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Por Uma Ontologia Crítica de Nós Mesmos em Sala de Aula - Do Ensino Como Instituição para Uma Educação Constituidora
Por Uma Ontologia Crítica de Nós Mesmos em Sala de Aula - Do Ensino Como Instituição para Uma Educação Constituidora
Por Uma Ontologia Crítica de Nós Mesmos em Sala de Aula - Do Ensino Como Instituição para Uma Educação Constituidora
Os termos escolhidos por Foucault para definir o que ele entende por atitude
remete-nos a uma experiência humana canalizada por uma escolha voluntária do
pensar e sentir, como também do agir e de se conduzir, de determinada forma. A
escolha desse se conduzir, afinal, poderia nos parecer castradora no sentido de negar à
experiência humana a abertura na possibilidade das ressignificações, ou no mínimo
agiria como um “polarizador da experiência”1. Se assim entendermos, o conceito de
atitude se aproximaria ao de identidade na medida em que a experiência seria filtrada
pelo olhar – pelo modo específico de pensar e sentir –, anteriormente “escolhido” por
um indivíduo pactuante das ideias de dado grupo. Tomemos exemplo num cristão
evangélico-pentecostal que, na maioria dos casos, só enxerga e se relaciona, ou “pensa e
sente”, um candomblecista ou umbandista, sob a égide da representação do
“macumbeiro” que é nutrida em seu imaginário social específico, com todos os
desdobramentos negativos que tal projeção acarreta.
O fato é que Foucault se afasta desse tipo de determinação. A atitude, assim
como ele a concebe no texto, não encerra qualquer ponto de apoio por meio do qual um
julgamento preconceituoso, calcado em estereótipos, pudesse ser defendido de forma
1
Uma analogia com o processo de polarização da luz que, fazendo-a inserir sobre o polarizador,
permite a passagem de apenas uma frequência específica.
dogmática. É uma atitude que predica outra ontologia, uma ontologia crítica de nós
mesmos que já encontra suas possibilidades seminalmente lançadas no texto de Kant.
Mas continuemos na leitura de Foucault para entendermos como ele desenvolve e
propõe tal perspectiva.
Buscando caracterizar a atitude de modernidade, ele toma como exemplo
Baudelaire (1821-1867), poeta e teórico das artes francês. Baudelaire, considerado uma
das consciências mais agudas da modernidade do século XIX, definiu a modernidade
como “o transitório, o fugidio, o contingente” (Foucault, 1984). Entretanto, foi
exatamente nesse cenário fluído, no qual temporalidades e espacialidades pareciam
tramar a dissolução do ser pelo inexorável movimento do tempo que se afunila em
direção à morte; enquanto o espaço se desdobrava continuamente, por intermédio da
velocidade da máquina, numa multiplicidade de locais impassíveis à presença que,
agora, são vivenciados como lugares de constante ausência; foi na desolação da
ampulheta que não pode ser invertida que Baudelaire, já por um ato de “heroísmo”,
entende e propõe que
2
“A indolência da razão criticada neste ensaio ocorre em quatro formas diferentes: a razão
impotente, aquela que não se exerce porque pensa que nada pode fazer contra uma necessidade
concebida como exterior a ela própria; a razão arrogante, que não sente necessidade de exercer-
se porque se imagina incondicionalmente livre e, por conseguinte, livre da necessidade de
demonstrar a sua própria liberdade; a razão metonímica [figura de linguagem aparentada com a
sinédoque, para significar a parte pelo todo], que se reivindica como a única forma de
racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidade ou, se o
faz, fá-lo apenas para as tornar em matéria-prima; e a razão proléptica [técnica narrativa para
significar o conhecimento do futuro no presente], que não se aplica a pensar o futuro, porque
julga que sabe tudo a respeito dele e o concebe como uma superação linear, automática e infinita
do presente. (...) a indolência da razão manifesta-se, entre outras formas, no modo como resiste
à mudança das rotinas, e como transforma interesses hegemónicos em conhecimentos
verdadeiros. Da minha perspectiva, para haver mudanças profundas na estruturação dos
conhecimentos é necessário começar por mudar a razão que preside tanto aos conhecimentos
como à estruturação deles. Em suma, é preciso desafiar a razão indolente”. (Santos, 2004)
Um procedimento capaz de criar uma inteligibilidade mútua entre
experiências possíveis e disponíveis sem destruir a sua identidade (...)
