottier BoueeeeeEEREE z > do Arquissemema + Arguissemema © Arquilexema wn + Classer Ambigiidade Classematioa + Arquile © O Virtua » A Definig SSeS. nema Ocorrencial DRARAAAARHARARARAMRTAARAAMMAMR ADDS « Semas Invarianies; Especificos © Genéricos 6.3.5.10. Limites da Descrigao Semantica da Palavra Isolada 279 6.3.5.11. Denotagio ¢ Conotacio 279 6.3.6. A Semantica Contexto-Situacional 283 6.3.6.1. A Semntica de Ducrot 284 6.3.6.2. Pressupostos e Subentendidos 287 6.3.6.3. Limitagées_da_Linha Semfntica Contexto-Situacional de Ducrot 289 6.3.7. A Linha da Semfntica Gerativa, na Versio KF 294 6.3.7.1. Componentes da Teoria Semantica, Segundo Katz e Fodor 298 6.3.7.2. O Componente Regras de Projecto 302 6.3.7.3. Limitagdes da Seméntica Gerativa na Versio KF 305 6.4. A Semantica Estrutural de Greimas 310 6.4.1. Classificagio dos Significantes 310 6.4.2. Niveis Hierdrquicos da Linguagem ail 6.4.2.1. Lingua-Objeto ¢ Metalingua ait 6.4.3. A Estrutura Elementar da Significagio 312 6.4.4. Os Eixos SemAnticos 313 6.4.5. A Relacio 314 6.4.6. As Articulagées Sémicas 314 6.4.6.1. Nogaio de Sema 314 6.4.7. Modos de Articulag&o Sémica 315 6.4.8. O “Quadrado Légico” (Semidtico) de Greimas e Rastier 317 6.4.9. A SemAntica das Linguas Naturals, Segundo Greimas 322 ven 327 6.4.10.1. Nicleo Sémice 327 64.10 2 mas Contextuai 327 6.4.10.3. A Figura Nuclear 329 6.4.10.4. Os Classemas 332 6.4.10.4.1. Os Classemas Constituem uma Unidade do Discurso Superior aos Lexemas 335 Biniocraria 337 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. subtituiggo entre lexemas ou, melhor dito, entre unidades do conteido ou metassememas. Na condigdo de interpretante do contexto, a fun- ¢do poética, ao desencadear as energias do sistema, canaliza a pro- dutividade da linguagem. A relevincia dada aos processos de pro- dugado observados nas linguas naturais — 1.5.1.1 — deixa surpreen- der 0 compromisso com a abertura assumido pelo Autor. A grama ticalidade, nessa perspectiva, tem sua origem reguladora nos princi- pios da produtividade que o sistema da lingua engendra. E & por isso que a gramaticalidade ndo é tdo-somente, como muitos ainda pensam, uma combinatéria de signos feita de conformidade com as normas; a@ gramaticalidade se mostra também em combinatérias que se organizam em desobediéncia ds normas ditadas pelo uso dos esque- mas lingiiisticos. Wista desse Gngulo, a produtividade coloca o re- ceptor da mensagem diante de ditvidas e, conseqiientemente, diante de alternativas, pois, se de um lado, a fungdo metalingiiistica reduz ao mdximo a legibilidade da mensagem, de outro, a fungdo poética, na condigao de interpretante do contexto, realga o grau de legibili- dade que a caracteriza. A nogao de interpretante estd, ainda, insuficientemente explo- rada. Mas, como reconhece Edward Lopes, é “tentadora a idéia de que o conceito de interpretante poderia ser utilizado para unificar numa teoria coerente toda a problematica concernente a polissemia, d sinonimia, a antonimia, a ambigiiidade, etc., de tal modo que todos esses fendmenos pudessem ser encarados, como jé sugeriu Hjelmslev (197 la, 71), como manifestagées particulares de um fenédmeno mais geral.” Decorre disso a_ possibilidade de pensar o interpretante, tendo em mente o conceito de valor relacionante, como um ope- rador seméntico capaz de traspassar a opacidade das mensagens poéticas. Nesse caso, 0 interpreiante designa também um codigo a posteriori, isto é, um cddigo formulado na mensagem poética pro- priamente dita. E verdade que Edward Lopes néo afirma exatamente isso, mas ax premissas em que ele se situa legitimam tal conclusdo, jd que o interpretante, como funtivo de uma relagdo de semiose, contrai uma fungdo de solidariedade, no sistema de conotagdo ca- racterizador das linguagens artisticas, com uma forma do conteido gue nao determine — nos moldes da glossemdtica — exatamente o plano do conteido de um cédigo ou subcédigo da lingua utilizada como sistema primeiro da linguagem artistica em questdo mas, ao contrério, que determine 0 plano do contetido de um cédigo semib= tico outro, que por ventura, tenha stdo instaurado pelo trabalho 12 modelizante da fungéo poética. Um dos suportes em que apéia Edward Lopes sua posigdo metateorética corrobora esse entendimen- to: 0 conceito de nivel seméntico, tal como formulado por Greimas na Semantica Estrutural. Interpretante e produtividade se interrelacionam de modo a dei- xar perceber alguns dos processos mais importantes dos recursos cria- tivos subjacentes a qualquer sistema semidtico. OQ Autor de Funda- mentos da Lingiiistica Contemporanea se vale, entre outras, dessas intuigdes para introduzir a lingilistica nos esquemas mais amplos da ciéncia semioldgica. Os vinculos que essas intuigdes mantém, em vdrias oportunidades, com a rigidez de algumas normas erigidas pela lingitistica limitam, as vezes, 0 raio de abertura com que se orienta, téo freqiientemente, Edward Lopes. O comentdrio a duas passagens servird para ilustrar 0 que se acaba de afirmar. Em 1.9.2., ao estudar os signos naturais, 0 Autor, tendo em mira as propriedades do signo lingilistico, reporta-se a um conceito de comunicagdo para afirmar que os indices ou signos naturais ca- recem da convengdo que institui a semiose. Esta, no ato comunic tivo, faz parte da mensagem; é, em decorréncia, 0 objeto lingiiistico da comunicagdo. Nesse sentido, 0 arranjo de signos que estabelece a relagao entre remetente e destinatdrio ndo pode, em termos semio- ticos, reduzir o valor social dessa relagdo a limitagdo da intenciona- lidade do remetente. Proceder dessa maneira implica em anular boa parte da eficdcia dos processos de produgdo de um sistema semidtico, de um lado, e, de outro, minimizar o relevante papel que neles de~ sempenha o interpretante. A fungdo poética da linguagem ndo é, ‘a= como se sabe, exclusiva da poesia; ela se manifesta em produgées semidtico-linguisticas da mais variada natureza. Na linguagem co- tidiana, nos atos de parole aparentemente insignificantes, torna-se necessdrio distinguir, a partir dos processos de signtficagdo instaura- dos pela fungao poética como interpretante do contexto, a informa- ¢Go da mensagem da informagdo da linguagem. Feita essa distingdo, © problema da intencionalidade néo é mais a condigéo necessdria — como pensam alguns lingiiistas: Martinet, Buyssens, Prieto — a definigdo correta de ato comunicativo. 6.3.3.2, antes de estabelecer a primeira nogdo de interpretante, Edward Lopes afirma, ao criticar 0 problema da referéncia, que a linguagem tem o papel de “funcionar como uma instancia de media- go entre o homem ¢ 0 mundo ¢ é essa mesma propriedade, intrin- 13 seca & fungio semidtica, que investe as diferentes praticas sociais do seu papel de cddigos e que instaura as unidades desses cédigos, os signos. Assim como o signo nao é 0 objeto ou coisa que ele repre- senta, a linguagem nfo é o mundo; ela é, apenas, um saber sobre 0 mundo, capaz de fazer-se intersubjetive e de relacionar consciéncias.” (O grifo é do Autor). Semethante intersubjetividade denota que 0 ser humano 6é, antes de tudo, uma consciéncia lingiiistica e, em ra- zo disso, a linguagem ndo funciona téo-somente como instdncia de mediagdo entre 0 homem e 0 mundo. Ela é, também, algo atribuido pelo homem ao mundo e, por conseguinte, a subjetividade ou inter- subjetividade de que se constréi a materia significante constituidora do plano da expresséo de um sistema semistico. Ver na linguagem também essa propriedade pressupde, de um lado, encarar a tradugdo como uma produtividade advinda de invariantes significantes que o trabalho modelizante do ser humano veio transformando em ini- meras varidveis no transcorrer dos tempos e, de outro, admitir uma teoria do sujeito montada sobre as propriedades somdticas do signifi- cante, o que, alids, é insinuado por Greimas em Du Sens. Interpre- tante e produtividade, tal como intuidos por Edward Lopes, permi- tirdo reformular, em futuro nado muito remoto, algumas das posicGes fundamentais da lingiiistica contempordnea. Em virtude disso, parece inadmissivel que se veiculem em 1.9.3.2 e em 1.9.4., respectiva- mente, conceitos de tradugio e de icone téo afastados da verticali- dade que ganhariam se tivessem como suportes os conceitos de inter- pretante e produtividade tal como vislumbrados em Fundamentos da Lingiiistica Contemporanea. Tanto os méritos quanto os deméritos deste livro deixam prever, contudo, o contralivro que Edward Lopes saberd produzir. Epuarpo PrXuera Cakizar Universidade de Sio Paulo, novembro de i975. It aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. A Semiética nao estuda. como se vé. nenhum tipo de “realidade natural”, mas sim a “realidade cultural” de uma comunidade. todas as espécies de sistemas signicos que o homem construiu ao longo dos séculos. © objeto da Semidtica é estudar um “conhecimento™ da realidade fenoménica, tal como ele se espelha nos diferentes sistemas linguisticos que re-criam — no sentido literal, criam de novo — essa realidade. Os mitos e os quadros de pintura. o alfabeto Morse e os sistemas de relagdes de parentesco, os cardApios e as pegas mu- sicais, as modas indumentirias e os processos de adivinhagio, as ins- tituigGes, como o Direito e os jogos desportivos, possuem todos uma série de propriedades especificas que os investe de um papel social: sio, todos, linguagens no sentido mais vasto da palavra. Essas_lin- guagens so capazes de expressar. sob diferentes modalidades de substancias significantes. 6 mesmo significado todos esses sistemas signicos exprimem aspectos de uma particular modelizagdo do mundo, uma imago mundi intuida pela sociedade que criou esses sistemas. F na medida em que estuda tais sistemas que a Semidtica “constitul_a ciéncia das ideologias” (Rey-Debove, 197la. 6-7). no seu plano de contetide, constituindo, ao mesmo tempo, a ciéncia das retéricas. no seu plano de expresso. Assim como a relagio entre o homem eo mundo vem media- tizada pelo pensamento, a relagdo entre um homem e outro homem. dentro de uma sociedade, vem mediatiz ada pelos signos. Para que © pensamento transite de uma para outra subjetividade, deve ele formalizar-se cm signos. Os signos sio, por um lado, suportes exte- riores © materiais da comunicagdo entre as pessoas e, por outro lado, séo 0 meio pelo qual se exprime # relagdo entre 0 homem ¢ 0 mundo que o cerca. A organizagao social des guagens a fungio de sitemas modelizantes. mediagdes atribui as line Com relagdo ao cardter ideoldgico dos sistemas signicos em geral e das linguas naturais (portugués, francés. italiano, etc.) em parti- cular. ressaltemos. com Ivanov (1969.41 ss.) que a sociedade é a fonte produtora das ideologias. Internalizada como mecanismo de primeira sociabilizag3o no psiquismo de cada individuo na fase da sua aprendizagem, a lingua natural carrega consigo os valores da sociedade de que esse individuo é membro; assim, ao aprender a Psicologia Geral”. Sab 0 nome de Semidtica, Charles Sanders Peirce con- cebia ume disciplina que se confundia com a Légica: “A Légica é, em seu sentido geral, ... apenas um outro nome da Semiética, a doutrina quase- snecessiria ou formal dos signos.” (Aud Kristeva, 1971.2). 