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|| inzZzZ==DlUlUlllC OT || Estudo sobre Minha Formacao, de Joaquim Nabuco: Subjetividade e Pensamento Politico’ ‘MaxIMILIANO VIEIRA FRANCO DE Gopoy™ Resumo Este artigo oferece uma leitura da obra Misha Formagao de Joaquim Nabuco em que se pretendeu destacar: (2) o registro apolineo dessa narrativa autobiografica; (b) as correlagées entre, de um lado, 0 Aiscurso do autor sobre asidéias politicas de liberdade e derespeito 3 tradigio, ¢, de outro lado, sua visio sobre a pr6pria trajetoria politica; (©) aimbricagio entre o referido discurso e as concepgbes estéticas, morais erelighosas captadasno processo de construcio da subjetividade caujo suporte fisico é a obra em anilise; e (d) a solugio reformista ou liberal-democritica para a dialética politica do universal e do particular, a qual éuma tentativa, pelo Nabucomaduro, de aprimorar ‘os projetos de sua juventude. Palavras-chave: Joaquim Nabuco; construgio da subjetividade; pensamento politico “rate de ums versio ligtiramente modifica « reducide de trabalho prodicide tno imbite de curse “Subjetvidade Paitca em Josguim Nabucs”, minisrada pelo prof Ricardo Bencequen de Araujo no segundo semestre de 2005, na IUPER) “Meee rm Saciologis (IUPERJ}, bacharel em Cincas Socini (UFR), bacharel em Directo (UER}) e advogado. Emil: mvt goder@ gmail com, érumdos Alunos deTUPERJ 117 + O presente artigo, como diz o titulo, um estudo que enfoca Minha Formagao, de Joaquim Nabuco, sob os angulos da construgio da subjetividade e do pensamento sobre a politica. Os princpais topicos a partir dos quais se desenvolve a argumentacio sio os seguintes: a caracteristica apolinea de seu relato autobiografico, 0 Iugar, no mesmo, da oposigio agitagio-repouso, as afinidades, no testo, entre liberdade e respeito 4 ordem, a intersecio da relig'ao com a politica, e, nesses dois campos, os temas da heranca e da reversio. Na conclusio sera enfatizada a relagio menconada entre lberdade erempeito astradigbes, Ressalte-se que nosmotivouna tarefa nio s6 0 que ela oferecia para a melhor compreensio de um periodo hhistérico cxtico da formagio ideolgica, institucional e socal danagio, para a contemplacio do primor estilistico e intelectual dessa época, ‘oupara o exer cicio interpretative sobre um texto com estas qualidades, ‘mas, também, um interesse justificivel de perscrutar a trajetoria pessoal deum dospais da reflexio social e politica brasileira, contada pelo proprio. Da fortuna aritica de Minha Formagao se pode extrair um juizo consensual no quetoca 20 carter excelso desta obra “emimportinda sociolégica, em interesse humano, em graga literaria”, como o diz Gilberto Freyre (1998:21), atribuindo-Ihe as virtudes que seretinem em “tio poucos grandeslivros”, Seno éuma obrapioneira doregstro autobiograficono Brasil (Aratijo, 2004), pelomenosa que lhe conferiu maior projegio (Carvalho, 2002). Maria Alice R. de Carvalho afirma que, a despeito de sua qualificagio literaria, Minha Formagao mais “uma pega de persuasio politica” do que a expressio de uma subjetividade. Um dos pontos de nossa contribuicio ser, em sentido contrario, enfatizar que a centralidade do tema politico (e de um programa de recuperacio da consciénda piiblica da nagio) esta subscrita 20 modo peculiar com que o autor descreve sua formagio subjetiva. Em outras palavras, dirigimos a andlise para a correlagio entre as caracteristicas desse relato autobiografico e o projeto politico em que ele se inscreve. 118 Cadernor de Sociologia «Politics || inzZzZ==DlUlUlllC OT || Sobre o ponto da subjetividade, pode-se iniar ressaltando que hi, em Misha Formagao, uma narrativa autobiografica em ritmo apolineo, quenio se deixa perturbar pelo cotidiano e pela trivialidade (Freyre, 1998) — ou seja, pelo contetido da maior parte da existéncia intima ‘ou privada do autor. Diz Nabuco (1998:29), em seu preficio, que “de nada serve recolher o despojo dos deslumbramentos da vida”, j& alertando, neste sentido, para o plano inferior em que, na obra, se situam os entusiasmos dionisiacos do cotidiano. Na interpretagio de Freyre (1998), o tom geral de Minha Formagao 40 do escritor cuja satisfacio de contemplar a si mesmo exige do testo uma economia austera de notas casuais, dos pormenores que poderiam revelar as fraglidades do biografado. E excecio a evocacio dainfinda em Magangana, um capitulo transciito de outro livro “de carater maisintimo” (Nabuco, 1998:179), qual seja, 0 Foi Voulue, ou Minha Fé. © comentarista também desvela 0 modo como a vocasio politica hherdada, denatureza “apolineamente patricia”, deu vez, na juventude de Nabuco, as atividades inflamadas e dionisiacas de um “reformador social” que, no conjunto da narrativa, restou bastante ofuscado. Com feito, o autobidgrafo per cebe seu comportamento de jovem homem piiblico, inconformado com osinteresses aristocraticos da elite a que pertendia, como um elemento de “deformacio”—isto é, mencionado apenas para fins de contraste com etapas ulteriores de efetivo desenvolvimento da personalidade. Todavia, amanutenciointencional desse largo ponto cbscuro (0 