a tradução entre os saberes assume a forma de uma hermenêutica
diatópica3 [que por sua vez] (...) parte da ideia de que todas as culturas
são incompletas e, portanto, podem ser enriquecidas pelo diálogo e
pelo confronto. (Santos, 2004)
E acrescenta:
E ainda,
5
Tais documentos seriam dois: o documento referência do CONAE 2010 – construindo o
sistema nacional articulado de ensino: o plano nacional de educação, diretrizes e estratégias
de ação, acessível por meio do site do Ministério da Educação; e o documento Indagações
sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultura (2007), do Ministério da Educação Básica
e Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental.
uma visão retrógrada do mundo a seus alunos?”, ao que responde o ministro, “Isso
acontece, sim”. A construção da pergunta explicita a convenção social de que à
instituição escolar cabe “passar” determinado saber. E mais, a atual escola brasileira
“passa” uma “visão retrógrada do mundo”. O significado da palavra retrógrado,
segundo o Aurélio, é: contrário ao progresso, que retrocede. Assim sendo, a escola
brasileira seria, em termos amplos, uma instituição para repasse de determinado
conteúdo que deveria fomentar o progresso.
O ministro, em suas primeiras respostas, lança mão de determinadas
palavras que reforçam essa imagem indicando mais alguns elementos. O debate, nas
primeiras três perguntas, gira em torno do caráter “dogmático” dos professores que
“restringe a visão de mundo à de uma velha esquerda”. Não sendo “para esse lado,
afinal, que o mundo caminha”, Haddad sustenta que a sala de aula não é lugar para
promover ideologia. “A obrigação da escola é formar pessoas autônomas – capazes,
enfim, de compreender de modo abrangente o mundo em que vivem”.
Sobre o sistema de escolha dos livros didáticos, entendidos como alinhados
com “esse viés” dogmático, o ministro imputa a culpa aos professores universitários que
acordam “com a visão dogmática que ainda circula em parte do meio acadêmico (...)
reflexo de um modo de pensar próprio de uma parcela da intelectualidade brasileira,
em todos os níveis”. O argumento expiatório utilizado para resguardar o sistema de
escolha empregado pelo MEC: “Não inventamos essa fórmula. A avaliação de
trabalhos acadêmicos feita por pares funciona em vários países desenvolvidos – e aliás
muito bem”.
As próximas três perguntas versam sobre o problemático posicionamento do
Brasil nos últimos lugares dos rankings de avaliação da qualidade de ensino. A culpa
seria das abordagens antiquadas dos conteúdos, “Parece-me que ninguém até este
momento parou para estudar alguns dos capítulos cruciais da história recente da
humanidade sob uma perspectiva contemporânea”. Outro fator é o “claro déficit de
pessoal realmente capacitado para ensinar as crianças”. Apesar de mencionar uma
defasagem no trato de conteúdos referentes às ciências humanas, quando inquirido da
real dimensão do problema, Haddad afirma que é na área das ciências exatas que
encontraremos um “desanimador cenário”, pois não existem suficientes professores
formados para que as demandas sejam supridas. Por meio da criação de incentivos,
como distribuição de novas bolsas de iniciação científica, e do mais “que dobrar o
número de escolas técnicas de nível superior no país” – “Com cursos de duração mais
curta e direcionados para o mercado de trabalho” –, Haddad espera reverter este
quadro. Mesmo porque, segundo um trabalho divulgado pela OCDE e citado pelo
ministro, “os países do Primeiro Mundo formam todo ano duas vezes mais jovens em
áreas de ciências do que o Brasil”, um indicador que “mostra que nos distanciamos
ainda mais do Primeiro Mundo”.
