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Eu cansei de mim, pode?

Eu cansei da cor dos cabelos, dos olhos e pele, das curvas do corpo envelhecido e das
mudanas que nunca alcanam outro nvel, outro estgio da vida. Estou empacada em mim.
Eu sou a mesma figura desinteressante que acorda ao meio-dia, todos os dias. Que no sabe o
que quer, no sabe aonde vai, no sabe pra que veio.
Ano passado veio a surpresa: a vida parou na esquina e me encontrei comigo. Amorfa, to sem
graa, to estpida, sem fundamento. Eu olhei bem pra mim, de cima a baixo, e do contrrio
tambm. Eu procurei no avesso, no convexo e no recncavo. NADA.
Eu nunca tinha me visto assim to vazia. Foi de tremer nas bases e ficar sem cho. Eu j no
sabia nada de mim.
O embate social era ento ainda pior. Mais do que referncias de pessoas que eram e se
sabiam. Eu via em todo canto que eu no sabia de mim, que eu havia fugido, mudado de
cidade e por coincidncia fatal eu ainda estava l e no era eu, no era mais ningum.
Encontrar as pessoas me incentivava a evit-las, como se evitasse a mim mesma, como se
evitasse esse encontro escuro com o vazio de no saber o que dizer ou como reagir. Estagnei.
Eu parei ali na esquina e continuo olhando aquele ser antropolgico que se pode vender no
mercado, ou fantasiar num circo, mas que no significa nada.
Deixei de ter valor lxico e semntico, de representar as letras da palavra que chamam meu
nome. De ter reflexo no espelho e traos fotognicos reconhecveis.
Eu me perdi. Entre um pulo e outro no abismo, eu fiquei pra trs, como sombras na caverna.
No que eu no seja ningum. EU SOU NIGUM. O ningum que pensei que nunca chegaria a
ser.

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