combate ardente pelo reformismo) nao implica necessariamente um sentimento de repiidio 20 jovem. “democrata” e apologista pioneiro da “gente do trabalho”, na frase de Freyre. Viremos a reiterar esse argumento abaixo, Contudo, hé quem contraponha o Nabuco “liberal avangado” da campanha abolicionista, preocupado, por exemplo, com omodo como a escravidio havia despojado o pais de povo — e tanto mais de um povo capaz do governo de si -, em face do Nabuco “liberal conservador” dos primeiros anos da Repiiblica, quandorompe coma atividade politica e se transforma em “ummonarquista ortodoxo [..] Férumdos Alunoe deTUPER) 119 + _|| = | dedicado a remoer e embelezar o passado” (Nogueira, 2002:172- 173; 189). (Osprimeiros anos da Repiiblica coincidem com os anos deretraimento «em que Nabuco escreve Minha Formacao, de 1893 2 1899, logo apés ter escrito olivro de sua “reversio religiosa”, Foi Voulue, e20mesmo tempo em que escrevia a Vida de seu pai, que é como serrefere 4 obra derigorosa pesquisa histérica Um Estadista do Império. Isto posto, 2 intengio primaria de recapitular sua “formagio monérquica” (0 que, note-se, com a redagio completa da obra se revelaria constituir sua camada mais superficial) condiz perfeitamente com a hipétese de um intento simultineo de buscar, pela via original das reminiscéncias de impressoes intelectuais ¢ estéticas que influenciaram o desenvolvimento de sua personalidade, a fmdamentagio da posigio «aitica que vinha adotando comrespeito ao republicanismo trimnfante, Nao @ sem razio que Rezende de Carvalho se refere a0 “mais contundente relato do sentimento de crise que acometeu as elites imperiais no contexto republicano e a mais vigorosa defesa de um. futuro pautado pela tradicio brasileira” (2002:223). Contudo, da ‘mesma maneira que nao cabe questionar se é do sentimento de cise deuma dlite derrotada que surge o argumento conservader, ou se € 0 pendor tradicionalista que gera aquele sentimento, também ser infrutifero persistir com a dtivida de se 0 Nabuco dos anos de 1890 tem em perspectiva uma reinvengio planejada de si, ou se est buscando um retrato auténtico de sua “Yormacio”. Certamente faz ambos, endo ha vartagens em reduzir a andlise a uma querela entre hhaver um autor-ator conspirador ou um autor-espectador neutro de i. De todo modo, nio é isso 0 que acontece nos comentarios de Rezende de Carvalho, nem de Nogueira. Feito este paréntese, passamos 4 proposta inicial de buscar nas peculiaridades dorrelato de Nabuco quanto a sua formagio (em seus aspectos politico, estético, humano e religioso) ~ contenha essa narrativa maior ou menor medida de reinvengio de se seja ela o produto mais ou menos direto de uma conjuntura politica -, os elementos para a compreensio sobre sua trajetéria como ator politico e sobre asidéias politicas af implicadas. 120 Cadetnos de Sociologia «Palisa || inzZzZ==DlUlUlllC OT || Para tanto, cumpre recuperar na interpretacio de Freyre (1998) um elemento esclarecedor do entendimento de Minha Formagio como sum exercico seletivo de introspeccio, qual seja: 0 conceito mesmo de “formagio”, que diz respeito a um processo individual de aperfeigoamento gradual e que persiste até o fim da vida. E asim que, na moddade, pode haver tantas contradigées e sucessivos sentimentos exagerados e sem unidade, os quais a maturidade observard com desprezo, mas sabendo que sua formagio ainda deve rosseguir. Apartemaisimp ortante dessa idéia de aperfeigoamento é a associacio estético-moral entre beleza erepouso, por oposigio 3 agitagio confusa que “deforma” o espitito, tanto em sua sensbilidade para as artes e asletras, quanto em sua capacidade de prezar pela dignidade humana ede se apegar a uma estética politica que: (2) se forma pela impressio da “parcela de arte que esta misturada com a Histéria”, e (b) estaino nivel do que poderfamos denominar a politica em sentido moral, acma dapolitica local, das convulsionadaspaixdes de partido (ver Nabuco, 1998: 87; 89-92), Com efeito, apés o momento pessoal de isolamento que se seguitt 3 queda do Império e 4 instalagio malitarista da Reptiblica — esse afastamento da vida publica que lhe permitira dedicar-se 3 “vida interior” sem distragbes—, o autor iria ainda ter nova carreira, depois de escrita Minha Formagao, na politica externa e na diplomadia (j em 1899 defendendo o Brasil na disputa territorial com a Guiana Inglesa). Esse fato nos atrai para a seguinte inflexio interpretativa de Freyre (1998): a agitacio e orepouso trocam de lugar numa dinamica que Nabuco v8 como de evolugio em direcio 20 repouso que é préprio das formas definitivas, mas que é também uma dinimica de antagonismos em equilibrio, de sucessio biogréfica de extremos ‘opostos. Para denotar a importincia dessa op osigio agitacio-repousona cbra, podemos fazer referéncia ao estudo de Aratijo (2004), que é uma investigagio sobre a veleidade do jovem Nabuco e omodo como ela @ superada durante sua estada em Londres, conforme desciito em Minha Formagio. Nesse sentido, tal transformagio nio poderia se érumdos Alunos doTUPER 121 +

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