O conteúdo da sétima pergunta vale a pena ser citado na íntegra:
Veja – Por que, então, o Brasil ainda está tão atrás dos outros nos
rankings de inovação tecnológica?
Três pontos para os quais o ministro chama atenção quando inquirido sobre
“o que afinal tem dado mais certo nas escolas brasileiras”, são:
Por fim, não resta dúvida de que o Brasil terá mais chance de sucesso
não só quando as aulas tiverem um nível mais elevado, mas também
quando o dogmatismo deixar de vez as salas de aula. Em Cuba, os
estudantes vão bem nas provas, mas em compensação saem da escola
despreparados para atuar no mundo moderno. O Brasil deve
ambicionar muito mais do que isso. (VEJA, 2007)
“Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas,
só faltava uma coisa--salvar a humanidade.”
Aprende - lê nos olhos, / lê nos olhos – aprende / a ler jornais, aprende: / a verdade pensa / com
tua cabeça. / Faça perguntas sem medo / não te convenças sozinho / mas vejas com teus olhos. /
Se não descobriu por si / na verdade não descobriu. / Confere tudo ponto / por ponto – afinal /
você faz parte de tudo, / também vai no barco, / "aí pagar o pato”, vai / pegar no leme um dia. /
Aponte o dedo, pergunta / que é isso? Como foi / parar aí? Por quê? / Você faz parte de tudo. /
Aprende, não perde nada / das discussões, do silêncio. / Esteja sempre aprendendo / por nós e
por você. / Você não será ouvinte / diante da discussão, / não será cogumelo / de sombras e
bastidores, / não será cenário / para nossa ação. (Bertold Brecht – Precisamos de Você)
Nei Lopes, em Kitábu - o livro do saber e do espírito negro-africanos
(2005), apresenta-nos o relato cosmogônico dos iorubás. Em uma passagem, na qual
Ifá, o Santíssimo Sábio, determina as posições de tudo o que foi criado na escala de
valores do universo, Nei Lopes fornece, baseado em suas pesquisas da ancestralidade
africana, elementos para conceber uma nova imaginação quanto à vergonha. Ele diz que
Ifá determinou sete níveis de diferenciação para os homens. Na posição mediana ele
colocou o homem comum e, logo abaixo do homem comum, Ifá posicionou o néscio, ou
ignorante. Este, por sua vez, “zomba e debocha do que não conhece”.
Zomba e debocha do que não conhece. Esse enunciado pode se referir tanto
ao conteúdo que não é conhecido, alvo das zombarias do néscio, quanto ao homem que
debocha do outro pelo fato de aquele não conhecer aquilo que ele mesmo, o ignorante,
julga saber. Se numa conversa ou em aula, numa palestra ou no dia a dia, em resumo,
em qualquer situação em que se encontre, da mais institucionalizada à mais informal; se
você for inquirido acerca de determinado saber que não possua, não core ao reconhecê-
lo. Antes, aproveite a oportunidade para aprender junto de seu interlocutor. Agora, se
este, por sua vez, lhe rejeitar tal saber ou por deboche e zombaria, ou por sustentar que
aquela situação específica (por institucionalizada que seja) não é “local” para tal
esclarecimento (e realmente não será se você assim acreditá-lo), cremos que
concordamos sobre em quais ombros recairá o embaraço da vergonha.
Aquele que se nega a arrazoar sensatamente em nome das funções sociais
pré-estabelecidas presta não só um desserviço para a humanização dos saberes como
fomenta a hegemonia dos detentores deste mesmo saber e a manutenção das relações
assimétricas de poder. Qualquer pessoa, talvez pior o seja para um doutor – terá ainda
mais razões para se envergonhar –, ao negar compartilhar aquilo que julga saber, dessa
forma, abortando a possibilidade do diálogo sensato, impõe que: a) seu interlocutor se
emudeça, invisibilizando-o; b) seu interlocutor cumpra acriticamente as funções sociais
estabelecidas e, por seus meios, busque posteriormente pelo saber negado, o que aborta
tanto a humanização daquele que nega quanto a humanização daquele que cumpre o
papel socialmente determinado no ato da possibilidade de relação transformada, pela
própria negação do compartilhar, em mecânica social; ou c) seu interlocutor,
dependendo das circunstâncias em que se encontre, seja obrigado a usar de violência
física ou simbólica para alcançar o que quer que seja para a manutenção de sua
existência. Em todos os casos, respondam sensatamente, a quem devemos cobrar uma
postura mais racional e menos incompetente?