16 lingua do seu grupo, cada individuo assimila também a sua ideologia (= sistema de valores grupalmente compartilhados). Desse modo, o comportamento dos individuos sociais é dupla- mente “programado™ (no sentido cibernético) : (a) por um cédigo genético, herdado de seus antepassados; (b) por um cédigo lingiiistico-ideoldgico, aprendido do seu grupo. ale, tam- F, assim que a lingua falada por cada um de nés equ bém, a um instrumento a servigo do controle comportamental que cada grupo social exerce sobre a atuagio de cada um de seus mem- bros. Este & um dos sentidos mais importantes das palavras modeli- za¢do © sistemas modelizantes, aplicadas aos cédigos simbélicos Ff, claro que os falantes dessas linguagens nao tém consciéncia da complexa interagio de fatores psicossociais envolvidos no mais simples processo de comunicagéo. E esta 6, talvez, a mais importan- te tarefa dos estudos semiéticos; fazer-nos tomar consciéncia da condi¢ao mental (e cultural) da existéncia humana. (Cf. Weis- gerber, apud Hérmann, 1972.47) A Lingiiistica, que faz parte da Semiética, estuda a principal modalidade dos sistemas signicos, a das linguas naturais. 1.2. Descricéo dos Sistemas Semidticos Charles Sanders Peirce e Charles Morris propunham que se fizesse a descricfo dos sistemas signicos de acordo com trés pontos de vista: (a) do ponto de vista das relacées inter-signicas, ou seja, do ponto de vista das relagées que um signo qualquer mantém para com os demais signos pertencentes ao mesmo enun- ciado. Seria o estudo da fungdo sintdtica. (b) do ponto de vista das relagdes de um signo para com o seu objeto, ou melhor, relacgdo do signo enquanto veiculo de informagao para com o seu denotatum. Seria o estudo da fungéo seméntic (¢) do ponto de vista das relagées do signo para com os seus usudrios, quer dizer, relagio do signo com o remetente e o destinatério, Seria o estudo da fungéo pragmdtica. Essa tripartigo de um sistema semiético em Sintaxe, Semntica e Pragmética (ou Praxiologia) corresponde a trés niveis da semiose. Embora alguns autores nfo a julguem a mais apropriada — é espe- cialmente controvertida, como veremos, a definig&éo da fungio se mantica a partir da relagio do signo com o seu denotatum —, essa subdivisao tem orientado, de modo geral, os estudos do campo. Na sua qualidade de niveis, os subcomponentes sinttico, semantico € pragmatico esto hierarquizados: o nivel semntico engloba o nivel sintitico e é por sua vez, englobado pelo nivel pragmdtico. “A Pragmatica concernem os aspectos funcionais de todos os processos de informagao possiveis. Por isso ela é 0 estrato mais complexo € abrangedor da Semiética: a Sintaxe e a Semantica podem englobar-se nele” (Nauta, 1972.40). 1.3. Sistemas Modelizantes Prima 1.3.1. Lincua-Onyero & MrraLincua “22. cuando el doctor Morgenthaler se interesaba por el sentido de la obra de WOlfli y éste se dignaba hablar, cosa poco frecuente, sucedia a veces que en respuesta al consabido: “ZQué representa?”, el gigante contestab: “Est”, y tomando su rollo de papel soplaba una melodia que para él no sélo era la explicacién de la pintura sino también la pintura...” Juuto Corthzar, La Vuelta Al Dia en Ochenta Mundos, 50. Os sistemas semiGticos, verdadeiros cédigos culturais sio trans- codificdveis: eles se deixam traduzir, com maior ou menor grau de adequagao, uns em outros. Q sistema lingiiistico traduzido chama-se lingua-objeto; a lingua tradutora de uma lingua-objeto chama-se metalingua. Se alguém realiza um filme baseado num romance, pratica uma operagao de transcodificagéo na qual o romance é a lingua-objeto traduzida, e o filme é a metalingua tradutora. Essa primeira trans- codificagéo pode ser seguida por outras; se eu vi o filme do exemplo acima, posso, digamos, conta-lo com minhas préprias palavras, a um amigo que nao o tenha visto. Nesse caso, o filme, que era a metalingua tradutora do romance, a ser lingua-objeto para 18 a nova metalingua que é a minha narragao do filme (segunda transcodificagao). Isso indica que uma propriedade essencial do signo é a de poder comportar-se tanto como signo-objeto —- quando substitui, por assim dizer, o “objeto” do qual esse signo é signo —, quanto poder com- portar-se como meta-signo — quando substitui nfo jA um “objeto”, diretamente, mas, sim, outros signos. Qualquer modalidade de sistema semidtico estA formada de signos dotados dessa propriedade de semiose ilimitada (U. Eco). Pense-se, por exemplo, num dicion4rio monolingiie, onde as palavras — que sao signos-objeto quando tomadas isoladamente —, funcionando como denominagées, traduzem-se umas as outras, valendo, ent3o, como meta-signos. Fssa propriedade dos sistemas _lingiiisticos per tite As pessoas saber do que é que estéo falando, ao se comunicar. Ha até mesmo casos de tradugio do “sentido” de uma pintura através de um poema ~—— como fez Rainer Maria Rilke na sua Quinta Elegia do Duino, interpretando nela a emogao que The havia suscitado um quadro de Picasso, Les Saltimbanques — sem contar, é claro, 0 caso extremo da tradugio de uma pintura através da misica, narrado por Cor- tazar na epigrafe que encima estas linhas. ‘Tais casos dao, num limite, ocasiao para infindas controvérsias sobre a legitimidade das equivaléncias estabelecidas pelos intérpretes entre os signos dos di- ferentes sistemas semidticos, mas nao invalidam, de nenhum modo, a possibilidade de transcodificago, ja que, complementares em seus processos ¢ substancias, todas elas exprimem, como vimes, um mesmo complexo modelizante, no interior da mesma cultura. 1.3.2. A Hierarguia vos Sistemas Semiéticos Tudo isso é outro modo de dizer que, além de modelizantes, porque imprimem nos individuos de um mesmo grupo social o mesmo modelo do mundo, uma mesma visdo ideolégica —, os sis- temas semidticos sio também modelizdveis, quer dizer: eles se con- vém reciprocamente porque, afinal de contas, nao fazem mais do que simular as fungGes e propriedades do sistema modelizante pri- mdrtio ao qual refletem, e que é constituido por uma lingua natural. Os sistemas semidticos podem traduzir-se reciprocamente porque, A parte os desvios seminticos originarios da peculiar organizagio do contetido que cada um deles possui (ef. 1.4.), 0 significado que eles exprimem recobre a area da mesma cultura e é expresso. antes aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. validos e estaveis (Peterfalvi, 1970.98). Assim, as linguas natu- rais nao sio um decalque nem uma rotulagdo da realidade; elas delimitam aspectos de experiéncias vividas por cada povo, e estas experiéncias, como as linguas, nao coincidem, necessariamente, de uma regido para outra. O individuo que guia um automével é chamado, em francés, de chauffeur, em espanhol de conductor, em inglés de driver, em por- tugnés de motorista: isto significa que os franceses associam tal in- dividuo com a sua atividade de aquecer 0 motor para por a maquina em movimento: os espanhdis e ingleses o associam com o ato de di- rigir 0 carro, enquanto que nés, falantes do portugués, 0 associamos diretamente com o motor do veiculo. ‘Trata-se de uma mesma atividade, mas a andilise que cada lingua pratica nessa realidade resulta na apreensio de um aspecto particular de uma série de ope- ragdes, e esse aspecto focalizado difere de uma para outra comuni- dade de falantes. Outro exemplo da re-criagio da realidade pelas Imguas naturais pode ser dado através da descri¢io das cores do arco-iris: roxo purple anilado azul blue Fic. 1 A Fig. 1 mostra que ali onde o falante do portugués vale-se de sete nomes para designar o espectro solar, um falante do inglés se vale de seis e um falante do bassa se vale de dois. f claro que a diferenca no modo de dividir o espectro nao corresponde a ne- nhuma diferenga na capacidade visual desses povos para perceber (2) Bassa é uma lingua indigena da Libéria, Africa. 22 as cores, mas tdo-somente a uma diferenca no modo de representa- -las, através da sua lingua. Em bassa, por exemplo (Gleason), ha varios termos para a indicagSo especifica de certas nuangas, mas s6 se empregam os dois termos acima para faixas gerais de cores. Do mesmo modo que as linguas diferem na andlise da reali- dade, elas diferem também entre si por possuirem sons tipicos (== fonemas). Os fonemas de que se valem os falantes de diferentes idiomas, para expressar-se, sio semelhantes, mas nao sio, absoluta- mente, iguais. O inglés, por exemplo, distingue entre duas reali- zagdes vocais do i, em see e it, cada uma delas nao sendo senao aproximadamente igual 4 realizagio do i francés (cf. souris), ou italiano (cf. chi). © espanhol grafa s uma consoante que é, na pronunciagio madrilenha, um som intermedidrio entre o s e o } (grafado ch) do francés cf. (sien / chien): (esp.) salero [$a'lero]; ainda 0 ¢ portugués e o ¢ inglés (cf. tal, two), diferem no ponto de articulagio (apicodental em portugués, palatal em inglés). Na realidade, os fonemas de duas linguas diferem tanto, que uma pessoa, ao escutar uma lingua que Ihe é desconhecida, é inca- paz de reproduzi-la com exatidao. Eis a razao de ter escrito Gleason (1961.10) que “se o que se diz acerca dos fonemas de uma lingua puder ser aplicado aos fonemas de outra, devemos considerar tal coisa como fortuita’”. Essa observacio pode ser aplicada, com o mesmo valor, a nao importa qual elemento estejamos comparando no interior de duas linguas. Dai derivam todas as dificuldades que experimentamos quando falamos, ouvimos ou traduzimos uma lingua estrangeira. Um ultimo exemplo demonstrar4 o que afirmamos. Hass (1972.379) diz que um famoso poema que Goethe es- creveu sobre a Itélia, o qual principia com o verso Kennst du das Land, wo die Zitronen bliihn? “voc® conhece a terra onde floresce ce limoeiro?”, foi mal traduzido para o inglés porque ali comega Knowst thou the land... E Hass se explica assim: Kennst du... é uma frase coloquial (du, em alemZo, é um tratamento informal de pessoa, utilizado de modo familiar), ao passo que knowst thou... é uma forma de tratamento que se utiliza em inglés apenas para a poesia (nao nos discursos informais) ou para dirigir-se a Deus. Do mesmo modo, (al.) Land é uma forma que em muitos contextos (por exemplo, Stadt und Land, Ausland, von Land zu Land etc.), corresponde 4 forma inglesa country “campo”, pais (por ex., nos contextos town and country, foreign country, from country to country, etc), em que o inglés nao utiliza land. Em outras frases, 23 no entanto, o Land alemao traduz-se perfeitamente bem pelo land inglés, como se vé nas expressbes (ing.) landscape ‘= (al.) Lands- chaft “paisagem”, (ing.) land of promise = (al.) gelobtes Land “terra da promissio”, (ing.) land of dreams = (al.) Land der tréume “pais dos sonhos”, ete. — De qualquer forma, uma pos- sivel tradugio inglesa Do you know the country... seria inaceitdvel porque se perderia com ela o importante e original ritmo do poe- ma, estabelecido no primeiro verso e que uma boa tradugio deve- ria a todo custo manter, Vé-se, por ai, que nenhuma lingua pode expressar, com inteira justeza, sendo a sua propria cultura, e que ela falha, lamentavelmen- te, quando pretende traduzir a lingua (e a cultura nela implicita) de uma outra sociedade. Cabe a Lingiiistica, como ciéncia interdisci- plinar, dar conta de tais fatos, 1.5. A Lingiiistica como Ciéncia Interdisciplinar “La ciencia no tiene frontera: las materias y pareelas. d * investigacion s€ superponem y necesitan mutuamente (.. La ciencia es una ...” Macaaere, 1972.28-29 A Lingiiistica é uma ciéncia interdisciplinar. Ela toma empres- tada a sua instrumentagao metalingiifstica dos dados elaborados pela Estatistica, pela Teoria da Informagdo, pela Légica Matematica, etc., €, por outro lado, na sua qualidade