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Mrio de Andrade, em Paulicia desvairada (1921)

ODE AO BURGUS

Eu insulto o burgus! O burgus-nquel,
o burgus-burgus!
A digesto bem-feita de So Paulo!
O homem-curva! o homem-ndegas!
O homem que sendo francs, brasileiro, italiano,
sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os bares lampies! os condes Joes! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-ris fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francs
e tocam o Printemps com as unhas!
Eu insulto o burgus-funesto!
O indigesto feijo com toucinho, dono das tradies!
Fora os que algarismam os amanhs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Far Sol? Chover? Arlequinal!
Mas chuva dos rosais
o xtase far sempre Sol!
Morte gordura!
Morte s adiposidades cerebrais!
Morte ao burgus-mensal!
ao burgus-cinema! ao burgus-tlburi!
Padaria Sua! Morte viva ao Adriano!
Ai filha, que te darei pelos teus anos?
Um colar. . . Conto e quinhentos!!!
Mas ns morremos de fome!
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! pure de batatas morais!

Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
dio aos temperamentos regulares!
dio aos relgios musculares! Morte e infmia!
dio soma! dio aos secos e molhados!
dio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posio! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
dio e insulto! dio e raiva! dio e mais dio!
Morte ao burgus de giolhos,
cheirando religio e que no cr em Deus!
dio vermelho! dio fecundo! dio cclico!
dio fundamento, sem perdo!

Fora! Fu! Fora o bom burgus!. . .

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