A partir dessa reflexão, escrevemos e continuaremos a escrever não
embasados nos títulos que porventura venhamos a adquirir (infelizmente muitos de nós
fomos adestrados a acreditar que apenas mediante a posse de um título determinado
indivíduo está apto para falar e ser ouvido acerca de dado saber em matéria de ciência.
Mas o quanto isso é pernicioso quando falamos em “ciência humana”?), mas, antes,
embasados em nossas experiências que compreendem algo mais do que o somatório das
vivências institucionalizadas em escolas, universidades, igrejas, partidos, família,
amigos... Compreendem, além desta somatória, “um algo mais” que exatamente nos
serve de lastro para este escrito (talvez a arte na/da obra humana irredutível à
reprodutibilidade técnica ou ao próprio regime de verdade do escrito acadêmico
“coerente”). Outra vez, este não é somente um escrito acadêmico.
Então, retomando a questão do texto como O local da Vox – uma das
características marcantes do atual modo de se fazer a “boa pesquisa e apresentação nas
ciências humanas” – se este texto que tens em mãos não aspira sê-lo – nos termos
apresentados –, o que diabos ele aspira? Já lhe diremos. Este texto intenta ser um dos
locais de Evocação. Do verbo latino vocare (Vox, voz), que significa chamar. Vocare,
em latim, quer dizer, “mandar vir alguém ou algo, tirar, requisitar”. O estudo de
algumas palavras em suas antigas significações pode ser surpreendentemente inspirador.
Evocatio era a palavra latina para designar “convocação de soldados”. O prefixo e-
exprime a ideia de “movimento para fora”. Este texto pretende-se um local no qual
você, educador, seja E-vocado – e agora nos dirigimos para além da função de
“professor”. Quem pode ser entendido como “educador”? Deixamos a questão em
aberto. Nós lhe evocamos ao diálogo sensato.
Ao dizer que este texto é uma Evocação, queremos que fique claro também
que nele não encontrarão uma conclusão no sentido de ato plenamente realizado sob um
regime de verdade da escrita. Encontrarão, antes, uma subversão dessa própria divisão.
Não uma luta para reintroduzir o “mundo da escrita” nos mundos-da-vida, mas uma
abordagem – nem pior nem melhor, simplesmente diferente – para encarar o ato da
pesquisa, ponderação e produção de conhecimento a partir do ensaio desse novo êthos
filosófico. Nada de novo, de fato. Apenas um exercício de colocar em prática as ideias
anteriormente apresentadas. E, observem que interessante: a prática dessa ontologia
crítica de nós mesmos, matizada com todas as outras aberturas teóricas apresentadas, e
outras ainda que não nos foi possível mencionar, supera a antiga querela entre “aqueles
que produzem” e “aqueles que põem em prática” as ideias. Como? A experiência, a
vivência, a escrita nesta ontologia crítica traz em seu bojo a abertura para o aprendizado
do próprio educador. Nada novo... Tudo novo!
* 114- No Brasil, a luta pela democratização da educação tem sido uma bandeira
dos movimentos sociais, de longa data. Pode-se identificar em nossa história inúmeros
movimentos, gerados pela sociedade civil, que exigiam (e exigem) a ampliação do atendimento
educacional a parcelas cada vez mais amplas da sociedade. O Estado, de sua parte, vem
atendendo a essas reivindicações de forma muito tímida, longe da universalização esperada.
