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Mídia e Cotidiano

A fenomenologia da mídia
E o cântico de Susan Boyle
Wellington Pereira.

As palavras fenomenologia e espetáculo encerram uma dos


maiores conflitos metodológicos herdados do século XX com implicações
metodológicas para leitura das mídias.
O espetáculo, como afirma Guy Debord, em seu livro,
Sociedade do espetáculo, é um modo de produção que corresponde à mediação
social entre os seres humanos através da comercialização de imagens.
Para “sustentar” as audiências no comércio de realidades, as
“fábricas de espetáculos” produzem imagens numa velocidade ímpar – sem nexos
cognitivos – renovando sensações a partir de uma demanda do ver criada pela
transformação do real em simulacro e do simulacro em real.
A grande dificuldade nas sociedades pós-modernas é
diferenciar, nos meios de comunicação, o simulacro da realidade. Nesse exercício
árduo, ao contrário do que escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, a luta
vã na construção na interpretação dos fenômenos sociais se dá contra o
falseamento das imagens, ou seja: não conhecemos a origem daquilo que se mostra.
O espetáculo cria a obsolescência imediata de homens e objetos,
mas também uma “fome” desteritorializada do consumo de imagens construídas
com os “restos da história”, “as sobras antropológicas” de diversos povos, a
fisionomia das metrópoles urbanas, as injunções éticas do cotidiano promovidas
pelos estados. Tudo sintetizado na alimentação das possibilidades de consumo.
No espetáculo, as imagens da vida não se renovam. Elas
recebem outras camadas de cal para esconder os sentidos.
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A Fenomenologia – enquanto escola filosófica – pode nos


ajudar a diminuir essa distância entre o que se vive e a produção dos simulacros da
vida.
Ao contrário do espetáculo, a fenomenologia procura entender
os sentidos dos fatos, deixando que os fenômenos se apresentem sem a moldura da
razão.
Os estudos da Fenomenologia da Comunicação têm como
principal objetivo entender o que significam os fenômenos surgidos
“abruptamente” no cotidiano, ou seja: tudo que se apresenta tem um logos, um
discurso, um sentido próprio em relação aos seres humanos, às coisas e à vida em
comunidade.
O grande problema é que, no discurso midiático, a imagem do
ser humano está dissociada da sua vida. Isso faz com que as técnicas do espetáculo
escondam as heranças antropológicas dos atos humanos.
Na cultura do espetáculo, o ser humano é estranho a outro ser
humano quando não estão inseridos no mesmo processo de “trocas” de imagens,
principalmente, em relação à corporeidade.
A interpretação fenomenológica pode melhorar a compreensão
desta perda do sentido da alteridade – do reconhecimento do outro –. Isso foi
negado no momento da apresentação de Susan Boyle no Britain’s Got Talent – a
versão britânica do Ídolos.
Susan Boyle uma mulher de mais de quarenta anos, que nunca
foi beijada, casada(até a exibição de seu vídeo no Youtube) – demonstrou ser a
imagem das pessoas, e não as pessoas, a principal mercadoria da indústria
midiática.
O silêncio e a hipocrisia dos jurados tinham como principal
signo em julgamento o corpo de Susan Boyle: a aparência física. Portanto, havia
uma avaliação sentenciosa contra a forma.
Susan Boyle balançou o corpo e disse ser ele apenas uma parte
do eu. Nesse momento, soltou a voz.
A platéia procurava entender como um corpo – considerado
feio para os padrões ocidentais – produzia uma voz cristalina e bela.
Os aplausos, as declarações de espanto dos jurados, -
demonstraram ser a leitura das imagens – do corpo humano – um dos desafios aos
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pesquisadores da mídia – a partir da Fenomenologia – para descobrir aquilo que


se encontra no fundo das aparências, como nos ensina o sociólogo francês Michel
Maffesoli.

Leituras indicadas:
BELLO, Ângela Ales – Introdução à Fenomenologia –
Bauru(SP): Edusc, 2006.
DEBORD, Guy – A sociedade do espetáculo. Rio de janeiro:
Contraponto, 1997.
MAFFESOLI, Michel – No fundo das aparências –
Petrópolis(RJ): Vozes, 1996.

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