de ciéncia-piloto, ela em- presta os métodos e conceitos que elaborou a Psicanalise, 4 Musicolo- gia, A Antropologia, 4 Teoria e Critica Literdria, etc.; enfim, ela se da, como Lingiiistica Aplicada, ao Ensino das Linguas e 4 Tradu- cao Mecanica. Sem pretender ser exaustiva, a Fig. 2, adaptada de Peytard (1971.73), mostra 0 posto que lhe corresponde no interior do campo semiolégico. A Fig. 2 mostra que scria contra-indicado pretender isolar a Lingiiistica das demais ciéncias limitrofes, dentro do territério co- berto pela Semiologia. Mas essa figura mostra, também, que é possivel —e do ponto de vista diddtico, desejavel —, reivindicar a autonomia da Lingiiistica, sempre que se compreenda que a autono- 24 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Todos conhecem, de um ou outro modo, a “linguagem dos surdos-mudos”, ou a de certas ordens de monges que fazem voto de siléncio, ou o cédigo dos escoteiros, ¢ sabem interpretar, perfeita- mente bem. a mimica estilizada dos atores, os gestos ritualizados das ceriménias religiosas e os que a etiqueta social tornou obrigaté- rios: inclinar-se para demonstrar cortesia, apertar as maos de conhe- cidos para demonstrar bom acolhimento, beijar os intimos para in- dicar carinho, bater palmas para aplaudir, etc. Todos nés manejamos com proficiéncia esse pequeno cédigo e temos, ainda que intuitivamente., o conhecimento de certas regras suas, por exemplo, a da énfase, Para demonstrar énfase relativamen- te ao significado de tais gestos, costumamos repeti-los. Apertar a mf&o de uma pessoa uma tinica vez é um cumprimento banal que pode ser enfatizado mediante dois recursos: ou apertar-lhe a milo vezes seguidas ou ambas as mfos ao mesmo tempo. demons- trando efusividade. De igual modo, um beijo apressado na face nao significa 0 mesmo que beijos reiterados, e palmas chochas, de cor- tesia, nao significam o mesmo que palmas frenéticas prolongadas intensamente, que expressam entusidstica aprovagio. A redunddncia desempenha, nesses exemplos, uma dupla fungio: ela evita, por um lado, que a mensagem seja mal interpretada, afastando o ruido, e, por outro lado, ela constitui um dos meios mais universalmente vélidos para aumentar o grau do significado: comparem-se, por exemplo, o ntimero de toques (nunca um toque, que poderia ser confundido com um ruido ambiental) com que uma pessoa bate & porta para chamar alguém do outro lado, e frases do tipo “Comprei um carro carro”, “Ele é um homem homem”, ete. —. “Podemos considerar duas espécies de gestos que possuem sen tido na comunicagao, os gestos intencionais e os gestos autisticos; desses dois, sé os primeiros tém valor lingiiistico” (Titome, 1971.49). Enquanto os gestos intencionais séo culturalmente condicionados, os gestos autfsticos — como os tiques nervosos, os movimentos instintivos € as expressdes corporais nao intelectualmente motivadas -- sao estritamente individuais e nao expressam senao sentimentos incons- cientes ou estados psiquicos incontrolaveis. Sé os gestos intencio- nais podem ser estudados como um sistema semidtico que “deve ser aprendido por cada individuo, se ele quiser participar completa- mente como membro de sua sociedade” (Birdwhistell, apud Lee Smith, 1972.95). Dizer que os gestos sio culturalmente condicionados equivale a dizer que eles diferem, freqiientemente, de uma para outra comu 30 nidade, Q_ gesto que os norte-americanos fazem com a mao para dizer “va-se embora!”, “deixe disso!”. ‘significa precisamente 0 con- trarie, “venha ca!", para um latino-americano; mostrar a lingua é um gesto zombeteiro para os ocidentais, mas denota elevada apre- ciagdo entre os chineses. © mesmo autor que citamos, Birdwhistell, escreveu que, obser- vando num filme os gestos do prefeito de Nova Iorque, Fiorello La Guardia, era possivel distinguir, nitidamente, mesmo sem o auxilio da faixa sonora do filme, quando La Guardia se expressava em ita- liano, ifdiche ou inglés norte-americano (apud Eco, 1971.397). Assim, os gestos servem para distinguir sentidos gerais, mas tam- bém classes sociais, idades, profissdes e até sexos; a mimica de uma moga, no Brasil, nio é a mesma da de um moco: “O que popular- mente chamamos de “gestos” — escreveu Birdwhistell —, tenham ou nao a forma de levar o polegar ao nariz, de um aceno de cabe- ca... ou um punho fechado, revela-se, pela andlise, serem cinemor- fos especialmente presos que nao podem aparecer isolados como uma acgao completa. Isto quer dizer que os “gestos” séo equivalen- tes a raizes numa lingua, por serem sempre ligados formando um conjunto mais complexo, cuja andlise deve ser completada antes que se possa ter acesso ao “significado social” do complexo” (Apud Lee Smith, op. cit., 103). Também as produgdes sonoras que nio se deixam analisar no quadro da dupla articulagdo (cf. 1,10), concorrem, eventualmente. para a boa compreensio de um didlogo. Diferenciamos, por exem- plo, certos tipos de tosse alusiva; e, 4s vezes, 0 riso, 0 sussurro, 0 bocejo, a hesitagdo na enunciagao, so os tinicos fatores responsaveis pela conotagdo irénica, amedrontada ou indiferente de uma comu- nicagéo. Tais realizagdes fénicas podem, quando submetidas a uma requintada elaboragdo, organizar linguagens mais complexas. Eo que ocorre com as linguagens percutidas, como a dos tambores, usada na Africa Ocidental, que reproduz dois tons opositivos, e com as lin- guagens assobiadas, como a dos habitantes das ilhas Canarias. que modulam auténticos fonemas do espanhol. Esse ¢ 0 campo de estudo da Paralingiifstica, abarcando, tal como faz a Cinésica em relagéo aos gestos, as emissées sonoras supra- -segmentais que sdéo peculiares a cada comunidade: “em algumas sociedades, por exemplo, no Magreb, os arrotos durante a refeigao constituem um signo de beneplacito da parte dos convidados, sendo muito apreciado pelos anfitrides” (Malmberg, 1972.53). 31 Vé-se que é ingenuidade “pensar que somente a lingua apre- senta uma func&o cognitiva e que as outras modalidades [de siste- mas semidticos] estao meramente modificando a mensagem levada pela lingua”: por isso Birdwhistell insiste no aspecto integrado e integracional da comunicagio. Nao obstante o apelo de Birdwhistell, a Cinésica e a Paralin- gijistica continuam a ser encaradas, pela maioria dos estudiosos da Lingiiistica, como disciplinas que abordam fatores subsididrios, se- cundérios ou suplementares da comunicacio. Por esse motivo, sua problematica é habitualmente afastada dos livros de Lingiiistica, os quais se dedicam a tratar da linguagem humana duplamente arti- culada. De qualquer forma, os meios de expresso da linguagem humana séo da ordem do audivel e do visivel. (3) Quanto aos meios audiveis, que consideraremos mais de perto, eles sio: (a) fonolégicos (“sons com valor distintivo”) ; (b) prosédicos (tons, acento, pausa, entonagio) (c) taticos (referente ao valor discriminatério das _posigdes ocupadas por um elemento dentro do enunciado: redun- dancia, co-ocorréncia, ordem e (in-)separabilidade). (Pot- tier et al., 1972.11 s 1.6. Linguagem Falada e Linguagem Escrita “Au début de ce sidcle, un grand linguiste danois, que ne manquait pas @humeur, a demandé a un homme politique frangais qui se_pi- quait de culture, s'il était vrai que Je Frangais ne pronongait plus le “du “il, “ils”, A quoi son interlocuteur a répondu, furieux: “Les gens qui disent ga, y savent pas ce qu'y disent.” Martiner, in Barthes et al., 1973.145. A linguagem escrita é, como se sabe, um dos mais comuns meios visiveis de expressao. Ha ocasides em que o lingiiista se vé obrigado a lancar mao desse meio para levar a cabo sua tarefa: por exemplo, quando ele investiga uma “lingua morta”, através de (3) Para os meios visiveis da expresso, consulte-se Pottier (1968.47 ss. € 1972.11 ss.). 32 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Modalidade escrita Modalidade oral 1. je chante [io"8at) 2. tu chantes [ty’sat] 3. il chante [il'sat) 4. nous chantons [nusa't5] 5. vous chantez [vusa’te] 6. ils chantent fisae] De 1 a 6 as diferentes formas se distinguem gracas aos morfe- mas prefixados e sufixados ao lexema central {chant} [Bat]; ha, no entanto, seis morfemas prefixados na escrita e apenas cinco na fala: | | Morfemas prefixados hee |e ee ee [rae | Go}, Cy], Gill, Cul, (wl Mais incongruente, ainda, é 0 que acontece com os morfemas sufixados. les séo cinco para a modalidade escrita e apenas trés para a falada: a tel, (51, C614) A pesquisa lingiifstica que se baseasse no levantamento das pe- culiaridades da modalidade escrita de expresso diferiria grande- mente, como se viu, nos seus resultados, da pesquisa que se baseasse na linguagem falada. Um trabalho cujas conclusdes derivassem das observagées feitas pelo primeiro tipo de estudos, ocultaria, entre outras coisas, dois fatos importantes que sé a andlise do corpus oral permite isolar, a saber, que @ fala francesa é menos redundante (mais econémica) do que a escrita, e que a nogdo de pessoa verbal expressa~ -se, nessa lingua, (5) essencialmente através de morfemas prefixais (4) ¢ = morfema zero, em 1, 2, 3 € 6. (5) © contrario se da em espanhol, por exemplo, onde o uso dos pronomes pessoais obedece a razdes de ordem eestilistica (énfase, fungéo emotiva, etc.) 34 (ou seja, dos pronomes pessoais) e nio dos morfemas sufixais (ter- minagées dos verbos). Em conseqiiéncia de quanto se disse, os fatos lingitisticos costu- mam ser entendidos e investigados como fenédmenos de um sistema convencional de signos orais: o objeto lingilistico “nao se define pela combinagéo da palavra escrita e da palavra falada: s6 esta ultima constitui tal objeto” (Saussure, op. cit., 45). 1.7. A Linguagem Humana e a Linguagem Animal “Habito muito inconveniente dos gatinhos (observara certa vez Alice) € 0 de, 0 que for que vocé diga, eles sempre ronronarem.” “Se so- mente ronronassem quando quisessem dizer “sim” e miassem para dizer “no”, ou de acordo com alguma regra desse tipo”, dissera ela, “de modo que a gente pudesse bater um papo com eles! Mas como a gente pode falar com uma pessoa se ela sempre diz a mesma coisa?” Lewis Carrot — Apud Cherry, 1971.260 O termo “linguagem” apresenta uma notavel flutuagdo de sentido, prestando-se aos usos mais diversos. Ele é comumente em- pregado para designar, indiferentemente, fenédmenos tao afastados quanto a linguagem dos animais, a linguagem falada, a linguagem es- crita, a linguagem das artes, a linguagem dos gestos. Convém, por isso, precisarmos o alcance dessa palavra quando a utilizamos, como aqui se faz, num livro cujo assunto é a linguagem. A distingfo entre linguagem animal e linguagem humana, por exemplo. possibilitar4 efetuar-se a importante discriminagéo entre in- dice e signo, entre uso metaférico e uso préprio do termo linguagem. & corriqueira a observagéo de que os animais sao capazes de exteriorizar (comunicar) o medo, 0 prazer, a cdlera, etc., por meio de determinados sons ou gestos (comunicar, aqui, se toma no sen- tido de influenciar o comportamento de outros animais que presen- ciem tais manifestagdes). Pode-se chamar a esse tipo de comuni- cagio, “linguagem"? Em 1959, Karl von Frisch publicava um livro sobre a vida das abelhas, no qual revelava que a obreira, tendo encontrado uma fonte de alimento, regressava A colmeia e transmitia essa informa- co as companheiras, através de dois tipos de dangas (cf. Fig. 3). 35 Seen Ses, Fic. 3 — A danga circular (A esq.) e a “danga do 8” (4 dir.) (Apud Hérmann, 1972. 29) “Quando a abelha volta de uma expedigio alimentar — explica Hérmann (1972. 29) — ¢ se pGe a dangar, as. outras obreiras chei- ram 0 odor caracteristico do alimento, de que a abelha ficou impreg- nada. Frisch pensou. inicialmente, que esta era a tinica informagao que a abelha poderia comunicar. Mas comprovou que, quando as outras abelhas algam véo, elas tomam a direcao certa e fazem suas buscas na distancia correta. Teria a linguagem das abelhas uma palavra para designar a distancia? Se a abelha volta de uma fonte de alimentos préxima, ela executa uma danga circular; se o lugar do alimento esta afastado, ela executa uma danga que consiste em contrair o abdémen, chamada “danga tremelicante” [danga do 8]. [sso nfo é tudo, porém. A mensagem transmitida pela oscilagdo do abd6men nao significa tao-s6 “a mais de 50 metros”; ela é muito m precisa. Se o alimento se encontra a 100 metros. a abelha percorre cerca de 9 ou 10 vezes, em 15 segundos, a linha reta que faz parte da danga. Quanto maior é a distancia, menos giros faz a abelha (6 giros em 15 segundos para 500 metros); a cada distan- cia corresponde um ritmo definido de danga (...). A diregéo a ser tomada para chegar ao alimento é fornecida pela diregdo da linha reta da danga com relagao a posigao do sol. A linha reta faz um Angulo determinado com a vertical, e esse Angulo é igual ao Angulo formado pela diregao da fonte de alimento em relagdéo ao sol (Cf. Fig. 4). Por muito preciso e “engenhoso™ que seja, esse sistema de co- municacao entre as abelhas — ou outro tipo qualquer de sistema de comunicacao utilizado pelos animais —, nao constitui, ainda, uma linguagem, pelo menos no sentido em que utilizamos o termo quando falamos da linguagem humana. 36 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. idade do falante. Conforme observou Piaget (apud Carvalho, 37, nota 17), as criangas de 4 a 7 anos apresentam uma porcentagem quase 50% maior de atos de linguagem “egocéntrica” do que as criangas mais yelhas e os adultos, nos quais predominam os habitos da “lin- guagem socializada”. Explica-se: a sociedade inibe 0 “egoismo ver- bal”, tanto para o efeito de preservar a coesio dos grupos sociais — a linguagem estabelece comunidade —— quanto para evitar a corrupgao de um bem social, a lingua, das perigosas inovagdes que lhe pode- riam introduzir as realizagdes auto-suficientes de cada individuo. Ff, assim que a langue reage as inovagGes da parole. Segundo Friedrich Kainz (apud Titone, 1971.52), © uso intra -subjetivo da linguagem apresenta-se ora como suporte ou estimulo das reflexGes pessoais como quando um estudante lé em voz alta, para si mesmo, uma lig4o, com o fito de decora-la —, ora como uma espécie de “apelo interior” —— como quando uma pessoa repete para si mesma palavras de encorajamento, ao acometer uma tarefa difi- cil —. & este, certamente, o caso do desdobramento de uma mesma personalidade, isto é, de um mesmo ator dividido em dois actantes con- trérios ou contraditéries, muito freqtiente na poesia lirica, que vai ilustrado pelo comeco dos dois poemas abaixo: “Brincava a crianga com um carro de boi: Sentiu-se brincando E. disse, eu sou dois! Ha um a brinear E ha outro a saber (Pessoa, 1965, 510) Carlos, sossegue, 0 amor & isso que vocé esté vendo: hoje beija, amanha nao beija, Indutil vocé resistir ou mesmo suicidar-se, N&o se mate, oh ndo se mate, (Drummonp, 1955, 111) No excerto de F. Pessoa, estamos diante de uma fungdo outrativa, caracterizada pela divisio de uma personalidade num sujeito do co- nhecimento (0 eu) e um objeto interno do ato de conhecer (o mim), postos numa confrontagio dialética tal que o “mim” chega a con- 58 verter-se em outro para o “eu”: esse relacionamento repete o tipo de relacionamento que, segundo Barthes, caracteriza a presenca do outro (luta cuja finalidade é decidir acerca do predominio de um dos dois elementos em jogo). Jé no fragmento do poema de C. Drummond, estamos perante um tipo peculiar de fungdo conativa (Cf. 1.12.4.4), autocentrada, de apelo reflevivo (poderiamos chaméc-la, talvez, de fungao autoconativa) . Em ambos os casos existe, certamente, uma troca de mensagens entre um destinador e um destinatério: como diz Jakobson, “nao ha emissor sem receptor” (1969.22). O que caracteriza, pois, a comuni- cagéo monolégica é que o falante cumpre, ao mesmo tempo, o papel de remetente e de destinatirio das suas préprias mensagens. A Lingiiistica nao concede as fungdes monolégicas da linguagem sendo uma atengdo marginal: enquanto ciéncia de um bem coletivo, a lingua, a Lingiiistica interessa-se sobretudo pelo funcionamento dia- Idgico, ou seja, social, das linguas naturais. Desse modo, deixando para a Psico-Lingiiistica e para a Patologia da Linguagem a anilise das. fungdes monoldgicas, a Lingiiistica estuda, sob o titulo de fungées dialégicas, a lingua enquanto meio de comunicagio coletiva. 1.12.4. Fungdes Diandécicas pa Linauacem 1,12.4.1. Hierarquia Funcional A utilizagio dos elementos de um cédigo, para a composig&o das mensagens, empenha nio sé os signos ¢ suas regras de combinag&o mas também varios subcédigos significativos. Como escreveu Jakobson, “cada lingua (cédigo) abarca varios sistemas simultaneamente e cada um deles é caracterizado por uma fungio diferente”. Desse modo. cada mensagem engloba, enquanto ato concreto da atualizagdo das possibilidades previstas no cédigo, varias fungdes da linguagem. Em qualquer frase (mensagem), “normalmente aparece um feixe de fungées. Tal feixe de fungdes nio é uma simples acumulagdo” (Ja- kobson, 1969.19): o falante pode fazer ressaltar um dos seis fatores envolvidos no processo da comunicagiio, dando-lhe uma énfase maior, fazendo com que a mensagem se dirija, primordialmente, para ele (o destinador ou destinatario, digamos), com predomin4ncia sobre os outros fatores (o cédigo, o contexto, o canal, a prépria mensagem). HA, pois, uma hierarquia de fungées implicada em cada mensa- gem e “é sempre muito importante saber qual é a fungao primaria e quais sao as fungdes secunddrias” (id. ib.) Entenda-se, portanto, 59 que sempre que nos refiramos, no restante do presente tépico, a uma determinada fungao, consideramo-la a fungdo primdria dessa mensagem. 1.12.4.2. A Fungdo Referencial: Enfase no Contexto Quando a mensagem se dirige, primordialmente, para o contex- to, diz-se que ela esta em fungao referencial. A maior parte das frases que pronunciamos numa conversagéo é usada para transmi- tir um significado: elas séo o resultado de uma reflexao intelectual, da verbalizagéo de um “designatum” (grosso modo, aquilo em que um individuo pensa e ndo, necessariamente, um “objeto” da reali- dade fisica, mas um conceito, um ente de existéncia puramente men- tal, como, por exemplo, uma sereia, o amor...) e elas fazem surgir reflexes andlogas na mente de um destinatario. Os designata de uma mensagem sao apreensiveis na mensagem, formando um contexto de intercompreensao entre o destinador e 0 destinatario da comunicacgéo. Quando tais mensagens possuem por termo os designata de um mesmo contexto, diz-se que elas possuem uma fungdo referencial (ou de representagéo, na terminologia de Buhler). Assim, se um amigo me diz: 1. O tio de Pedro morreu ou 2. O atual rei da Franga é calvo tais frases possuem uma fungSo referencial, porque envolvem a ana- lise de uma certa experiéncia mental e traduzem conceitos que posso compreender gracas & minha competéncia de falante da lingua por- tuguesa, no sendo necessdria, para a minha compreensio das men- sagens nem mesmo saber se tais frases sio verdadeiras ou falsas, se © individuo chamado Pedro tinha ou no um tio, ou se a Franga atualmente é ou nfo governada por um rei. As frases 1 e 2 fazem referéncia a certos designata que sio puramente lingiiisticos e assim como o remetente delas teve competéncia suficiente para organizd- vlas de acordo com as regras da lingua portuguesa, eu, que sou o destinatério, e possuo, como ele, o mesmo saber intuitivo para ma- nejar os signos e as regras desse cédigo, isto é, me situo no seu mesmo contexto cultural, decodifico-as corretamente e apreendo o sentido delas. Tais frases possuem uma fungao referencial. 60 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2) A mesma seqiiéncia consonantal acima, k-r, com uma das vo- gais da seqiiéncia vocdlica vista, [o], forma kor “cor”, (de cor de mel); preenchida com o outro fonema, [€], a mesma se- qiiéncia forma Ker “quer” (de “quero”) : 3) “meu” [mew] reconstréi-se no seu equivalente “mel” [mew], com a tinica oposigio do trago “fechado” / “aberto”; 4) “Corcel” rima com “mel”; 5) “Corcel” esta imperfeitamente anagramatizado no sintagma “cor de mel”, ete. S&o essas reconfiguragées propiciadas pelo principio da equiva- léncia que fazem a mensagem voltar-se para si mesma, tornando-se multissignificativa; o seu plano de expressio passa a dotar-se de varias possibilidades de sentido e, tal como ocorre nos jogos verbais infantis (do tipo “une, dune, tre, salamé, mingiié...”), as proprie- dades fisicas, fonéticas, dos seus significantes se privilegiam, passando a ter a importincia que nos enunciados referenciais se concede ao plano de conteido das palavras. Decorre dai o aparecimento de “sentidos” totalmentete originais para a mensagem como um todo, sentidos esses que nao estavam sendo nebulosamente programados no plano de contetido referencial das mesmas palavras, como possibilidades. Isso quer dizer que o sen- tido poético nao estd automaticamente programado no signo refe- rencial (em grau zero), mas ele é uma decorréncia das transagées sintagmdticas ocorrenciais. A fungio poética executa, portanto, uma ruptura das especta- tivas, fornecendo uma possivel resposta nao antecipada automatica- mente na lingua, que é capaz, por isso mesmo, de atrair uma atengao especial para os préprios signos, uma persisténcia da atengao. E a mensagem, desse modo, se autocentra, para verificar 0 arranjo dos seus proprios constituintes. Em termos aproximados aos da cibernética, poderiamos dizer que parte das informagées-de-saida (output) que o interpretante do cédigo fornece, na operagéo metalingiiistica, para a primeira deco: dificagao da mensagem, é reintroduzida na mensagem sob a forma de nova instrugdéo computdvel, (19) por um processo andlogo ao da realimentagdo (feedback) nos sistemas informacionais auto-regulados. (19) Por isso a fungio poética tem, no nosso ponto de vista, o mesmo estatuto metalingilistico que Jakobson reservou aos elementos do cédigo que 68 _ Assim, fragmentos da mensagem, fornecidos pelo interpretante do ‘cédigo, sao promovidos ao estatuto metalingiiistico do principio de equivaléncia (Jakobson), organizador da seqiiencialidade frasica. No plano fénico, a equivaléncia produz as figuras da rima, (Corcel: mel) da assonancia (quer: cor; meu: mel), da aliteragéo (“raia sanguinea e fresca a madrugada”, R. Correa), do anagramatismo (Corcel: cor de mel; “do mar maravilhoso, amargo...”, Cruz e Sousa), etc.; no plano do contetido, essa equivaléncia produz andforas e cataforas, metonimias ¢ metdaforas. A fungfio poética pressup6e uma escolha para estabelecer equi- valéncias, isto é, para saber 0 que vai equivaler ao qué, entre a mensagem e as potencialidades estruturantes do cédigo (Arcaini, 1970.212). & o que rompe com os automatismos lingiiisticos a que ja fizemos referéncia (caracteristicos da mensagem no grau zero), e cria o fendmeno que os formalistas russos denominaram ostranienie, “estranhamento”, “singularizagao”, fendmeno esse no qual viam o mecanismo poéttico por exceléncia. E por causa dessa escolha que o estilo se define como opgdo e, num passo mais além, como desvio interpretam elersentos de uma mensagem-objeto. No fundo, qual é a dife- renga? Num dos casos (o das fungdes metalingiiisticas, estudadas por Ja- kobson), a informagéo tradutora, no plano de conteado da mensagem-objeto, provéin do cédigo, da langue; no presente caso, o da fungio poética, a in formagao tradutora (interpretante, segundo Peirce), do plano de conteido da imensagem-objeto, provém dessa mesma mensagem, ou de partes dela guin- dadas 4 condigéo de subcédigo metalingiiistico. Jakobson ressalta, pois, © papel desempenhado pelo interpretante do cédigo; mas & necessério con- siderar também o papel desempenhado pelo interpretante do contexto (no sentido estrito de contexto lingiiistico, isto é, todos os elementos lingitisticos que restam de uma frase depois que retiramos dela o elemento cujo contex- to queremos localizar), Esse interpretante do contexto, outro nome da fungao poética, é dotado de fungio metalingiiistica a igual titulo que o in- terpretante do cédigo. De modo que as fungdes metalingiiisticas especificas das linguas naturais poderiam ser visualizadas como segue (Fig. 7): fungées_metalingiiisticas fungao metalingitistica fungao pottica propriamente dita (interpretante do cédigo) (interpretante do contexto) Fic. 7 da norma (*) (entendida a norma como opgdo jd executada por um grupo). Vemos, assim, que um discurso desviatério ndo é, necessariamente, poético e, por outro lado, um discurso poético nado precisa ser ne- cessariamente desviatério. Se assim fosse, 0 estilo teria uma defini- ¢do apenas negativa: se se define a prosa como o grau zero da lin- guagem, @ poesia serd o que a prosa nao é (Arcaini, 1972.213). Ora. um texto pode ser prosa e ser, ao mesmo tempo, poético (poemas em prosa), assim como um discurso com desvio pode, sim- plesmente, conduzir ao non-sense ou ao absurdo, como certos poemas surrealistas e certas produgdes de afasicos. Desse modo, sé 0 desvio sentido culturalmente como euférico, aquele que abre para uma multissignificagio (e no para a ambigitidade, simplesmente, nem para a minus-significagdéo), pode engendrar o sentimento pottico. Finalmente é preciso dizer que o desvio, embora sendo uma ruptura da norma (cf. 2.2.2.) ndo é uma ruptura do codigo, mas todo 0 contrdrio disso, ele estd previsto nas regras de manipulagao desse codigo, porque o codigo lingiiistico é um cédigo aberto, do- tado de produtividade: alias, 6 da produtividade que decorrem os riscos das inovagGes positivas (acertos) e das inovagdes nega- tivas (erros}. Em definitivo, a lingua é um cédigo aberto e pro- dutivo que se distingue pelo fato de, ao mesmo tempo em que prevé a norma (que é opfgdo grupal), prever, ao mesmo tempo, a possibilidade de infragdo 4 norma; se isso nao acontecesse, se a lin- (20) Um cuidado se impée na facil e perigosa tentativa de identificar a ruptura do grau zero (ou 0 desvio) com os acertos da poeticidade. Um discurso pode: (a) coincidir com a norma (estar em grau zero); (b) romper com a norma (desvio) Em (a) 0 discurso se prende aos automatismos ©, por isso, deveria, teo- ricamente, informar pouco. (Voltaremos a isso.) Em (b), 0 discurso se propée a uma nova interpretacao (ele informa demasiado). Mas esse desvio nao tem um valor absoluio (todo valor é relativo, relacional), ndo caracteriza, por si s6, a poeticidade, Duss coisas acontecem com o desvio: (1) ele pode ser interpretado como erro; (2) ele pode ser interpretado como acerto. Temos, em (1), um desvio disférico, no-poético; temos, em (2), um desvio eufdrico, poético, em principio. (Mas o que é euférico num mo- mento da Historia € sentido como disférico em outro ¢ nisso se baseia o mecanismo da sucessio de estilos artisticos.) 70 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. gua e do discurso; a lingua é a linguagem menos o discurso. E a parole se assimila & natureza do acontecimento (Riccoeur, 1967, 808-809) . A dicotomia que Saussure batizou de langue/parole, Hjelmslev batizou de esquema/uso; Jakobson fala, para a mesma relacio, com a terminologia da teoria da informagio, em cédigo/mensagem, no- des essas que correspondem, aproximativamente, as dos termos em- pregados por Chomsky para competence (competéncia) /performance (atuagiio). A dis fecundas para todo o desenvolvimente da Lingiiistica deste século. Nao obstante, ela foi (vem sendo, ainda) objeto de discussdes e polémi- cas, algumas bem colocadas, outras fruto de equivocos na maioria das vezes bem intencionades © motivados mesmo pela prépria orga nizagao do CLG, livro cuja leitura nao é facil. Gao saussuriana entre langue/parole revelou-se das mais Um dos pontos mais amplamente debatidos é 0 que atribui a lingua o papel de um sistema de valores (vide 1.8), com o que Saussure significava que cada um dos elementos componentes de uma lingua s6é se pode definir relativamente aos outros elementos com os quais forma sistema. (7) Duas afirmagées capitais de Saussure, inicialmente entendidas por certos estudiosos (como Buyssens, in Mise au point de quelques notions fondamentales de la phonologie, sobretudo na sua primeira parte intitulada Saussure contre Saussure, artigo publicado em 1949), como paradoxais ou contraditérias, estiveram no fulcro dessas dis- cuss6es. Trata-se das seguintes teses, ambas presentes no CLG: 1) “na langue nio hd mais do que diferengas” II) “o mecanismo lingiiistico gira inteiramente sobre identi- dades e diferengas” A partir delas, Buyssens afirma que Saussure “esta em contra- digio consigo mesmo’. A solugio do problema nio tem sido una- nimemente acatada pelos lingiiistas, de modo que qualquer tentativa de diluir essa aparente aporia oferece sempre alguma_possibilidade de critica. No entanto, s6 tem sentido falar-se de “diferengas” por referéncia a existéncia implicita de “identidade”: as diferengas, quaisquer que elas sejam, se discriminam perceptualmente no seio (23) Para uma introdug&o didética as polémicas surgidas em torno de alguns conceitos-chave de Saussure, é Util consultar MacLennan (1962). 78 de uma identidade, que € a sua condigdo légica de existéncia. Assim, é verdade que ‘a langue nao comporta nem idéias nem sons pre- existentes ao sistema lingiiistico, mas somente diferengas conceptuais e diferencas fénicas resultantes desse sistema” (CLG, p. 166). Ai esta o cardter negativo dos elementos lingijisticos; mas é a percepcao simultanea dessas diferencas de sons e dessas diferencas de idéias, sua aproximagao, a partir de uma identidade perceptivel por nossa mente, que constitui a lingua num sistema. O sistema ¢, portanto, enquanto conjunto-universo, um fato po- sitive, ainda que seus componentes internos se definam precisamente por ser diferenciais. As diferengas de que fala Saussure sio logica- mente necessdrias desde que para sc falar em sistema é necessdrio que tenhamos pelo menos dois elementos distintos. 1. Primeira Nogio pe Forma & SussTANcIA O problema da dicotomia langue/parole esta intimamente re- lacionado com o problema do valor: a lingua é um sistema de valo- res, onde cada elemento se define em relagéo com outros elementos. O exemplo do jogo de xadrez, j4 mencionado, esclarece a po- sigao de Saussure relativamente ao assunto. As pecas do jogo se definem unicamente pelas fungdes que Ihe sao conferidas pela legis- lacéo do jogo. Suas propriedades puramente fisicas sao acidentais: as dimensdes do cavalo ou da torre, suas cores, o material de que as pecas sao feitas, tudo isso pode variar; se se perde uma peca, ela pode ser substituida por um outro objeto qualquer, conservando intocadas a sua fungaio e a sua identidade. Basta, para tanto, que os parceiros convencionem atribuir a esse objeto substituinte 0 mesmo valor atribuido & pega perdida. Transposto o raciocinio para o Ambito lingiiistico, um clemento qualquer da lingua, um fonema, por exemplo, ou um morfema, deve definir-se do ponto de vista das suas relagdes para com outros ele- mentos do mesmo sistema e pela sua fungio no interior desse sistema (primeira nog’o de forma), e nunca & base de suas propriedades fisicas (modo de formagio, estrutura aciistica, etc.; primeira nogdo de substancia). Eis por que a lingua constitui, no parecer de Saussure, uma forma e nao uma substdncia: a lingua nao é um sistema de contetidos (nfo existe um “nivel” semantico), mas um sistema de formas e de regras (valores). O contetido de um termo sé é fi- xado, por isso, através da totalidade de que esse termo & parte, ¢ a sua definigdo positiva deriva de uma definigao relacional (ou de- 79 finigdo negativa); o valor de um termo consiste nisso: um ele- mento é (definigdo positiva) tudo aquilo que os demais elementos do seu sistema ndo séo (definigéo negativa). Confrontando as palavras inglesas sheep “carneiro” e mutton “carne de carneiro”, com a francesa mouton “carneiro” ou “carne de carneiro”, indiferentemente (tal como no portugués), Saussure demonstrava que em alguns casos esses termos se correspondem, mas, em outros, nao: assim mouton nao tem o mesmo valor de sheep, que designa o animal vivo, nem de mutton, que designa a carne desse animal, pois sheep so se associa, paradigmaticamente, com a classe dos animais vivos, excluindo as outras classes, enquanto mutton s6 se associa, paradigmaticamente, com a classe de carnes que se prestam para serem comidas, isto é, com “alimentos” e nio com animais. “Estes termos, por isso, ndo possuem o mesmo con- tetido (a soma das significagdes positivas ¢ do valor relativo ou ne- gativo: a soma dos termos aos quais um termo é oponivel), ainda que se possa dizer que cles ttm a mesma significagio em contextos apropriados” (Dinneen, 1970.290). Para dar um exemplo com nosso idioma, é 0 que acontece com (port.) cdo, e o (ital.) cane “cio”: em alguns contextos referentes a animais, os dois termos coincidem (na sua definigao positiva) ; mas em outros contextos, isso nao se da, porque o italiano diz, por exemplo, questo tenore é un cane (“cao” qualifica a voz desagra- davel do tenor), ali onde empregariamos outro termo (“esse tenor canta como um marreco, um ganso, um pato”). 2.2.2. Conrripuigio pe E. Cosertu: A Nogio pe Norma Para resolver certos problemas nao resolvidos pela dicotomia saussuriana entre langue e parole, Eugenio Coseriu propés um con- ceito afim destes dois, o conceito de norma. “Sendo a lingua um conjunto de possibilidades — explica Borba (1970, 67) —, a norma aparece como o conjunto de realizagées dela. A norma precisa ser comprovada concretamente — é aquela que seguimos por fa- zermos parte de um grupo.” Tal como a langue, a norma € convencional; tal como a parole ela é opcional. Mas, diferentemente da parole, que € opgao indivi- dual, deliberagdo de cada falante em cada enunciagao concreta, a norma implica numa op¢ao do grupo a que pertence o falante e pode, assim, divergir das demais normas seguidas por outros grupos da mesma comunidade lingiiistica. 80 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. reflitam adequadamente os objetos e fenémenos (.. pectos gerais e essenciais”. Pode-se distinguir, como faz Saussure (1972.181) entre um arbitrério absoluto e um arbitrdrio relativo (ver também Ducrot- -Todorov, 1972.172): 0 primeiro refere-se A instituigio do signo tomado isoladamente e 0 segundo refere-se A instituigao do signo en- quanto elemento componente de uma estrutura lingiiistica, sujeito, portanto, as constrigdes do sistema. Num exemplo claro, é gragas A existéncia, na lingua portuguesa, de uma forma produtiva como © sufixo verbal J-ou} para o pretérito que Carlos Drummond de Andrade péde produzir, por analogia com “amar/amou”, 0 neolo- gismo “almou" (in Amar-Amaro) : em seus as- Por que amou, por que almou se sabia proibido passearsentimentos ete. Nas palavras compostas e nas formas flexionadas existe uma moti- vagio relativa j& que elas “se constroem sempre de modo idén para representar idénticas relagdes de significados” (Dinneen, 1970, 280). O que é importante destacar nesta ligao de Saussure é que a substancia do conteddo e a substancia da expressio nao contam, absolutamente, como tais, para a fundacio do signo e da fungio lingitistica: © que conta é a combinagao delas para criar uma forma, coisa que Saussure mesmo explicita quando afirma serem igualmente psiquicas as duas partes do signo. (Ver tb. Malmberg, 1968, 66 ss.) Um sistema lingiiistico combina diferengas de sons com diferengas de idéias, ¢ assim instaura um sistema de valores. A caracteristica da instituigdo lingiiistica é manter o paralelismo (27) entre esses dois tipos de diferengas, de tal modo que a mudanga efetuada num desses planos repercuta perceptivelmente no outro plano (cf. co- variagao, 1.12.1). oO 2.4.2. A LingarIDADE pos SIGNIFIGANTES A segunda das caracteristicas essenciais do signo lingilistico, tam- bém apontada por Saussure, refere-se ao carater linear do seu plano (27) Para _maiores esclarecimentos sobre a arbitrariedade do signo, ver E. Benveniste, Nature du signe linguistique (incluido, agora, in 19662) ¢ Engler (1962), para a problematica geral do t6pico. 85 de expressio. Logo ao inicio do CLG, lemos: “Por ser de natureza auditiva, o significante se desenvolve unicamente no tempo e apre- senta as caracteristicas que toma do tempo: (a) representa uma extensio; ¢ (b) essa extensdo é mensuravel numa tinica dimensao; ela é uma linha” (Saussure, 1972.103). Essa linearidade, que constitui a extensao da cadeia falada e com base na qual cada elemento do plano de expressio de uma lingua se coloca, é 0 que permite distinguirmos conceitos tais como o de silaba (baseada num contraste entre consoantes e vogais), e o de distribuiga0. 2.4.2.1. A Nogdo de Distribuigao As unidades lingiiisticas aparecem em contextos e submetem-se as suas press6es: as partes dependem do todo de que participam. Dentro de uma frase as palavras nao se dispdem ao acaso, mas em posig6es determinadas: 0 artigo, por exemplo, tem em rumeno e em portugués a propriedade de se colocar sempre junto do subs- tantivo com o qual forma sintagmas nominais; mas dentro do SN (sintagma nominal) o artigo portugués vem anteposto ao substan- tivo (cf. “o lobo”), ao passo que o artigo rumeno se pospde ao nome ao qual se refere (cf. lupul, “o lobo”). Diz-se, por isso, que os ele- mentos possuem uma distribuigdo caracteristica. Quando comparamos dois elementos quaisquer, do ponto de vista distribucional, verificamos que: (a) os dois elementos A e B podem aparecer no mesmo ponto da cadeia da frase: dizemos, nesse caso, que eles tém uma distribuicdo equivalente (Fig. 10): Fic. 10 — Distribuicdo equivalente 86 (b) esses dois elementos nao podem jamais aparecer colocados no mesmo ponto da cadeia frdsica (ou seja, esses dois ele- mentos nao possuem nenhum contexto em comum): di- zemos, ent&o, que eles possuem uma distribuigéo comple- mentar (Fig. 11): Fic. 11 — DistribuigZo complementar (c) esses dois elementos possuem uma equivaléncia parcial (ou uma distribuigdo complementar parcial). Nesse caso, te- mos de distinguir entre duas modalidades de distribuigéo parcial; (cl) a distribuigao de uma unidade B inclui a distribuicgao de uma outra unidade A, mas o Ambito de aplicagéo de B é mais amplo que o de A (ou seja: em todos os contex- tos em que ocorre A pode ocorrer, também, B, mas ha certos contextos em que B ocorre e nos quais nunca ocorre A). (Fig. 12): Fic. 12 — Inclusao distribucional (c2) a distribuigaéo de uma unidade B recobre, parcialmente, a distribuigao de uma outra unidade A (sem inclui-la), e a distribuigao de A recobre, também, parcialmente, a dis- tribuigao de B (sem inclui-la): em outros termos, ha con- textos em que s6 A pode ocorrer, e ha contextos em que s6 B pode ocorrer, havendo, ainda, contextos em que tanto A quanto B podem ocorrer. Diz-se, entao, que ha inter- secgao distribucional entre A e B (Fig. 13): 87 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Em certas linguas, certo tipo de unidades nfo se ordena em seqiiéncias lineares para o efeito de fazer-se preceder e seguir a rea- lizagao de um elemento pela realizagio de um outro elemento obri- gatério. E o que ocorre nas linguas tonais: no chinés, hao “dia” e héo “bom” contém os mesmos elementos nas mesmas’ posig6es, nao se distinguindo, seqiiencialmente, uma forma de outra. O mesmo fe- némeno da indistingio do papel representado pelas unidades a par- tir da observacgio da sucessao linear delas na frase ocorre, também, em linguas nao tonais, como o portugués: a diferenga entre o sen- tido declarativo de “‘chove” e 0 sentido interrogativo de “chove?”, é dado por algo que nao é segmental (que nao ocupa um segmento da cadeia da fala), ou seja, é dada pela entonagio (cf. 3.3.1.1.). Assim, o principio da linearidade possibilita a apreensio de contrastes: a cadeia sintagmatica resulta da combinagio de elemen- tos que contrastam entre si. De modo geral, podemos dizer que um elemento qualquer do PE entra em relacao sintagmdtica com todas as unidades do seu mesmo nivel — fonema com fonema, mor- fema com morfema —, formando contexto. (28) © discurso sintagmatico dispSe-se sobre um eixo cujo suporte segmental & a extensdo linear dos significantes e cuja propriedade bdsica é a construir-se através da combinagdo de unidades contras- tantes. Esse contraste se dé entre elementos do mesmo nivel: fo- nema contrasta com fonemas, morfema contrasta com morfemas, etc., instaurando relagées distribucionais (cf. 1.11.2.). Num sintagma como © vizinho morreu de velho temos as seguintes relagdes sintagmdticas, marcadas por contrastes: (a) no nivel fonolégico: contraste entre consoantes (C) e vogais, instaurando o sintagma sildbico: u — vi — zi — fiu — mo — rew — di — ve — fu | Hou dd v Ww b&b be a & bem (28) De modo pritico, localiza-se o contexto lingiifstico de um ele- mento qualquer eliminando esse elemento do enunciado: o que sobra é 0 contexto do elemento abstraido. O contexto de Y num enunciado formado de X¥X € X.Z. (29) Na silaba -reu, de morreu, u é uma vogal assildbica (semivogal, transcrita /w/), equivalendo, pois, a uma consoante (cf. 3.2.3.1.2.). a9 ({b) no nivel morfoldgico: contraste entre lexema (L) e gramema (G), instaurador da palavra (sintagma vocabular) : Oo vitink - 0 morr- eu de velh - a Pot dE © © © © © © W © (c) no nivel sintdtico: contraste entre um elemento determinante + um elemento determinado, instaurador do sintagma locucional: 0 visinho + morreu de velho SN sv sujeito predicado (Ddo.) (Dte.) Como se vé, o sintagma se constréi com base na contigiiidade e na irreversibilidade: seus elementos esto dotados de uma distri- buigdo caracteristica, funcional. 2.5.2. CorreLagdes ParapicmMAticas Nenhuma mensagem tem sentido em si mesma. Os elementos componentes de uma mensagem sé tém sentido completo quando os correlacionamos, em nossa meméria da lingua, com os demais ele- mentos lingiiisticos com os quais ele forma sisterna. Os elementos da lingua jamais aparecem isolados, em nossa meméria; pelo con- trario, eles participam de classes, isto é, conjuntos de elementos que “se associam por um traco lingiiistico permanente, que é 0 denomi- nador comum’’ de todos esses elementos. A base desse trago esta- belecem-se as diferengas e igualdades entre os elementos e as classes. Cada uma dessas classes forma um paradigma (Mattoso Camara, 1964.236): um paradigma é uma classe de elementos que podem ser colocados no mesmo ponto de uma mesma cadeia, ou seja, sao substituivets ou comutdvets (cf. 1.12.1.) entre si. Tendo em vista que, como jé sabemos, devido 4 linearidade da fala nao nos podemos utilizar sendo de um elemento lingiiistico a cada unidade de tempo, a seleg@o de um determinado membro de um paradigma exclui, antomaticamente, todos os demais membros 90 do mesmo paradigma que poderiam aparecer no mesmo ponto da cadeia da fala. No ato de cnunciagéo estabelecem-se, por isso, sclegées entre va rios elementos oponiveis da mesma classe, um dos quais — o cle- mento selecionado —, é transportado para o cixo sintagnsatico, onde dever& entrar em combinagdo com os outros elementos do enunciado. Para realizar a palavra mar, por exemplo, escolhi, dentre as dezenas de unidades que compdem a classe dos fonemas portugue- ses, apenas trés unidades; /m/ e nao /1/ (que me daria lar), para a primeira posigao; /a/ e nado /c/ (que me daria mor), para a se- gunda posigio: /r/ e nao /w/ (que me daria mau) nem /z/ (que me daria mas), para a terceira posigao. A cada escolha efe- tuada correspondeu uma rejeigio de varios outros elementos da mesma classe (do mesmo paradigma ) : /m/. por exemplo, perten- cendo ao paradigma consonantico, excluiu todas as demais conso- antes que poderiam aparecer no seu mesmo ponto na cadeia mar; como as regras de combinagéo das silabas portuguesas tornam obri- gatéria a presencga de uma vogal no ponto seguinte ao ocupado pela consoante /m{ no interior da mesma silaba, ao selecionar /a/ blo- queei simultaneamente a manifestagio de qualquer outra vogal que teria podido, igualmente. situar-se naquele mesmo ponto: e assim por diante (cf. Fig. 14 1 2 3 (Bixo sintagmatico ou das escolhas Eixo paradigmatico ou (A m ar realizadasy da classe de escolhas - Sem possiveis B s Cc Dp Fic. 14 — Paradigmas e Sintagmas Membros nao-selecionados do mesmo paradigma fonoldgico, de escolha equi- provavel, dentro do contexto: na 1." posicdo sintagmdtica: /d/ (formaria dar), /A/(formaria lar), /p/ (formaria par) etc. Outras possibilidades: AL + B2 -: B3 mes), Bl + B2 + B3 (dés), BL + A2 4+ AR (dar), Cl + B2 + AS (ler), Cl + B2 + Bales, Di + AZ + Ba (pds), etc. Chamamos correlagéo a fungao (ou dependéncia) existente entre os membros de um paradigma e relagéo a fungio existente entre os constituintes de um sintagma. Entre os elementos A, B, C, D, da Fig. 14, temos uma correlagio; e temos uma relagéo entre 1, 2. ¢ 3. na mesma figura. a1 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. tico. Com efeito, o sintagma é metonimico: sendo uma unidade discursiva. minima, formada por um conjugado bindrio, cada um dos dois elementos que a formam é parte de um todo e nenhuma delas é auto-suficiente. (O elemento -a de cant -a, por exemplo, abstraido do conjunto sintagmatico, nada significa: ele pode ser um fonema, uma preposig&o, um artigo, um morfema de feminino, um morfema de pessoa, etc.; a mesma coisa se passa com cant -; de modo que -a sé é morfema indicador de feminino, gramema nomi- nal, quando vem preso a nome (menin -a, lob -a, ete.), e 36 é morfema indicador de nimero ¢ pessoa verbal, quando vem preso a um verbo (cant-a, chor-a, etc.). Assim, os dois elementos do sin- tagma nio se podem dessolidarizar, sob pena de entrar em disfungio.) Na frase biblica “ganhar o pao com o suor do seu rosto, ha duas metonimias, pao ¢ rosto, obtidas pelo processo de substituigdo da parte pelo todo: pao equivale, ali, a alimento e resto equivale a corpo; e ha, nessa mesma frase, uma terceira metonimia, obtida pelo proceso de substituigio do efeito pela causa: o suor é cfeito da jadiga, Como se vé, a contigiiidade caractcristica da sintagmatica nao se refere, simplesmente, A contigiiidade de significantes, mas, também, A contiguidade de sentido. No desenvolvimento de um discurso pode-se seguir duas linhas semAnticas; um tema pode levar a outro quer por similaridade (pro- cesso. metaférico), quer por contigiiidade (processo metonimico). Segundo Jakobson, 0 processo metaférico caracteriza, em linhas ge- rais, a poesia, enquanto que o processo metonimico é tipico da prosa. Uma confusio muito frequente entre sintagmatica e parole, por um lado, e paradigmatica e langue, de outro, deve ser desfeita. Nem todos os elementos presentes na cadeia sintagmatica sio ele- mentos de parole. Todos nés falamos, também, por sintagmas cris- talizados, isto 6, memorizados globalmente (como os paradigmas) utilizados automaticamente em certos pontos do discurso: bom dia!, como vai?, ora, essa!, nao diga!, pois é!, veja sb!, so conjugados bindrios (sintagmas) nos quais nao se exerce a liberdade combinaté- ria do falante, trago distintivo da parole: tais sintagmas sao, no fundo, formados de estereétipos _paradigmaticos. Por outro lado, a utilizagao de qualquer parte da lingua se sujeita a regras ou pressdes: & medida que se sobe de nivel aumenta a liberdade do falante, que 6 nenhuma no nivel fonolégico. O mi- mero de fonemas de uma lingua é¢ praticamente fixo e nao pode ser alterado por ninguém em particular; uma pequena margem de berdade existe para a composicio de sintagmas vocabulares (pode- 93 mos “inventar” certas palayras, mas nao podemos “inventar” todas as palavras de noysa lingua). A maxima liberdade do falamte 6 a de construir frases, e combind-las para compor textos. Nas combina- ges interfrdsicas, objeto de estudo da Lingilistica do Discurso ou Lingiiistica Transfrasal (cf. 1.11.3.) —. nenhuma regra coage o falante, exceto a da “saturagdo” pregnante do texto: certas formas s6 se saturam (= completam) por certos contetidos, inicos capazes de preenché-las (as catélies). Assim, s6 um nitmero muito pequeno de elementos lingiiisticos pode saturar 0 verbo trepanar, por exemplo. No entanto, quanto empregamos locugdes do tipo pois é!, veja sol, por que ndo dizer, a nossa liberdade de falante é praticamente ine- xistente: a (nica opgao que nos resta é a de falar/nado falar. 2.6. Forma e Substancia Lingiiistica =. il est impossible que Je son, élément matériel, appartienne par lui-méme & la langue. n'est pour elle qu'une chose secondaire, une matiére qu'elle met en ocuvre,” Saussure. 1972. 164 “Autrement dit, la langue est une forme et non une substance.” Saussure, 1972.169 Da afirmagao de Saussure de que “a lingua é uma forma e ndo uma substincia”, Hjelmslev fez © ponto de partida para construir a sua teoria lingiiistica, conhecida como Glossematica. © sistema dos significantes forma, para Hjelmslev, 0 plano de expresso (PE) das linguas naturais, ¢ 0 sistema dos significados forma o seu plano do conteido (PC): “... uma das definigdes possiveis (e até mesmo, conforme pensamos, a mais fundamental) de uma Iingua, na acepgio ja como uma forma saussuriana do termo, 6 a que consiste em defini especifica organizada entre duas substincias: a do conteiido e a da expresso...” (Hjelmslev, 1971a, 44) Dai que o PE e o PC possam ser concebidos em fungao de dois strata que se opdem, no interior do qual se explicita a dicotomia “forma/substancia” (cf. Fig. 15): 94 Puno: Substancia do Contetido — (SC) po Coxtetvo | Forma do Conteido — (FC) SIGNO PLaxo Forma da Expressio — (FE) DA ExpressAo | Substancia da Expressio — (SE) Fic. 15 — O Signo Lingiiistico ‘A lingua cria formas a partir de duas substancias amorfas, o designatum e o som, que ela retine, combina e formaliza como signos (Domerc, 1969, 102-103). A lingua prende numa rede de relagdes internas essas duas substancias e como que as imaterializa para que elas possam participar de um sistema abstrato; é nesse sentido que as duas partes do signo — o significante e o significado — sio psiquicas, na terminologia de Saussure. Desse modo, as subst&ncias lingiifsticas sfio meros veiculos aos quais se imprime uma _ estrutu- ragao relacional abstrata, peculiar a cada lingua, operando a trans- formagéo da substancia em forma. “Do mesmo modo que um pedaco de argila pode ser moldado em objetos de forma e dimen- sdes diferentes, a substancia — meio no qual se fazem as distingdes e as equivaléncias semAnticas —, pode ser organizada em formas diferentes, em diferentes linguas” (Lyons, 1970.45). Assim, em- bora a substancia do conteido e a substdncia da expressdo sejam praticamente as mesmas para todas as linguas naturais, a forma do conteiido ea forma da expresséo diferem de lingua para lingua. Certas combinagées fonoldgicas, morfolégicas, sintaticas, podem ser admitidas por certas linguas, sendo vetadas por outras; pense-se na combinatéria CCCVCC que é padrao silabico em russo (cf. strast, “pavor”) mas que inexiste em portugués; na ordenagao sin- tagmatica N + Art, normal em rumeno (lupul, “o lobo”), disfun- cional em portugués; na forma tnica do (fr.) “singe”, traduzivel (3°) como ape ou monkey, em inglés, e como “macaco”’, “mico™, “mono”. “sagiii’, “bugio”, etc., em portugués. (30) contetido através de equivaléncias postuladas entre codigos formais. No tanto, a lingua nao € um mero veiculo, uma mera mediadora entre substan- cias cognitivas; as regras que mantém a coesio do sistema nao se aplicam uma yinica vez sobre substancias inertes, Assim, a lingua nao se limita a traduzir pensamentos, ela os cria, através da aplicagio reiterada das regras. traduzem-se as substéncias do en- fos. processos de transcodificagao, 95 Na transcodificagéo do (fr.) singe, para o (ing.) monkey / ape, ou para o (port.) macaco / mico / mono ..., as substancias da expressao e do contetido sao praticamente equivalentes, mas nao sao idénticas: elas nao se correspondem ponto por ponto,*como veremos a seguir; ja as diferentes formas da expressio e do contetido envol- vidas, sao grandemente diferentes. No que se refere A expressiio, a seqiiéncia francesa-in/@/ ine- xiste em portugués (nosso idioma nio conhece vogais nasais abertas), e também njo se correspondem, foneticamente, 0 vocalismo inglés € 0 vocalismo portugués. No que se refere ao contetido, lembremo- -nos de que os significados formam redes internas de oposigdes den- tro de cada lingua (cf. 1.4.):“a estrutura semantica de qualquer sistema de palavras de um vocabuldrio dado é formada pela rede de oposigGes semAnticas que enlagam entre si as palavras do sistema em questio” (Lyons, 1970.47). Comparando (esp.) no hace calor ] (fr.) il ne fait pas chaud} = (port.) “nao faz calor” (al.) es ist nicht warm Alarcos Llorach (1969.19-20) nota que, embora todas essas frases tenham o mesmo designatum, 0 mesmo “sentido”, esse sentido amor- fo esta realizado de forma diferente nessas linguas. O espanhol nao possui 0 sujeito indefinido que aparece nas frases do francés (il) e do alemao (es), e ainda que ele traduza por um inico elemento (no) a mesma idéia de negacdo que o alemao também traduz com uma sé palavra (nicht), a colocag’o dessas duas particulas no eixo sin- tagmatico difere de uma para outra lingua (em espanhol a nega- gao antepde-se ao verbo, em alemdo ela se pospde). Por outro lado, a negagao é dada por um unico morfema continuo, tanto em espa- nhol, quanto em alemao; mas ela é dada por dois morfemas discon- tinuos, na lingua francesa (ne...pas), 0 primeiro dos quais precede o verbo, vindo o segundo depois do verbo. Essa diferente combinagéo sintagmatica aliada 4 diferente associag&o desses elementos dentro de classes paradigmaticas particulares, que nao se correspondem, nas diferentes linguas, é que constitui a forma peculiar de cada cédigo lingitistico. 3. FONETICA E FONOLOGIA A Fonética estuda a substancia do plano da expressao das lin- guas naturais; A Fonologia (ou Fonémica) estuda a forma do plano da expresso. O termo “Fonética” é aplicado desde o século XIX para designar o estudo dos sons da voz humana, examinando as suas propriedades fisicas independentemente do “seu papel lingiiistico de construir as formas da lingua” (Borba, 1970, 163). J& os fundamentos da Fono- logia (ou Fonémica, como preferem dizer os anglo-saxdes) se esta- beleceram a partir do segundo decénio do século XX, na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte. Na Europa, a partir do Circulo Lingiiistico de Praga (34) e nos Estados Unidos, a partir da obra de Leonard Bloomfield e Edward Sapir, que trabalharam separa- damente. “Em contraste com a Fonética, que é uma ciéncia da na- tureza e diz respeito aos sons da voz humana — diz Trubetzkoj — a Fonologia tem por objeto os fonemas ... das linguas humanas.” Por isso, Dinneen (1970, 43) afirma que hd trés modos principais de descrever os sons lingitisticos; um som pode ser descrito sob o ponto de vista: (a) da sua composigio; (b) da sua distribuicéo; (c) da sua fungio. A Fonética trata do primeiro ponto de vista (a), ao passo que a Fonologia trata dos dois outros, (b) e (c). (31) O CLP foi fundado por V. Mathesius, B. Havranek, J. Muka- tovski e B. Trnka em 1926, aos quais se juntam, como principais mentores da Fonologia, S. Karéevsky, R. Jakobson e N. S, Trubetzkoj (e, mais tarde, o holandés W. de Groot, o alemio K. Biihler, os franceses J. Vendryés, A. Martinet e E. Benveniste, além do iugoslavo A. Belic). 97 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. (c2) Fonemas Laterais (*1) — Sao resultantes do bloqueamen- to parcial da corrente de ar, que se escoa pelos lados da lingua. So fonemas (liquidos) laterais, em portugués, /\/ e /&/ (este Ultimo representado, na escrita, pelo di- grafo lh (cf. /‘aku/, “alho’’). (d) Fonemas nasais (#) — Resultam da passagem de parte da corrente de ar para as fossas nasais, que atuam, con- dreas do pais, 0 /i/ se produz ora como um fonema aspirado (‘‘correu” pronunciado [kothew]), ora como um fonema espirante dorsovelar, & se- melhanga no j espanhol, de /“kojo/ cojo, “coxo” (ef. “correu” pronunciado [ko'xew]). f evidente que o que nos impede de classificar /7/, quer como aspirada, quer como espirante, € 0 fato de tal tipo de fonemas nao ser constante no cédigo fonolégico do portugués. (41) Os fonemas liquidos (isto é, vibrantes e laterais) n@o sdo pura- mente consonanticos, Sua melhor classificacao parece ser a de fonemas complexos (simultaneamente consonénticos e vocdlicos), j& que cles parti- cipam da natureza das consoantes e das vogais (cf. Arcaini, 1972, 83, nota 3; e Jakobson, 1963, 128; este Ultimo diz: “As vogais séo vocalicas ¢ nao- -consonanticas; as consoantes sio consonanticas e nao-vocdlicas; as liquidas sdo vocdlicas e consondnticas...”). Esse ponto de vista explica por que as laterais apico-alveolares, /1/ (de /‘mala/ “mala”) e /&/ (de /‘maka/ “malha”, por ex.), em final de silaba e na posiggo pré-vocdlica possuem tendéncia para vocalizar-se, com a perda da articulagao apical, confundindo- se com a semiyogal /w/, “como aconteceu na evolugto do Jatim (alteru (3) Fic. 51 — Anélise Semntica de “Bachelor”, Segundo KF qual, em seu plano de contetido, o marcador semAntico /masculino/, ete. (cf. Katz, 1971, 299). (8) J4, em (4) temos um conjunto de restrigdes para as ocorréncias da palavra em questo (“diferenciadores”, — distinguishers). Os di- ferenciadores sio marcadores seménticos especificos de cada item léxico. A combinatéria da categoria com os diferenciadores permite de- sambigiiizar frases do tipo (88) A explicagio de Katz autoriza-nos a assimilar o conceito de marcador semantico categorial a0 conceito de claisema, segundo Pottier. 301 13. The old bachelor finally died (“o velho ... finalmente morreu”) porque a marca categorial (adulto) do sentido 1 jd esta contida em old “yelho”, sendo 0 sentido 2 dotado da marca categorial (jovem), incompativel com o elemento old “velho” da frase 13. Em (5), finalmente, temos o nivel das restrigdes seletivas, aptas para desambigitizar os quatro sentidos possiveis da entrada léxica bachelor. Ja vimos que a ambigitidade semintica aparece nos casos de homonimia, quando uma estrutura subjacente contém uma_palavra com dois ou mais sentidos. Mas 0 significado de outros elementos da construgao pode desambigiiizar os sentidos que ali se contrapdem. 14. Agora nao ha escola é uma frase ambigua porque “escola” tem ao menos dois sentidos: 0 de “aulas” ¢ o de “edificio”. Mas 15. A escola se incendiou nfo é uma frase semanticamente ambigua porque o verbo-predicado incendiar-se s6 pode ser saturado por um nome-sujeito que contenha em si o marcador /objeto fisico/. Esta selegio de um sentido com exclusio de outros se faz pelo componente semantico que ali exerce restrigdes seletivas. Tais restrigdes permitem as leituras isoladas de cada palavra combinarem-se entre si para coerentizar o “sentido” da frase. © mecanismo que atualiza as restrigées seletivas de modo a diluir, na leitura do sentido da frase, as ambigiiidades apresentadas pela leitura do sentido das palavras, constitui o componente regras de projecao. 6.3.7.2. O Componente Regras de Projegao As regras de projec3o dao conta das relagées semAnticas entre os morfemas e da interacgao entre a significagao e a estrutura sintatica, determinando a interpretag3o correta de todas as frases que a gra- matica engendra e que séo em mimero infinito. Imaginemos uma frase composta das “palavras” A + B + G. O diciondrio da dois sentidos para A, trés para B e trés para C. Mul- tiplicando 2 x 3 x 3, calculamos que a frase deveria ser ambigua em dezoito diferentes modos. Acontece, no entanto, que a frase sera ambigua em apenas trés modos. A fungio principal das regras de projegao é a de encarregar-se da redugdo das dezoito ambigiiidades 302 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. O amarelo significa ora n@o-proibigdo (3,) —- quando vem apés o ver- de, isto é, quando se situa na déixis 1 —, ora ndo-ordem (8,) — quando vem apés o vermelho, ou seja, quando se situa na déxis 2, € por isso pode ser totalizado, como ndo-proibigdo + ndo-ordem si- multaneamente (5, + ,), isto é, neutro (quando funciona sozinho). Esse modelo propde, como se vé, os principios basicos de uma semidtica gerativa, no sentido dedutivo, pois ele passa do simples ao complexo, e no seu interior a criatividade se situa como algo oposto a0 histérico, j4 que tal criatividade pode ser concebida como opera- gdes de conjungio / disjuncio, operadas por’ um sujeito transformador. Assim, Greimas nao tenta descrever a criatividade nos mesmos ter- mos em que Chomsky a coloca: a criatividade, para Greimas, nio pode ser confundida com aquilo que é anterior & manifestagio da linguagem, com aquilo que é de ordem psicolégica: ela deriva, apenas, das pressdes exercidas por coagoes semidticas e pode, assim, ser descrita no interior do quadrado. 6.4.9. A SemAntica pas Lincuas Narurais, SEGUNDO GREIMAS Em diferentes passagens de suas obras (Sémantique Struturale e Du Sens), Greimas retorna 4 consideracgéo da estrutura elementar, 8; — S,, para descrever os modos pelos quais o sentido emerge, nos usos metalingiiisticos das linguas naturais. A totalidade S articula-se em s, e s,, como vimos: esses semas constituem, assim, suas partes constituintes. Do ponto de vista da pressuposigao Iégica e da orientagdo, temos as seguintes relacdes: (a) partindo dos semas s,, s,, para o todo, S = relagdo hipo- nimica; (b) partindo do todo, S, para os semas s,, ou s, = relagdo hipe- _ ronimica; (c) partindo de um sema (s, ou s,) para o sema contrario (s, ou s,), pertencentes, ambos, & categoria. § — relagéo an- tonimica. E no ato concreto da comunicagao, na instdéncia da manifestagao lingiiistica, que o significante se encontra com o significado. Mas esse encontro ndo é o encontro de duas unidades isomérficas: as uni- dades dos dois planos, os femas, e os semas, os fonemas e os morfemas; ndo sao eqiiidimensionais. Assim, em baixa e faixa, por exemplo, nao temos uma estrutura de significagaéo, temos, apenas, uma estrutura 322 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Mas o lexema é, também, um lugar de encontro histérico: o lexe- ma é da ordem do acontecimento (ele pertence 4 parole) e, por isso, esté submetido 4 histéria e 4 cultura. No célebre exemplo fornecido por Lévi-Strauss (in Le Cru et le Cuit), temos: cru vs cozido ew oo fresco podre animal vegetal animal vegetal (onga) (veado) (urubu) ——_(tartaruga) O consumidor da combinatéria formada por “cru + “fresco” + “animal” consome, por assim dizer, em qualquer parte do mundo, o mesmo semema; mas esse mesmo semema se interpreta, fonologica- mente, de modo muito diferente (ora como onga ou jaguar, ora como tigre ou ledo, etc.), dependendo, a interpretacio fonolégica desse se- mema, do investimento semAntico, nas diferentes linguas, dos contex- tos miticos, sociais, econdmicos; culturais, numa palavra (cf. Pefuela Cajtizal, 1972. 47). Se passamos para o caso das narrativas, as estruturas lexcméaticas fixam um nivel da isotopia discursiva (instancia da manifestagio), ao passo que a interpretacio dos semas fixam a isotopia do cédigo dessa narrativa. No primeiro nivel de andlise, onga é diferente de ledo, ou de tigre, na medida mesma em que esses diferentes lexemas actoriais prendem-se a acontecimentos culturais distintos historica- mente; ao nivel da isotopia do cédigo sememiatico, no entanto, esses diferentes atores dcixam-se descrever como manifestagdes de um Unico actante, pois sao, todos, o produto da combinatéria (/consu- midor/ + /do cru/ + /fresco/ + /animal/). Foi essa busca de in- variantes limitadas dentro da variabilidade ilimitada das realizagdes narrativas cm particular que permitiu a Propp estabelecer o sentido das lexemas-atores da narrativa popular russa, através do isolamento, neles, dos invariantes qualificacionais (0 que Propp chama de atri- butos), ¢ dos invariantes funcionais (o que Propp chama de fungées). Como efeitos-de-sentido unificado, os sememas recebem uma interpretagdo fonolégica de diferentes dimensGes j4 que os semas podem se situar no interior de unidades de comunicacgo maiores ou menores: 326 lexema > paralexema ~ sintagma “damasco” “hatata inglesa” “pao de centeio” apresentam diferentes graus de amdlgama, devidos As condigées hi toricas, mas as relagGes intersémicas no interior dessas unidades de diferentes dimensdes sio de natureza idéntica e podem ser tratadas da mesma maneira, 6.4.10. O Semema 6.4,10.1. Nicleo Sémico 6.4.10.2. Semas Contextuais © semema é 0 lugar (virtual) de encontro de semas hierarqui- zados, provenientes de diferentes sistemas sémicos. Ha dois modos hasicos de definigio do. semema. (a) podemos partir do sema, como j fizemos (6.4.9.) ao esti dar o sistema sémico da espacialidade ; (b) podemos partir do lexema, isto é, da unidade lingiiistica mediante a qual os sememas se manifestam, na instancia da parole. ‘Trata-se, agora. de estudar o semema a partir do processo (b). Seja o lexema (fr.) téte “cabega Supondo que um diciondrio defina tal lexema dentro do cédigo (cédigo lexical, evidentemente), vejamos a definigio de téte forneci da pelo Littré: “parte (do corpo) ... unida ao corpo pelo pescogo ... Dessa definigaéo derivam todos os sentidos figurados que a pa- lavra cabega assume nos diferentes contextos em que possa aparecer. Sempre de acordo com Littré o lexema cabega designa: (4) a parte recoberta pela pele e pelos cabelos, ou, entao, (b) unicamente a parte dssea. No primeiro caso (a), téte designa: ~— a parte recoberta pelos cabelos: la téte nue “com a cabeca descoberta”, “sem chapéu”; téte de fou ne blanchit pas “cabegas airadas nao encanecem”™ 327 - ou a parte nao coberta pelos cabelos (0 rosto) : faire une téte de circonstance “fazer uma cara de sexta-feira” tu en fais une téte “que cara!” (— vocé est’ com uma cara de quem comeu e nao gostou) No segundo caso, (b), féte designa a parte dssea: fendre la téte @ quelqu’un “quebrar a cabega de alguém” se casser la téte “quebrar(-se) a cabeca”, etc. Pelo fato de designar uma parte do corpo, a palavra téte pode, igualmente, por um proceso de translacio metonimica, referir-se ao corpo com um todo: (a) tomando um organismo como unidade discreta: ce troupeau est composé de cent tétes “este rebanho se compée de cem_ cabecas” vous aurez a payer tant par téte “pagaras tanto por cabega” (b) designando ser vive (ou vida) ; mettre la téte de quelqu'un a prix “por a prego a cabeca de alguém” il paya de sa téte “ele o pagou com a sua prépria cabega” (€) designando uma pessoa humana: une téte couronnée “uma cabeca coroada”, ete. Se, situado em diferentes contextos, 0 lexema téte possui uma constelagao de sentidos diferentes, ¢ porque existe uma correlacao entre as variagdes do contexto e as variagées do sentido de téte. De qualquer forma. qualquer que seja a diferenca perceptivel em relagio ao sentido contextualizado, é evidente que parte do sentido de “téte permanece invaridvel através de todas as frases, pois, de outro modo, nao caberia usar o lexema téte nesses contextos. A esse contetido positivo invaridvel de um lexema (semema), Greimas chama de niicleo sémico (Ns) De outro lado, sendo 0 nicleo sémico um subconjunto de semas invariantes, as variagées de “sentido” que observamos nos exemplos de frases integradas por téte 36 podem provir do contexto; em outras palavras, 0 contexto deve comportar semas varidveis respon- sAveis pelas mudangas do sentido holofrastico. Essas_varidveis sémi- cas constituem, por isso, semas contextuais (Cs). 328 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. FUNDAMENTOS DA LINGUISTICA CONTEMPORANEA Edward Lopes Este é, sem favor, o mais completo e sistemdtico manual de Lingiiistica ja publicado no Brasil. Nele, seu autor, que é docente dessa disciplina em diversas Faculdades do Estado de Sio Paulo, pés o melhor de sua experiéncia pedagdgica e do seu conhecimento da mais categorizada bibliografia de Lingiiis- fica, Semiologia, Comunicagao e dreas correlatas, para oferecer ao estudante um texto introdutério, a um s6 tempo minucioso, claro e conciso, acerca da ciéncia do signo verbal. Ao longo das seis partes do volume, cada uma delas dividida em nume- rosos subtitulos que orientam a leitura e facilitam a pronta loca- lizagéo de qualquer tépico espectfico, estuda o Prof. Edward Lopes as bases, os métodos e os conceitos bdsicos da Lingiiistica moderna. Comeca por definir-lhe primeiramente o campo disci- plinar e por examinar em pormenor a contribuigao capital de Ferdinand de Saussure para, em seguida, demorar-se no estudo da Fonética e da Fonologia, da Morfologia, das modalidades de Gramitica, e da Seméantica. 315-2171 ill] 601743) EDITORA .CULTRIX iil 9

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