7
Segundo o próprio livro, “uma espécie de ‘globalização 2.0’” (Sirkin, 2008)
8
Novo eufemismo para “Terceiro Mundo”. Mas é um desenvolvimento rápido para quem?
com inflação de salários e preços, migração de
trabalhadores, baixa taxa de nascimentos, falta de
trabalhadores qualificados e leis antiquadas. O México
depende demasiadamente de renda do petróleo, sofre
com o narcotráfico e tem um sistema educacional fraco.
A economia do Brasil [o que será que pensam de nós os
senhores consultores? Vejamos...] é lenta e seu governo
está cheio de corrupção [que maldade! Chama-se
“jeitinho”... não sejam rudes!]. Em todas as economias
de desenvolvimento rápido, muitas pessoas são pobres,
famintas, desempregadas, insuficientemente instruídas
e doentes. Fora essas questões e algumas outras, as
economias de desenvolvimento rápido estão se saindo
bem [!!!... ah! Para! Vocês acham? A gente fica sem
jeito. São seus olhos...]. E, além disso, as economias
desenvolvidas também tem seus problemas, desde
populações que estão envelhecendo e disparidades de
renda [de fato! É um problemão, um monte de idosos
gordinhos e saudáveis e má distribuição de uma lauta
renda são comparáveis, em termos “problemáticos”, às
aproximadamente 5.000 crianças que morrem de fome
por dia no continente africano], até fraudes
corporativas e consumo excessivo dos recursos
mundiais. Portanto, não argumentamos que a
globalidade será só alegria. Ela será tão frustrante,
caótica, inexplicável [inexplicável? Sei...] e exaustiva
quanto animada, esclarecedora e enriquecedora [agora
fica a pergunta: para quem?] (Sirkin, 2008)
* “Nosso pessoal local geralmente trabalha de 12 a 14 horas por dia. Isso parece
terrível para os nossos concorrentes.” Um gerente americano de uma fábrica de propriedade
americana em Shenzhen disse a James Fallows, o editor da Atlantic: “as pessoas aqui trabalham
com afinco. São jovens. São rápidas. Não tem isso de ‘tenho de ir buscar meus filhos’ que você
ouve nos Estados Unidos.”
Podemos dizer que nesta época dos filósofos e dos teóricos pós-
modernos, nesta época que já é pós-nietzschiana, que é um tempo que
enfrentamos coisas com as quais Nietzsche nem sonhava, que nesse
tempo nós ao menos somos obrigados a encontrar ou a buscar uma
certa coerência conosco mesmos. Uma coerência que talvez não seja
nem uma coerência de quem é o dono da verdade, mas que tem a
segurança de que aquilo que se diz não é maximamente racional, mas
uma espécie de coerência de querer, ao menos, não ser totalmente
contraditório. (Stein, 1996)
Documento do CONAE:
LDB:
9
Remete às primeiras ideias do pensamento behaviorista com Watson.
cartas viciadas à partida. Assim, são criados, dentro de cada sala de
aula, pequenos ghettos, passando estes «outcasts» a serem encarados
como detentores de alguma espécie de deficiência cultural ou genética
que não pode ser corrigida. Este modelo redutor da educação obriga-
nos a questionar o porquê de o insucesso atingir sempre os mesmos
grupos. Romanticamente atribuímos sempre as mesmas razões: falta
de trabalho; falta de interesse; falta de atenção… parece ser preferível
atribuir as culpas ao outro (Apple, 1990), porque os métodos; os
conteúdos e todas as orientações que são pedidas aos docentes, são
escrupulosamente seguidas. Como expõe já João Formosinho (1987),
o currículo uniforme é insensível às características, necessidades e
interesses dos alunos, porque se operacionaliza perante uma amostra
variada, sendo assim, é provável que os alunos com maior diversidade
ao nível dos interesses e aptidões sejam os mais prejudicados.
(Paraskeva, 2006. resenhado por Pereira, 2007)
Concordamos com o artigo 260 do CONAE que diz que articulação entre
justiça social, educação e trabalho (...) precisam ser mais do que uma frase retórica.
Mas como romper esse já tão conhecido modelo que teima em se apresentar como
“realidade coerente”? Poderíamos exercitar nossa imaginação no sentido de conceber o
novo em matéria de currículo escolar? Não só poderíamos (devemos!), como
socializaremos dois exemplos deste exercício de imaginação que comprovam que um
novo modelo escolar é não apenas possível como também deliciosamente desejável.
Os dois modelos aos quais nos referimos são: a Escola da Ponte, instituição
portuguesa, e o Projeto Lumiar, brasileiro. Para terem uma noção rápida, por favor,
acessem:
10
Confiram também:
http://escolalumiar.spaces.live.com/blog/cns!676CFE0DA5A06122!125.entry
?sa=124822349
para definir rumos. Se esperasse por um consenso geral, talvez fosse mais popular, mas
certamente não sairia do lugar”. Podemos tomar sua opinião como um convite para a
superação dessa atual organização institucionalizada do modelo político em Estado-
nação, se este efetivamente não é capaz de garantir os fazeres de uma autêntica
democracia que tem, no infindável debate e discordância, a sua “essência” mesma
(Massey, 2008). Mas uma coisa de cada vez, por mais que acreditemos que realizar essa
escola pretendida nos novos documentos oficiais é o mesmo que já trabalhar na
dissolução deste e de inúmeros outros imaginários.
Este texto é um aviso: nós acreditamos e estamos lutando contra nossa
própria rotina, tentando enxergar nela as “linhas de indução hegemônicas” que dão
vazão à re-produção da desumanização, da inautenticidade. Avisamos que dói, é
trabalhoso e não dá para constar no currículo, mas vale cada fibra de si devotada nesse
processo para dar um novo sentido vivo e eficaz de humanidade à Terra. É um aviso
para aqueles que intentam abortar as possibilidades de outras sociabilidades e
sensibilidades na construção crítica de nossa humanidade em detrimento das relações
assimétricas de poder que compõem a “moral e os bons costumes” de um senso comum
cooptado. Infelizmente há muitos destes, e alguns sem o sabê-lo. Nada que um bom
diálogo e um Cuidado (sorge) no estar-junto, por parte daquele que intenta assumir uma
atitude de ontologia crítica de si, para além da dicotomia política simplista
direita/esquerda, não dê jeito. Este texto tenta estar contemporâneo de sua atualidade.
Não vamos dizer que ele é um ato de heroísmo porque essa é uma atribuição que só
pode ser feita a posteriori. O corajoso e o temerário partem do mesmo impulso para
realizar o ato que os nomeará. “Se a coisa dá certo”, chamam-lhe corajoso. Agora, do
contrário, “se dá errado” o sujeito costuma passar à história como um temerário. Não
tememos os rótulos. Contra a sensatez, contra o afinco na construção de um
conhecimento prudente para uma vida decente, não há argumento de inautenticidade
que se mantenha. Aquele que tenta, acaba por se mostrar, ou apreensivo de perder uma
posição que lhe garante um ganho a expensas do sistema vigente, ou insensível para o
quanto de humanidade e de crescimento mútuo nós podemos experimentar se assim nos
permitirmos. Para as primeiras pessoas, agora temos a lei ao nosso lado que nos
admoesta a seguir pensando e agindo efetivamente na transformação dos fazeres
institucionais escolares, para as segundas, temos o diálogo aberto, e quando este falha, a
paciência na certeza de que “se eu tão somente puder tocá-lo por esta vivência...”.
Já dissemos, não haverá conclusão. Nós e vocês concluímos, de fato, por
meio da práxis. Bem, além da maioria dos autores que neste texto foram citados, os
quais, achamos, dividem conosco alguns dos pontos não tão ortodoxos acima
apresentados, saibam vocês que podem contar com ao menos mais duas pessoas nessa
empreitada. Tomar parte na educação constituidora de alguém é, sempre, um caminho
de mão dupla. Crescemos juntos11.
1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados,ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
11
Agradecemos à poetisa Dheyne de Souza pela correção do texto e aos
organizadores do livro. Obrigado por não retrocederem.
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
***
Sapere Aude!
***
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO: